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Efeitos patrimoniais da separação de fato
A separação de fato é, indubitavelmente, uma realidade na sociedade brasileira contemporânea. A pesquisa de registro civil, realizada pelo IBGE[1] nos anos de 2006 e 2007, de forma indireta e relativa, aponta que apenas nesses dois anos em análise, pelo menos, meio milhão de brasileiros formavam o conjunto de separados de fato.
Explica-se: a informação sobre o quantitativo de casais separados de fato é indireta, porque não há a pergunta "é separado de fato?", tampouco há esta opção como uma das respostas as perguntas formuladas. Assim, a referida pesquisa informa o quantitativo de casais separados de fato que procuraram o judiciário (ou a via extrajudicial) a fim de formalizarem o fim dos seus matrimônios. Por este mesmo motivo diz-se que a informação é relativa, mais precisamente, ao total de pessoas que buscaram as vias próprias para por termo aos deveres conjugais, via separação judicial ou extrajudicial, ou para dissolver a sociedade conjugal, através do divórcio.
A aparente incompletude da pesquisa reflete, em verdade, o vácuo legal para o tratamento daqueles que, apesar de formalmente casados, não comungam mais dos mesmos planos de vida, havendo já sido desfeita a affectio maritalis.
Separado de fato, como a expressão bem indica, qualifica uma situação informal, fática que, ainda que mencionada em alguns dispositivos jurídicos, não foi regulamentada pelo ordenamento. Conseqüentemente, separado de fato não é um estado civil e, não sendo, não é objeto da pesquisa do IBGE e, por isso, tem-se notícia apenas daqueles que buscaram formalizar esta situação, como já mencionado.
Apesar das observações tecidas sobre a base de dados do IBGE, especialmente no que tange ao seu caráter relativo, a mesma é de fundamental importância para denunciar uma situação que carece de um tratamento jurídico adequado. A saber, 40% das separações judiciais não consensuais em 2006 tiveram por natureza e fundamento da ação a separação de fato, tendo este percentual crescido em 3 pontos no ano de 2007 (ver Tabela 1 abaixo).
2006 |
2007 | |||
Consensual |
77346 |
76% |
66764 |
73% |
Não-consensual |
24222 |
24% |
24960 |
27% |
-Separação de fato |
9705 |
40% |
10706 |
43% |
-Conduta desonrosa / grave |
14265 |
59% |
14184 |
57% |
-Grave doença mental |
63 |
0% |
70 |
0% |
Total |
101820 |
100% |
91743 |
100% |
Além disso, como pode ser observado na Tabela 2, 70% (69% para o ano de 2007) do total dos divórcios concedidos em 1ª instância no ano de 2006, foram na modalidade direto que, nos termos do parágrafo 2º do artigo 1580 do Código Civil de 2002, requer, pelo menos, 2 anos de separação de fato.
Por fim, ainda que não se saiba exatamente o contingente populacional que vivencie a situação de separação de fato, os dados do IBGE apontam que, pelo menos, meio milhão de brasileiros terminaram uma situação de separação de fato nos anos de 2006 e 2007. Ressalta-se que esse quantitativo representa tão somente o somatório das ações de separação judicial fundamentada na separação de fato e de divórcio direto concedidos em 1ª instância, multiplicado por dois por motivos que dispensam maiores explicações. Destaca-se que não foi considerada a presença de filhos, embora estes possam também ter seus interesses diretamente afetados pela informalidade da separação de fato, assim como não foram consideradas as separações e os divórcios concedidos em segunda instância.
2006 |
2007 | |||
Divórcio Direto |
113680 |
70% |
104702 |
69% |
- consensual |
77951 |
69% |
67479 |
64% |
- não consensual |
35553 |
31% |
37092 |
35% |
Divórcio Indireto |
48504 |
30% |
47560 |
31% |
- consensual |
30608 |
63% |
27912 |
59% |
- não consensual |
17801 |
37% |
19557 |
41% |
Total de divórcios |
162 244 |
100% |
152291 |
100% |
Atenta a realidade sinteticamente apresentada acima, o presente estudo tem por fim analisar alguns dos possíveis efeitos patrimoniais da separação de fato. Por certo que não se tem a pretensão de esgotar o assunto, mas tão somente, a de apontar algumas situações de âmbito patrimonial controvertidas, decorrentes da não regulamentação da separação de fato. Assim, o presente artigo encontra-se dividido em 8 seções, incluindo esta breve introdução, assim como as referências bibliográficas, apresentadas ao final. Na seção II trata-se em termos teóricos, da separação de fato, enfatizando os seus requisitos e características. Não seção III são apresentados os pressupostos teóricos segundo os quais será desenvolvida a análise do tema central. As seções IV a VI apresentam algumas implicações da falta de regulamentação da separação de fato em situações selecionadas. E, por fim, na seção VII, à guisa de conclusão, são tecidas as considerações finais.
II. SEPARAÇÃO DE FATO:
Separado de fato, como já mencionado na introdução, não constitui um estado civil, ao contrário, permite a coexistência muitas vezes conturbada, do estado civil de casado, com a realidade fática da separação. Entretanto, o fato de a aquisição (ou alteração) do estado pessoal civil decorrer em regra de ato público, não obsta que se reconheça a posse de estado, enquanto elemento hábil a sanar os defeitos do título do estado. O recurso à posse de estado tem sido cada vez mais utilizado no âmbito das relações familiares em relação à filiação sócio-afetiva (posse do estado de filho) e à união entre um homem e uma mulher com intuito de constituição de família (união estável).
Nesse contexto, PERLINGIERI[2] enuncia que o estado de cônjuge pode ser deduzido essencialmente do fato de duas pessoas terem vivido como marido e mulher, embora outros requisitos sejam necessários. A posse de estado de cônjuge é traduzida no ordenamento brasileiro pela relação companheiril estabelecida entre um homem e uma mulher, dotada de certas características que a qualificam como união estável, reconhecida constitucionalmente como entidade familiar (Art. 226, §3º, CF/88). Contrario sensu, pode-se vislumbrar a posse de estado de separado. No entanto, a relação fática e informal de constituição de entidade familiar é reconhecida e regulamentada pelo ordenamento jurídico, sendo os seus efeitos explicitados pela norma, enquanto que em relação à separação de fato isto não se verifica.
Consigna-se que a separação de fato, após a Constituição de 1988, deixou de ser tão somente um requisito autorizador da separação judicial e do divórcio direto, sem contar que recebeu tratamento, ainda que indireto, da norma infraconstitucional em diversas passagens[3]. Assim, o que se constata é que o legislador ainda não disciplinou devidamente a matéria, deixando um grande espaço para a construção doutrinária e jurisprudencial.
Nesse sentido, resta a configuração da posse de estado de separado, assim como a sistematização dos efeitos desta situação, à medida que, da mesma forma que não são reconhecidos todos os efeitos do casamento à união estável, também não se pode pretender que todos os efeitos da separação, judicial ou extrajudicial, sejam reconhecidos na separação de fato.
Em relação à primeira questão, ou seja, a configuração da posse de estado de separado, a doutrina já caminhou bastante na direção da sua caracterização, de tal sorte que será adotada a sistematização já desenvolvida por GAMA[4].
II.1. CONFIGURAÇÃO, CARACTERÍSTICAS E REQUISITOS DA SEPARAÇÃO DE FATO
Com base no referencial teórico citado, a configuração da separação de fato ou do estado de separado pressupõe o preenchimento de cinco características, além de alguns requisitos objetivos e subjetivos.
As características configuradoras da separação de fato são: i) o objetivo de dissolução da sociedade conjugal, entendido como o fim do projeto familiar com o desfazimento da comunhão plena de vida; ii) a instabilidade, ou melhor dizendo, a estabilidade da instabilidade, observada quando a união mostra-se apta a ser dissolvida durante o transcurso de, pelo menos, 1 ano (Art. 1572, §1º, CC - separação-falência); iii) a continuidade do propósito de desfazimento da vida em comum (ausência de reconciliação), materializado pela não convivência; iv) a notoriedade da separação do casal, no sentido de a mesma ser de conhecimento do grupo social no qual estão inseridos; e, a ausência de formalismo, que significa "inexistência de qualquer medida judicial relacionada diretamente à dissolução da sociedade conjugal, sequer em sede cautelar (separação de corpos)"[5].
Os requisitos objetivos para a configuração da separação de fato são, a rigor, aqueles exigidos para a separação formal, judicial ou extrajudicial, e a posterior conversão da mesma em divórcio, ou seja, são aqueles que ensejam a dissolução da sociedade conjugal.
Neste sentido, o primeiro requisito objetivo é um casamento válido, apesar de ser possível o reconhecimento da separação de fato em relação aos casamentos nulos e anuláveis antes da sentença de nulidade ou de anulação, desde que finda a coabitação e presentes as demais características, a fim, por exemplo, de afastar a presunção de paternidade. Diante de um casamento inexistente, ou seja, entre pessoas do mesmo sexo, ou celebrado sem o consentimento de pelo menos uma das partes ou por quem não tivesse competência para tal, não há que se falar em separação de fato.
A superveniente falta de comunhão de vida é o segundo requisito objetivo, à medida que a família funcionalizada se justifica e identifica pela comunhão plena de vida e pelo afeto em um ambiente democrático, ou seja, uma vez substituída a idéia de família-instituição pela de família-instrumento, a comunhão de vida torna-se requisito fundamental. A falta de comunhão de vida é caracterizada pela ausência de comunhão física (débito conjugal); financeira (dever de contribuição decorrente do regime primário patrimonial das relações familiares durante a fase fisiológica da família); e, pela ausência de comunhão espacial, consistente na residência no mesmo teto, sendo que esta última pode ser relativizada. Ou seja, a residência comum não impede a configuração da separação de fato, desde que a causa dessa coincidência esteja dissociada de um projeto conjugal. Por fim, o artigo 1573 do Código Civil enumera alguns motivos que podem ensejar a impossibilidade da comunhão de vida.
O lapso temporal de separação fática constitui também um dos requisitos objetivos para a separação de fato, no sentido do que já foi exposto de evidenciar a continuidade da instabilidade da relação, denotando que a mesma está apta a ser dissolvida. Importante destacar que a separação não pode ter por causa um justo motivo (quarto requisito objetivo), como uma internação hospitalar, afastamento do lar em decorrência de guerra ou de obrigações profissionais, por exemplo. Sobre o requisito em comento cabe a observação de que a separação pode ter inicialmente como causa um justo motivo, mas, pode se prolongar a permitir a presença de todos os demais requisitos e configurar a separação de fato[6], ou seja, pode também ser relativizada. Por fim, pode-se ainda remeter ao requisito consistente na ausência de óbice à dissolução da sociedade conjugal, conhecido como cláusula de dureza, previsto no artigo 6º da Lei 6.515, de 1.977 e não repetido no atual Código Civil.
III. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS PARA O TRATAMENTO DOS EFEITOS PATRIMONIAIS DA SEPARAÇÃO DE FATO
No ordenamento jurídico brasileiro não há regra específica regulando as situações decorrentes da separação de fato. Assim, o primeiro desafio que surge diz respeito à unidade da família durante este momento. Esclarece-se que a unidade é aqui entendida como a igualdade substancial entre os cônjuges[7]. Assim, o pano de fundo de todo o estudo que se apresenta é a preocupação na delimitação do papel extramatrimonial da unidade da família, especialmente, enquanto "instrumento para a atuação do respeito, pleno e integral, da personalidade dos cônjuges e da prole"[8] na fase patológica da relação.
A idéia central de unidade da família impõe o reconhecimento de que o conjunto das relações conformadoras da comunidade familiar subsiste, em maior ou menor grau, ao próprio casamento. Esta observação é de fundamental importância para a análise das situações patrimoniais durante a separação de fato, especialmente quando se reconhece a existência de um regime primário fundamental e inderrogável das relações patrimoniais familiares, apto a atribuir obrigações de assistência e de colaboração entre os membros da comunidade familiar[9].
