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Alimentos Gravídicos
RESUMO: Trata-se de uma análise sumária da Lei Nº 11.804, de 5 de novembro de 2008, que disciplina o direito a alimentos gravídicos e a forma como ele será exercido e dá outras providências. A referida Lei garante o princípio da Proteção do Estado por ressaltar a importância da dignidade humana e conceder ao nascituro a condição de poder ser gerado e nascer com direito à vida. Tem como pressupostos jurídicos a existência da paternidade e os critérios para sua concessão a necessidade da gestante e a possibilidade do suposto pai. Os alimentos gravídicos perdurarão durante todo o período da gravidez e serão convertidos em pensão alimentícias no caso do nascimento da criança com vida. O réu terá seu direito de reposta a ser exercido no prazo de 5(cinco) dias. Vale observar que os alimentos serão devidos desde o despacho da petição inicial e não a partir da citação do réu. É notório que os alimentos gravídicos tratam-se de uma obrigação alimentar que visa o melhor interesse da criança, vez que reconhece expressamente os direitos da personalidade ao nascituro.
O Texto Constitucional, por seu art. 227, § 6º determina a igualdade substancial entre os filhos, proibindo toda e qualquer conduta discriminatória, materializando, de certo modo, o princípio da pessoa humana, iniciando uma nova fase de valores nas relações de parentesco, evidenciando o liame existente entre pais e filhos, eliminando o tratamento discriminatório encartado no sistema do Código Civil de 1916, que privilegiava apenas os filhos nascidos dentro da relação do casamento.
Esse acontecimento no ordenamento jurídico pátrio, no sentido de proclamar a igualdade entre os filhos, independentemente da razão de sua origem, tornou mais importante o princípio da dignidade humana como instrumento garantidor do desenvolvimento da personalidade humana.
A propósito, Gustavo Tepedino leciona, "traduz nova tábua axiológica, com eficácia imediata para todo o ordenamento, cuja compreensão faz-se indispensável para a correta exegese da normativa aplicável às relações familiares".1
Essa nova estrutura constitucionalmente imposta à filiação certamente extinguiu todos os limites à determinação do vínculo familiatório à conduta materna/paterna, seja ele qual for.
Daí, uma porta ampla abriu-se para as Ciências Jurídicas fortificando a primazia dos interesses superiores da pessoa humana trazendo, como conseqüência, o exercício da cidadania, vez que o reconhecimento da filiação passou a ser um instrumento garantidor da dignidade do homem, por ser um Direito justo.
Evidencia-se, pois, o Princípio da Proteção do Estado na medida em que se tutela a dignidade humana independentemente da comprovação do vínculo familiar em defesa de um outro princípio já reconhecido pela La Convención Internacional sobre lo Derechos del Niño que é o Superior Interesse da Criança, como uma preocupação de se buscar uma melhor maneira de tratar as questões das crianças.
Essa Lei, surge como mais uma norma na legislação em defesa dos direitos das minorias, aparentemente o caráter contencioso se reserva, exclusivamente, para as matérias relativas ao direito de família. Porém, a sua existência se sustenta na idéia de proteger o direito da criança como garantidor do direito à vida do feto.
Ora, tanto é assim, que os alimentos são devidos ao nascituro atravé da gestante e após o seu nascimento, com vida, estes serão convertidos em pensão alimentícia automaticamente, caso não haja revisão por interesse das partes.
A efetividade do direito da existência de um comportamento que permite que um ser seja aquilo que ele veio ser se denomina Ética do Cuidado.
Não resta qualquer dúvida, pois, que a Lei dos Alimentos Gravídicos reflete, igualmente, em todo o seu teor a Ética do Cuidado, porque consegue dá ao nascituro o que é realmente dele, principalmente o direito à vida, para que ele possa dar seguimento ao seu destino após o seu nascimento.
