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Famílias Paralelas
A própria nomenclatura do concubinato sofreu modificações ao longo do tempo. A união estável passou a ser tutelada juridicamente e praticamente equiparada ao casamento. Terminologia concubinato restou apenas para as relações não eventuais, entre homem e mulhre, impedidos de ingressar nos sacralizados laços do matrimônio. Classificações existem muitas, mas questiona-se: são guarnecidas de razão ou permeadas por vacuidade?
Mister afirmar-se que o Direito, a Justiça, possui o dever de acompanhar a realidade social, e não o de tentar vedar a realidade ou outorgar direitos pela metade. Fingir-se que não se enxerga a realidade não a faz desaparecer.
Imperioso ressaltar que as considerações feitas estão restritas ao âmbito das conjugalidades ou companheirismos simultâneos, uma vez que a parentalidade simultânea é temática pacífica há muito tempo. Ademais, com o advento da Carta Magna de 1988 não cabe mais qualquer tipo de distinção entre os filhos, sendo eles oriundos de relações matrimoniais, para ou extra-matrimoniais. Filhos são filhos, quaisquer que tenham sido os vínculos de seus genitores.
O presente estudo possui como escopo não um estudo exaustivo da matéria, mas sim trazer à baila reflexões acerca de assunto relativamente delicado e, indubitavelmente, cercado por juízos e proposições heterogêneas. Erradicar o preconceito indevido é papel não só de magistrados, mas de todos os operadores do direito.
É fundamental tentar entalhar na sociedade a idéia de que o não aceitável, o considerado por alguns imoral, não é invisível. E o que é observado e ponderado pelo meio social, é e deve ser, consequentemente apreciado, de forma imparcial pela Justiça.
•1. Monogamia: princípio ou mito?
Seria a monogamia um princípio ou simplesmente um mito?[1] Diversas correntes existem acerca da matéria. Alguns classificam a monogamia como princípio, constitucionalmente manifesto, outros classificam-na como regra restrita à proibição de pluralidade de relações matrimonializadas, firmadas sob a chancela estatal[2], e existe ainda aqueles que a consideram simplesmente um mito.[3]
Para Rodrigo da Cunha Pereira, a monogamia é, sim, um princípio. Seria um princípio básico e organizador das relações jurídicas da família no mundo ocidental, que também funciona como um "ponto-chave das conexões morais das relações amorosas e conjugais".[4]
É fato que a monogamia foi prescrita para a maioria dos indivíduos, pela sociedade e pela tradição ocidental. As regras, tal como estão oficialmente estabelecidas são explícitas e cristalinas. Espera-se que as pessoas conduzam a sua vida afetiva e sexual aos pares, dentro do campo do jogo matrimonial que lhes foi indicado. Todavia, como acontece em um jogo de futebol, por exemplo, pode ser que alguns ultrapassem tais fronteiras que delimitam o referido campo. E, não raro, existe uma penalidade fixada, caso alguma violação seja detectada. "Para muitas pessoas, monogamia e moralidade são sinónimos. O casamento é a sanção definitiva e os desvios da monogamia marital são o pecado interpessoal por definição".[5]
Entretanto, mudanças nessa seara do Direito das Famílias brasileiro já podem ser observadas há algum tempo. O adultério, a grave infração ao dever recíproco de fidelidade[6] entre os cônjuges foi descriminalizado.[7] Já não existe permissão normativa para qualquer tipo de diferenciação entre filhos, sejam eles oriundos de relações incestuosas ou adulterinas. Questiona-se: seria uma abertura para a relativização da monogamia? Assevera Maria Berenice Dias que:
Mesmo sendo indicada na lei como requisito obrigacional a mantença da fidelidade, trata-se de direito cujo adimplemento não pode ser exigido em juízo. Ou seja, desatendendo um do par o dever de fidelidade, não se tem notícia de ter sido proposta, na constância do casamento, demanda que busque o cumprimento de tal dever. Tratar-se-ia de execução de obrigação de não-fazer? E, em caso de procedência, de que forma poderia ser executada a sentença que impusesse a abstinência sexual extramatrimonial ao demandado?[8]
Na opinião da ilustre jurista supracitada, a pretensão de elevar a monogamia a princípio constitucional é o caminho para se chegar a efeitos nefastos. Por exemplo, quando existir simultaneidade de relacionamentos, abster-se de conceder efeitos a um ou a ambas relações, sob o argumento de se estar ferindo a máxima da monogamia, acabaria permitindo, tão somente o enriquecimento ilícito do par infiel, ficando o mesmo com todo o patrimônio e sem responsabilidade alguma para com o outro.[9] "Essa solução que vem sendo apontada pela doutrina[10] e aceita pela jurisprudência afasta-se do dogma maior de respeito à dignidade da pessoa humana, além de chegar a um resultado de absoluta afronta à ética".[11]
Então qual seria o desfecho de tal questão? Ir contra a suposta máxima da monogamia, desprezando-a por completo, levando-se em conta apenas e tão somente os impulsos do desejo,[12] e olvidar-se das consequentes responsabilidades, ou abrir espaço para uma resposta proporcional ao caso concreto?