O regime primário das relações patrimoniais familiares identifica-se com o dever de contribuição atribuído a cada um dos membros da comunidade familiar, e exercido em função da família. No ordenamento pátrio está expresso no artigo 1566 do Código Civil, fundamentado pelos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da solidariedade social.
Esse dever de contribuição não deve ser analisado em relação à sua estrutura, não identificando-se, portanto, com um dever de manutenção recíproca. Mas sim, em razão da sua função, consistente na provisão das necessidades da família através da contribuição dos seus membros em consonância com as capacidades de cada um.
PERLINGIERI[10] afirma que o regime primário das relações patrimoniais familiares é inderrogável e dotado de ultra-atividade, subsistindo nas fases patológicas das relações familiares, assim como nas separações e nos divórcios. Acredita-se que este regime fundamente, dentre outros, o dever de mútua assistência transladado no dever de alimentos quando da separação e/ou divórcio e, principalmente, deva orientar a administração dos bens quando da separação formal ou de fato.
A partir dos pressupostos teóricos expostos e, tendo em vista a inexistência de regramento jurídico próprio acerca dos efeitos decorrentes da separação de fato, serão analisadas algumas situações controvertidas decorrentes deste estado, utilizando-se sempre que couberem os efeitos patrimoniais da separação formal - judicial ou extrajudicial - como paradigma. Não se pretende esgotar o assunto, que será tratado em termos exemplificativos, tão pouco solucionar as questões. Ao contrário, o objetivo é apontar situações conflitantes, ou seja, enumerar problemas.
IV. SEPARAÇÃO DE FATO E REGIME DE BENS
Dentre as conseqüências necessárias do casamento, há o regime de bens, ou seja, o regramento patrimonial que irá vigorar na constância do matrimônio, seja em relação aos cônjuges, seja em relação a estes e a terceiros.
O regime de bens consiste no "conjunto de regras que tutelam os interesses patrimoniais da sociedade conjugal, regulando as relações patrimoniais entre os cônjuges, e entre os terceiros e a sociedade conjugal"[11].
Independentemente de qual seja o regime de bens, legal ou convencional, perdurará enquanto vigorar o casamento, extinguindo-se com a sociedade conjugal que, nos termos do artigo 1571 do Código Civil se dará por morte de um dos cônjuges, pela nulidade ou anulação do casamento, pela separação judicial ou pelo divórcio.
Entretanto, salvo na hipótese de morte de um dos cônjuges, muitas vezes ocorre o fim da comunhão de vida sem que a sociedade conjugal esteja dissolvida, ou mesmo formalmente desfeita. Nestes casos, "como ficarão os bens adquiridos individualmente pelos separados de fato? Aplica-se a eles o regime de bens adotado por ocasião do casamento? Haverá partilha igualitária de tais bens se vigorava o regime da comunhão?"[12].
Em razão dos pressupostos da unidade da família, do regime primário das relações patrimoniais familiares e da função social da família, o princípio segundo o qual o regime de bens termina com a dissolução da sociedade conjugal, radicado no artigo 1576 do Código Civil não pode ser interpretado literalmente. O pressuposto da unidade da família é corroborado pelo método empírico: as relações, inclusive as patrimoniais subsistem ao casamento, sendo imprescindível que nesta fase seja mantida a igualdade substancial e não meramente formal dos cônjuges, em seus direitos e deveres decorrentes da relação conjugal finda.
Conseqüentemente, o segundo pressuposto impõe correição na administração dos bens que deve ser pautada no dever de contribuição. Assim, os bens adquiridos na constância real do casamento devem ser partilhados em observância ao regime de bens adotado e, os bens adquiridos durante a separação de fato, por não decorrerem do esforço comum, uma vez cessado o dever de contribuição, devem ser resguardados em sua integralidade a quem os adquiriu.
Já o pressuposto da função social da família, embora indique a mesma solução, o faz sob o fundamento do papel da família constitucionalizada que adquire uma nova concepção, a de família-instrumento, serviente ao desenvolvimento de seus membros. Sob esse fundamento, GAMA[13] (2008, pg. 172) afirma que: "caso tenha ocorrido a separação de fato dos cônjuges, não há mais, na contemporaneidade, como admitir a comunicação de bens ou a participação nos ganhos obtidos na época em que já cessou a convivência do casal".
Por fim, argumento comumente utilizado em defesa da incomunicabilidade dos bens adquiridos durante a separação de fato, muito provavelmente por ser um dos princípios mais importantes na dogmática civilista tradicional, é o princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, positivado, sob a forma de cláusula geral, no artigo 884 do novo Código Civil brasileiro[14].
Em que pese o princípio da vedação do enriquecimento sem causa expressar a ótica patrimonialista do Direito Civil, não se pode olvidar que se adéqua a situação familiar em contento, apesar de considerar-se que os pressupostos da unidade familiar, do regime primário patrimonial das relações familiares e, sobretudo, o da função social da família, sejam suficientes.
Nessa linha de argumentação, o enriquecimento sem causa seria uma fonte genérica de obrigações[15], configurada a partir do preenchimento de três requisitos: i) existência de um enriquecimento; ii) obtenção desse enriquecimento à custa de outrem; e, iii) ausência de causa justificativa para o enriquecimento. A construção com fulcro no princípio da vedação do enriquecimento sem causa deriva do entendimento de que se um dos consortes não contribuiu para o incremento patrimonial, haja vista o anterior desfazimento da comunhão de vida e, este bem vier a ser com ele partilhado, haverá um enriquecimento que, por não decorrer (nem mesmo indiretamente) de esforço seu, será à custa de outrem. Por fim, se não havia mais a comunhão plena de vida e, não tendo o cônjuge beneficiado empenhado esforços para o incremento patrimonial, inexistirá justificativa para tal enriquecimento.
Algumas soluções para o problema dos bens adquiridos durante a separação de fato já foram propostas pela doutrina a partir de uma leitura e aplicação sistêmica do ordenamento.
OLIVEIRA[16] recorre ao art. 8º da Lei 6515/77, que dispõe sobre o efeito retroativo para fins de partilha e segregação patrimonial da decisão que tiver concedido a separação cautelar ou da sentença que julgar a separação, aduzindo que:
"Pela mesma razão ontológica que inspirou esse dispositivo, possível afirmar que refogem à partilha os bens adquiridos individualmente por este ou aquele cônjuge, sem mútua colaboração, após longo tempo de separação de fato do casal, mesmo sem prévia medida cautelar".
A idéia nuclear de que os bens adquiridos na constância do casamento pertencem a ambos os cônjuges (casados em regime comunitário) repousa na presunção de colaboração entre os consortes na formação do acervo, sendo esta presunção afastada quando da cessação da convivência, seja ela por medida cautelar de separação de corpos, por separação judicial ou por separação de fato. Em trabalho mais recente retoma a discussão, afirmando:
"Diante da separação de fato, cada um passando a agir isoladamente na prática do esforço para aumento do patrimônio, não faz sentido, a não ser por puro rigor formal, exigir partilha dos bens dos separados de fato, especialmente quando já tenham constituído novas uniões"[17].
GAMA[18] propõe que o artigo 1683 do Código Civil[19], que disciplina o regime da participação final nos aquestos, seja interpretado como uma disposição geral e, assim, aplicável a todos os regimes de bens.
"Cabe, pois, à doutrina e à jurisprudência interpretar que a regra constante do art. 1683 do Código Civil, na realidade, é uma disposição geral, aplicável, portanto, a todos os regimes de bens, e não apenas ao regime de participação final nos aquestos, sob pena de violação aos princípios e postulados constitucionais, além de ser clara hipótese de descumprimento do princípio que veda o enriquecimento sem causa. A regra deve, pois, ser aplicada aos regimes de comunhão (parcial e universal), não se podendo mais cogitar do ingresso dos bens adquiridos, no período de separação de fato, à massa dos bens comuns do casal"
FARIAS E ROSENVALD[20] defendem a incomunicabilidade de bens após a separação de fato com base no permissivo legal de constituição de união estável durante a separação de fato (Art. 1723, §1º, CC), vigorando no caso o regime da comunhão parcial de bens (Art. 1725, CC). Entendem que, se a separação de fato não ensejar o fim do regime de bens do matrimônio, haverá a possibilidade de dois regimes coexistindo e, assim a dupla comunicabilidade de bens. Neste sentido, lecionam:
"É sempre oportuno lembrar que o estado de comunhão universal somente perdura enquanto o casal estiver convivendo e, via de conseqüência, houver colaboração recíproca. Cessada a ajuda mútua pela separação de fato, não mais se comunicam os bens adquiridos individualmente, bem como não se dividem as obrigações assumidas por cada um. (...). Ademais, o art. 1.723, § 1º, do próprio Código Civil, reconheceu a possibilidade de constituição de união estável entre pessoas ainda casadas, porém separadas de fato. Em acréscimo, o art. 1.725 mandou aplicar as regras da comunhão parcial nas uniões estáveis. Diante desse quadro, considerando que o separado de fato já pode estar em união estável, inclusive comunicando os bens adquiridos onerosamente, somente se pode concluir que a simples separação de fato é suficiente para cessar a comunhão de bens".
O STJ tangenciou esta questão em um julgado de agosto de 2001, no qual a controvérsia versava exatamente sobre a possibilidade ou não de uma mulher separada de fato participar da meação do patrimônio constituído em uma união estável, durante o período de separação fática. Em primeira instância foi reconhecida a sociedade de fato e determinada a partilha dos bens adquiridos. O Tribunal de Justiça de São Paulo reformou a sentença, sob o argumento da incompatibilidade de duplo regime de bens, à medida que a autora era casada e meeira do marido, tendo adquirido no período de separação fática e união estável parte ideal de um apartamento com o marido, logo, não poderia pleitear também a meação dos bens adquiridos também durante o período de convivência na união estável.
A Terceira Turma do STJ, sem enfrentar a questão suscitada acerca da duplicidade de regimes, conheceu por unanimidade do recurso, nos termos da ementa:
Ementa. União estável. Partilha de bens. Mulher separada de fato. Precedentes da Corte.
1. Provada a separação de fato e a longa e estável união, cabível é que a mulher partilhe os bens adquiridos durante a convivência, não impedindo tal pretensão a circunstância de não ter havido a separação judicial.
2. Recurso especial conhecido e provido.
(STJ. Resp N° 202.278 - SP, Rel. Carlos Alberto Menezes Direito, julg. 17/05/2001).
Recentemente o STJ se posicionou sobre outra questão controvertida, envolvendo a comunicabilidade de bens herdados por um dos cônjuges durante a separação de fato. A lide envolvia um casal formalmente unido sob o regime da comunhão universal de bens, e já separado de fato há mais de 6 anos, período no qual o marido constitui, inclusive nova união estável. A esposa pleiteava a meação dos bens herdados pelo marido. Foi reconhecida a incomunicabilidade deste acervo, sendo evocado para tal o princípio da vedação ao enriquecimento sem causa. Além disso, foi suscitada a incompatibilidade de manutenção de dois regimes de bens, face ao permissivo legal do artigo 1725 do Código Civil sobre a constituição de união estável por pessoa separada de fato, como depreende-se da ementa abaixo trasncrita:
EMENTA: Direito civil. Família. Sucessão. Comunhão universal de bens. Inclusão da esposa de herdeiro, nos autos de inventário, na defesa de sua meação. Sucessão aberta quando havia separação de fato. Impossibilidade de comunicação dos bens adquiridos após a ruptura da vida conjugal. Recurso especial provido.
1. Em regra, o recurso especial originário de decisão interlocutória proferida em inventário não pode ficar retido nos autos, uma vez que o procedimento se encerra sem que haja, propriamente, decisão final de mérito, o que impossibilitaria a reiteração futura das razões recursais.
2. Não faz jus à meação dos bens havidos pelo marido na qualidade de herdeiro do irmão, o cônjuge que encontrava-se separado de fato quando transmitida a herança.
