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COMENTÁRIO - Registro de testamento particular
Tramita na Câmara dos Deputados o PL 4748/2009 de autoria do Deputado Federal Celso Russomanno (PP-SP), que pretende exigir, como requisito de validade do testamento particular, seu registro no Cartório de Títulos e Documentos no prazo de vinte dias a contar de sua elaboração, acrescentando parágrafo terceiro ao artigo 1.876 do Código Civil Brasileiro.
Apresenta, para tanto, duas justificativas básicas. A primeira, é a tentativa de evitar o risco de que essa espécie testamentária seja perdida, ocultada ou destruída; e a segunda, é a preocupação em tornar acessível aos herdeiros qualquer pesquisa futura e obtenção de certidões do testamento com o mesmo valor jurídico.
Em que pese a rara e louvável preocupação com o direito sucessório brasileiro, não apresenta, o projeto referido, data vênia, a melhor solução para a preocupação em comento.
Como sabemos, são três as espécies ordinárias, cada qual com suas vantagens, desvantagens e público alvo, na tentativa de atender a todos os que desejam expressar sua última vontade e especialmente atender a todas as situações fáticas possíveis que envolvem a confecção da cédula testamentária.
Sempre foi essa a finalidade da existência de formas testamentárias diversas ao longo da história. Prova de tal assertiva é a manutenção em nosso direito positivo (artigos 1.888 a 1.896 CC) de formas especiais de testamento, para serem utilizadas em situações igualmente excepcionais.
Assim, a primeira crítica ao projeto é a intenção de aproximar a forma testamentária particular à forma pública, suprimindo da particular uma de suas características mais valiosas, que é a simplicidade de sua confecção e a desnecessidade de intervenção de autoridade pública.
Tanto o testamento público quanto o cerrado necessitam da intervenção do tabelião, ainda que no segundo caso o conteúdo da cédula não seja registrado, permitindo a destruição material do documento e a impossibilidade de sua execução.
Essas duas primeiras formas partem do pressuposto de que é possível ao testador ter acesso a um tabelionato de notas, que não existe em todas as cidades do nosso país, sendo muitas vezes necessário o deslocamento do testador e das testemunhas para outra comarca como única forma de realização do ato, ou inversamente, o deslocamento do próprio tabelião.
Somente o acréscimo de tal dificuldade ao testamento particular já o descaracteriza, impedindo que pessoas que estejam em locais distantes ou enfermos possam chegar até um cartório de registro de títulos e documentos no prazo concedido.
Contrario sensu se a pessoa tem condições de se deslocar facilmente até uma comarca que possua um cartório dessa espécie, por certo terá ainda mais facilidade para realizar o testamento público diretamente, mesmo porque neste caso só precisará de duas testemunhas, facilitando sua feitura, sem mencionar que os tabelionatos são mais numerosos do que os cartórios de títulos.
Portanto o que aparentemente possa ser entendido como uma vantagem, na verdade, acaba por confundir duas espécies com usuários distintos.
Importa lembrar que o código civil inovou (art. 1.879 CC) ao permitir a realização do testamento particular sem testemunhas em situação de emergência, o que não se coaduna com a possibilidade de registro posterior, que dificilmente poderá ser observado, mesmo no prazo de vinte dias.
No momento em que se permite a execução de um testamento particular a partir de certidão do ofício de títulos e documentos, cria-se mais uma formalidade para sua revogação, haja vista que neste caso a simples destruição do testamento particular, por vontade do testador, não será suficiente para promover sua ineficácia, na medida em que deverá ser comunicado também ao registro de títulos, sob pena de um interessado, após a morte do testador, obter certidão para ser executada.
Outro entrave não solucionado pela proposta legislativa diz respeito aos testamentos particulares escritos em língua estrangeira (artigo 1.880 CC), onde será difícil a realização do próprio registro pelo oficial em livro próprio (p.ex. quando escrito em japonês ou árabe), sem mencionar a quase impossibilidade de obtenção de certidões.
Como se pode observar, em que pese a boa intenção do legislador, a eventual aprovação do projeto poderá efetivamente facilitar a localização do testamento, porém irá criar barreiras sérias para sua utilização, que já é minúscula.
Penso, portanto, ser desnecessário em nosso sistema a criação de mais um requisito de validade para uma espécie testamentária que se caracteriza pela sua simplicidade e que não pode ser confundido com o testamento público, a exigir registro com fé pública.
Mantido eventualmente o projeto, a sugestão é de tornar opcional o registro no cartório de documentos e não como requisito de validade, alcançando as facilidades da justificativa do projeto somente a quem possa reunir tais condições.
Jamil Andraus Hanna Bannura - advogado, professor de Direito de Família e Sucessões da Universidade Federal do Rio Grande do Sul , Escola Superior da Advocacia da OAB RS, Escola da Defensoria Pública do Estado do RS. Sócio do IBDFAM.
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