Na diferenciação entre regras[13] e princípios, pode-se afirmar que as regras devem ser aplicadas na forma do tudo ou nada, por serem mais herméticas, fechadas, já os princípios são mandados de otimização, que devem ser aplicados na maior medida do possível.[14] Destarte, ainda que a monogamia fosse considerada princípio, um dever constitucionalmente garantido, poderia ser relativizável.[15]
Ademais, não encontra-se na Carta Magna brasileira qualquer alusão ao princípio da monogamia. É mister salientar que mesmo que a monogamia fosse assumida como princípio, a mesma não deveria ser qualificada como princípio jurídico como muitos pregam, mas, no máximo, princípio hermenêutico. Ou seja, aqueles que desempenham função argumentativa, permitindo, por exemplo, a ratio legis de uma disposição ou revelar normas que não são expressas por qualquer enunciado legislativo, possibilitando aos operadores do direito, em especial os Magistrados, o desenvolvimento, a integração e complementação do direito. Destarte, a monogamia não pode ser assumida como princípio constitucionalmente assegurado. [16]
Aliás, se a monogamia fosse princípio, norma constitucionalmente garantida, não seria paradoxal o tratamento igualitário deferido aos filhos adulterinos e incestuosos, em relação aos filhos matrimoniais ou oriundos de união estável?[17] A Constituição se limita a asseverar que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher, de acordo com o § 5º do art. 266. E faz menção ao que está disposto no CC, legislação infraconstitucional, sobre os deveres e direitos dos cônjuges. Portanto, ressalte-se mais uma vez que a monogamia não deve ser sustentada como princípio constitucional.[18]
Considerado princípio por alguns, mito por outros. A monogamia pode ser classificada como um vetor, não apenas das relações matrimoniais[19] e paramatrimoniais[20], mas até das extra-matrimoniais.[21] Todavia, qualquer que seja o tipo de relacionamento, nem sempre esta é a direção seguida, emergindo, enventualmente, das relações extramatrimoniais, as famílias paralelas.
2. Situações possíveis
Entre o rol de deveres dos cônjuges inclui-se o de fidelidade recíproca.[22] Relativamente aos companheiros, observa-se os deveres de lealdade e respeito[23], onde poder-se-ia implicitamente encontrar o da fidelidade. Entretanto, nem sempre o desfecho da vida se trilha pela letra da lei. Como um trem descarrilhado, as pessoas traem e são traídas. O ser humano é passível de cometer toda sorte de erros. A infidelidade em si, não é o maior problema.[24] O grande enigma se encontra quando são constituídas as famílias paralelas, as situações onde um componente comum mantém múltipla conjugalidade, em mais de um núcleo familiar. Conforme assevera Carlos Eduardo Pianovski:
A simultaneidade de conjugalidades é tema que, embora suscite perplexidades, não é alheio ao direito de família. Identificar os limites e possibilidades da apreensão jurídica e da atribuição de eficácia a situações de tal natureza implica a necessidade de enfrentar questões pertinentes ao universo principiológico que permeia esse ramo do direito.[25]
E quando se fala em famílias paralelas, não se está a falar em relações furtivas ou casuais, mas em vínculos fortes, baseados no afeto que, sendo moralmente aceitáveis ou não, existem. E, portanto, na maioria dos casos, devem gerar efeitos jurídicos, e não serem expatriadas para a invisibilidade jurídica. Desta forma, tentar-se-á proceder a uma análise de cada caso, dentro do caleidoscópio infindável de possibilidades.
2.1 Uniões estáveis paralelas
Com o advento da Constituição Federal de 1988, a união estável, relação paramatrimonial, foi chancelada pelo Estado, gerando efeitos jurídicos, antes inexistentes ou escassos.
Do art. 1524 do CC brasileiro emanam os deveres dos companheiros como sendo o de lealdade, respeito e assistência, de guarda, sustento e educação dos filhos. Como já explicitado anteriormente, do dever de lealdade, poder-se-ia fazer uma exegese, chegando-se à conclusão da necesidade da fidelidade e consequente monogamia, implícitamente imposta.
Pode-se citar, como exemplo, um caso onde um varão, mantivesse três uniões estáveis paralelas. Três uniões estáveis, onde, aparentemente as mulheres não sabiam da existência uma da outra,[26] possuíam cada uma sua prole e, todos os relacionamentos haviam tido início supostamente na mesma época.[27] O dever de lealdade, por óbvio, era inexistente, por parte daquele que maculou todas as relações com a perfídia. Todas estavam de boa-fé.
Em um caso como este, questiona-se: quem é a verdadeira componente da união estável oficial? Qual será aquela que terá a sua união reconhecida como estável e a consequente eficácia jurídica, enquanto as outras ficam relegadas, no máximo ao direito das obrigações? Ou será que, se todas soubesse umas das outras, uma relação anularia a outra, restando as 3 sem absolutamente direito algum?
Qual seria o critério orientador para a resolução de tal caso? A companheira que tiver mais filhos leva o "prêmio"? A que tiver tiver começado a relacionar-se primeiro? São questionamentos que, na aparência, chegam a beirar o escárnio, mas possuem a sua relevância.
Em uma situação como esta, deixar de prestar juridicidade a todas as uniões seria chancelar o enriquecimento ilícito daquele que foi infiel não só com uma, mas com três famílias, premiando o varão pela infidelidade. Não ver tais relações, "não lhe outorgar quaisquer efeitos, atenta contra a dignidade dos partícipes e filhos porventura existentes."[28]
Ademais, como bem assevera Carlos Eduardo Pianovski, "não cabe ao Estado realizar um juízo prévio e geral de reprovabilidade contra formações conjugais plurais não constituídas sob sua égide, e que se constróem no âmbito dos fatos".[29]
Destarte, pode-se dizer que, em casos de uniões estáveis paralelas, ambas as companheiras (ou mais, se for o caso) possuem direitos patrimoniais, como divisão de bens, obrigação alimentar[30], impenhorabilidade do bem de família[31], direitos sucessórios, direitos previdenciários, etc.