3. Tal fato ocasionaria enriquecimento sem causa, porquanto o patrimônio foi adquirido individualmente, sem qualquer colaboração do cônjuge.
4. A preservação do condomínio patrimonial entre cônjuges após a separação de fato é incompatível com orientação do novo Código Civil, que reconhece a união estável estabelecida nesse período, regulada pelo regime da comunhão parcial de bens (CC 1.725)
5. Assim, em regime de comunhão universal, a comunicação de bens e dívidas deve cessar com a ruptura da vida comum, respeitado o direito de meação do patrimônio adquirido na constância da vida conjugal.
6. Recurso especial provido.
(STJ, REsp. 555.771/SP. Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em: 05/05/2009)
Coaduna-se com as soluções já propostas, ressaltando que entende-se que os bens adquiridos durante a comunhão de vida, ou seja, durante somente a convivência conjugal, devam ser partilhados em observância ao regime de bens adotado, excluindo-se do acervo os bens adquiridos por apenas um dos consortes quando já separados de fato, independentemente do regime de bens. Em verdade, essa é a solução já aplicada, a contrario sensu, para os casos de união estável, onde se reconhece a comunhão dos bens adquiridos na constância da relação companheiril. O que se propõe é apenas que seja dispensado aos separados de fato, em relação ao acervo patrimonial amealhado na constância da vida em comum e após esta, o mesmo tratamento dado aos separados e/ou divorciados judicial ou extrajudicialmente, no que diz respeito à comunicabilidade.
IV.1. CASOS SELECIONADOS:
i) Quitação do financiamento de imóvel após a separação de fato do casal
Controvérsia comum em decorrência da interpretação que se dê ao tempo do término do regime de bens, diz respeito à partilha de imóvel adquirido através de financiamento quitado após a separação de fato. Se aplicada interpretação literal ao artigo 1571 do Código Civil, o financiamento quitado durante a separação de fato deverá ser partilhado segundo as regras do regime de bens do casamento. Já a interpretação sistêmica e funcionalizada impõe o reconhecimento do fim do regime de bens quando da separação de fato e, conseqüentemente, só as parcelas pagas na constância real e efetiva do matrimônio é que deverão ser partilhadas segundo o regramento patrimonial do casamento.
A jurisprudência majoritária entende pela incomunicabilidade das parcelas pagas após a separação de fato, salvo se provado que ambos contribuíram para aquisição do bem, como depreende-se do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro em apelação cível de relatoria do Desembargador Mario Robert Mannheimer, julgada em março de 2008[21].
O recurso versava sobre inventário e partilha de bem imóvel adquirido mediante promessa de compra e venda, com a quitação do financiamento após a separação de fato. O pedido era que fosse deferida a meação do imóvel na proporção de 50% ou que fosse observada a data da separação judicial como termo inicial para o fim do regime de bens. O Tribunal confirmou a sentença, se posicionando pela incomunicabilidade dos bens a partir da data da separação de fato ao fundamento de que "os bens adquiridos ao longo da separação de fato do casal não integram a comunhão, por não haver qualquer contribuição em comum a justificar a meação, caso contrário haveria enriquecimento sem causa do cônjuge virago". Assim, foi deferida a meação em igual proporção somente em relação às parcelas pagas na constância do casamento, afastando a meação em relação às parcelas pagas por um dos cônjuges apenas[22].
O Superior Tribunal de Justiça, já se posicionou pela incomunicabilidade dos bens, entendendo que os bens adquiridos por apenas um dos cônjuges, após a separação de fato, não integram a partilha[23].
ii) Locação
O reconhecimento e a disciplina da separação de fato em matéria locatícia destoam do que é usualmente observado no ordenamento jurídico. A Lei 6.649, de 1979, tratou do assunto no parágrafo 1º do artigo 13, que determinava que o cônjuge que, durante a separação de fato, permanecesse no prédio sub-rogava-se na locação. Posteriormente, a Lei 8.245, de 1991, praticamente repetiu o regramento. Cumpre observar, no entanto, que na lei nova, a hipótese de separação de fato inaugura o caput do artigo 12[24], demonstrando a sensibilidade do legislador para a realidade social.
A regra contida nesse artigo determina que a locação prosseguirá automaticamente com o cônjuge que permanecer no imóvel, tratando-se, pois, de sub-rogação legal, independente da anuência do locador, o que corrobora a tese de que a relação locatícia é firmada no intuito familiar[25]. Sobre este aspecto, CAPANEMA[26] adverte que o dispositivo não deve ser interpretado literalmente, já que a sub-rogação não é obrigatória, podendo o locatário original, mesmo após deixar o imóvel, permanecer como o responsável pela locação.
Entretanto, a lei prevê, no parágrafo único do mesmo dispositivo, a comunicação por escrito ao locador, a fim de que a sub-rogação produza efeitos em relação a terceiros. Entende-se que o dever de comunicação decorra da função integrativa da boa-fé objetiva, que por si só estabelece uma obrigação acessória de agir segundo a probidade durante toda a execução do contrato. E, também, do princípio da função social do contrato, especialmente na sua eficácia interna, atendendo aos interesses privados dos contratantes.
Dentre as possíveis aplicações práticas desse dispositivo, cita-se o efeito da comunicação em relação à garantia locatícia. Assim, se é verdade que a sub-rogação opera-se de pleno direito, também o é de que se a fiança dada em garantia à locação for pessoal àquele que se excluiu da relação contratual, e sendo acessória, será também extinta. Assim, "a comunicação exigida pela lei tem a finalidade de possibilitar ao locador que exija novo fiador"[27]. Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou:
Ementa: Locação. Separação judicial. Sub- rogação legal. Comunicação escrita. Nova garantia. Inteligência do art. 12, parágrafo único da lei n. 8.245/91.
- Na hipótese de separação de fato, separação judicial, divórcio ou dissolução da sociedade concubinária, o contrato de locação prorroga-se automaticamente, transferindo-se ao cônjuge que permanecer no imóvel todos os deveres e direitos relativos ao contrato.
- A comunicação por escrito sobre a sub-rogação visa, exclusivamente, a garantir ao locador o oferecimento de novo fiador ou nova garantia, não se podendo responsabilizar o ex- marido pelos débitos posteriores à separação judicial. (STJ. Resp N° 187.500 - SP, Rel. Min. Vicente Leal, julg. 17/05/2001).iii) Separação de fato e bem de família
A tutela do bem de família, embora já fosse prevista no Código Civil de 1916, só ganhou efetividade após a promulgação da Lei 8009/90[28], que alterou a disciplina do bem de família de voluntária para legal.
A interpretação jurisprudencial sobre o conceito de bem de família apresentou duas fases evolutivas em especial: na primeira, ocorreu o alargamento do conceito de família e o entendimento de ser a moradia o direito tutelado; na segunda, entendeu-se que a tutela do direito à moradia impunha o reconhecimento da penhorabilidade do bem de família do fiador.
Assim, no primeiro momento foi observado o alargamento do conceito[29], no sentido de se estender a proteção ao imóvel da pessoa solteira, ou, em outros termos, passou-se a tutelar para fins de impenhorabilidade do único imóvel residencial, a família unipessoal. MONTEIRO FILHO[30] entende que esse alargamento conceitual decorreu "do emprego dos valores constitucionais, da isonomia substancial, da tutela da dignidade humana e da solidariedade social".
Esta primeira fase evolutiva caminhou no sentido de tutelar o direito a moradia e não a família. Em um momento posterior, o Supremo Tribunal Federal[31], em um julgado polêmico, consagrou o entendimento de que o bem objeto de tutela pela Lei 8.009, de 1.990 é o direito a moradia, sendo, entretanto, possível a penhora do bem de família do fiador, já que tal posicionamento asseguraria o direito à moradia em espectro mais amplo, ou seja, para a toda a sociedade.
A controvérsia acerca da penhorabilidade ou não do imóvel do fiador não está diretamente inserida no objeto do presente estudo. Contudo, as lições retiradas do referido julgado do STF indicam um possível tratamento jurisprudencial a ser conferido nos casos envolvendo o reconhecimento do bem de família do separado de fato.
Recentemente o STJ enfrentou a questão no Recurso Especial 518.711/RO, de relatoria do Ministro Ari Pargendler, julgado pela 3° Turma em 19/08/2008. A questão nodal que foi discutida dizia respeito à possibilidade ou não de reconhecer dois imóveis como bem de família, já que em cada um deles residia um dos consortes separados de fato apenas.
Em primeira instância prevaleceu o entendimento de que a proteção somente deveria ser estendida ao imóvel no qual residia a ex-esposa com os filhos do casal, afastando, portanto, a proteção com relação ao imóvel no qual residia, sozinho, o marido. O Tribunal de Justiça manteve a sentença. O STJ entendeu que apenas um dos imóveis estaria protegido, sendo que houveram votos vencidos.
Assim como no julgado do STF acerca da penhorabilidade do bem de família do fiador prevaleceu, ao que nos parece, o interesse patrimonial dos locadores, ainda que revestido da tutela do direito social a moradia, no caso em comento, o STJ privilegiou também um interesse patrimonial, o dos credores.
A Ministra Nancy Andrigui, cujo voto foi empregado como relatório para fins de publicação do acórdão, afastou a impenhorabilidade um dos imóveis a partir de uma construção já ultrapassada pelos tribunais superiores, consistente no entendimento de que a Lei 8.009, de 1.990 protege a família, aduzindo:
"Com a mera separação de fato, - e a conseqüente sobrevivência da sociedade conjugal - teremos, do ponto de vista jurídico, uma família, e dois imóveis por ela utilizados como residência. Proteger ambos com a impenhorabilidade disposta na Lei nº 8.009/90 significaria ampliar demasiadamente o âmbito dessa Lei, frustrando-lhe, inclusive, o objetivo principal, que não é apenas o de proteger a família, mas o de protegê-la com justiça."
Os argumentos acima transcritos foram embasados na questão controvertida acerca do tratamento que deve ser conferido aos bens do casal separado de fato. Em observância a literalidade do artigo 1571 do Código Civil, a referida Ministra consignou o entendimento de que a totalidade dos bens permanece em propriedade do casal e, por isso, ambos os imóveis não poderiam ser objeto de proteção autônoma:
"Note-se: antes de apresentado o pedido de separação de corpos, ou de medida cautelar com esse fim, todos os bens do casal abrangidos pelo regime de bens permanecem da propriedade de ambos, em frações ideais. Não há um imóvel de propriedade do varão, e outro de propriedade da esposa, que possam ser objeto de proteção autônoma".
O Ministro Castro Filho acompanhou o voto da Ministra Nancy Andrigui, ressaltando ainda que estender a impenhorabilidade a ambos os imóveis de casais separados de fato "poderia propiciar burla à lei, facilitando a prática de fraudes". Já o Ministro Sidnei Beneti, além de corroborar os argumentos acima transcritos, destacou ainda a proteção da celeridade do processo de execução, afirmando que "a abertura dessa possibilidade de alargamento da impenhorabilidade significaria abertura de oportunidade de criação de incidentes processuais que levariam a mais uma hipótese de eternização do processo de execução".
Os Ministros Ari Pargendler e Humberto Gomes de Barros se posicionaram pelo reconhecimento da impenhorabilidade de ambos os imóveis, baseando o entendimento na proteção não da família apenas, mas sim, do direito à moradia. O principal argumento para afastar a tese da possibilidade de fraude, utilizado por ambos foi baseado na época da separação de fato, anterior ao processo executório.
A questão é difícil e os argumentos invocados merecem atenção. No entanto, no presente estudo, defende-se que melhor solução teria sido no sentido de reconhecer a impenhorabilidade de ambos os imóveis, já que esta coaduna-se com a tábua axiológica imposta pela Constituição Federal, consagrando, especialmente, a prevalência dos interesses existenciais aos patrimoniais.