Nesse sentido merece cuidadosa reflexão os ensinamentos de Cristiano Chaves
de Farias e Nelson Rosenvald, a seguir:
"Todo e qualquer tipo de relação paterno-filial merece proteção especial no cenário descortinado pela Constituição da República, o que, em última
análise, corresponde à tutela avançada da pessoa humana e de seu (sic) intangível dignidade. Confirma-se, assim, que a pessoa humana é um valor em si mesmo, justificando a existência da norma jurídica (que é feita pelo homem e para o homem). (Grifo do autor)
Passando em revista a digressão aqui procedida, é possível resumir da seguinte forma: com a normatividade isonômica constitucional, encartada
na sua própria tábua axiológica (dignidade da pessoa humana, solidariedade social, igualdade e liberdade), infere-se, com tranqüilidade, que o direito filiatório infraconstitucional está submetido necessariamente a algumas características fundamentais: i) a filiação tem de servir à realização pessoal e ao desenvolvimento da pessoa humana (caráter instrumental do instituto, significando que a filiação serve para a afirmação da dignidade do homem); ii) despatrimonialidade das relações paternofiliais (ou seja, a transmissão de patrimônio é mero efeito da filiação não marcando a sua essência); iii) a ruptura entre a proteção dos filhos e o tipo de relacionamento vivenciado pelos pais. Vale, aqui, pontuar o exemplo dos filhos socioafetivos que, embora não mencionados em qualquer texto legal, merecem a mesma proteção e não podem ser discriminados em relação aos filhos biológicos." 2
Sem dúvida, por força disso, a Lei Nº 11.804, de 06 de novembro de 2009, veio, igualmente, convalidando o princípio da dignidade da pessoa humana na medida em que garante ao nascituro o seu desenvolvimento saudável, desde a sua concepção até o momento do parto, além de assegurar o seu sustento após o nascimento.
Segundo a referida Lei, os alimentos gravídicos são aqueles alimentos necessários à gestação do nascituro e são fixados conforme os recursos da gestante e do suposto pai.
Assim diz o seu art. 2º :
"os alimentos de que trata esta Lei compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes à alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes."
Segundo Caio Mário da Silva Pereira:
"se a lei põe a salvo os direitos do nascituro desde a concepção, é de se considerar que o seu principal direito consiste no direito à própria vida e
esta seria comprometida se à mãe necessitada fossem recusados os recursos primários à sobrevivência do ente em formação em seu ventre." 3
Ora, como se observa, a Lei 11.804/2008, tem o caráter protecionista, tanto em relação à mulher grávida quanto ao nascituro. Em face disso, o foro competente é o do domicílio do alimentando, no caso, da mãe que na ação representará o nascituro.
Segundo a teoria concepcionista, que é a teoria por ela adotada, o nascituro possui personalidade desde a sua concepção possuindo assim, direito à personalidade antes mesmo de nascer. Inquestionável, portanto, a responsabilidade parental desde a concepção justificando, dessa forma, a necessidade de tal norma jurídica.
Sabe-se que na Lei de Alimentos (Lei 5.478, de 25 de julho de 1968) que regula o instituto da pensão alimentícia exige-se a prova de parentesco, de casamento e da união estável como pressuposto básico do pedido, diferentemente da Lei de Alimentos gravídicos que se requer apenas a comprovação de indícios da paternidade.
Esse é o ponto crucial da Lei em análise, uma vez que ficará ao arbítrio do juiz a fixação dos alimentos com base na precária prova dos indícios de paternidade sem que haja uma instrução com a garantia do direito ao contraditório por parte do suposto pai.
Esse consiste num dos pontos mais questionados em relação a essa legislação, já que tal pressuposto para o pagamento de alimentos fere veemente o Princípio da Presunção da Inocência, previsto na Constituição Federal.
Segundo prevê o art. 5º, LVII, da Constituição Federal dispõe que, "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Apesar da mencionada Lei está baseada na boa-fé e ser de extrema necessidade, o juiz não pode firmar o seu convencimento simplesmente por indícios para definir a paternidade ou não de determinada pessoa. Daí a discussão doutrinária quanto ao fato da inconstitucionalidade da Lei dos Alimentos Gravídicos já que ninguém pode ser considerado culpado sem que haja provas materiais para a comprovação.
O fato é que na forma da referida Lei, um homem pode ser obrigado a pagar pensão por indícios de paternidade e depois vir a comprovar-se que ele não é o pai. Como foi vetado o art. 10 que dispunha sobre a responsabilidade da autora da ação quanto aos danos morais e materiais causados ao réu, no caso de resultado negativo do exame de DNA, tem-se que suprir essa lacuna buscando outro amparo jurídico.