A fórmula para ser utilizada para, por exemplo, repartição de bens ou da pensão, pode ser complexa, até mesmo enigmática, dependendo da quantidade de famílias envolvidas e de como os relacionamentos de desenvolveram.[32] Mas uma coisa é certa: tais casos merecem ser julgados com eqüidade, retidão e, descomprometimento total do Juiz com o preconceito.[33]
2.2 "Companheirismo" puro paralelo ao casamento e "companheirismo" paralelo aos casamento onde há separação de fato: união estável putativa?
Concubinato, concubinagem. Termos tão antiquados quanto disformes. Está na hora de se passar para um estágio à frente. O termo companheirismo não deve ficar restrito à união estável. Porque não chamar os concubinos (as) de companheiros (as)?
Pode-se dar continuação à infeliz classificação de puro ou impuro. De má-fe ou boa-fé. Mas indubitavel é um fato: estando ou não ciente da existência de relacionamento concomitante, o companheiro está vinculado a uma relação fundada no afeto. Mais uma vez, mister salientar que são compreendidas nessa classificação, as relações contínuas, duradouras, cujos vínculos afetivos estão fincados.
Onde se encontra a suposta pureza desse modelo de companheirismo? Na boa-fé, da companheira ou companheiro, que não tinha conhecimento do relacionamento do outro partícipe da relação.[34]
Este caso parece ser uma seara mais pacífica na doutrina. Por estar a (o) outra (o) de boa-fé, ou seja, por não saber da existência de um relacionamento anterior ou concomitante ao seu, seria uma união estável putativa[35], outorgando-se à companheira, os direitos que lhe seriam concedidos se uma genuína união estável estivesse configurada.
Entretanto, a suposta boa-fé do partícipe da relação adulterina é mais uma exceção do que uma regra. Por óbvio, existem homens e mulheres que não tomam conhecimento de que seu companheiro é anteriormente e atualmente casado. Mas a realidade dos fatos é outra. E para se configurar dentro da boa-fé, e ter a outorga dos seus direitos, aquele que é considerado o "outro" ou a "outra", precisa, nas palavras de Maria Berenice Dias, "valer-se de uma inverdade, pois, se confessa desconfiar ou saber da traição, recebe um solene: bem feito!"[36] Onde se encontra em tal questão o tão apregoado Estado Democrático de Direito? A justiça? A dignidade da pessoa humana? Nas palavras de Fabiana Maia:
Essa falta de proteção acaba por violar um outro princípio, o da dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado brasileiro. Ao não reconhecer os direitos inerentes às entidades familiares também ao concubinato adulterino, dá-se espaço para a ocorrência de toda sorte de injustiças, como por exemplo, o enriquecimento ilícito da família institucionalizada do concubino casado, e mais grave: o encorajamento da infidelidade conjugal, uma vez que não haverá para o adúltero nenhuma conseqüência de ordem patrimonial. Desse modo, a fim de que não se empreenda a injustiça, a mácula maior do Estado Democrático de Direito, deve-se priorizar a essência da entidade familiar em detrimento da forma, caso a caso, já que a busca pela ética nos relacionamentos não pode sucumbir ao moralismo arraigado.[37]
Pode ser considerado plácido o entendimento relativamente a quando o casal já se encontra separado factualmente, à época da concomitância do casamento com o companheirismo. Sobre a importância da separação de fato[38], se manifesta Rodrigo da Cunha Pereira:
A segunda situação é aquela em que uma das partes concubinárias mantém o casamento, mas apenas em sua formalidade, ou seja, quando há uma separação de fato, há muito tempo. (...) a situação é bem diferente da anterior. Aqui, na realidade, não existe mais o casamento, apenas uma aparência e um vínculo formal que não se sustenta em sua essência. O elemento afetivo está deslocado para o verdadeiro casamento, que é de fato com a pessoa da união estável. [39]
O fato é que a justiça deve preservar a essência, preferencialmente, do que meras formalidades cartoriais, quando o afeto, elo maior de toda e qualquer relação, já foi-se há muito tempo. É desarrazoado, por exemplo, aplicar-se as regras do regime de comunhão de bens a um par separado de fato por um lapso temporal considerável e que, na objetividade, não é mais casal, não possui comunhão de vida ou de qualquer outro interesse que não seja o patrimonial.[40]
"Se existe amor, convivência e assistência recíproca, desvelo, não deve o sistema jurídico deixar de lado estes fatos, apenas porque presente o papel formalizador de um casamento".[41] Destarte, iníqua seria uma proteção do Estado a uma família que há tempos não existe, onde a comunhão de vida há muito se dissipou e que, atualmente, é apenas uma anamnese cartorial, em menoscabo de uma legítima, atual e genuína relação familiar, fundada no afeto.[42]
2.3 Companheirismo "impuro" paralelo ao casamento
Impuro, de má-fé, concubinagem, enfim, diversos são os termos pejorativos para aqueles que vivem uma união extra-matrimonial onde a diferenciação relativamente à pureza da união estável putativa ou concubinato puro reside em uma só questão: o conhecimento de que o companheiro (a) é casado (a).[43]
Todavia, uma questão intrigante pode emergir: e se ao início da relação, o "outro" ou "outra" não tinha conhecimento de que o parceiro era casado, e depois a realidade, passado um bom lapso temporal, destapa-se? Como se deve proceder? Qual a fronteira da boa-fé? Onde ela começa e termina? Pois em um caso como esse, de acordo com boa parte da doutrina hodierna, enquanto não sabia, tudo bem, estava de boa-fé. Depois da descoberta, constituída uma verdadeira relação, construídos fortes vínculos afetivos, resta o partícipe, tão-somente porque teve a má-sorte de descobrir que o companheiro é casado, sem nada? [44] Esta não pode ser considerada uma solução ajustada.
