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A multa afetiva
Multa e afeto destoam no contexto familiar, melhor dizendo, amor e dinheiro repulsam os relacionamentos erótico-afetivos e não são poucas, mas sempre uníssonas as autorizadas vozes desprezando qualquer forma de mensuração da afetividade e que se posicionam contra qualquer forma de reparação pecuniária das vibrações humanas de afeto.
Afeto que deve ter manifestação espontânea, gerada por impulso natural de sentimentos que se estreitaram apenas por amizade, por vínculos de parentesco ou por qualquer outra modalidade com semelhante origem. Mas, sobretudo, afeto que jamais cogita qualquer forma de tarifação, porque respeita o afeto mecânico, com proteção sociocultural, envolvido por cristalina redoma, a permitir a visão ingênua e translúcida, do modo simples e milenar do ser humano expressar os seus sentimentos de amor.
Aliás, é o afeto a matéria-prima fundamental nas relações de filiação, de intensidade variável, contudo constante, oxigênio e sobrevida que responde pela adequada formação moral e psíquica dos filhos que são postos neste agitado mundo dos adultos, pessoas que, por vezes, de adultos nada demonstram, senão uma constante distorção na forma como educam e usam sua prole, comprometendo sua natureza humana, fragilizando sua estrutura moral, vilipendiando as relações parentais da prole com seus pais não guardiães, com ingerências ilícitas e movidas apenas por suas mesquinhas deficiências e carências pessoais.
Mas se de regra o afeto não tem preço e nem deve ser mensurado, negá-lo por capricho também não deve ter medidas e limites, devendo antes, ser fórmula jurídica pronta e acabada, capaz de dar efetividade através do preceito cominatório ao sagrado direito de visitação.
O preceito cominatório não tem em mira compor o ressarcimento dos prejuízos, mas sim, obter coercitivamente, o cumprimento da obrigação de fazer ou de não fazer fungível ou infungível. Busca atuar diretamente sobre a vontade da pessoa obrigada, estimulando a execução específica da sua obrigação, já que toda a condenação só pode produzir efeitos se acatada pelo devedor. Figura a pena pecuniária como um elemento de apoio ao convencimento do obrigado relutante, que passa a sofrer uma pressão psicológica pela imposição de multa medida pelo tempo de sua voluntária resistência em cumprir com a sua obrigação.
No amplo raio de ação da jurisdição familista, moucos ouvidos tomam o lugar da razão; prevalece a insana vingança que caça amores já não mais acessíveis; seus personagens estão psicologicamente desassociados da lógica compreensão, que compele as pessoas a atenderem ao comando judicial e nesse quadro dos fatos a ordem judicial vira mero conselho, quase sempre ignorado. Resistências geram tumulto afetivo e a reiterada desobediência agride o senso comum, apontando assim para as astreintes, que talvez carreguem em sua gênese, a força mandamental capaz de reorientar os rumos do processos e de restabelecer uma razoável pacificação familiar.
Podendo os juízes familistas impor sanções pecuniárias, inclusive progressivas, como medidas de exceção e sempre que verificada a ausência de outro meio legal para obter o cumprimento do mandado judicial, disponibiliza a autoridade judicial de indispensável instrumento para a solução dos intermináveis conflitos processuais instaurados entre cônjuges, concubinos e parentes desavindos e em especial, na conflituada seara do dito sagrado direito de visitação.
A Câmara Civil, Sala D, da Capital de Buenos Aires, por exemplo, empregou a multa diária para forçar uma mãe a cumprir o regime de visitas do pai aos filhos, entendendo com acerto que, no poder de julgar, está implícito o poder de o juiz fazer cumprir as suas decisões, sob o risco de completo desprestígio da autoridade judicial.
É para esse valioso universo de afeto de subsistência e outros valores que mais guardam riquezas de ordem subjetiva do que da subsistência material, a ciência jurídica vem desenvolvendo esse eficiente, moderno e célere instituto processual que busca pela multa, no campo do Direito de Família, a sonhada pacificação social.
Fonte: Revista Especial Del Rey IBDFAM - Maio 2002.
O autor é advogado especializado em Direito de Família, professor na pós-graduação da Faculdade de Direito Ritter dos Reis (RS), professor de Direito de Família e Sucessões na UNISINOS, autor dos livros: "Direito de Família – Aspectos Polêmicos", "A Disregard e sua Efetivação no Juízo de Família", "Novas Perspectivas no Direito de Família". |
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