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Separação, Divórcio e Inventário extrajudiciais: facultividade dos pedidos
RESUMO: O presente artigo interpreta a Lei 11.441/2007, analisando se a norma trouxe ou não caráter obrigatório aos interessados que, após preencherem os requisitos legais, poderão pedir separação, divórcio, partilha e inventário, pelo meio extrajudicial. Justifica-se o referido estudo pelos posicionamentos doutrinários divergentes sobre o assunto. Apesar disso, muitos doutrinadores optaram, em suas obras, por simplesmente se omitirem sobre o tema. Trata-se de um trabalho teórico-documental e jurídico-propositivo, por analisar uma lei, suas falhas e propor soluções. Conclui-se, ao final, que a aludida lei, ao objetivar efetividade processual, celeridade procedimental e desafogar a máquina judiciária, cuidou por trazer uma nova opção aos jurisdicionados, para pleitearem os procedimentos alhures, não uma imposição normativa à via extrajudicial, em conformidade com os arts. 982 e 1.124-A, do CPC.
Palavras-chave: Direito Civil, Processual Civil e Notarial; Separação, Divórcio, Inventário e Partilha Extrajudiciais; Manutenção do Interesse de Agir na Via Judicial; Caráter Facultativo do Procedimento Administrativo.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Requisitos legais aplicáveis. 3. Controvérsia sobre o caráter obrigatório ou facultativo da lei em questão. 4. Do interesse de agir. 5. Considerações finais. 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A Lei 11.441/07, trouxe grandes inovações para o ordenamento jurídico pátrio. Ao objetivar a diminuição dos feitos em trâmite perante os Juízos nacionais e obter celeridade procedimental para os jurisdicionados, a legislação processual civil inovou com o advento da referida norma e permitiu que a separação, o divórcio, o inventário e a partilha consensuais realizassem-se fora da esfera do Poder Judiciário, ou seja, extrajudicialmente em Cartórios de Notas.
Com isso, possibilitou que, em tais casos[1], os Serviços de Tabelionato pudessem conhecer e expedir escrituras para o rompimento, total ou parcial, de vínculos matrimoniais, mediante divórcio ou separação, respectivamente, e arrolar os bens e direitos, bem como os herdeiros de um falecido, após a abertura de sua sucessão.
Para que se possam realizar os ditos procedimentos, em sede administrativa, faz-se necessário o preenchimento de determinados requisitos legais, de ordem material e instrumental, que serão abordados ao longo deste trabalho.
O estudo em questão pretende analisar se, constatados os pressupostos existentes em lei para o trâmite extrajudicial dos aludidos procedimentos, poderão ou não os requerentes optar por ajuizar no Poder Judiciário tais pleitos. Assim, deseja-se discutir se os pedidos extrajudiciais de divórcio, separação, inventário e partilha consensuais são obrigatórios ou facultativos.
Dito de outra forma, cumpridas as condições legais, terá o jurisdicionado a possibilidade de escolher se realizará o procedimento em sede judicial ou extrajudicial? A novel legislação trouxe uma situação impositiva ou facultativa? Como deve agir o Estado-Juiz nas situações em que os requerentes, mesmo preenchidos os pressupostos para a realização do procedimento extrajudicial, optam por ingressar em Juízo?
Justifica-se esta análise pelos posicionamentos doutrinários divergentes sobre o assunto, como se verá posteriormente. Além disso, muitos doutrinadores renomados escolheram, em suas obras, por simplesmente se omitirem sobre o tema. Desse modo, o presente artigo visa apresentar os entendimentos opostos sobre o problema e, com isso, oferecer resposta para as indagações acima, eis que o tema é novo e de grande importância para a comunidade jurídica, mormente considerando que existem magistrados que julgam extintos os feitos, sem resolução de mérito, nos casos enquadrados nos arts. 982 e 1.124-A, do CPC, por entenderem que não há interesse de agir (art. 267, VI, do CPC).
Na tentativa de uma melhor compreensão, serão abordadas questões correlatas ao assunto, por meio de uma pesquisa teórico-documental e jurídico-propositiva, por analisar uma lei, suas falhas e propor soluções.
