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Tutela inibitória e execução de alimentos
Além da possibilidade da execução pelo rito da penhora através do art. 475-J, da penhora on line, da execução pelo rito da prisão do devedor (art. 733 do CPC), entendemos como salutar a medida tomada na Província de Buenos Aires (através da Lei nº 13.074), onde funciona um Registro de Devedores Morosos, cuja finalidade é inscrever, por ordem judicial, o nome dos devedores de alimentos (cinco pensões alternadas ou três sucessivas). As consequências derivadas da referida inscrição são: impossibilidade de abrir contas correntes e obter cartões de crédito; impossibilidade de obter licença, permissão, concessão e habilitações que dependam do Governo (por exemplo, não poderá obter ou renovar a licença para conduzir veículos ou alvará para abrir um comércio); impossibilidade de ser provedor de algum organismo de Buenos Aires; impossibilidade de exercer cargos eletivos, judiciais ou hierárquicos no Governo daquela cidade.
A inserção do nome do devedor no Registro somente é possível por meio de ordem judicial. Além de ser uma ferramenta criada para proteger o alimentando, também tem a função de expedir certificado de inexistência de dívida, a requerimento de qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada. O registro é público e de consulta gratuita.
Hoje, diversas outras cidades argentinas[1] fazem uso do Registro de Devedores Alimentários Morosos, como forma de agilizar o cumprimento da obrigação alimentar.
Na América Latina, também o Peru possui lei que criou o referido Registro, onde são inscritos o nome das pessoas que devem três prestações alimentícias, sucessivas ou não, estabelecidas em sentenças judiciais, com qualidade de coisa julgada[2].
Contudo, ainda que o ordenamento jurídico pátrio não contemple lei que assegure esta forma de coerção no pagamento da obrigação alimentar, entendemos ser possível sua verificação, através do permissivo processual insculpido no art. 461 do Código de Processo Civil, uma vez que a tutela inibitória, através de seu caráter coercitivo, visa fazer com que a parte cumpra determinação judicial.
Muita embora esta medida esteja geograficamente localizada no Código de Processo Civil onde se refere a obrigações de fazer e não fazer, este fato, por si só, não faz com que fiquemos engessados quanto a sua aplicação, pois se cuida de norma de caráter geral. Em outras palavras, entendemos que não somente em relação às obrigações de fazer e não fazer, mas o juiz poderá, sempre que entender pertinente, de ofício ou a requerimento das partes, determinar procedimentos necessários para a efetivação da medida específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, nos termos do § 5º do art. 461 do CPC.
Assim, no que pertine às execuções alimentares, quer pelo rito da penhora de bens (art. 475-J do CPC), quer pelo rito da segregação pessoal (art. 733 do CPC), cabível se mostra a determinação de outras medidas com força coercitiva para a efetivação do pagamento[3], até mesmo porque as medidas contidas no § 5º do art. 461 do CPC são de caráter meramente exemplificativo.
Nesta linha de pensamento, entendemos cabível também a determinação de inscrição do nome do devedor em serviços de proteção ao crédito, como medida de coerção para o pagamento da pensão alimentícia.
Tais procedimentos visam celeridade processual e efetivação do pagamento dos alimentos devidos. Ademais, como alimentos dizem com vida e vida com dignidade, não se mostra demasiada qualquer determinação acima referida.
A tutela inibitória que prescinde da vontade do demandado é chamada de inibitória executiva. Ela funda-se na necessidade de se conferir ao cidadão proteção jurisdicional capaz de impedir a violação de seu direito. É correto dizer, assim, que esta tutela também é corolário do direito de acesso à justiça, ou mais precisamente do direito à adequada tutela jurisdicional. Se há direito à prevenção, até porque determinados direitos não podem ser tutelados através da via ressarcitória, tal modalidade de tutela é uma necessária resposta à necessidade de se impedir que os direitos sejam violados[4].
Marinoni e Arenhart[5] esclarecem que esta tutela mostra-se adequada desde logo, quando se perceber que o demandado não irá quedar-se diante da ameaça contida na ordem.
Já é hora de termos paternidade responsável, e esta responsabilidade não se traduz em desídia no pagamento alimentar!
Nesse passo, é imprescindível o aperfeiçoamento das técnicas subrogatórias de expropriação - inclusive com a eventual adoção de providências atípicas ou que possam ser moldadas com mais flexibilidade em face de situações concretas[6].
A determinação de inscrição do nome do devedor em serviços de proteção ao crédito será mais uma forma de induzir o devedor a adimplir com o montante devido.
Ressaltamos ainda o fato de que nos casos em que o devedor não detém qualquer patrimônio em seu nome, poderá sentir-se efetivamente coagido a pagar quando iminente sua inscrição em serviços de proteção ao crédito. Também em relação ao devedor alimentar que responde pelo rito prisional este tipo de tutela mostra-se efetiva na medida em que, se ficar preso e não pagar a dívida, não poderá ser novamente segregado pelo antigo valor que determinou sua prisão.
