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E.C.A., 19 anos
Enquanto leiga, a leitura desta Lei me permite o entendimento que o trabalho, exceto a função de aprendiz para maiores de 14 anos e em condições adequadas ao desenvolvimento, é vedado a menores de 14 anos, art. 60 do E.C.A., e art. 67, I, II, III, e IV, que dizem respeito ao trabalho noturno, perigoso, insalubre ou penoso que prejudiquem o desenvolvimento físico, psíquico, moral e social do adolescente, quando está como aprendiz. E ainda, o art. 82-ECA que proíbe a entrada em hotel ou motel de criança ou adolescente desacompanhada dos pais ou responsáveis.
Mas, se são "prostitutas reconhecidas", possuem carteira de saúde e estão inscritas em programa de acompanhamento de profissionais desta área? Por outro lado, ficamos pensando em como é definido o comportamento equivalente de garotos de15, 14, 13 anos, que, diante da negação dos pais ao seu pedido, aceitam o valor de um tênis bacana como "recompensa" por serviços sexuais prestados durante uma tarde no apartamento de um adulto? Crianças e adolescentes não podem ganhar dinheiro, nem valer dinheiro.
Faz-se necessário esclarecer que o desenvolvimento cognitivo aos 15 anos ainda não se completou para a maioria dos adolescentes que estão inseridos em um bom processo contínuo de aprendizagem. Se considerarmos a precariedade ou a privação deste processo contínuo, teremos um enorme atraso, e, muitas vezes, uma falha permanente deste processo de desenvolvimento. Isto quer dizer que adolescentes de 15, 14 e 13 anos, não tem a capacidade de raciocinar corretamente pelas leis do pensamento lógico hipotético-dedutivo. Assim, são vítimas de armadilhas em suas escolhas e na avaliação de conseqüências de seus atos, armadilhas que são orientadas pelo pensamento concreto infantil, acrescido de imediatismo e onipotência.
Portanto, não é difícil entender que decisões nesta idade podem, facilmente, incorrer em erros. Vale acrescentar que o desenvolvimento cognitivo vai depender da qualidade do cuidado e do afeto recebidos desde o nascimento, pois, é preciso entender também que desde o início a criança necessita do olhar de acolhimento, aprovação, e estímulo de um adulto que lhe seja especial, sem o que seu processo básico de humanização não se dará, e deformações ocorrerão porque ela não será capaz de se colocar no lugar do outro, se alguém não fez isto por ela, ensinando-lhe a capacidade de empatia. Estes são os "antecedentes" que deveriam ser avaliados. É um ciclo que se repete, bem cuidado hoje, bom cuidador amanhã, acolhido hoje, acolhedor amanhã.
Fica evidente que nossa dificuldade em nos colocarmos no lugar destas, destes e de outros adolescentes que nos mostram as nossas falhas e fracassos como pais, educadores, sociedade organizada, operadores dos três poderes, por ação ou omissão, acaba por nos levar ao desentendimento, que acarreta a continuação de enormes prejuízos sociais. A Lei, bonita e abrangente, não nos faz ter um comportamento empático-responsável fundamental, mesmo depois de 19 anos.
Considerando, pois, que a cadeia de carências de todos os tipos e de muitos anos recaem sobre adolescentes de 15, 14 e 13 anos de 2003, e de hoje, perguntamos, o que estamos praticando? O art. 4º reza: "É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária." E, completando: "Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da Lei, qualquer atentado, por ação e omissão, aos seus direitos fundamentais". Art. 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Ana Maria Brayner Iencarelli é psicanalista de Criança e Adolescente, membro do IBDFAM.
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