2. REQUISITOS LEGAIS APLICÁVEIS
A Lei 11.441/07 alterou a redação do art. 982, do CPC, e inseriu, no mesmo codex, o art. 1.124-A. Aquele trata do inventário e partilha e este da separação e divórcio, todos consensuais e extrajudiciais.
Os citados dispositivos legais apresentaram os requisitos para que o inventário, a partilha, a separação e o divórcio consensuais sejam realizados extrajudicialmente, em Cartórios de Notas.
Para melhor visualização e compreensão do tema, faz-se mister, primeiramente, colacionar os dispositivos atinentes ao assunto e explicá-los. Dessa maneira, serão transcritos abaixo os principais artigos, do CPC, que guardam relação com a matéria:
Art. 982 CPC. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial; se todos forem capazes e concordes, poderá fazer-se o inventário e a partilha por escritura pública, a qual constituirá título hábil para o registro imobiliário.
Parágrafo único. O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado comum ou advogados de cada uma delas, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial[2].
O texto anterior à Lei 11.441/07 mencionava: "Art. 982 CPC. Proceder-se-á ao inventário judicial, ainda que todas as partes sejam capazes"[3].
Depreende-se que a Lei 11.441/07 quebrou o antigo paradigma do sistema jurídico de exigir a obrigatória intervenção do Poder Judiciário, para a realização de inventários e partilhas de bens. A nova lei, portanto, deixou claro que, para os inventários vinculados à testamentos e/ou para aqueles em que participem incapazes, não será possível a utilização da via extrajudicial. Além disso, havendo litígio entre os herdeiros, far-se-á o inventário através dos procedimentos judiciais tradicionais, eis que o Poder Judiciário é o órgão investido de competência para, no caso concreto, atingir a solução para os conflitos de interesses, em consonância com os princípios do Estado Democrático de Direito. A lei também cuidou de exigir que todos os interessados estejam devidamente representados por advogados, que poderão zelar pelos direitos de seus mandantes.
Por sua vez, o art. 1.124-A, do CPC, dispõe:
Art. 1.124-A CPC. A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento.
§ 1º A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para o registro civil e o registro de imóveis.
§ 2º O tabelião somente lavrará a escritura se os contratantes estiverem assistidos por advogado comum ou advogados de cada um deles, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.
§ 3º A escritura e demais atos notariais serão gratuitos àqueles que se declararem pobres sob as penas da lei[4].
No que tange à separação e ao divórcio consensuais, a lei em comento trouxe como exigências, para a decretação extrajudicial, que o casal não tenha filhos menores ou incapazes, pois nessas situações haverá a necessidade da intervenção obrigatória do representante do MP, na qualidade de custos legis, por força do art. 82, I, do CPC, o que afasta a viabilidade da via administrativa, ante a indisponibilidade dos interesses envolvidos na questão.
Para que os pedidos de separação e divórcio possam ser realizados, por meio extrajudicial, deverão ser observados, por razões óbvias, os prazos e exigências previstos nos arts. 1.574 e 1.580, todos do CC. Com isso, é possível, além da separação extrajudicial, os pedidos de divórcio direto, mediante depoimento, em Cartório, de testemunhas que comprovem a separação fática por 02 (dois) ou mais anos, e de divórcio por conversão, passado o prazo de 01 (um) ano da decretação da separação judicial ou extrajudicial. Salienta-se que a redação do art. 1.580, do CC, menciona, para a conversão da separação em divórcio, a necessidade de decretação prévia da separação judicial. Todavia, a interpretação literal não deve prevalecer, ante a redação do art. 1.124-A, do CPC, que prevê a possibilidade de divórcio extrajudicial, em qualquer modalidade[5].
Também há a necessidade de que os cônjuges estejam assistidos por advogado, comum a ambos ou um para cada consorte, para resguardar os interesses dos requerentes e legitimar formalmente o ato, evitando a ocorrência de vícios no negócio jurídico.