Além disso, com a respectiva inscrição do devedor nas entidades de serviço de proteção ao crédito, tal fato trará como consequencia que o devedor não possa retirar cartões bancários ou talões de cheques, não possa participar de licitação ou até mesmo concorrer a cargos públicos.
Na espécie, verificamos não ser demasiada sequer a aplicação de multa também quando se tratar de execução pelo rito prisional, ratificamos, haja vista que o que se visa precipuamente é cuidar da vida com dignidade. Ademais, o macro princípio da Dignidade da Pessoa Humana insculpido na Constituição Federal (de onde decorrem todos os demais), ampara, subsidia, alberga e sustenta a aplicação de medidas que visem sustentar uma vida digna.
Destarte, é possível a aplicação de multa em valor a ser arbitrado pelo juiz, a fim de pressionar o executado a pagar a dívida (o art. 475-J prevê multa de apenas 10% sobre o valor devido). Como a tutela inibitória visa impedir o inadimplemento, possível a aplicação de multa também quando da execução pelo rito da prisão. Ressaltamos que Bedaque[7] afirma que, "entre as diversas sugestões destinadas a fazer com que o processo seja realmente instrumento de justiça - não meio de que se valem os inadimplentes para protelar ainda mais a realização do direito", está a "simplificação da técnica processual mediante a concessão de poderes ao juiz para conduzir o processo de forma adequada, segundo as circunstâncias".
A solução deve levar em conta a necessidade de proteção do valor mais relevante, segundo critérios ditados pelo interesse social[8].
Não basta a previsão de tutela jurisdicional para determinada situação da vida. É necessário que o titular dessa situação de vantagem, e que precise da intervenção jurisdicional para assegurá-la, possa valer-se dela e ver satisfeito seu direito[9].
A determinação da inscrição do nome do devedor de pensão alimentícia nos órgãos de proteção ao crédito e a possibilidade de imposição de multa também no caso de execução pelo rito da prisão, vem a preservar, proteger e resguardar o necessitado em detrimento do contumaz inadimplente. Já é hora de a Justiça tirar a venda dos olhos e começar a agir de forma com que anteriores conceitos arraigados na proteção do devedor caiam por terra, a fim de que a sociedade possa colher e semear o justo.
[1] PROVÍNCIA DA BUENOS AIRES - Lei 13.074 criou o Registro de Devedores Alimentários Morosos; Decreto 340/2004 regulamentou a lei; CHACO - Lei 4.767 regulamentada pelo Decreto 346/2001; CHUBUT, Lei 4.616, regulamentada através do Acordo 3.238 do Superior Tribunal de Justiça de Chubut; CIDADE DE BUENOS AIRES - Lei 269 modificada pela Lei 510, regulamentada pelo Decreto 320/2000; CÓRDOBA, Lei 8.892, Decreto 297/2003; CORRIENTES, Lei 5.448, Dereto 721/2003; ENTRE RIOS - Lei 9.424; JUJUY - Lei 5.273; MENDONZA, Lei 6.879; MISSIONES, Lei 3.615; NEUQUÉN, Lei 2.333; RIO NEGRO, Lei 3.475; SALTA, Lei 7.151; SAN JUAN, Lei 7.072; SAN LUIS Lei IV-0094-2004; SANTA FE, Lei 11.945; TUCUMÁN, Lei 7.104.
[2] LOUZADA, Ana Maria Gonçalves, texto retirado do livro ALIMENTOS - Doutrina e Jurisprudência, ed. Del Rey, 2008, Belo Horizonte, p. 181
[3] O Conselho da Magistratura do Estado de Pernambuco, através do Provimento nº03/2008, em vigor a partir de 18 de setembro de 2008, editou norma que possibilita ao credor de pensão alimentícia requerer certidão judicial que comprove a dívida, e, a partir daí, registrá-la em Cartório de Protestos de Títulos e Documentos. Assim, o devedor será notificado para, no prazo de 72 horas, efetuar o pagamento e, caso não cumpra, passará a sofrer as mesmas restrições impostas na lei que trata dos protestos de títulos mercantis, notadamente a suspensão de créditos bancários e pagamento dos emolumentos fixados pelos cartórios.
[4] MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Luiz, Manual do Processo de Conhecimento, 5ª ed., ed. RT, São Paulo, 2006, p. 445
[5] op. cit. p. 445
[6] TALAMINI, Eduardo, Tutela relativa aos Deveres de Fazer e de Não Fazer, 2ª ed. , ed. RT, São Paulo, 2003, p. 466
[7] BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Efetividade do Processo e Técnica Processual, 2ª ed., ed. Malheiros, São Paulo, 2007, p.108
[8] BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Poderes Instrutórios do Juiz, 4ª ed., ed. RT, São Paulo, 2009, p. 144
[9] BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Direito e Processo, 5ª ed, ed. Malheiros, São Paulo, 2009, p. 72
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