Outra questão, menos usual, mas igualmente interessante é quando ocorre a suposta má-fé, por todos os lados e vertentes. O marido é infiel, a esposa aceita, a "outra" também sabe da existência da consorte. Qual a solução para tal caso? Entende-se na doutrina que, seria uma forma excepcional de considerar a relação paralela como entidade familiar. "Sendo a relação notória e não questionada por seus membros, não há razão para desconhecer a família, visto que promove a dignidade de seus companheiros e oportuniza sua felicidade".[45] Sobre tal questão assevera Carlos Eduardo Pianovski Ruzyk que:
De outro lado, se a ostensibilidade é plena, estendendo-se a todos os componentes da ambas entidades familiares - sobretudo os que mantêm relação de conjugalidade com o componente comum - e mesmo assim ambas as famílias se mantêm íntegras, sem o rompimento dos vínculos de coexistência afetiva, pode ser viável concluir, segundo as peculiaridades que se apresentarem no caso concreto à luz dos demais deveres inerentes à boa-fé, que a simultaneidade não seria desleal, não havendo violação de respeito à confiança do outro e, sobretudo, de proteção da dignidade dos componentes de ambas as famílias. A simultaneidade atenderia, assim, em tese, às pretensões de felicidade coexistencial de todos os componentes das famílias em tela.[46]
Todavia, vale ressaltar que a hipótese supracitada é uma das menos recorrentes. A realidade é que, em boa parte dos casos, o companheiro sabe que é o "outro" ou a "outra", entretanto, não cabe ao Juiz, à sociedade ou ao Estado impor uma "presunção absoluta acerca da configuração de uma conduta desleal, violadora de preceitos éticos inerentes à convivência social e à tutela da dignidade do outro".[47] Como bem assevera Maria Berenice Dias:
O Judiciário é um importante colaborador para que o Estado cumpra sua função de regulamentar a sociedade dentro dos cânones consagrados na Constituição Federal. Precisa cada vez mais assumir a responsabilidade de fazer justiça. Para isso deve oxigenar as regras jurídicas com a realidade da vida. Também não pode deixar de reconhecer direitos ou impor obrigações sob o fundamento de que a questão trazida a julgamento refoge ao socialmente aceito. [48]
Ademais, aplicando-se o princípio da liberdade às relações de família, este se relaciona não somente com a criação, manutenção ou desfazimento das relações familiares, mas à sua constante formação e reinvenção. Conforme assevera Paulo Lôbo, "tendo a família se desligado de suas funções tradicionais, não faz sentido que ao Estado interesse regular deveres que restringem profundamente a liberdade, a intimidade e a vida privada das pessoas".[49] Neste sentido, como bem afirma Carlos Cavalcanti Filho:
Portanto, um Estado que se quer democrático, onde a dignidade da pessoa humana é erigida à condição de fundamento da república, não pode, sob pena de contrariar frontalmente o ordenamento constitucional, partir de uma perspectiva de exclusão de arranjos familiares, entenda-se, tecnicamente, entidades familiares não mencionadas expressamente pela CF, a que denominamos entidades familiares implicitamente constitucionalizadas, como é a hipótese do concubinato adulterino.[50]
Negar a existência das relações paralelas é simplesmente negar o inegável. Não querer ver o óbvio. Decisões tépidas podem ser observadas, como as que reconhecem uma ilusória sociedade de fato[51], as que deferem à companheira indenizações por serviços prestados. Entretanto, alguns avanços podem ser observados, como o caso de determinação de divisão de seguro de vida[52] e divisão da pensão com a cônjuge sobrevivente.[53]
Entretanto, as soluções previamente apontadas estão longe de poderem ser consideradas resoluções equitativas e justas para todos os lados. Por ora, alguém sempre termina prejudicado, e na maioria das vezes, ainda é a companheira. Tudo em nome de uma suposta má-fe, de uma deslealdade para com a dignidade da esposa quando, na verdade, o único infiel e desleal foi o varão. Mas a evolução social é a esperança de se fazer justiça.
Considerações finais
Antes de mais nada, pode-se dizer que é completamente desarrazoado o juízo daqueles que consideram a monogamia como um princípio. É sim um vetor, mas de toda e qualquer relação fundada no afeto, e não apenas aquelas abarcadas pelos laços matrimoniais.
Perquerir a boa ou má-fé é tarefa complexa, além de haver o perigo de se cair no puro subjetivismo. A linha, a fronteira de onde a boa-fé passa a ser má é por demais tênue, podendo ser praticamente invisível, inalcançável, imperceptível. Desta maneira, indubitavelmente, o companheirismo, seja classificado como de boa ou má-fé, deve ser considerado entidade familiar.