3. CONTROVÉRSIA SOBRE O CARÁTER OBRIGATÓRIO OU FACULTATIVO DA LEI EM QUESTÃO
Como dito acima, com relação ao inventário e a partilha extrajudiciais, tem-se que tais procedimentos serão permitidos, em via extrajudicial, desde que todos os herdeiros sejam civilmente capazes e estejam em consenso com relação ao modo de partilhar a herança, ou então, na hipótese de ser somente um único herdeiro, que este seja civilmente capaz e não haja testamento. Existem doutrinadores, como por exemplo, Câmara (2008), que entendem que, quando cumprida integralmente a nova situação traçada no CPC, "não haverá interesse-necessidade para a instauração de processo judicial de inventário e partilha"[6]. Nesse sentido:
A realização extrajudicial do inventário e partilha não é, como pode parecer a quem faça interpretação literal da lei, uma faculdade. Presente os requisitos (capacidade civil de todos os herdeiros e total acordo entre eles quanto ao modo de partilhar a herança), não será possível realizar em Juízo o inventário e partilha do monte. É que, nesse caso, faltará a necessidade de ir a Juízo, elemento formador do interesse de agir (o qual, como sabido, é um dos requisitos essenciais para que o Estado possa emitir um provimento de mérito). Assim, a instauração do processo judicial no caso em que cabível a realização extrajudicial do inventário e partilha deverá levar a uma sentença de extinção do processo sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC, por falta de interesse de agir[7].
O aludido doutrinador (2008) tece considerações no mesmo sentido para os casos de separação e divórcio consensuais: Dispensa-se, porém, o processo judicial de separação consensual (que não poderá se instaurar por falta de interesse-necessidade), quando não houver filhos incapazes do casal, caso em que se celebrará o negócio jurídico de separação consensual por escritura pública, a ser lavrada em notas de tabelião, na forma do art. 1.124-A, do CPC[8].
Noutro sentido, Marcato (2007) traz entendimento completamente diverso, pois: na exata dicção do art. 1.124-A, trata-se de faculdade conferida aos interessados, que poderão valer-se, a seu exclusivo critério, da via extrajudicial ou judicial para a obtenção da separação e do divórcio consensuais. Por outras palavras, é defeso ao juiz impedir aos separandos ou divorciandos o acesso à via judicial, sob o equivocado argumento de que agora dispõem da extrajudicial[9].
A Corregedoria Geral de Justiça, do Estado de São Paulo, em atenção ao oficio remetido pelo Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seção São Paulo (OAB/SP), editou o Comunicado nº 236/2007, que se manifestou sobre o tema: Tendo em vista que, a despeito dos termos do artigo 3º, da Lei n. 11.441/07 ("A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento"), inúmeras reclamações têm chegado à Corregedoria Geral, derivadas da extinção de processos de separação e divórcio consensuais, o Desembargador Gilberto Passos de Freitas, Corregedor Geral da Justiça, ALERTA os Meritíssimos Juízes de Direito que o interesse dos cônjuges em recorrer à via judicial pode consistir na preservação do segredo de justiça assegurado pelo artigo 155, II, do CPC. Fixado o entendimento de que escrituras de separação e divórcio consensuais não podem ser lavradas sob sigilo (Conclusão 5.11 do Grupo de Estudos instituído pela Portaria CG nº 01/2007 - D.O. de 08/02/07), extinções de processos sem resolução do mérito provocarão situação insolúvel para as partes, vez que impedidas de, sob sigilo, utilizar tanto a via judicial quanto a extrajudicial[10].
Questão importante impõe colacionar abaixo o ofício do Excelentíssimo Presidente da OAB/SP, que desencadeou o comunicado acima:
São Paulo, 12 de março de 2007.
Senhor Corregedor.
