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A Mulher, o Direito e a Família
No que tange ao direito de família o Brasil guarda cicatrizes históricas da desigualdade em relação às mulheres, vez que quando Brasil foi colônia de Portugal a sociedade seguia a tradição da sociedade portuguesa baseada no patriarcado romano que se fazia representar pelo 'Senhor' latifundiário. Mesmo depois de proclamada a independência, o patriarcado vigorou por mais longos 180 anos.
O Código Civil Brasileiro de 1916 é considerado pelos mais renomados juristas de escol, como a bíblia da discriminação social e de gênero, pois consagrava a superioridade do homem em relação à mulher, possuindo o comando absoluto da família e, total autoridade sobre a esposa e filhos.
A mulher casada era considerada relativamente capaz, sendo equiparados aos pródigos, índios e, aos menores de 18 e 21 anos.
A Constituição Federal de 1988, á bom tempo, trouxe inovação com a integração da ordem jurídica interna e externa, num sistema normativo fulcrado na primazia dos valores universais da igualdade e da não discriminação.
Assim, a expressão "Todo ser humano nasce titular do direito à vida, à liberdade e à dignidade. " foi reafirmada pela Constituição Federal proporcionando as mulheres condições de lutar pela tão sonhada igualdade.
Para a sociedade restava, então, superar as práticas culturais de um país machista impondo, obrigatoriamente, uma
mudança de valores e de posturas comportamentais.
Em 10 de Janeiro de 2002 foi promulgado o Novo Código Civil Brasileiro, Lei 10.406, tendo como base os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da isonomia, modificando definitivamente o ordenamento civil brasileiro de 1916.
Apesar de toda mudança normativa vigora, ainda, na sociedade brasileira, a mentalidade machista. Nem as normas constitucionais, nem as civis foram suficientes para conter a dominação perpetrada pelo homem, fato este constatado pelos altos índices de violência praticados diariamente contra as mulheres. Neste cenário triste e assustador frente ao mundo ocidental, o Brasil se viu praticamente forçado a reconhecer mais uma vez a situação de desigualdade e violência vivenciada pelas mulheres e editou a Lei 11.340/2006.
Não há dúvidas que apenas com as mudanças de valores, preconceituosamente arraigados, é que podemos compreender que a violência contra a mulher é a materialização da discriminação, o que por si só justifica a edição da Lei 11.340/2006.
O Brasil precisa contar com um sistema integrado de proteção aos direitos humanos, com uma ótica no direito constitucional e nos tratados internacionais.
A Lei Maria da Penha é inovadora e foi motivada e editada conforme os princípios e preceitos da normativas internacionais de proteção aos direitos humanos, muito especialmente a convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher - ONU 1979 e, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher - OEA 1994.
Neste sentido, a Lei 11.340/2006 reforça o princípio de isonomia e, apesar das críticas de alguma ala de machistas convictos, esta lei não estabelece qualquer desigualdade mas, ao contrário, leva-a em consideração, pois os estudos demonstram que a mulher é a grande vítima da violência doméstica e familiar e o homem, é o agressor na maioria dos casos.
O Direito evoluiu.A família evoluiu a partir do momento em que o Brasil adotou constitucionalmente os princípios do respeito á dignidade da pessoa humana, da igualdade jurídica dos cônjuges e companheiros, de todos os filhos, da paternidade responsável, do planejamento, do pluralismo e, da liberdade de uma nova comunhão de vida familiar.
Todavia, não podemos esquecer, também, manifestações concretas de evolução do direito enquanto ciência, como a criação do Instituto Brasileiro de Direito de Família cujo objetivo é demonstrar através de profundos estudos de caso, lastrados nas mais hodiernas disposições de Direito que podemos, e devemos, mudar o tratamento e das questões atinentes à família brasileira. Neste sentido passou a comparecer no cenário jurídico a visão de um novo direito de família onde o cuidado e o afeto são valores indissociáveis do direito de família.
E inobstante toda esta evolução histórica, ecoa em nossas mentes a pergunta feita por Simone de Beauvoir: " Mas bastará mudar as leis, as instituições, os costumes, todo o contexto social para que mulheres e homens se tornem realmente semelhantes?".
As evidências, lamentavelmente, nos demonstram que isto não basta.
A almejada semelhança somente será caracterizada como igualdade quando nós, mulheres, em luta constante, alcançarmos um patamar de evolução social onde os valores sociais sejam demonstrados em comportamentos de respeito, dignos daqueles que possuem consciência de cidadania e que tomam o afeto nas relações interpessoais como princípio para uma convivência pacífica.
Ana Lúcia Ricarte é membro da diretoria do IBDFAM-MT, graduada pela Universidade Federal de Mato Grosso, Pós-Graduada em Direito Empresarial, Cursa MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas. Presidente da Comissão da Mulher da OAB-MT, coordenadora do Comitê Nacional de Capacitação e Cidadania da BPW - Business Professional Women
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