Destarte, pode-se concluir que, cada caso deve ser minuciosamente analisado, com base em fatos e não em preconceitos, em justiça, que é pluralista, "razão pela qual na sociedade aberta e democrática pode realizar-se melhor".[54] A decisão deve emergir em conformidade com a ética, em concordância com o direito justo e a dignidade da pessoa humana. Aliás, nas palavras de Paulo Dourado de Gusmão, a justiça:
Requer segurança e paz, pois na desordem, na anarquia e no império da prepotência não há lugar para ela. Mas o preço da segurança e da ordem não deve ser o sacrifício da justiça, da dignidade humana, das liberdades individuais. Se fosse, e se assim fosse pago, seria incompatível com a idéia do direito, bem como a própria natureza e finalidade do direito, que deve ser veículo da justiça. O mundo moderno necessita de fraternidade, de solidariedade social, de submeter o egoísmo ao bem comum. Solução que depende de compromisso, de consenso, com e pelo qual cada um cria o seu próprio valor e imagem, sem a qual cada um tornar-se-á instrumento, robot, meio meio, sem sentido para a justiça.[55]
O preconceito, os supostos valores morais da sociedade humana jamais poderão se sobrepor à dignidade das pessoas, à justiça aplicada ao caso concreto, à eqüidade factual, e não apenas fictícia. Conclui-se com a feliz assertiva de Luís de Camões, " o homem que for sisudo, numa tão grande questão, há-de tomar por escudo, a justiça e a razão, que estas armas vencem tudo".
Referências
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[1]Para aqueles que julgam a monogamia um simples mito, é interessante a passagem do filme Heartburn, baseado na autobiografia de Nora Ephron, onde é relatado o fim da sua relação conjugal com o jornalista Carl Bernstein. A personagem principal, interpretada por Meryl Streep, em certa altura do drama conta ao pai, derramando-se em lágrimas, as traições do consorte, entretanto este limita-se a dizer: "Queres a monogamia? Casa com um cisne".
Observando-se passagens como estas, em filmes, telenovelas, seriados, não é de todo desarrazoada a afirmação que a monogamia está se transformando em um mito, ou em um anseio impossível.
[2] Neste sentido, cfr. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 4 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 58; PIANOVSKI, Carlos Eduardo. "Famílias Simultâneas e Monogamia", em Família e dignidade humana: Anais do V Congresso Brasileiro de Direito de Família/ Rodrigo da Cunha Pereira (org.). São Paulo: IOB Thomson, 2006, p. 198.
[3] Sobre tal questão, asseveram David Parash e Judith Lipton que, " a monogamia é a mais complicada de todas as combinações maritais humanas. É também uma das mais raras. (...) é certo que a os seres humanos podem ser monogâmicos (e é uma questão totalmente diferente se o devem ser), mas não nos iludamos: a monogamia é rara - e difícil". BARASH, David P.; LIPTON, Judith Eve. O Mito da Monogamia: Fidelidade e Infidelidade nos Animais e nos Seres Humanos/ Mário Oliveira (trad.). Cascais: Sinais de Fogo, 2001, p. 13.
[4] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do direito de família. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 106-107.
[5] BARASH, David P.; LIPTON, Judith Eve. O Mito da Monogamia, cit., p. 14.
[6] De acordo com o art. 1.566, I, do Código Civil brasileiro.
[7] A mesma orientação é adotada na Espanha. Nas palavras de Medina de Lemus, sobre o aspecto negativo da fidelidade: "La tutela de este aspecto negativo ha sufrido una transformación importante por Ley de 28 de mayo de 1978 que modifica el Código penal suprimiendo el delito de adulterio, y la Ley de 13 de mayo de 1981 que permite el reconocimiento de los hijos adulterinos, equiparándolos con los matrimoniales (...)."LEMUS, Manuel Medina de. Derecho civil IV: Derecho de Família. Madrid: Editorial Dilex, 2005, p. 110.
[8] DIAS, Maria Berenice. "O dever de fidelidade", em Questões controvertidas no direito de família e das sucessões. São Paulo: Editora Método, p. 63-66, 2006, p. 64.
[9] Em sentido diverso se pronuncia Rolf Madaleno, quando afirma que "só pode existir nos estreitos limites da monogamia a constituição de uma família, direcionando os cônjuges ou conviventes a sua união para a ética correspondência da mais absoluta fidelidade, de sentimentos, propósitos e atitudes e de valores, conferindo seriedade e harmonia à sua união, esta sim, capaz de gerar os típicos efeitos de uma relação livre e imaculada". MADALENO, Rolf. Direito de família em pauta. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004, p. 70.
[10] Parece ser o entendimento de Rodrigo da Cunha Pereira, quando afirma que: "A amante, amásia - ou qualquer nomeação que se dê à pessoa que, paralelamente ao vínculo do casamento mantém uma outra relação, uma segunda ou terceira ... -, será sempre a outra, ou o outro, que não tem lugar oficial em uma sociedade monogâmica". Complementa ainda o autor que, "é um paradoxo para o Direito proteger duas situações concomitantemente. Isto poderia destruir toda a lógica do ordenamento jurídico, que gira em torno da monogamia". PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável. 7 ed., rev. e atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 66.
[11] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. cit., p 59.
[12] Normalmente, prática masculina. Como bem assevera Maria Berenice Dias: "É necessário reconhecer que é uma prerrogativa masculina manter duplo relacionamento: as chamadas uniões concubinárias, adulterinas, espúrias ou concubinagem. Ainda que Adélia Prado diga que a mulher é um ser desdobrável, ao menos em sede de traição, essa é uma habilidade exclusivamente masculina. Só eles conseguem manter simultaneamente duas entidades familiares, com vida em comum, coabitação, intensa atividade social e até com filhos devidamente reconhecidos." DIAS, Maria Berenice. "Privilégios Masculinos". Disponível em: http://www.mariaberenicedias.com.br/. Acesso em: 22 de Maio de 2008.
Sobre tal questão, assevera Carlos Eduardo Pianovsky Ruzyk que, "o que se coloca em efeito é que, enquanto as relações extraconjugais masculinas são, em muitos momentos históricos, toleradas, e, mesmo incentivadas, as situação da mulher é bem diversa, sofrendo violenta repressão social". RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Famílias simultâneas: da unidade codificada à pluridade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 99.