A Ordem dos Advogados do Brasil - Secção de São Paulo, por seu Presidente abaixo assinado, recorre a V.Exa. para o que segue:
1 - entrou em vigor a Lei nº 11.441 de 4 de janeiro de 2007, dando aos casais sem filhos menores o direito de optar pela separação consensual, divórcio, partilha em inventário feitos em cartório;
2 - esta Lei foi discutida em São Paulo, pelos advogados designados pela OAB SP na Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, juntamente com o Ministério Público, Juízes de 1ª Instância, Desembargadores, Defensoria Pública e Colégio Notarial;
3 - ocorre que, surgiu uma tendência de alguns Juízes, tais como em Mirassol, Mogi Mirim e Santos, que entenderam que os divórcios e separações em curso pela Vara de Família e Sucessões deveriam ser extintos por falta de interesse processual para que fossem refeitos em cartório extrajudicial, que poderiam ter optado por continuar na Justiça.
Isto somado, significa mais de 400 processos, os quais, caso persistam as sentenças, levarão os advogados a interpor Apelação com provável demora de 5 anos, período no qual as partes com sua condição inalterada. Há ainda um prejuízo financeiro porque já foram recolhidas custas judiciais as quais não serão devolvidas.
Tentando evitar mal maior, a OAB SP requer de V.Exa. a normatização das regras da citada Lei, ressaltando que a mesma é opcional para que não ocorrem mais fatos semelhantes, o que acarretaria prejuízos incontestáveis à comunidade.
Aproveito a oportunidade para renovar meus protestos de estima e consideração. Luiz Flávio Borges D'Urso - Presidente[11].
Ressaltou, ainda, em entrevista, o então Presidente da OAB/SP, D´Urso (2007): A OAB/SP recebeu cerca de 400 reclamações de advogados de várias cidades do Estado, especialmente de Santos, Mirassol e Mogi Guaçu, onde alguns juízes estavam entendendo que divórcios e separações em tramitação nas Varas de Família e Sucessões deveriam ser extintos por falta de interesse processual e refeitos em cartório extra judicial. Isso acarretaria um prejuízo moral e econômico injustificado para as partes, até porque a lei faculta que os cônjuges possam optar por uma decisão judicial ou não[12].
Ademais, encontra-se disponível no site do TJSP, entendimento consolidado sobre o assunto:
(269/2007-E) - Protoc. CG nº 26.081/2007
TABELIONATO DE NOTAS - Possibilidade da realização de separações, divórcios, inventários e partilhas na esfera administrativa não impede a opção pela via judicial - Entendimento já consolidado nesta Corregedoria Geral da Justiça (Conclusões n° "1.1" e "1.2", do Grupo de Estudos instituído pela Portaria CG n° 01/2007, e ainda o Comunicado nº 236/2007) - O mesmo entendimento também se consolidou no Conselho Nacional de Justiça (art. 2º, da Resolução n° 35/2007, bem como decisão proferida no Pedido de Providências n° 1413/2007) - Conveniência da publicação no DOE desta última decisão, na íntegra, para conhecimento dos MM. Juízes, em razão da menção à possibilidade de "abertura de processo disciplinar contra magistrados, por descumprimento de seus deveres funcionais"[13].
Para resolver, de uma vez por todas o assunto, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução 35, de 24.04.07, visando disciplinar a aplicação da Lei 11.441/07, pelos Serviços Notariais. Nesse sentido:
A PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no uso de suas atribuições constitucionais e regimentais, e tendo em vista o disposto no art. 19, I, do Regimento Interno deste Conselho, e
Considerando que a aplicação da Lei nº 11.441/2007 tem gerado muitas divergências;
Considerando que a finalidade da referida lei foi tornar mais ágeis e menos onerosos os atos a que se refere e, ao mesmo tempo, descongestionar o Poder Judiciário;
Considerando a necessidade de adoção de medidas uniformes quanto à aplicação da Lei nº 11.441/2007, em todo o território nacional, com vistas a prevenir e evitar conflitos;
Considerando as sugestões apresentadas pelos Corregedores-Gerais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal em reunião promovida pela Corregedoria Nacional de Justiça;
Considerando que, sobre o tema, foram ouvidos o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e a Associação dos Notários e Registradores do Brasil;
RESOLVE:
SEÇÃO I
DISPOSIÇÕES DE CARÁTER GERAL
[...]