V. SEPARAÇÃO DE FATO E DIREITO SUCESSÓRIO:
HIRONAKA[32] identifica três possíveis formas de partilhar o acervo hereditário do de cujus em razão do seu estado civil quando do óbito. A primeira hipótese identificada diz respeito ao fim do presente estudo e consiste na sucessão de quem era casado ou separado de fato há menos de dois anos, ou ainda, separado de fato, independente do tempo, desde que não por sua culpa.
"Nesta primeira hipótese (...) a sucessão se processa relativamente a uma pessoa casada e que assim permanecia, ou que, embora casada, estivesse separada de fato há menos de dois anos. Também se enquadram nessa hipótese aquelas pessoas que, mesmo estando separadas de fato há mais de dois anos, não tenham se separado por sua própria culpa, devendo disto fazer prova"[33].
A regra geral contida no artigo 1830 do Código Civil é de que os separados de fato há mais de 2 anos sejam afastados da sucessão, o que vai ao encontro da tese aqui defendida sobre a incomunicabilidade dos bens em decorrência da separação de fato, ainda que possam surgir críticas em relação ao lapso temporal requerido[34].
Entretanto, o referido dispositivo excetua a regra, assegurando ao cônjuge sobrevivente o direito sucessório condicionado a prova de não ter tido culpa pela ruptura da vida em comum[35]. Tal exceção é contraditória com o entendimento que vem sendo consolidado pela doutrina e jurisprudência sobre a suspensão do regime de bens quando da separação de fato[36], assim como sobre a desculpabilização nas relações familiares. Sobre a questão, MADALENO[37] assevera:
"Embora fosse do consenso geral não ser justo que alguém partilhe de bens surgidos durante a fase de separação fática que precede à extinção formal ou natural do casamento, sem qualquer explicação lógica, aparece o art. 1.830 do Código Civil conferindo ao consorte supérstite a titulação de herdeiro concorrente ou universal, embora a não-convivência, concedendo-lhe até dois anos depois da ruptura, a oportunidade de provar em dissenso judicial com descendentes, ascendentes e até colaterais, a sua inocência processual".
VELOSO[38], a partir de uma digressão histórica, identifica o retrocesso do dispositivo, ressaltando que o cônjuge sobrevivente que estava separado de fato do falecido era excluído da herança nas Ordenações Filipinas[39], tendo sido mantido esse entendimento na Consolidação das Leis Civis (art. 973).
A inclusão do elemento subjetivo da culpa, por si só, já é criticável. Não bastasse, trata-se de culpa funerária. Soma-se a isso a brecha criada para perquirições e questionamentos dispensáveis, como o formulado por MADALENO[40]: "E se o cônjuge, mesmo inocente, já estiver namorando ou mesmo vivendo com outra pessoa, conservará a áurea de absoluta inocência, e ainda assim subsistirá o seu direito sucessório?"
A reconstrução da vida afetiva não pode estar relacionada ao direito sucessório do cônjuge sobrevivente. Ao contrário, evidencia a incoerência da exceção prevista no artigo 1830, à medida que a introdução da concorrência sucessória do cônjuge com os ascendentes e descendentes tem como fundamento o fato de "o cônjuge ser o único componente estável e essencial, uma vez que os filhos, em um determinado momento, irão se desprender daquela entidade, formando a sua própria comunidade familiar"[41]. Ou seja, a introdução da concorrência sucessória do cônjuge decorre do reconhecimento legal do merecimento de tutela daquele que conviveu com o falecido, autor da herança, até o fim de sua vida[42]
Outrossim, a exceção privilegia a informalidade do término do casamento vis-à-vis os meios legalmente previstos de dissolução da sociedade conjugal. Ademais, visto que, independente do tempo da separação fática, o cônjuge sobrevivente será herdeiro se provar que não teve culpa pela separação e, além disso, se o regime de bens do casamento autorizar a sucessão poderá haver concorrência sucessória entre o cônjuge e o companheiro.
Por fim, merece atenção a questão do direito real de habitação do separado de fato.
V.1. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO
O direito real de habitação, consistente no direito sucessório do cônjuge sobrevivente de permanecer residindo no imóvel em que vivia com o falecido, não é uma novidade no ordenamento jurídico brasileiro. O instituto já era previsto no artigo 1.611, §2º do Código Civil de 1916, assim como no parágrafo único do artigo 7º da Lei 9.278 de 96 - esta última em relação aos companheiros. Entretanto, o Código de 2002 promoveu importantes alterações no instituto.
A primeira inovação introduzida pelo Código Civil de 2002 foi a ampliação dos contemplados pelo benefício em questão. Enquanto o Código Civil de 1916 só assegurava tal direito para o cônjuge supérstite casado sob o regime da comunhão universal de bens, o novo diploma não o condiciona ao regramento patrimonial adotado no casamento, à medida que o instituto "visa preservar as condições de vida do cônjuge sobrevivo, evitando que fique privado de sua moradia"[43]. Ressalta-se, porém, que foi mantida a exigência de que o imóvel utilizado para a moradia, sob o qual eventualmente incidirá o direito real de habitação, seja o único daquela natureza, ou seja, residencial, a inventariar.
Se, por um lado, o Código de Reale inovou não condicionando mais o direito real de habitação ao regime de bens, por outro, não disciplinou o exercício desse direito em razão da constituição de nova família[44], ensejando divergência doutrinária. Assim, há quem entenda que se trata de uma omissão legislativa, defendendo a tese de que o benefício durará somente enquanto o cônjuge sobrevivente não formar nova família, ou seja, permanecer viúvo e não constituir união estável[45], assim como, há quem entenda que não foi uma omissão do legislador, mas sim, uma opção no sentido de não limitar o exercício do direito[46]. Sobre este último posicionamento, merece destaque uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, julgado em 1992:
"Bens - Família - Direito de habitação - Coisa comum - Cônjuge supérstite - Configuração do direito real de habitação - Art. 1611, § 2º do CC - Cônjuge que não permaneceu em estado de viuvez - Irrelevância - Faculdade do beneficiário alojar no imóvel quem queira - Inexistência de obrigação de pagar aluguel - Inaplicabilidade, ademais, do preceito constitucional que tutela a união estável ao direito das coisas e obrigações."
(TJSP: AC no. 179483-2. Rel. Des. Dias Tatit. 9ª CCIV. Julg. 10/09/92.
Mais tormentosa torna-se a questão quando envolve os separados de fato. O artigo 1831 do Código Civil de 2002 dispõe que ao cônjuge sobrevivente será assegurado "o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar", não fazendo, pois, qualquer ressalva em relação à separação de fato. Assim, a princípio não há óbice para o reconhecimento desse direito aos separados de fato. Entretanto, uma interpretação sistêmica e funcionalizada impõe algumas ressalvas.
Inicialmente, dada a natureza sucessória do instituto, a interpretação do referido artigo 1831 deve estar em consonância com a do seu precedente que, como regra, exclui da sucessão o cônjuge separado de fato há mais de 2 anos, mantendo a sua condição de herdeiro se a separação fática for por tempo inferior. Conseqüentemente, como regra geral, entende-se que o cônjuge separado de fato há mais de 2 anos não terá direito real de habitação, ainda que habite no único imóvel de natureza residencial a ser inventariado, e, a contrario sensu, que o separado de fato há menos de 2 anos terá tal direito.
Contudo, a regra de exclusão do separado de fato da sucessão não é absoluta, comportando uma exceção legal, consistente na comprovação de que a separação não ocorreu por culpa sua. Assim, o separado de fato há menos de 2 anos e o cônjuge inocente pela separação de fato, independentemente da duração desta, manterão o direito sucessório, restando a indagação acerca da conservação ou não do direito real de habitação.
A melhor solução para esses casos não nos parece ser a decorrente do brocado "quem pode mais, pode menos", à medida que esta não se mostra coerente com a ratio da lei. Ressalta-se, no entanto, que não se advoga também pela solução contrária de negar sempre tal direito. Ao contrário, acredita-se que a solução deve ser casuística, em observância as peculiaridades do caso concreto, após a ponderação dos interesses contrapostos e com base em alguns parâmetros a serem desenvolvidos pela doutrina, como os que ousamos propor de forma exemplificativa.
O instituto visa à proteção da família que, nos termos do artigo 226 da Constituição Federal, inclui a formada pelo casamento, pela união estável, assim como a formada por qualquer dos genitores com sua prole. Além disso, a proteção diz respeito ao direito de moradia da família e, para esse fim, os Tribunais Superiores, enfrentando a questão da penhorabilidade ou não do bem de família do devedor solitário, já se posicionaram no sentido de que a pessoa que vive sozinha, seja ela solteira, viúva, divorciada ou separada, é também protegida. Conclui-se, pois, que se deve proteger também aquele que reside sozinho.
Estabelecido o objeto de tutela como a família e o seu direito a moradia, o reconhecimento ou não do direito real de habitação ao cônjuge separado de fato dependerá, em primeiro lugar, da constatação de quem detinha a posse direta do único imóvel de natureza residencial a ser inventariado, sendo possíveis 6 situações: i) o falecido residia só no único imóvel a inventariar; ii) o falecido residia com os filhos comuns no único imóvel a inventariar; iii) o falecido residia com uma nova família no único imóvel a inventariar; iv) o cônjuge sobrevivente, separado de fato, residia só no único imóvel a inventariar; v) o cônjuge sobrevivente, separado de fato, residia com os filhos comuns no único imóvel a inventariar; e, vi) o cônjuge sobrevivente, separado de fato, residia com uma nova família no único imóvel a inventariar.
Se o falecido vivia só (i), com os filhos (ii), ou com uma nova família (iii) no único imóvel a inventariar, pode-se presumir que o cônjuge sobrevivente resolveu a questão da sua própria moradia de forma diversa, não havendo razão, a princípio, para lhe garantir o direito real de habitação, especialmente inexistindo disputa judicial sobre a posse do bem[47]. Na última hipótese, ou seja, quando o falecido residia no único imóvel com uma nova família, devem ser ponderados direitos da mesma natureza, já que defende-se que o parágrafo único do artigo 7º da Lei 9.278[48] não foi revogado pelo Código Civil. Principalmente, nesse caso, acredita-se que o direito real de habitação do separado de fato há mais de dois anos deva ser afastado em favor do direito do companheiro sobrevivente. Se o ordenamento permite a constituição de uma nova família fundada no companheirismo, sem o desfazimento formal da anterior, não pode permitir que esta nova família seja menos protegida em decorrência de um permissivo legal.
Por outro lado, se era o cônjuge sobrevivente, separado de fato, quem residia sozinho (iv) ou com os filhos comuns no único imóvel a inventariar, defende-se que deve ser a ele assegurado o direito real de habitação. Por fim, a solução para a hipótese de o cônjuge sobrevivente, separado de fato, residindo com uma nova família no único imóvel a inventariar deve ser harmônica com a interpretação dada a opção legislativa de não mais condicionar o exercício do direito real de habitação ao estado de viuvez e da não constituição de união estável. Nesse ponto, coaduna-se com o entendimento do professor Silvio Venosa[49] que defende a aplicação literal do artigo 1.831 até que o Projeto 6.960[50] reinsira o requisito da permanência da viuvez e da não constituição de união estável, como condição para o benefício do direito real de habitação.
O Superior Tribunal de Justiça enfrentou situação análoga, no recurso especial 108.706, julgado em maio de 2.000. No caso, o cônjuge-varão, separado de fato há mais de 4 anos, pleiteava o usufruto vidual previsto no parágrafo segundo do artigo 1.611 do Código Civil de 1.916, estando na última hipótese fática enumerada acima (vi), ou seja, a falecida residia no único imóvel a ser inventariado com uma nova família. Destaca-se que o casamento era sob o regime da separação total de bens e que o imóvel pertencia exclusivamente a falecida.
O pedido foi indeferido em primeira instância, tendo sido agravada a decisão que foi provida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, aos argumentos principais de que o usufruto vidual não estaria condicionado a dependência econômica do supérstite, assim como de que a separação de fato não constituía causa suficiente para afastar tal direito. Interposto recurso especial, a Quarta Turma, por maioria, negou o direito ao usufruto vidual, conforme ementa abaixo transcrita.