[13] Afirma Robert Alexy que, as regras são normas que apenas podem ser cumpridas ou não. Se uma regra é válida, então deve se proceder exatamente ao que nela está disposto. Portanto, as regras contêm determinações no âmbito fático e juridicamente possível. Tal assertiva significa que a diferença entre regras e princípios é qualitativa e não de graduação. ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de estudios políticos e consitucionales, 2002, p. 87.
[14] Ainda no entendimento de Alexy, o ponto decisivo para a distinção entre princípios e regras é que os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida do possível, dentro das possíbilidades jurídicas e factuais. Destarte, os princípios são mandados de otimização, que estão caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferentes graus e que a medida devida do seu cumprimento não depende apenas das possibilidades jurídicas, mas também das reais. O âmbito de possibilidades jurídicas é determinado pelos outros princípios e regras opostos. ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales, cit., p. 86.
[15] Como bem acontece com a coisa julgada nas ações de alimentos e reconhecimento de parentalidade. Em nome da proporcionalidade e razoabilidade, aplicáveis ao caso concreto.
[16] Sobre a diferenciação entre princípios jurídicos e princípios hermenêuticos, cfr. CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed., 5ª reimp. Coimbra: Almedina, 2007, p. 1161.
[17] Seria um tratamento iníquo e desigual, para duas matérias do âmbito das famílias: a seara da filiação e a seara conjugal ou convivencial. Os filhos de relações não adulterinas ou monogâmicas possuiriam mais valor que os adulterinos? Ora, já foi ultrapassada esta fase pré-filiocêntrica, discriminatória e perversa.
Não se está a equiparar o plano marital ao plano parental, mas sim evidenciando-se que, aos poucos o que era invisível para o judiciário, passou a ser tutelado, e de forma ajustada.
[18] Como afirma Dworkin, citado por Canotilho, "o direito - e, desde logo, o direito constitucional - descobre-se, mas não se inventa. CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit. p. 1183.
[19] No caso de relações matrimonializadas, afirma Carlos Eduardo Pianovski que ," não se pode afirmar pois, que a monogamia seja um princípio do direito estatal da família, mas sim, uma regra restrita à proibição de múltiplas relações matrimonializadas - e, portanto, constituídas sob a chancela prévia do Estado". PIANOVSKI, Carlos Eduardo. "Famílias Simultâneas e Monogamia", cit., p. 198.
[20] Como a união estável, no Brasil e a união de facto, em Portugal, por exemplo.
[21] Acredite-se ou não, até os "amantes" e as "amantes" não gostam de serem abalroados pela mácula da infidelidade. Evidentemente, estar-se a falar de um vínculo amoroso de longo lapso temporal, de onde, não raras vezes, emerge prole. Normalmente, são relações que envolvem 3 pessoas. Habitualmente, um homem, o "traidor", a esposa "traída" e a "outra".
[22] O que pode-se denominar como fidelidade institucional.
[23] De acordo com o art. 1724 do CC brasileiro.
[24] Por óbvio, aquele que sofreu a infidelidade, mesmo que numa relação furtiva e casual, sertir-se-á traído, com a moral e a psique abalados. Mas não há como buscar adimplemento da fidelidade. O que se pode é pôr termo na relação com fundamento neste motivo, de acordo com o art. 1573 do CC brasileiro que versa sobre a impossibilidade de mantença de vida em comum.
[25] PIANOVSKI, Carlos Eduardo. "Famílias Simultâneas e Monogamia", cit., p. 194.
[26] O que caracterizaria o tão proclamado pela doutrina, princípio da boa-fé.
[27] Como caso real, podemos trazer à baila o que foi citado pela Dra. Ana Carla Harmatiuk Matos, no VI Congresso de Direito, que versava que, de acordo com notícia extraída de jornal, "um funcionário público de 56 anos, fez três viúvas se conhecerem na UTI de um hospital, onde ele ficou internado por cinco dias, até morrer. O drama aproximou os irmãos que ainda não se conheciam e todos acabaram ficando juntos no velório. Hoje, as famílias dividem por três a pensão deixada por ele". MATOS, Ana Carla Harmatiuk. " "Novas" entidades familiares e seus efeitos jurídicos". Disponível em http://www.ibdfam.com.br/ Acesso em: 01 de Junho de 2008.
[28] Neste sentido, cfr. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, cit., p. 49.
[29] PIANOVSKI, Carlos Eduardo. "Famílias Simultâneas e Monogamia", cit., p. 198.
[30] Neste sentido, afirma Carlos Eduardo Pianovski que, "assim, um homem que constitua união estável com duas mulheres e venha a se separar de ambas, poderá, se presente os requisitos legais, ter de prestar alimentos a ambas". PIANOVSKI, Carlos Eduardo. "Famílias Simultâneas e Monogamia", cit., p. 214.
[31] "Suponha-se que um homem mantenha uniões estáveis concomitantemente com duas mulheres e que cada uma delas resida em um imóvel de propriedade do companheiro comum. Nessa situação, pode-se afirmar que alguém que integre, ao menos, duas famílias simultâneas, e seja proprietário dos imóveis residenciais de ambas entidades familiares, poderá, em última instância, ser titular de dois imóveis impenhoráveis. (...) O fato de o titular do imóvel integrar ambas as entidades familiares não descaracteriza, em princípio, como núcleos autônomos de coexistência fundada no afeto e na solidariedade, de modo que ambas podem gozar da proteção legal que veda a constrição judicial do imóvel residencial. Trata-se, de fato, do único imóvel que serve como residência para cada um dos núcleos de coexistência". PIANOVSKI, Carlos Eduardo. "Famílias Simultâneas e Monogamia", cit., p. 216.