Art. 2° É facultada aos interessados a opção pela via judicial ou extrajudicial; podendo ser solicitada, a qualquer momento, a suspensão, pelo prazo de 30 dias, ou a desistência da via judicial, para promoção da via extrajudicial[14].
Portanto, nota-se que a questão apresentada é controvertida. A doutrina, representada por Câmara (2008) e Marcato (2007), ainda não está pacificada. Além disso, a divergência produziu efeitos graves no Estado de São Paulo, demandando manifestações explícitas da Corregedoria Geral de Justiça, que serão re-analisadas na próxima parte deste estudo, a fim de se evitar litígio semelhante em outras entidades federadas.
4. DO INTERESSE DE AGIR
Para que a parte obtenha uma sentença final que adentre no mérito da causa, necessário se faz que estejam presentes todas as condições de ação. As condições de ação são os requisitos especiais de viabilidade da ação cível, decorrentes do sistema adotado pelo CPC brasileiro, segundo o qual o direito de ação fica condicionado ao preenchimento de todos os requisitos formais ao provimento final, que venha a solucionar o conflito de interesses[15].
A condição de ação que interessa ao presente estudo é a denominada interesse de agir ou também chamada interesse processual[16].
Tal condição de ação justifica-se dentro da premissa de que não se pode impulsionar a máquina judiciária em casos que não se demonstre indispensável à atuação do Estado-Juiz, para exercer a jurisdição, "dizendo" o direito aplicável ao caso concreto. Evita-se que o Poder Judiciário atue em situações completamente inúteis para o próprio demandante, isto é, sem utilidade, pois nesses casos outras pessoas poderiam estar precisando da atuação estatal, que estaria sobrecarregada por demandas desnecessárias.
Por isso, o interesse de agir é aferido a partir da presença do binômio necessidade e adequação. Dessa forma, é indispensável que a demanda proposta seja necessária e que o autor tenha buscado provimento adequado para a tutela de seu suposto direito.
Ensina Câmara (2007) que "terá interesse de agir aquele que apresentar necessidade da tutela jurisdicional, tendo pleiteado um provimento que se revele adequado para a tutela da posição jurídica de vantagem afirmada na demanda"[17].
Theodoro Júnior (2009) cita Buzaid e, com isso, explica que: "há interesse processual se a parte sofre um prejuízo, não propondo a demanda, e daí resulta que, para evitar esse prejuízo, necessita exatamente da intervenção dos órgãos jurisdicionais"[18].
Arremata Theodoro Júnior (2009), de forma esclarecedora, que: "mesmo que a parte esteja na iminência de sofrer um dano em seu interesse material, não se pode dizer que exista interesse processual, se aquilo que se reclama do órgão judicial não será útil juridicamente para evitar a temida lesão"[19].
Portanto, é necessário que a pretensão deduzida em Juízo seja razoável e assim justifique a intervenção jurisdicional, pois, se não estiver presente o binômio necessidade e adequação, a parte será carecedora do direito de ação, devendo ser extinto o feito sem resolução do mérito, por meio de sentença terminativa, em conformidade com o inciso VI, do art. 267, do CPC.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Constata-se que há entendimento no sentido de que, após preenchidos os requisitos legais para o divórcio, a separação, a partilha e o inventário consensuais, não terão os interessados outra opção a não ser recorrer à via extrajudicial. Esse posicionamento baseia-se na premissa de que, caso os requerentes, naquelas situações, ingressem em Juízo, lhes faltaria o interesse de agir e então careceriam do direito de ação, devendo ser o processo extinto sem resolução do mérito.
Contudo, viu-se também que há posicionamentos em sentido diverso, por aqueles que interpretam a Lei 11.441/07 como uma faculdade aos interessados e não como uma obrigação para que eles requeiram seus direitos extrajudicialmente.
Entende-se que o próprio texto legal dos arts. 982 e 1.124-A, do CPC, emprega a palavra poderá e poderão, respectivamente, ou seja, se a legislação quisesse atribuir uma imposição ao jurisdicionado a nomenclatura seria deverá e deverão. Os termos empregados dão a clara idéia de faculdade, mediante uma interpretação literal dos comandos legais.
