Artigos
Presunção de paternidade pela recusa ao DNA agora é lei. Isso é bom ou é ruim?!?
Em muito boa hora foi sancionada a Lei 12.004/09, que, alterando a Lei 8.560/92, que regula a investigação de paternidade, introduziu o art. 2º-A e seu parágrafo único, com a seguinte redação:
Art. 2º-A. Na ação de investigação de paternidade, todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, serão hábeis para provar a verdade dos fatos.
Parágrafo único. A recusa do réu em se submeter ao exame de código genético - DNA gerará a presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório.
Apesar do aspecto que chama mais atenção na novel alteração ser a presunção de paternidade decorrente da recusa do réu em se submeter ao exame de DNA, o que tem sido objeto de inúmeras matérias até certo ponto sensacionalistas, que passam a falsa idéia que a recusa, por si só e em qualquer circunstância, desembocará na declaração da paternidade, o fato é que a alteração legislativa, muito mais do que gerar pânico nos demandados em ações de investigação de paternidade, veio é para lhes trazer certa tranqüilidade.
De fato, da leitura atenta do art. 2º-A e do seu parágrafo único, recém introduzidos na Lei 8.560/92, percebe-se que o legislador, ao mesmo tempo em que reforça e deixa claro que a recusa a submissão ao exame de DNA gera a presunção que o réu é pai do autor da ação de investigação de paternidade, o que de certo modo já se podia extrair do art. 232 do Código Civil de 2002, e vinha sendo aplicado como regra pela jurisprudência, ou seja, pelos Juízes e Tribunais, tendo sido mesmo objeto da Súmula 301 do STJ, deixa bem evidente que esta presunção é relativa e não absoluta, de tal sorte que não basta a simples recusa, por si só, sem o exame do contexto probatório dos autos, para que um determinado réu seja declarado pai de um determinado autor de ação investigatória.
Tanto que o caput do artigo expressa que todos os meios legais e moralmente legítimos serão hábeis para provar a verdade dos fatos, colocando em evidência a importância de todos os meios de prova e não apenas do DNA, que vinha sendo objeto de certa sacralização ou supervalorização, a tal ponto de sua recusa, assim, sem mais nem menos, sem qualquer cotejo ou comparação com as demais provas produzidas, já induzir a paternidade vindicada, em total desprezo aos demais meios de prova, enquanto que o parágrafo único é literal ao dizer que a recusa ao exame de DNA deve ser apreciada em conjunto com o contexto probatório, e não isoladamente, de tal sorte que alguém seja considerado pai de uma determinada criança simplesmente porque se recusou ao exame de DNA, mesmo sem existirem provas ou indícios que tenha se relacionado com a mãe da tal criança a época da concepção, numa alusão clara ao tipo de cautela que deverá nortear a aplicação da presunção.
Por isso a afirmação que a alteração legislativa veio em boa hora.
É que vinham se generalizando julgamentos que adotavam a prática pouco recomendada de se socorrer da presunção pela recusa como uma espécie de muleta ou atalho para julgamentos de ação de investigação de paternidade em tempo mais rápido, ainda que duvidosa a segurança ou certeza do resultado do julgamento, valor que a jurisdição também deve garantir, ao mesmo tempo em que para muitos a aplicação da presunção de paternidade pela recusa ao DNA representava uma espécie espúria de punição ao réu que se recusava a se submeter ao exame, conduta por vezes interpretada como desrespeito.
Quase nenhuma atenção ou importância se emprestava aos demais meios de prova, a tradicional prova testemunhal e a documental, se resumindo o julgamento à cômoda e despreocupada aplicação da presunção de paternidade, de tal modo que aquele que se recusasse ao exame de DNA seria declarado pai do autor da investigatória simplesmente por isso, sem maiores preocupações ou cerimônias com o grau de certeza desta conclusão.
Tanto que o Superior Tribunal de Justiça foi obrigado a chamar a atenção para estes julgamentos superficiais e apressados, ponderando que apesar da Súmula 301/STJ ter feito referência à presunção de paternidade na hipótese de recusa do investigado em se submeter ao exame de DNA, os precedentes jurisprudências que sustentaram o entendimento sumulado definem que esta circunstância não desonera o autor de comprovar, minimamente, por meio de provas indiciárias a existência de relacionamento íntimo entre a mãe e o suposto pai. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 692.242/MG, J. 28.06.05).