Recurso especial. Direito civil e de família. Sucessão. Cônjuge supérstite. Usufruto vidual. Bens imóveis. Separação de fato. Art. 1611, § 1º do código civil. Descabimento. Peculiaridades de espécie.
- A separação apenas de fato do casal, à época do falecimento, não é causa suficiente para se negar ao cônjuge supérstite o direito ao usufruto vidual de um quarto dos bens do cônjuge extinto, nos termos do art. 1.611, § 1º, do Código Civil, pois casados sob o regime da separação total de bens.
- A presente espécie, todavia, traz a peculiaríssima circunstância de o casamento ter durado apenas três meses, não caracterizando a convivência do casal, que se encontrava separado de fato há mais de quatro anos.
- Ademais, os bens pertenciam exclusivamente à esposa falecida, tendo o cônjuge varão presumidamente vivido às suas custas e abandonado o lar amparado na expedição de alvará de separação de corpos.
- Recurso especial conhecido e provido.
(STJ. Resp N° 108.706 - RJ, 4ª Turma. Rel. Min. Barros Monteiro, julg. 04/05/2000).
O relator, Ministro Barros Monteiro, cujo voto foi vencido, construiu a sua tese defendendo o reconhecimento do usufruto vidual do cônjuge a partir do entendimento de que o instituto tutela a necessidade econômica do cônjuge sobrevivente, necessidade esta que não poderia ser presumidamente afastada pelo fato de não viver a expensas do falecido, o que nos parece contraditório: se não dependia enquanto vivo era o cônjuge, por que aviltar que passará a depender depois que o cônjuge faleceu. Além disso, propugnou pela aplicação literal do dispositivo legal que não restringia o direito do cônjuge viúvo pela simples circunstância de achar-se ele separado de fato do cônjuge falecido.
Os demais ministros não acompanharam o voto do relator e a decisão foi pautada em uma ponderação casuística, não tendo sido afastado de forma absoluta o direito ao usufruto vidual em razão da separação fática. Ao contrário, em atenção as peculiaridades do caso, a opção foi a de proteger a nova família constituída, especialmente a filha menor, em detrimento da literalidade da norma que, a rigor, privilegiaria o cônjuge sobrevivente, como depreende-se do voto do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira:
"Por outro lado, há também a circunstância de haver uma filha da falecida com terceiro. Entre as duas situações, a mim me parece que a proteção do direito deve estar mais com a filha da falecida do que com o marido, casado por período tão curto".
VI. SEPARAÇÃO DE FATO E RELAÇÕES SECURITÁRIAS:
As sociedades contemporâneas, geralmente, organizam formas de proteção social para o caso de perda da capacidade de gerar renda baseadas em três mecanismos básicos: contratação de seguros individuais junto a organizações especializadas, normalmente, privadas; programas estatais compulsórios e contributivos; e, programas estatais assistenciais.
Cada um dos mecanismos citados acima possui regras próprias em decorrência de sua natureza, especialmente se pública ou privada. Entretanto, possuem similitudes importantes, sendo a mais relevante, a causa mediata desses negócios jurídicos, que é a relativa segurança financeira garantida pelos seguros social e privado para a própria pessoa que os constitui ou para terceiros indicados por lei ou pelo acordo de vontades.
Para os fins do presente estudo, interessa o benefício deixado por aquele que se encontrava separado de fato em favor de terceiros, seja no caso da pensão previdenciária pública por morte, seja no caso da instituição de beneficiário do seguro de vida.
VI.1. BENEFICIÁRIO DO SEPARADO DE FATO EM SEGURO DE VIDA
O contrato de seguro de vida tem natureza privada e, além disso, se aperfeiçoa partir do acordo de vontades dos sujeitos contratantes, ainda que outros requisitos possam ser exigidos. Apesar de ser uma relação entre particulares, não há mais como sustentar na atualidade um caráter absoluto da autonomia das partes. Ao contrário, mister compreender as transformações sofridas pela autonomia e as implicações destas na inter-relação entre os princípios contratuais[51].
A primeira ressalva a ser feita diz respeito à própria expressão autonomia privada em contraposição a autonomia da vontade, esta última concebida nas codificações do século XIX. A rigor, autonomia da vontade associa-se ao voluntarismo jurídico, podendo ser sintetizada como uma construção ideológica do século XIX em oposição aos excessos do liberalismo econômico. Já a autonomia privada, na lição de PERLINGIERI[52] é:
"o poder, reconhecido ou concedido pelo ordenamento estatal a um indivíduo ou a um grupo, de determinar vicissitudes jurídicas (...) como conseqüência de comportamentos (...) livremente assumidos".
TEPEDINO[53] afirma que a autonomia privada modernamente, por força do princípio da dignidade da pessoa humana, sofreu profundas alterações em seus aspectos subjetivo, objetivo e formal. Tais alterações refletem a concepção atual de que a autonomia não é um valor em si, o que implica no juízo de merecimento do ato.
A mudança essencial sofrida pela autonomia privada em seu aspecto subjetivo diz respeito ao destaque dado ao personalismo jurídico, ou seja, ao ordenamento passa a interessar a pessoa concretamente considerada e não mais o sujeito abstrato. No aspecto objetivo, por seu turno, verifica-se a prevalência dos interesses existenciais aos patrimoniais e, por fim, observa-se que o aspecto formal é alterado à medida que a forma dos atos jurídicos visa assegurar, em primeiro, os interesses socialmente relevantes.
Em apertada síntese, conclui-se que a transição da autonomia da vontade para autonomia privada é decorrência lógica e necessária da nova ordem constitucional, cuja tábua de valores se irradia por todo ordenamento, como não poderia deixar de ser, já que como leciona o professor PERLINGIERI[54], a autonomia privada não pode ser determinada em abstrato, ao revés, é relativa ao ordenamento jurídico no qual se expressa e desenvolve, assim como às exigências de sua própria historicidade.
No Brasil, os princípios da solidariedade social (Art. 3º, I, CF), do valor social da livre iniciativa (Art. 1º, IV, CF), da dignidade da pessoa humana (Art. 1º, III, CF) e da igualdade substancial (Art. 3º, III, CF) anunciavam os novos tempos que se iniciariam após a promulgação da Constituição de 1988. Apenas dois anos após o Código de Defesa do Consumidor marca pontualmente a mudança de orientação nas relações patrimoniais. E, finalmente, com o advento do Novo Código Civil, tornou-se inexorável a concepção, limite e fim social impostos às relações privadas patrimoniais, ou seja, aos contratos em todas as suas espécies.
Assim, nos tempos atuais a alteração no pensamento jurídico, em resposta ao novo modelo social, permitiu, quiçá, impôs o surgimento dos princípios da boa-fé objetiva, do equilíbrio econômico e da função social que passam a coexistir com os princípios contratuais clássicos.
A análise da questão da instituição de beneficiário do seguro de vida deve ser feita com base no contexto acima descrito, especialmente no que tange à função social do contrato de seguro e aos novos contornos da autonomia privada, tendo ainda como referência fundamental os princípios e valores constitucionais.
Assim, dentre as inovações trazidas pelo Código Civil de 2002, merece destaque a possibilidade de instituição do companheiro como beneficiário do seguro de vida, já que representa a positivação no ordenamento civilista do princípio constitucional da pluralidade dos modelos familiares.
O Código de 1916, em seu artigo 1.474[55], vedava a instituição, como beneficiário de seguro de vida, pessoa que fosse legalmente proibida de receber doação do segurado, ou seja, cônjuges casados pelo regime da separação obrigatória (Art. 312, Código Civil de 1.916)[56] e o cúmplice do adúltero (Art. 1.177, Código Civil de 1.916)[57]. Jurisprudencialmente, tal vedação foi ainda estendida ao filho adulterino do segurado casado, já que este era presumido como pessoa interposta entre o segurado e a concubina.
ALVIM[58] afirma que o Projeto do Código de Obrigações de 1965 (art. 746) teria assumido posição oposta ao Código de 1916, dispondo que "não está impedido de ser instituído beneficiário quem é proibido de receber doação do segurado". Aduz ainda que o Professor Konder Comparato sugeriu, sem sucesso, que fosse estipulado o prazo de 2 anos para a separação de fato, como requisito objetivo para a instituição do companheiro como beneficiário.
Antes do advento do Código Civil de 2002, a jurisprudência já vinha admitindo a instituição do companheiro como beneficiário, desde que o segurado já estivesse, comprovadamente, separado de fato há mais de 5 anos.
O Código de 2002, no artigo 793, se limitou a dispor sobre a validade da instituição do companheiro como beneficiário, desde que o segurado fosse separado judicialmente ou de fato. Ou seja, não determinou um lapso temporal para a separação de fato. Há, pelo menos, três possíveis interpretações acerca da omissão legislativa: i) a instituição será válida se já decorrido 1 ano da separação de fato, à medida que esse é o lapso temporal mínimo estabelecido em lei (Art. 1572, § 1º, CC: separação-falência); ii) a instituição será válida se já decorrido 2 anos da separação de fato, já que este é o lapso temporal exigido para configuração da união estável; iii) não há que se exigir lapso temporal para que a instituição seja válida, já que a mesma não implica em qualquer prejuízo para o cônjuge, seja porque no seguro não há uma transferência de bens ao beneficiário, seja porque propugna-se pela incomunicabilidade dos bens a partir da separação de fato.
Entende-se que a instituição do beneficiário deva, em primeiro lugar, atender ao requisito disposto no artigo 757 do Código Civil que determina como fundamento de todo e qualquer contrato de seguro o interesse legítimo. Assim, independentemente do estado civil do segurado, deve-se buscar a causa daquele contrato, sendo certo que poderá ser segurável todo e qualquer interesse em consonância com os valores ético-sociais. Indaga-se, pois, em que repousaria a ilegitimidade na instituição de uma pessoa, especialmente se com ela se coabite com fim de formar uma família, como beneficiária de um seguro de vida? O lapso temporal seria suficiente para tal?
Nesse diapasão, propugna-se que a não determinação de lapso temporal para a separação fática, como requisito objetivo para instituição do companheiro como beneficiário decorra de uma opção legislativa e não de uma omissão, no sentido de privilegiar o caso concreto. A título de ilustração, um segurado separado de fato, pode estar unido com outra pessoa, com intuito de constituição de família há menos de 1 ou 2 anos, e desta união, eventualmente, já pode ter havido prole inclusive.
Por outro lado, reforça-se a necessidade da perquirição do elemento causal desse negócio. Como leciona a Professora MARIA CELINA BODIN DE MORAES[59]:
"A principal utilidade da análise do elemento causal é apontada, exatamente, no serviço que presta como meio de recusa de proteção jurídica a negócios sem justificativa ou sem significação social. Assim, é que o negócio pode ter como requisitos de validade apenas a declaração de vontade, o objeto e a forma, mas, a causa - ou a especificação da função que desempenha - é o elemento que o define, que lhe é próprio e único, e que serve a diferenciá-lo de qualquer outro negócio, típico ou atípico. É, portanto, também o elemento que lhe dá - ou nega - juridicidade".
Certamente, por se tratar de uma relação jurídica entre particulares, deve-se observar os princípios da liberdade contratual e da autonomia, mas, como já foi afirmado, o princípio da função social dos contratos atua limitando essa autonomia. Neste contexto, a questão nodal é delimitar o campo de atuação da autonomia privada.
A título de exemplificação, citam-se três decisões relativamente recentes, julgadas pelo STJ, envolvendo o campo de atuação da autonomia privada.