O sentido da lei não pode ser alterado de forma forçosa, como pretendem aqueles que interpretam que a novel legislação trouxe uma obrigação para os interessados.
Além disso, também não pode ser aceita a tese de que faltará aos requerentes o interesse de agir para ingressem em Juízo, caso preenchidos os requisitos legais. Tem-se que os interessados perderão as benesses do segredo de justiça, na hipótese de serem compelidos a tratar de suas questões familiares e patrimoniais em sede extrajudicial. De modo que o art. 155, II, do CPC, seria constantemente desrespeitado para as causas que versem questões matrimoniais.
E não foi isso que a Lei 11.441/07 objetivou, em interpretação teleológica, em conformidade com o art. 5º, da LICC. A dita norma visou apenas abrir uma possibilidade para que os que quisessem realizar as separações, divórcios, partilhas e inventários consensuais, desde que preenchidos os requisitos legais, pudessem usufruir de uma segunda via, no caso a extrajudicial, que lhes garantissem a mesma segurança jurídica alcançada no Poder Judiciário, mas com menor espaço de tempo e de forma mais simples que a judicial.
Contudo, aqueles que, por questões de foro íntimo ou por outras razões, venham a optar pelo procedimento judicial, não poderão ser considerados carecedores do direito de ação, na medida que os interessados objetivam primar pelo segredo de justiça. Portanto, eles terão interesse de agir ao ingressar no Judiciário, pois as vias extrajudiciais não lhes assegurarão tal direito, ante o princípio da publicidade que rege todo e qualquer documento público.
Urge salientar a situação das pessoas carentes de recursos financeiros que não dispõem de meios para arcar com os honorários de um advogado particular e que procuram, constantemente, a Defensoria Pública e os Núcleos de Prática Jurídica, encontrados nas Faculdades de Direito, que também prestam serviços jurídicos gratuitos. Muitas das vezes, tais núcleos jurídicos não possuem infra-estrutura suficiente para atenderem a população junto aos Cartórios de Notas, em sede extrajudicial, e, por isso, somente atuam perante os Fóruns das comarcas onde se situam. Nesse contexto, faz-se imprescindível permitir aos interessados o ingresso em Juízo, sob pena deles não conseguirem profissionais para resolver suas questões particulares, o que violaria o art. 5º, XXXV, da CR/88, por negativa de acesso à jurisdição.
Diante do exposto e com base no Comunicado nº 236/2007, editado pela Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo, e na Resolução nº 35/2007, expedida pelo Conselho Nacional de Justiça, conclui-se que a Lei nº 11.441/2007 trouxe uma opção a mais para os interessados e não uma imposição legal aos procedimentos extrajudiciais de divórcios, separações, inventários e partilhas consensuais.
6. REFERÊNCIAS
BRASIL. Código Civil, Código de Processo Civil, Código Comercial, Legislação Civil, Processual civil e Empresarial, Constituição Federal. Organização Yussef Said Cahali. 11. ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2009.
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 35. Disciplina a aplicação da Lei nº 11.441, de 04 de janeiro de 2007. 24 abr. 2007. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br>. Acesso em: 02 abr. 2009.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 16. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007. vol. I, 549p.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 14. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008. vol. III, 560p.
D´URSO, Luiz Flávio Borges. Entrevista: OAB/SP alerta Corregedoria do TJ sobre extinção de processos com base na Lei 11.441/07: diante das reclamações encaminhadas pela OAB/SP, Corregedoria edita comunicado alertando juízes de Direito. 14 mar. 2007. Disponível em: <http://www.oabsp.org.br>. Acesso em: 02 abr. 2009.
MARCATO, Antônio Carlos. Procedimentos Especiais. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2007. 455p.
MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil: teoria geral do processo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. v. 1, 528p.
SÃO PAULO. Ordem dos Advogados do Brasil. Ofício à Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo. 12 mar. 2007. Disponível em: <http://www.oabsp.org.br>. Acesso em: 02 abr. 2009.