[32] Por exemplo, se um apresentava mais ostensibilidade que o outro.
[33] Sobre a justiça, versa Paulo Dourado de Gusmão: "Não é imcompatível com a justiça tratamentos ou situações especiais, desde que sejam estendidas a todos que estiverem na mesma situação. Não é de sua essência o desfazimento dessas situações, nem o repúdio a tais tratamentos, e nem, ainda, nivelar, estabelecer igualitarismos, porquanto o desenvolvimento social depende de papéis e funções desiguais, diferentes, cada um com seu tratamento jurídico, permitindo a todos acesso social, na medida de suas competências". GUSMÃO, Paulo Dourado de. Filosofia do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.91.
[34] Neste sentido, afirma Rolf Madaleno que, "não ingressam nesta afirmação os concubinatos putativos, quando um dos conviventes age na mais absoluta boa-fé, desconhecendo que seu parceiro é casado, e que também coabita com seu esposo, porquanto a lei assegura os direitos patrimoniais gerados de uma união em que um dos conviventes foi laqueado em sua crença quanto à realidade dos fatos". MADALENO, Rolf. Direito de família em pauta. cit., p. 71.
[35] Nesta seara, assevera Zeno Veloso que, "tratar-se-á de uma união estável putativa, que tem de gerar consequências patrimoniais à companheira, sem prejuízo da esposa, é óbvio (...) a união estável é uma convivência qualificada, "more uxorio", de caráter notório dotada de estabilidade, permanência, com um substrato moral relevante e o ânimo de permanecer juntos, de constituir família. Os partícipes vivem maritalmente, embora sem casamento. Conforme antes mencionamos, a união estável de um casal transmite a todos a aparência de um casamento ( "marriage apparent, "ménage de fait", como se diz na doutrina francesa). Trata-se, pois, de situação paraconjugal, paramatrimonial, estabelecendo comunidade de vida à qual se aplicam, até pela íntima semelhança, quase igualdade, os princípios do casamento. E nosso sistema, nossa civilização só admite o casamento monogâmico. Não iria transigir com uma "união estável" poligâmica ou poliândrica. Mas pode acontecer de um dos parceiros estar de boa-fé, convicto que integra uma entidade familiar, com todos os requisitos que a lei estipula, sem saber que o outro mantém diversa união ou, até, outras uniões. Podemos falar aqui, igualmente, com relação ao convivente de boa-fé, numa união estável "putativa", para efeito de gerar consequências para este parceiro inocente". VELOSO, Zeno. União Estável - Doutrina, Legislação, Direito Comparado, Jurisprudência . Pará: Cejup, 1997, p.76.
[36] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. cit., p 48.
[37] "Concubinato Adulterino: Panorama histórico e disciplina jurídica a partir do Código Civil de 2002". Disponível em: www.ibdfam.com.br Acesso em: 01/05/2008.
[38] Inclusive, já existe julgado que versa acerca da união homoafetiva de um indivíduo que estava separado de fato da esposa, para efeito de partilha de bens e obrigação alimentar (TJRS, 8ª C.Cível, AC 70021637145, rel. Des. Rui Portanova, j. 13/12/2007). Do acórdão, restou "demonstrado que o relacionamento que existiu entre autor e réu caracterizou o que a legislação brasileira conceitua como união estável, precisamente, no caso, uma união estável homossexual conforme sólida jurisprudência majoritária desta Corte. (...) A partir do conjunto dessas circunstâncias, principalmente o fato de, em várias ocasiões, o requerido ter se declarado "separado" ou "separado judicialmente", quando da sua qualificação em atos jurídicos aqui no Brasil, de rigor o reconhecimento de que o requerido estava separado de fato de sua esposa, durante a constância da relação estável homossexual.
Assim, conforme a previsão legal do §1º do art. 1.723 do Código Civil, o impedimento do inciso VI do art. 1.521 do mesmo código, não constitui obstáculo ao reconhecimento da união estável, pois o requerido estava separado de fato de sua esposa e/ou separado judicialmente, conforme suas próprias declarações." No julgado, o pedido foi parcialmente provido, sendo determinado o reconhecimento da união estável homossexual, em virtude da separação de fato do apelante da esposa e também determinada a partilha dos bens adquiridos na constância da união. A prestação de alimentos foi dispensada tão somente pela inexistência da necessidade do apelante.
[39] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável.cit., p. 67.
[40] Neste sentido, cfr. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável.cit., p. 67.
[41] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável.cit., p. 70-71.