No recurso especial no. 362.743, de relatoria do Ministro Jorge Scartezzini[60], foi ventilada a questão da autonomia privada em relação à instituição de beneficiário de seguro de vida. No caso, o segurado era separado de fato há mais de 30 anos e vivia em união estável por período de igual duração, tendo indicado como beneficiária do seguro de vida a esposa. Em primeira instância foi afastada a declaração de vontade do segurado, tendo sido reconhecido o direito da companheira ao recebimento do seguro. O Tribunal de Justiça da Paraíba reformou a decisão, privilegiando a declaração de vontade, afirmando ser irrelevante para tal, face à indicação na apólice, estarem separados de fato. O STJ manteve a decisão ao fundamento da autonomia privada, como depreende-se de trecho do voto abaixo trasncrito:
"A apólice tem como beneficiária a cônjuge do de cujus e, tratando-se de um contrato no qual o segurado tem plena liberdade de escolha quanto ao beneficiário do prêmio, deve referida opção ser observada, em respeito ao princípio pacta sunt servanda. Tal circunstância, portanto, não guarda qualquer relação com a partilha de bens adquiridos durante a sociedade de fato, e tampouco liga-se à meação ou aos direitos sucessórios, mas exclusivamente à vontade autônoma do segurado".(grifo nosso)
No recurso especial 1.047.538, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi[61], foi enfrentada situação análoga, à diferença que neste caso, o segurado era separado de fato e mantinha uma união estável, tendo indicado como beneficiária do seguro a sua companheira e, na falta desta, a sua filha, havida com a esposa. A esposa e a filha pleiteavam o recebimento do seguro.
A seguradora ajuizou ação de consignação em face da mulher e da companheira do ex-segurado ante o surgimento de dúvida, alegando que, de acordo com a proposta de ingresso, o ex-segurado indicou como beneficiárias, em primeiro lugar, a mulher, em segundo lugar, sua filha. Porém, em agosto de 1999, ele fez uma alteração de beneficiárias, indicando, em primeiro lugar, sua companheira, com 100% do legado e, em segundo lugar, sua filha, também com 100% do legado (esta, na falta da primeira indicada). Após a morte do segurado, habilitaram-se ao recebimento do seguro, a viúva e a companheira.
A sentença declarou a companheira legitimada ao recebimento do seguro e, em igual proporção, a filha do falecido, determinando a liberação do valor depositado em Juízo. A mulher, a filha e a companheira apelaram da sentença. A 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul negou provimento à apelação da mulher e da filha e proveu a da companheira. Segundo o voto do relator, desembargador José Francisco Pellegrini, "é beneficiária, por inteiro, aquela pessoa designada, nominalmente, pelo associado no respectivo cartão-proposta".
Além disso, somente em caso de falecimento da primeira beneficiária, é que se poderia cogitar em passar para a segunda indicada (a filha). O julgado também consignou que "não importa para o deslinde do caso se o segurado extinto se encontrava ou não separado de fato de sua esposa, mas sim, sua declaração de vontade".
A viúva e a filha recorreram ao STJ pedindo a nulidade da destinação de seguro à companheira, por elas concebida como concubina, pois foi instituído por homem casado, sem prova de eventual separação de fato. A 3ª Turma do STJ não proveu o recurso e manteve a decisão de segunda instância que entendeu ser beneficiária, por inteiro, aquela pessoa designada, nominalmente, pelo associado no respectivo cartão-proposta, ou seja, a companheira.
Por fim, corroborando a tese já exposta de que autonomia privada hoje não é mais concebida como um dogma, devendo o ato corresponder aos valores ético-sociais, a fim de que seja merecedor de tutela, o recurso especial 532.549, de relatoria do Ministro Castro Filho[62], afastou a declaração de vontade do segurado em relação à instituição de beneficiária do seguro de vida.
No caso, o segurado era, de fato, casado e indicou como beneficiárias do seguro a esposa, a filha e a concubina, declarada como irmã. A seguradora liberou 50% do valor segurado para a esposa e ajuizou ação de consignação em pagamento em relação ao restante do monte.
O juízo de primeiro grau autorizou que a concubina levantasse o capital, sob o argumento de que a vontade do falecido deveria ser preservada, já que não seria ilegítima a indicação da amiga ou concubina como beneficiária:
"(...) nesse aspecto, há de ser preservada a vontade do 'de cujus', que, por liberdade, instituiu sua amiga ou concubina, Nadir, como beneficiária de 50% do seguro de vida por aquele pactuado. (...).
De outra banda, registre-se que a sociedade atual sofreu muitas informações e o adultério, há muito tempo deixou de ser visto como figura delituosa; embora seja um dos deveres do casamento a fidelidade, sua observância ou não é questão pessoal, a ser dirimida entre os cônjuges, situando-se mais no âmbito da moralidade - e aí, deverão ser levados em conta os valores morais de cada um - do que a ilicitude.
Dessa feita, o judiciário não pode ficar inerte, frente a tantas alterações sociais, sendo papel da jurisprudência dar interpretação à lei de maneira mais consonante à realidade.
Com efeito, não se afigura ilegítima a indicação da Sra. Nadir como beneficiária do segurado extinto. (...). Conquanto, na hipótese em lide, não haja ciência inequívoca acerca da separação do segurado e da apelante Éster, a verdade é que no mínimo desde longa data já havia tolerância no relacionamento do extinto com a Sra. Nadir, conforme acima enfatizado. Conclusivamente, pois, e como antes assentado, ainda que a beneficiária possa vir a ser qualificada como concubina, tendo sido indicada como beneficiária do seguro, tem inequivocamente direito pessoal à cobertura contratada."(grifo nosso). (Trecho da sentença, citado no voto do Ministro Relator Castro Filho).
A viúva e a filha apelaram e o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, à unanimidade, negou provimento, defendendo que seria indiferente o fato de a beneficiária indicada ser amiga ou concubina do segurado, devendo prevalecer a disposição de vontade do falecido, "especialmente porque nenhuma vinculação possui com o patrimônio da sociedade conjugal propriamente dito". O STJ, por se tratar de concubinato e não de união estável, excluiu a concubina da condição de beneficiária, evocando a vedação legal.
Conclui-se que, a autonomia privada, nos casos em apreço, foi privilegiada quando não conflitou com os valores ético-sociais, o que nos parece uma tendência positiva.
Além da ponderação que dever ser feita quando da apreciação da declaração de vontade do segurado casado em relação à instituição de beneficiário do seguro de vida, deve-se também questionar a literalidade do disposto no artigo 792 que dispõe sobre a ordem de preferência de beneficiários, quando da não indicação expressa do mesmo na apólice. O referido dispositivo determina que "na falta de indicação da pessoa ou beneficiário, ou se por qualquer motivo não prevalecer a que for feita, o capital segurado será pago por metade ao cônjuge não separado judicialmente, e o restante aos herdeiros do segurado, obedecida a ordem da vocação hereditária".
Da leitura do dispositivo, surgem algumas dúvidas: i) o cônjuge, mesmo separado de fato, é presumido beneficiário do seguro de vida?; ii) essa presunção é mantida mesmo existindo companheira?; iii) cabe interpretação extensiva do artigo 792, CC quando houver união estável, ou seja, a companheira também é presumidamente a beneficiária do seguro de vida?; e, iv) a companheira tem direito ao recebimento da indenização securitária em detrimento do cônjuge sobrevivente separado de fato?
Entende-se que, não havendo indicação de beneficiário, o artigo 792 deve ser interpretado à luz do artigo 226 da Constituição Federal que reconhece a união estável como entidade familiar, privilegiando-se, no mais, a situação real à formal. Assim, o cônjuge separado de fato só deve ser presumido como beneficiário do seguro de vida se, quando do falecimento, o segurado não tivesse outra família, ou seja, não tivesse constituído união estável. Nesse ponto, devem ser atendidos os requisitos para a configuração da união estável, inclusive o temporal. Defende-se, pois, a interpretação conforme à constituição do artigo 792 do Código Civil, presumindo-se o companheiro como beneficiário.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais enfrentou essa questão em outubro de 2008, cuja ementa transcreve-se, in verbis:
EMENTA: Apelação - Consignação em pagamento - Indenização securitária - Beneficiários - Ausência de indicação - Existência de cônjuge não separado judicialmente e companheira - Comprovação da união estável - Direito igualitário - Reconhecimento.
A companheira estável, especialmente quando a relação teve início, perdurou e sobreviveu ao casamento do companheiro, por questão de justiça, faz jus à metade do valor do seguro de vida deixado pelo "de cujus" não separado judicialmente que não fez constar na apólice exclusividade de benefício à esposa, sendo desta separado de corpos. (TJMG. AC no. 1.0024.04.501321-6/001. Comarca de Belo Horizonte. Rel. Des. Afrânio Vilela. 11ª CC. Julg: 10/09/2008).
O segurado (falecido) quando da celebração do contrato de seguro não indicou os beneficiários do mesmo, o que, pelas disposições contratuais, implicaria em que o pagamento fosse feito em favor do cônjuge sobrevivente, dos descendentes e ascendentes e na falta destes, seguisse a ordem de vocação hereditária, nos termos do artigo 792 do Código Civil.
A sentença, a partir de uma interpretação e aplicação literal do artigo 792 do Código Civil, foi no sentido de dividir igualitariamente valor do seguro entre a esposa e os filhos do falecido, excluindo, pois, a companheira do rol de beneficiários, prevalecendo o entendimento de que o cônjuge sobrevivente, ainda que separado de fato, é presumido como o beneficiário, ao mesmo tempo em que foi negado qualquer direito a indenização a companheira.
O Tribunal de Justiça reformou a sentença, mantendo a quota dos filhos e dividindo a metade restante em partes iguais entre a companheira e a esposa. O reconhecimento da companheira como beneficiária foi fundamentado na proteção constitucional da união estável como entidade familiar; e a diminuição do quantum devido à esposa teve por base o princípio da vedação do enriquecimento sem causa, já que o valor só foi dividido entre as duas porque a companheira não pleiteou a integralidade do capital: "penso que a ora apelante poderia até mesmo ter pleiteado, nas circunstâncias, a integralidade da indenização, todavia, assim não o fez, reclamando apenas a metade deste valor".
VI.2. BENEFICIÁRIO DO SEPARADO DE FATO NA PENSÃO POR MORTE
A previdência social integra o sistema de seguridade social brasileiro, que é constitucionalmente definido como "um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social" (art. 194, CF). Depreende-se, pois, que o sistema de seguridade social, através de cada um de seus componentes, tem por fim efetivar o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana. O componente previdenciário desse amplo sistema protetivo foi desenvolvido a partir do reconhecimento de que toda pessoa tem o direito a um nível de vida digno, principalmente quando, por circunstâncias independentes de sua vontade, da perda da sua capacidade de gerar renda e garantir a sua subsistência e/ou de seus dependentes. Assim, o benefício previdenciário tem por fim garantir a dignidade da família, e não só do segurado.
Nesse sentido, diversos autores defendem a tese de que a previdência social é um direito fundamental, sendo o aspecto formal desse direito o artigo 6º da Constituição, e o aspecto material, a dignidade humana, elevada a valor fundamental do ordenamento. TAVARES[63] leciona:
"O princípio da dignidade da pessoa humana é o grande valor vetor dos direitos fundamentais e, dentre eles, dos direitos sociais prestacionais, nos quais se encontram previstos os direitos previdenciários. Em relação aos direitos sociais, da dignidade humana resulta a obrigação de o Estado garantir um mínimo de recursos materiais suficientes para que, a partir daí, a pessoa possa exercer sua própria autonomia. A dignidade humana, ao servir de princípio fundamentador dos direitos prestacionais, consolida o conceito de mínimo social e gera, por conseqüência, a incorporação dos direitos prestacionais mínimos à concepção material de direitos fundamentais".
Em que pese o inciso I do parágrafo único do artigo 194 da Constituição Federal elencar como objetivo do sistema de seguridade social, do qual a previdência social é parte integrante, a universalidade da cobertura e do atendimento, deve-se entender que, este objetivo deve ser perseguido de forma diferenciada em cada um dos componentes do sistema, atendendo as suas características e fins.
