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Sobre a mediação familiar
Penso se apresentar ocasião propícia para uma reflexão mais aprofundada sobre outro método de resolução de conflitos, a mediação. Não obstante a aproximação dos institutos, mediação e conciliação não se confundem.
O sistema jurídico como um todo e a legislação processual civil, em particular, há muito prevêem a conciliação como forma de pôr fim a um litígio judicial, hoje constituindo dever do magistrado a sua disposição às partes, a teor do que dispõem, entre outros, os artigos 331, 447 e 448 do Código de Processo Civil. E é louvável a iniciativa do CNJ, na medida em que estimula a pacificação dos conflitos, mormente com o surgimento de demandas em massa, a exemplo daquelas que hoje se amontoam nas estantes dos fóruns e têm por objeto as perdas financeiras relativas a planos econômicos editados na última quadra do século XX ou as que dizem respeito à prestação de serviços públicos ou ainda as que envolvem as relações de consumo.
A mediação, por sua vez, é tão antiga quanto a própria existência dos grupos sociais. Bastante presente na cultura de diversos povos, foi com a chegada dos primeiros imigrantes (judeus na costa leste e chineses na costa oeste) que a mediação ingressou no território norte-americano. Hoje o modelo que predomina nos Estados Unidos é o que foi criado na Universidade Harvard na segunda metade do século passado, visando à diminuição da grande quantidade de processos que lotavam o Poder Judiciário daquele país, em virtude da ampliação das demandas nascidas no pós-guerra. Deste modelo nasceu a sigla hoje internacionalmente conhecida para identificar os meios alternativos de solução de conflitos, a ADR (Alternative Dispute Resolution).
Pelos Estados Unidos a mediação chegou ao Canadá e, em função de um grupo de estudiosos franceses que, pela facilidade da língua, lá foram buscar subsídios, ingressa no território europeu.
Na França foi concebido um modelo, hoje conhecido como europeu, no qual o acordo não é um objetivo em si, mas uma conseqüência lógica da transformação do conflito pelas mãos dos próprios mediandos, sob o olhar atento e imparcial do mediador. Este exerce sua função como uma espécie de catalisador, tendo por objetivo primordial o restabelecimento do diálogo entre as partes, as quais, sob sua própria responsabilidade, decidirão sobre seus impasses.
A mediação é uma prática interdisciplinar que tem muito a contribuir nas demandas de direito de família, já que mediar é ação de comunicar e os desentendimentos familiares têm origem na dificuldade de comunicação. A mediação familiar, no entanto, necessita de espaço e tempo próprios. Em geral ocorre em bem mais do que uma seção. Não é uma terapia familiar, pois não se aprofunda nos impasses da subjetividade, mas concentra seus esforços no restabelecimento da comunicação entre as partes. É bem verdade que a escuta é extremamente importante, sendo preferível que a mediação familiar seja levada a efeito por uma equipe interdisciplinar, formada por profissionais não só da área do direito mas também de outras disciplinas como a psicologia, a psicanálise, a assistência social, entre outras.
Os mais conhecidos meios alternativos de solução de litígios são a mediação, a conciliação e a arbitragem. Em limitada síntese, a mediação se distancia da arbitragem dada a proximidade desta da jurisdição, uma vez que o árbitro, não obstante ter sido escolhido livremente pelas partes e ser obrigatoriamente dotado de imparcialidade, decide o conflito em favor de um ou outro litigante. Já no que concerne à conciliação, a figura do terceiro, que pode ser um órgão judicial, vai funcionar como um intermediário entre os litigantes. Nela são polarizados os direitos que cada parte acredita ter, eliminando-se os pontos incontroversos, para delimitar o conflito. O conciliador, por sua vez, intervém com sugestões e alerta sobre as possibilidades de perdas recíprocas das partes, que, por sua vez, admitem perder menos num acordo que num suposto sentenciamento desfavorável, tudo fundamentado na relação ganhador-perdedor.
O que deve ser colocado é que a questão primordial na conciliação é a celebração de um acordo. Há que se observar, no entanto, que a celebração de um acordo pode significar o encerramento de um processo judicial, mas não necessariamente do conflito que a ele subjaz. Muitas vezes, por permanecer intacto o conflito e toda a gama de emoções que o acompanham, uma nova demanda surge mais adiante e outro processo se inicia.
Existe uma preocupação dentro do Poder Judiciário em ampliar a prestação jurisdicional para o que se convencionou chamar de sistema multiportas, com o estabelecimento de meios alternativos para a solução de litígios, o que tem sido desenvolvido em diversos tribunais do país, inclusive o do Estado de Pernambuco, que recentemente criou Centrais e Câmaras de Conciliação, Mediação e Arbitragem.
Penso, no entanto, que deve existir extrema cautela ao se legislar sobre mediação, aí incluídas, por óbvio, as normas internas dos Tribunais que regulamentam a sua prática, dada a forte inspiração de cunho patrimonial que sempre se faz presente, e para que não se busque simplesmente o fim do litígio pela atuação do mediador, sem se chegar às raízes mais profundas do conflito e não se preocupando com o encontro da solução pelos próprios litigantes.
A mediação tem um alcance muito maior do que um método alternativo de resolução de conflitos. Ela pode e deve ser utilizada em todas as instâncias sociais, facilitando a convivência entre os homens.
Em uma das reuniões realizadas pelo IBDFAM-PE, ocorrida no último dia 19 de novembro, foi apresentada interessante experiência em mediação familiar, promovida pelo GAJOP - Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares em convênio com a Prefeitura do Recife e denominada de "Justiça Cidadã". Através deste projeto, que funciona nos núcleos de assistência judiciária do Município localizados em bairros populares, a mediação familiar se torna uma realidade palpável, com média de êxito de 70% dos casos solucionados sem a necessidade da interferência do Judiciário.
O que se pode concluir é que a mediação familiar é hoje uma realidade presente nos quatro cantos do país. Se não atingiu uniformidade é porque talvez a sua natureza não permita. O importante é que ela seja estimulada e praticada sempre.
Gustavo Henrique Baptista Andrade é diretor do IBDFAM-PE e Mestrando em Direito Civil pela UFPE.
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