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Corregedoria Geral de Justiça. Comunicado nº 236. Trata da aplicação da Lei nº 11.441, de 04 de janeiro de 2007. Mar. 2007. Disponível em: <http://www.oabsp.org.br>. Acesso em: 02 abr. 2009.
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Corregedoria Geral de Justiça. Ementário Consolidado das Decisões da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo: extrajudicial - biênio 2006/2007. 2008. Disponível em: <http://www.extrajudicial.tj.sp.gov.broabsp.org.br>. Acesso em: 02 abr. 2009.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 50. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. vol. I, 794p.
Magno Federici Gomes é pós-doutor em Direito Público e Educação pela Universidade Nova de Lisboa-Portugal. Mestre em Direito Processual, Doutor em Direito e Pós-doutor em Direito Civil e Processual Civil pela Universidad de Deusto-Espanha. Mestre em Educação pela PUC Minas. Professor Adjunto da PUC Minas. Professor Titular da Faculdade de Direito Padre Arnaldo Janssen. Advogado. Endereço eletrônico: federici@pucminas.br
Frederico Oliveira Freitas é pós-graduado em Direito Público pela Associação Nacional dos Magistrados Estaduais. Professor Assistente da Faculdade de Direito Padre Arnaldo Janssen. Advogado. Endereço eletrônico: frederico.jus@gmail.com
[1] Nos quais predominava a administração pública de interesses privados, isto é, em algumas hipóteses de jurisdição voluntária em que inexiste litígio entre as partes.
[2] BRASIL, 1973, art. 982.
[3] BRASIL, 1973, art. 982 (antiga redação).
[4] BRASIL, 1973, art. 1.124-A.
[5] Trata-se, então, de interpretação ampliada do art. 1.124-A, do CPC.
[6] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 14. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008. vol. III, p. 418.
[7] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil - ob. cit., 2008, p. 418.
[8] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil - ob. cit., 2008, p. 500.
[9] MARCATO, Antônio Carlos. Procedimentos Especiais. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 352.
[10] SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Corregedoria Geral de Justiça. Comunicado nº 236. Trata da aplicação da Lei nº 11.441, de 04 de janeiro de 2007. Mar. 2007. Disponível em: <http://www.oabsp.org.br>. Acesso em: 02 abr. 2009.
[11] SÃO PAULO. Ordem dos Advogados do Brasil. Ofício à Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo. 12 mar. 2007. Disponível em: <http://www.oabsp.org.br>. Acesso em: 02 abr. 2009.
[12] D´URSO, Luiz Flávio Borges. Entrevista: OAB/SP alerta Corregedoria do TJ sobre extinção de processos com base na Lei 11.441/07: diante das reclamações encaminhadas pela OAB/SP, Corregedoria edita comunicado alertando juízes de Direito. 14 mar. 2007. Disponível em: <http://www.oabsp.org.br>. Acesso em: 02 abr. 2009.
[13] SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Corregedoria Geral de Justiça. Ementário Consolidado das Decisões da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo: extrajudicial - biênio 2006/2007. 2008. Disponível em: <http://www.extrajudicial.tj.sp.gov.broabsp.org.br>. Acesso em: 02 abr. 2009.
[14] BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 35. Disciplina a aplicação da Lei nº 11.441/07. 24 abr. 2007. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br>. Acesso em: 02 abr. 2009.
[15] Denomina-se teoria eclética da ação, de Liebman. Para aprofundamentos, ver MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil: teoria geral do processo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. v. 1, p. 172-186.
[16] As condições da ação são a legitimidade de ser parte, a possibilidade jurídica do pedido e o interesse de agir. Somente a última será abordada neste estudo, por estar diretamente ligada à fundamentação daqueles que entendem que a via extrajudicial, quando permitida para os procedimentos de separação, divórcio, inventário e partilha consensuais, retira, dos requerentes, o interesse de agir.
[17] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 16. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007. vol. I, p. 133.
[18] BUZAID apud THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 50. ed. RJ: Forense, 2009. vol. I, p. 62-63.
[19] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil - ob. cit., 2009, p. 63.
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