Conseqüentemente, o benefício previdenciário só pode ser concedido após o preenchimento de uma série de requisitos de elegibilidade estabelecidos pela própria lei. Além disso, os benefícios de natureza previdenciária, em regra, são não cumulativos. Assim, por exemplo, uma segurada não pode simultaneamente receber auxílio maternidade e aposentadoria por tempo de contribuição. Da mesma forma, o falecimento de um segurado não pode gerar duas pensões por morte, sendo possível, entretanto dividir o benefício entre aqueles que são presumidamente dependentes econômicos do falecido.
Tendo em vista o objetivo da previdência social básica ou seguro social de proteger o segurado e seus dependentes financeiros, quando da perda da capacidade de gerar renda do provedor em decorrência de riscos sociais cobertos, o benefício é devido ao próprio segurado, ou àqueles que a lei presume como seus dependentes financeiros.
A Constituição Federal, reafirmando o caráter de proteção familiar da previdência social, presume nominalmente a dependência econômico-financeira do cônjuge ou companheiro e inominadamente a condição de beneficiário de outros dependentes[64]. A Lei 8213, de 1.991, regulamentando o dispositivo, enumera os dependentes econômicos do segurado no seu artigo. 16[65], estendendo a presunção de dependência econômica ao filho menor de 21 anos não emancipado, assim como no parágrafo 3º do mesmo artigo define os sujeitos da relação companheiril para fins de reconhecimento do status de beneficiário.
Temos, pois, que a condição de beneficiário do segurado da previdência social é um direito constitucionalmente assegurado tanto para o cônjuge, como para o companheiro, que, encontram-se na mesma classe, ou seja, a existência de um, por si só, não exclui o direito do outro às prestações[66]. Inicialmente, duas questões surgem: i) a presunção de dependência econômica do cônjuge persiste em havendo separação de fato?; ii) dado que cônjuge e companheiro estão na mesma classe, com se resolve a concorrência pelo benefício?
Em relação ao primeiro questionamento, entende-se que a presunção de dependência econômica do cônjuge, embora seja legal, é relativa, podendo, pois ser afastada. A presunção legal decorre do dever recíproco entre seus respectivos parceiros de assistência material (ou de socorro), nos termos do ordenamento jurídico brasileiro, daí a razão da desnecessidade de demonstrar a efetiva dependência econômica em relação ao segurado/funcionário. Além disso, visa facilitar o acesso ao benefício daqueles que conviviam com o falecido, reforçando o caráter de proteção familiar. Entretanto, a ausência de coabitação por si só, não é suficiente para afastar a presunção. Neste caso, o requisito da dependência econômica ganha acendrado reforço. Se não havia qualquer auxílio financeiro do falecido para aquele com quem não mais convivia, embora ainda casado fosse, o requisito de dependência econômica não restará satisfeito, afastando-se, pois a presunção.
Defende-se, pois, que, uma vez configurada a separação de fato, e não tendo sido estabelecida a obrigação alimentar em vida, a hipótese é de cessação da condição de dependente do cônjuge do segurado, o que repercute na negativa do direito à pensão securitária. Neste sentido:
"Vê-se, pois, que para efeitos previdenciários o que deve prevalecer é a relação fática da dependência. O cônjuge que estando separado de fato e não exercita o direito a alimentos, ou que não faça jus a eles, não pode e não deve concorrer no recebimento da pensão previdenciária, na medida em que resta configurado o fato de que não depende do segurado"[67].
O STJ[68] já teve oportunidade de se manifestar sobre a questão, afirmando que a presunção de dependência econômica resta afastada quando da separação de fato e a não percepção de pensão alimentícia[69]. Entretanto, acredita-se que este posicionamento do STJ já mudou, tendo em vista a súmula 336 editada em maio de 2007, dispondo que "a mulher que renunciou aos alimentos na separação judicial tem direito à pensão previdenciária por morte do ex-marido, comprovada a necessidade econômica superveniente". Esta súmula foi evocada em julgado recente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, conforme ementa abaixo transcrita:
PENSÃO POR MORTE. SEPARAÇÃO DE FATO. NECESSIDADE DO BENEFÍCIO. SÚMULA 336 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. É devida pensão por morte à esposa do segurado que necessita do benefício para viver com dignidade, ainda que, por ocasião do óbito, dele estivesse separada de fato e não recebesse pensão alimentícia, aplicando-se ao caso a orientação da Súmula 336 do Superior Tribunal de Justiça.
(TRF4, AC 2007.70.03.001159-8, Quinta Turma, Relator Rômulo Pizzolatti, D.E. 16/02/2009).
Por fim, na hipótese de segurado separado de fato ter deixado também uma companheira e que ambas dependessem economicamente dele, propugna-se pela divisão do benefício. Neste sentido[70], cita-se a súmula 159 do antigo TFR que preconizava ser "legítima a divisão previdenciária entre a esposa e a companheira, atendidos os requisitos exigidos".
VII. CONSIDERAÇÕES FINAIS:
O presente estudo teve por fim agrupar algumas situações patrimoniais complexas que podem surgir da separação de fato dos casais, que vem a ser uma realidade cada vez mais comum. Tratou-se de um exercício exemplificativo, logo, várias questões não foram aqui enfrentadas, dentre elas à relativa a outorga do cônjuge separado de fato e a legitimidade do cônjuge separado de fato para figurar como curador dos bens do cônjuge ausente.
Observou-se que, à exceção da Lei do Inquilinato, não há previsão legislativa para solucionar as questões patrimoniais dos separados de fato. Ademais, verificou-se que doutrina e jurisprudência, ainda que inexista um consenso geral, estão caminhando no sentido de sistematizar o tratamento adequado para tais situações.
Assim, ainda que baseado em argumentos diversos, doutrina e jurisprudência majoritariamente se posicionam no sentido de defender a incomunicabilidade dos bens a partir da separação de fato, já tendo sido propostas decorrentes da interpretação sistemática da própria lei para tal.
A questão sucessória se mostra mais complexa pelo novo regulamento, por si só confuso e controvertido. Ademais, o reconhecimento ou não do direito real de habitação àquele que já encontrava-se separado de fato, também está longe de alcançar um consenso.
As soluções aplicadas para as relações securitárias divergem bastante em razão da natureza pública ou privada da relação. No seguro privado, especialmente o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul vem dando respostas progressivas para a questão, em regra, privilegiando a autonomia privada. Já o STJ, a partir de uma tríade de julgados analisados, parece também privilegiar a autonomia privada, procedendo, no entanto, a um salutar juízo de merecimento de tutela do ato de autonomia.
Em relação à previdência pública, a condição de beneficiário está condicionada a dependência econômica. Observou-se, sobre este aspecto, uma recente mudança de orientação do STJ quanto à presunção de dependência econômica de cônjuges separados de fato. Em um primeiro momento, havendo a separação fática e não sendo estabelecida a prestação de alimentos, afastava-se a presunção de dependência econômica e, conseqüentemente, era perdida a condição de beneficiário. No entanto, recentemente foi editada súmula de conteúdo contrário, ou seja, não afastando a presunção de dependência econômica para os separados de fato, mesmo sem o estabelecimento de prestação alimentar em vida.
Conclui-se, pois, que ainda há um longo percurso a ser trilhado. A maioria das questões ainda não foi solucionada e, mesmo as que já foram ventiladas, em regra, não representam um consenso. Defende-se, a incomunicabilidade dos bens a partir da separação de fato e, para as demais questões, recomenda-se a atenta análise do caso concreto, pois, como o presente estudo demonstrou, a apreciação e solução, a fim de se alcançar a justiça e aos fins ético-sociais do ordenamento, deverá ser casuística.
Fernanda Paes Leme Peyneau Rito é professora substituta de Direito Civil na UERJ, advogada, consultora, pesquisadora, pós graduada em Direito Civil e mestranda em Direito Civil. Contato: fer_paesleme@yahoo.com.br
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[1] IBGE, Estatísticas do Registro Civil, 2006 e 2007.
[2] PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 1997. p. 137.
[3] A título de ilustração, ver: Art. 1562, CC; Art. 1572, §1º, CC; Art. 1575, CC; Art. 1580, §2º, CC; Art. 1585, CC; Art. 1723, §1o, CC; Art. 1801, III, CC; e, Art. 1830, CC.
[4] GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito Civil: família. São Paulo: Atlas, 2008.p. 288 e ss.
[5] GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da, op. Cit., pg. 289.
[6] Exemplo notório envolveu a senadora e ex-candidata a presidente da Colômbia, Ingrid Bittencourt, seqüestrada pelas FARC em fevereiro de 2002 que, logo após a sua libertação (julho de 2008), ingressou com o pedido de divórcio do marido, sob a alegação de "separação de corpos de fato" pelos seis anos em que esteve seqüestrada (Jornal Estadão, de 16 de março de 2009). Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,ingrid-pede-divorcio-por-separacao-de-corpos-marido-rejeita,339583,0.htm. Acesso em: 15/08/2009.
[7] Ainda que se reconheça que a separação de fato reflita na esfera de interesses, inclusive patrimoniais, dos filhos, o presente estudo está focado na relação entre os cônjuges. A unidade entre genitores e prole, seria expressão de uma igualdade formal.
[8] PERLINGIERI, Pietro, op.cit., pg. 252.
[9] Ibdem., pg. 266.
[10] Ibdem. pg. 268.
[11] GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da, op. cit., pg. 170.
[12] OLIVEIRA, Euclides Benedito de. Separação de fato - comunhão de bens - cessação. Revista Brasileira de Direito de Família, n. 5, Abr-Mai-Jun./2000, p. 142-153. p 143-144.
[13] GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da, op. cit., pg. 172.
[14] Art. 884, CC/2002: Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Art. 885, CC/2002. A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir.
[15] LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. O enriquecimento sem causa no novo Código Civil brasileiro. in. R. CEJ, Brasília, n. 25, p. 24-33, abr./jun. 2004. pg. 25
[16] OLIVEIRA, Euclides Benedito de., op.cit, pg. 149-150.
[17] OLIVEIRA, Euclides Benedito de. Disputa de bens na separação judicial. Disponível em: http://www.subjudice.hpg.com.br/art31.htm, acesso em: 03/06/2009)
[18] GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da, op. cit., pg. 172.
[19] Art. 1683, CC/2002. Na dissolução do regime de bens por separação judicial ou por divórcio, verificar-se-á o montante dos aqüestos à data em que cessou a convivência.
[20] FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 262/263
[21] TJRJ. AC no. 2007.001.58680. Rel. Des. Mario Robert Mannheimer. 16 CC. Julg: 11/03/2008.
[22] No mesmo sentido: TJRJ, Apelação Cível 2007.001.11142. Des. Mauro Martins. 11ª CC. Julgamento em: 01/08/2007.
[23] REsp nº 40.785, RJ, Relator Ministro Menezes Direito, DJ de 05.06.2000; REsp nº 67.678, RS, Ministro Nilson Naves, DJ de 14.08.2000; REsp nº 140.694, DF, Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 15.12.1997)
[24] Art. 12, Lei 8245/91. Em casos de separação de fato, separação judicial, divórcio ou dissolução da sociedade concubinária, a locação prosseguirá automaticamente com o cônjuge ou companheiro que permanecer no imóvel.
Parágrafo único. Nas hipóteses previstas neste artigo, a sub-rogação será comunicada por escrito ao locador, o qual terá o direito de exigir, no prazo de trinta dias, a substituição do fiador ou o oferecimento de qualquer das garantias previstas nesta lei.
[25] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: contratos em espécie. 6.ed. SP:Atlas, 2006 - (Coleção direito civil; v.3), pg.157-158.
[26] "A sub-rogação será automática no caso do interesse ou conveniência das partes, que poderão repeli-la na hipótese contrária" (SOUZA, Sylvio Capanema de. A lei do inquilinato comentada. 5 ed. Rio de Janeiro: GZ Ed., 2009, pg. 78)
[27] VENOSA, Silvio de Salvo, op.cit., p. 157-158.