[42] Neste sentido, julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: UNIÃO ESTÁVEL. RECONHECIMENTO. COMPANHEIRO FALECIDO. SEPARAÇÃO DE FATO. PROVA. INEXISTÊNCIA DE CONCUBINATO. 1. Para o reconhecimento da união estável não é necessário que as partes estejam divorciadas ou separadas judicialmente, bastando que estejam separadas de fato. Inteligência do art. 1.723, §1º, do CCB. 2. Os efeitos da relação não decorrem do estado civil das partes, mas do vínculo afetivo e da natureza da relação, que deve ser duradoura, pública e contínua, com o propósito de constituir uma família. 3. Comprovada a notoriedade e a publicidade, assim como a affectio maritalis, imperioso é o reconhecimento da união estável havida entre a autora e o de cujus. Recurso desprovido. (TJRS, 7ª C. Cível, AC 70015261407, rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, j. 02/08/2006)
[43] Conforme assevera Maria Berenice Dias,"diante da realidade que se coloca, e em face da enorme a dificuldade no enfrentamento destas situações, acaba a doutrina por tentar modalidades classificatórias. Chamando ditos relacionamentos de concubinato adulterino, procede-se à identificação de espécies: concubinato adulterino puro ou de boa-fé e concubinato adulterino impuro ou de má-fé. A diferença centra-se exclusivamente no fato de a mulher ter ou não ciência de que o parceiro se mantém no estado de casado ou tem outra relação concomitante. Assim, e ainda segundo esta corrente que vem se fortalecendo, somente quando a mulher é inocente, isto é, afirma não ser sabedora de que seu par tem outra, há o reconhecimento de que ela está de boa-fé e se admite o reconhecimento da união estável, com o nome de união estável putativa". DIAS, Maria Berenice. Adultério, bigamia e união estável: realidade e responsabilidade. Disponível em: http://www.mariaberenicedias.com.br/ Acesso em: 01/05/2008.
[44] Neste sentido, ainda que faça uso de algumas infelizes expressões, Álvaro Villaça assevera que, " o ser humano, tem de ser respeitado, por suas fraquezas; embora ilícita a relação concubinária adulterina, muitas vezes e no mais das vezes, uma companheira vê-se envolvida amorosamente, entregando-se a esse relacionamento impuro, em certos casos até de boa-fé, sem saber do estado de casado de seu companheiro. Nesse caso, ocorre um verdadeiro concubinato putativo. Ainda que ilícito o relacionamento adulterino, não se justifica, por exemplo, a esposa do companheiro se enriqueça com o trabalho e a colaboração desse esposo infiel". AZEVEDO, Álvaro Villaça de. Estatuto da família de fato: de acordo com o novo código civil, lei n. 10.406, de 10-01-2002. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 281.
[45] GOECKS, Renata Miranda; OLTRAMARI, Vitor Hugo. "A possibilidade do reconhecimento da união estável putativa e paralela como entidade familiar frente aos princípios constitucionais aplicáveis", in Revista IOB de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese, v. 9, n. 45, dez/jan., p. 120-135, 2008, p. 126.
[46] RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Famílias simultâneas: da unidade codificada à pluridade constitucional. cit., p. 194.
[47] RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Famílias simultâneas: da unidade codificada à pluridade constitucional. cit., p. 195.
[48] DIAS, Maria Berenice. Adultério, bigamia e união estável: realidade e responsabilidade. Disponível em: http://www.mariaberenicedias.com.br/ Acesso em: 01/05/2008.
[49] LÔBO, Paulo. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 47.
[50] ALBUQUERQUE FILHO, Carlos Cavalcanti de. Famílias simultâneas e concubinato adulterino . Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 56, abr. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2839>. Acesso em: 01/04/2008.
[51] DIREITO CIVIL - CONCUBINATO - EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA - DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADO - DISSÍDIO ENTRE DECISÕES DE TURMAS DA MESMA SEÇÃO DE JULGAMENTO - COMPETÊNCIA DA 2ª SEÇÃO. A Quarta Turma desta Corte, julgando recurso especial, decidiu em acórdão assim ementado:
CONCUBINATO. SOCIEDADE DE FATO. DIREITO DAS OBRIGAÇÕES. 1. Segundo entendimento pretoriano, "a sociedade de fato entre concubinos é, para as conseqüências jurídicas que lhe decorram das relações obrigacionais, irrelevante o casamento de qualquer deles, sobretudo, porque a censurabilidade do adultério não pode justificar que se locuplete com o esforço alheio, exatamente aquele que o pratica." 2. Recurso não conhecido. ( STJ, Embargos de Divergência em Resp 229.069 - SP, rel. Min. Eliana Calmon, j. 11/11/2005)
[52] Seguro de vida em favor da concubina - Homem casado - Situação peculiar de coexistência duradoura do de cujus com duas famílias e prole concomitante advinda de ambas as relações - Indicadora da concubina como beneficiária do benefício - Fracionamento. Inobstante a regra protetora da família, impedindo a concubina de ser instituída como beneficiária de seguro de vida, porque casado o de cujus, as particular situação dos autos, que demonstra "bigamia", em que o extinto mantinha-se ligado à família e à concubina, tendo prole concomitante com ambas, demanda solução isonômica, atendendo-se à melhor aplicação do direito. Recurso conhecido e provido em parte para determinar, o fracionamento por igual, da indenização secundária. (STJ, REsp 100.888/BA, rel. Min.Aldir Passarinho Junior, j. 12/03/2000).
[53] Pensão previdenciária - Partilha por pensão entre a viúva e a concubina - Coexistência de vínculo conjugal e a não separação de fato da esposa - Concubinato impuro de longa duração - "Circunstâncias especiais reconhecidas em juízo" - Possibilidade de geração de direitos e obrigações, maxime no plano da assistência social - Recurso especial não conhecido (STJ, 4ª T., Resp 742685/RJ, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. 04/08/2005).
[54] GUSMÃO, Paulo Dourado de. Filosofia do Direito. cit., p.91.
[55] GUSMÃO, Paulo Dourado de. Filosofia do Direito. cit., p.95.
Marianna Chaves é Diretora do Núcleo de Relações Internacionais do IBDFAM -PB; Especialista em Ciências Jurídicas pela Universidade de Lisboa; Mestranda em Ciências Jurídicas pela Universidade de Lisboa; Membro da International Society of Family Law; Advogada
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