Assim, necessário se faz que para melhor convencimento da existência de indícios da paternidade, antes que o juiz decida pela fixação dos alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando as necessidades da parte autora e as possibilidades da parte ré, mister se faz que se realize uma audiência prévia. Até porque se possibilitará a mediação ea conciliação.
Na audiência de conciliação dá-se importância a Fala,a Ética da Linguagem e consequentemente a decisão final será muito mais justa. Os critérios para a concessão dos alimentos gravídicos obedecerão o binômio necessidade da gestante e possibilidade do suposto pai, conforme o parágrafo único do art. 2º da referida Lei.
Ora, a legitimidade na propositura da ação de alimentos gravídicos é da gestante, mas conforme o art. 6º, parágrafo único, após o nascimento com vida, esses alimentos gravídicos serão convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite sua revisão.
Se a autora agir com dolo ou com culpa por promover ação indevida, imputando a um homem as obrigação de pai no caso dele não ser o pai, esta responderá pela indenização cabível, conforme prevê permanece a aplicação da regra geral da responsabilidade subjetiva constante do art. 186 do Código Civil, cabendo ao aquele que for demando o livre exercício do direito de ação a teor do disposto no art. 186 do Código Civil, com a finalidade da reparação de danos morais e materiais.
Acrescentem-se, ainda, que ao réu será dado o prazo de apenas 5 dias para responder a ação (art. 7º) e incidência dos alimentos será a partir do despacho da petição inicial e não, apenas da citação do réu.
Concluindo, a Lei de Alimentos Gravídicos preserva, com primazia, o superior interesse do nascituro, garantindo-lhe o nascimento com vida e afastando do nosso ordenamento jurídico e da nossa sociedade a volta da antiga e descurada "Roda do Exposto" através do famigerado "Parto Anônimo". É, na verdade, o melhor interesse do nascituro que se busca nessa Lei, e com isso se resiste as indefinições das lacunas existentes sobre a questão no nosso ordenamento jurídico.
O direito a alimentos - nisto se escusa insistir - não é privilégio de pessoas com recompensa de normativa a determinadas virtudes morais, consiste numa prática fundamental de solidariedade humana, Resgatar vida é dever de cidadania, é prática imperativa e prévia da convivência social.
É importante que essa Lei seja divulgada e implementada para que as gestantes carentes e sem o necessário apoio do suposto pai do nascituro, exercitem o seu direito de garantir a a saúde e integridade do seu filho durante toda a fase de gravidez e nos primeiros dias de vida, evitando o aborto e o infanticídio.
1.TEPEDINO, Gustavo, cf. Temas de Direito Civil, cit., p. 392.
2.FARIAS, Cristiano Chaves de, e ROSENVALD, Nelson. Cf. Direito das Famílias, cit. P. 474.
3.PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil -Direito de Família. vol. V. 16ª ed. Rio de Janeiro : Forense, 2006, p. 517-519.
REFERÊNCIAS
COSTA, Jurandir Freire. Família e Dignidade. In: Anais do V Congresso Brasileiro de Direito de Família. São Paulo : IOB Thomson, 2006.
DIAS, Maria Berenice. Alimentos Gravídicos? Disponível em: http://www.mariaberenice.com. br. Acesso em 08 de novembro de 2008.
FARIAS, Cristiano Chaves de, e ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, 727 p.
JAIME, Couso Salas (Director). In: Revista de Derechos Del Niño. Número Uno/2002. Santiago de Chile, octubre 2002.
NADER, Paulo. Curso de Direito Civil. Direito de Família. vol. 5. Rio de Janeiro : Forense, 2007.
OLIVEIRA FILHO, Bertoldo Mateus de. Alimentos e Investigação de Paternidade. 3ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. 264 p.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil -Direito de Família. vol. V. 16ª ed. Rio de Janeiro : Forense, 2006, p. 517-519.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil -Direito de Família. 4ª ed. São Paulo : Atlas, 2004, p. 317.
Revista Jus Vigilantibus, Sexta-feira, 5 de junho de 2009
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