[28] "Nos códigos de 1916 e atual, o bem de família é imóvel, como cogitado no art. 1º da Lei 8009/90, somente que, naqueles, a instituição depende de iniciativa de seu proprietário e do cumprimento de uma série enorme de formalidades, com os inconvenientes mostrados; neste, a constituição do bem de família é imediata e ex lege, desde que ocorram as hipóteses previstas no dispositivo de emergência, incluídos, ainda, bens móveis" (AZEVEDO, Álvaro Villaça. Bem de família. In: Direito de Família e o Novo Código Civil. (Coord.) DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha, 4 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 215-216.)
[29] Súmula 364, STJ: O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas.
[30] MONTEIRO FILHO, Carlos Edson do Rêgo. Rumos cruzados do direito civil pós-1.988 e do constitucionalismo de hoje, in TEPEDINO, Gustavo (org.). Direito Civil Contemporâneo: novos problemas à luz da legalidade constitucional. SP: Ed Atlas, 2008, p.262 a 281., p. 277.
[31] EMENTA: FIADOR. Locação. Ação de despejo. Sentença de procedência. Execução. Responsabilidade solidária pelos débitos do afiançado. Penhora de seu imóvel residencial. Bem de família. Admissibilidade. Inexistência de afronta ao direito de moradia, previsto no art. 6º da CF. Constitucionalidade do art. 3º, inc.VII, da Lei 8009/90, com a redação da Lei 8245/91. Recurso extraordinário desprovido. Votos vencidos. A penhorabilidade do bem de família do fiador do contrato de locação, objeto do art. 3º, inc. VII, da Lei 8009, de 23 de março de 1990, com a redação da Lei 8245, de 15 de outubro de 1991, não ofende o art. 6º da Constituição da República" (STF: Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Rel. Min. Cesar Peluso. RE 407688/SP. Julgamento 8/02/2006.
[32] HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. O sistema de vocação concorrente do cônjuge e/ou companheiro com os herdeiros do autor da herança, nos direitos brasileiro e italiano. Revista Brasileira de Direito de Família, ano VII, n. 29, abril/maio 2005, p. 45-87., p.49.
[33] Ibdem, p.51.
[34] Pode-se questionar o porquê do lapso temporal de 2 anos, quando a interrupção da vida em comum por 1 ano já é condição suficiente para a separação judicial, nos termos do artigo 1572, §1º do Código Civil.
[35] Se a separação fática tiver ocorrido por culpa do falecido ou sem culpa de quaisquer dos cônjuges, ou seja, por mero acordo, o sobrevivente, independentemente do tempo de separação fática, participará da "sucessão, concorrendo nas duas primeiras ordens de vocação hereditária, ou amealhando a totalidade do acervo, se a vocação chegar até a terceira ordem sucessória (HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes, op.cit., pg. 52).
[36] Neste sentido: VELOSO, Zeno. Direito Sucessório dos Cônjuges. Disponível em: http://www.esmarn.org.br/cursos/aperfeicoamentoMagistrados/2008/zenoveloso_direito_sucessorio_conjuges.pdf, acesso em 04/06/2009. ; GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Separação de fato e ética no direito de família. in T. da Silva Pereira e R. da Cunha Pereira (coords.). A ética da convivência familiar. Sua efetividade no cotidiano dos tribunais. Rio de Janeiro: Forense, 2006, PP 73-99
[37] MADALENO, Rolf. Concorrência sucessória e o trânsito processual. Disponível em: HTTP://www.rolfmadaleno.com.br/site, acesso em: 11/09/2009.
[38] VELOSO, ZENO, op.cit., pg. 1-2.
[39] Ordenações Filipinas, Livro 4, Tít. XCIV. Como o marido e mulher succedem hum a outro.
"Fallecendo o homem casado abintestado, e não tendo parente até o décimo grao contado segundo o Direito Civil, que seus bens deva herdar, e ficando sua mulher viva, a qual juntamente com elle estava e vivia em casa teúda e manteúda, como mulher com seu marido, Ella será sua universal herdeira.
E pela mesma maneira será o marido herdeiro da mulher, com que estava em casa manteúda, como marido com sua mulher, se Ella primeiro fallecer sem herdeiro até o dito décimo grão".
Disponível em: http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/ordenacoes.htm, acesso em 11/09/2009.
[40] MADALENO, Rolf., op.cit.
[41] NEVARES, Ana Luiza Maia. A tutela sucessória do cônjuge e do companheiro na legalidade constitucional, Renovar: Rio de Janeiro, 2004, p.74.
[42] "A inserção do cônjuge nos dois primeiros incisos do artigo 1829 do Código Civil de 2002 corresponde ao reconhecimento legal da necessidade de proporcionar maior tutela à pessoa que até o fim da vida do autor da sucessão foi aquela que dividiu alegrias e tristezas, sucessos e fracassos, felicidade e frustração, enfim, aquele que compartilhou a vida do falecido e que, mesmo depois da morte deste, merece tutela jurídica no campo material (e imaterial, ainda que de forma mais limitada)". (GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Concorrência sucessória à luz dos princípios norteadores do Código Civil de 2002. Revista Brasileira de Direito de Família, ano VII, n. 29, abril/maio 2005, p. 23.
[43] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das sucessões. v.7. São Paulo: Saraiva, 2007. pg. 166.
[44] O Código Civil de 1916, no parágrafo segundo do artigo 1611, vinculava expressamente o exercício do direito real de habitação ao estado de viuvez, dispondo: "Ao cônjuge sobrevivente, casado sob regime de comunhão universal, enquanto viver e permanecer viúvo, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único bem daquela natureza a inventariar" (grifo nosso).
[45] Neste sentido: GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das sucessões. v.7 São Paulo: Saraiva, 2007. pg. 166; VELOSO, Zeno. Direito Sucessório dos companheiros. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.). Família e cidadania. O novo Código Civil Brasileiro e a vacatio legis. Anais do 3º Congresso Brasileiro de Direito de Família. Belo Horizonte: Ibdfam, 2002. p. 277.
[46] Neste sentido: LEITE, Eduardo de Oliveira, TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.). Comentários ao novo Código Civil: do direito das sucessões. v. XXI. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.227. ; PINTO, Bráulio Dinarte da Silva. Direito real de habitação no novo Código Civil . Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 952, 10 fev. 2006. Disponível em: . Acesso em: 13 set. 2009
[47] O STJ já se posicionou no sentido de que o direito em questão independe da situação financeira do cônjuge sobrevivente. (STJ. Resp N° 108.706 - RJ, Rel. Min. Barros Monteiro, julg. 04/05/2000).
[48] Enunciado nº 117, Conselho de Justiça Federal. Art. 1.831: o direito real de habitação deve ser estendido ao companheiro, seja por não ter sido revogada a previsão da lei nº 9.278/96, seja em razão da interpretação analógica do art. 1.831, informado pelo art. 6º, caput, da CF/88.
Comissão de Trabalho - Direito de Família e Sucessões, em 12/09/2002. Presidente: Gustavo Tepedino. Relator: Luiz Edson Fachin; em 13/09/2002. Presidente: Regina Helena Afonso Portes. Relator: Adriana da Silva Ribeiro. Enunciados disponíveis no site http://www.cjf.gov.br/ em 05/01/2003.
[49] VENOSA, Sílvio de Salvo. Op.cit., p. 107.
[50] Projeto de autoria do Deputado Ricardo Fiúza, com a colaboração de Zeno Veloso na parte referente à sucessão. A justificativa para a alteração do dispositivo é de que: Não há razão para manter o direito real de habitação, se o cônjuge sobrevivente constituir nova família. "Quem casa faz casa", proclama o dito popular. Melhor e mais previdente a restrição do art. 1.611, § 2º, do Código Civil de 1916. Disponível em: http://www.camara.gov.br/sileg/integras/50233.pdf, acesso em: 15/09/2009.
[51] As considerações tecidas nesta seção acerca das transformações da autonomia privada foram desenvolvidas no artigo "Função social nos contratos de seguro: a nova ordem contratual e sua implicação para os contratos de seguro a luz do cdc e do código civil", laureado com o 2º lugar da categoria profissional do III Concurso de Estudos de Direito do Seguro e Previdência, promovido pela Associação Internacional de Direito do Seguro - AIDA Brasil, em março de 2009.
[52] PERLINGIERI, Pietro., op.cit., pg. 17.
[53] TEPEDINO, Gustavo. Normas constitucionais e direito civil na construção unitária do ordenamento, in C. P. Souza Neto e D. Sarmento (coords.). A constitucionalização do direito. Fundamentos teóricos e aplicações específicas. RJ: Ed. Lúmen Júris, 2007, pp. 309-320.p. 316-318.
[54] PERLINGIERI, Pietro., op.cit., pg. 17..
[55] Art. 1.474, CC/1.916. Não se pode instituir beneficiário pessoa que for legalmente inibida de receber a doação do segurado.
[56] Art. 312, CC/ 1.916. Salvo o caso de separação obrigatória de bens (art. 258, parágrafo único), é livre aos contraentes estipular, na escritura antenupcial, doações recíprocas, ou de um ao outro, contanto que não excedam à metade dos bens do doador (arts. 263, VIII, e 232, II).
[57] Art. 1.177, CC/1.916. A doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até 2 (dois) anos depois de dissolvida a sociedade conjugal (arts. 178, § 7°, VI, e 248, IV).
[58] ALVIM, Pedro. O seguro e o novo Código Civil. 1.ed. RJ: Forense, 2007, pg. 167.
[59] MORAES, Maria Celina Bodin de. A causa dos contratos, in Revista Trimestral de Direito Civil - RTDC, v. 21. Rio de Janeiro: Padma, jan/mar/2005, p. 95-119. p. 102.
[60] EMENTA: Recurso especial - matéria constitucional - alínea Do permissivo constitucional não indicada - não conhecimento - sociedade de fato - patrimônio comum - partilha - Companheiro casado - comunhão universal - separação de fato - seguro de vida - beneficiário - livre nomeação - pensão Previdenciária - rateio entre cônjuge e companheira - recurso Parcialmente provido. (STJ. Resp N° 362.743 - PB, 4ª Turma. Rel. Min. Jorge Scartezzini, julg. 21/09/2004).
[61] STJ. Resp N° 1.047.538 - RS, 3ª Turma. Rel. Min. Nancy Andrighi, julg. 04/11/2008.
[62] STJ. Resp. 532.549- RS, 3ª Turma. Relator: Ministro Castro Filho. Julgamento em 02/06/2005.
[63] TAVARES, Marcelo Leonardo. Previdência e Assistência Social - legitimação e fundamentação constitucional brasileira. RJ: Ed. Lúmen Juris, 2003., pg. 640-641).
[64] CF, Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º.
[65] Lei 8.213, Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido;
§ 3º Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal.
[66] A conclusão decorre da interpretação, a contrario sensu, do §1º do artigo 16 da Lei 8.213, que dispõe que: "A existência de dependente de qualquer das classes deste artigo exclui do direito às prestações os das classes seguintes".
[67] BORGES, Mauro Ribeiro. Reflexos da separação fática e do companheirismo: Efeitos previdenciários da separação fática e da união estável. Disponível em: http://www.conjur.com.br/1998-mai-25/separacao_fatica_companheirismo. acesso em: 05/06/2009
[68] EMENTA: "PREVIDENCIÁRIO. CÔNJUGE SUPÉRSTITE. PENSÃO POR MORTE. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA PRESUMIDA. SEPARAÇÃO DE FATO. ANÁLISE. SÚMULA 7/STJ. PRESCRIÇÃO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. QUESTÃO NOVA. NÃO-CABIMENTO.
1. É incontroverso que o cônjuge goza de dependência presumida, conforme a própria dicção da lei, desde que não esteja separado de fato e não perceba pensão alimentícia. (STJ - REsp 613986 / RJ, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma, DJ 03.10.2005 p. 31).
[69] No mesmo sentido: TRF-1ª Região, AC 2001.01.99.040814-2/MG, Primeira Turma, Des. Federal Antônio Sávio de Oliveira Chaves, DJ de 28/02/2005, p. 28.
[70] Em sentido contrário: TRF4, AC 2008.72.99.002497-5, Turma Suplementar, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 12/01/2009.
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