É preciso, assim, que haja um mínimo de prova no sentido da paternidade daquele que se recusou ao DNA para que ele possa ser presumido pai da criança autora da ação de investigação de paternidade. É preciso, por exemplo, testemunhas que a mãe da criança se relacionou com o réu mais ou menos da época da concepção, que com ele manteve união estável, namorou ou até mesmo ficou, fotografias evidenciando o suposto relacionamento entre a mãe da criança e réu, correspondências ou e-mails trocados entre ambos evidenciando que se relacionaram, enfim, algum outro tipo de prova que indique que o réu possa ser, em tese, o pai da criança, para que a sua recusa em se submeter ao exame gere presunção de paternidade.
Porque mais sério do que encontrar a fórceps um pai para uma determinada criança é impor uma relação de filiação e paternidade, que tantos reflexos produz, psicológicos e econômicos, tanto para o suposto filho quanto para o suposto pai, baseada em acontecimento tão superficial quanto a simples recusa do suposto pai a se submeter ao exame de DNA.
Inviável argumentar que esta interpretação mais responsável da presunção de paternidade decorrente da recusa ao DNA, proposta pela nova Lei, seja machista ou beneficie mais ao homem, réu na investigatória, posto que a presunção também pode ser aplicada nas ações anulatórias de registro ou negatórias de paternidade, de tal sorte que a recusa da mãe em se submeter ao exame ou em submeter o filho ao exame possa autorizar a conclusão de que a criança não seja filha do pai que a registrou, sendo, portanto, a aplicação responsável da presunção medida que socorre tanto ao homem demandado em investigação de paternidade quanto a mulher ou filho demandados em ação anulatória ou negatória de paternidade.
A alteração legislativa, neste contexto, muito mais do que o sensacionalismo da presunção de paternidade ante a recusa ao exame de DNA, veio, isto sim, para disciplinar a aplicação indiscriminada desta ferramenta, que é importante, disto não há a menor duvida, mas não é um fim em si mesmo, não é o fato gerador da paternidade, que precisa ser investigada com cautela e prudência, produzindo-se prova documental e testemunhal sempre que possível, com a qual deve ser cotejada a recusa ao exame de DNA, que, dentro do contexto, se reforçar as demais provas, deverá conduzir à procedência da ação de investigação de paternidade, ao mesmo tempo em que, se contrariar as demais provas dos autos, não deverá ser aplicada, dando-se pela improcedência do pedido.
A questão é muito mais complexa do que pode parecer. Tomemos como exemplo um caso emblemático julgado pelo Tribunal de Justiça das Minas Gerais, que reformou uma sentença que declarara um determinado homem pai do filho de uma mulher simplesmente porque ele não se submeteu ao exame de DNA, mesmo ele tendo provado que a tal mulher era prostituta e, logo, até mesmo por dever do ofício que abraçara, presume-se que tenha mantido relações sexuais com vários outros homens na época da concepção do filho, de tal sorte que ainda que com ela também tenha se tido relações o réu, é muita leviandade declará-lo pai do filho da prostituta, simplesmente porque ele não se submeteu ao exame de DNA.
Qual o grau de segurança ou certeza que este filho possa, de fato, ser deste homem? Nenhum!
Ficando evidente que cada recusa deve ser examinada e ponderada diante das demais circunstâncias do caso concreto, das demais provas e indícios constantes do contexto probatório, já que tão grave quanto um filho sem pai é um filho com um pai imposto pela frieza de uma presunção.
Marco Túlio Murano Garcia é advogado especialista em Direito de Família, Professor da ESA/OAB/MS, Diretor da Escola de Direito de Campo Grande - EDCG e membro do IBDFAM. E-mail: marcotulio@associadossc.com.
Os artigos assinados aqui publicados são inteiramente de responsabilidade de seus autores e não expressam posicionamento institucional do IBDFAM