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As Famílias Solitárias
A ciência jurídica às vezes maneja palavras de conteúdo vazio, dependentes do preenchimento judicial ao decidir o caso posto: são os conceitos vagos ou indeterminados, tão ao gosto do legislador pátrio. O fato causa estupefação aos pensadores de outros países, acostumados à concretude e exatidão dos termos.
Uma dessas acepções é a de entidade familiar cinzelada em granito constitucional e que representou a ruptura com tempos em que havia uma só conjugalidade; ou em que o matrimônio era o único modelo de formação das linhagens.
Essa atitude congressual alterou o paradigma; pois enquanto a legislação codificada erigia o casamento como único padrão protegido, a regra federal valorizou a noção de pluralismo familiar, dando parto a três entes afetivos; um deles instituído pela boda convencional, outro, pelo relacionamento livre; e um terceiro forjado pelo pai, ou mãe, junto com seus filhos: casamento, união estável e família monoparental.
Todavia, atento aos clamores da vida moderna, ao surgimento dos conglomerados urbanos, à industrialização e à mudança dos hábitos da sociedade emergente, o constituinte deixou uma brecha, onde mergulharam os intérpretes afinados com o silêncio das normas e à mudez dos vocábulos, muitos deles bastante receptivos à incursão dos sábios.
Assim, ao introduzir a idéia de comunidade formada por qualquer dos pais e seus filhos, o legislador utiliza o advérbio também (CF, art. 226, § 4º), que significa o mesmo que outrossim, ou da mesma forma, palavras que traduzem um sentido de inclusão e não de divórcio: portanto, a redação deixa à calva se tratar de norma aberta que aceita a inserção de outras células, tal como fez a jurisprudência com os casais de mesmo sexo; não há clausura para arranjos que desenhem uma comunhão de vida e intenção de constituir uma família.
A Carta Federal não é um sistema fechado, hermético; ao contrário se abebera das novidades da vida social e admite a atualização de seus princípios e regras, para não se engessar suas conquistas.
Quando chamado a julgar situações de impenhorabilidade de bens viu-se o Superior Tribunal de Justiça obrigado a apontar as exceções que afastavam o doloroso constrangimento patrimonial; e ao catalogar as entidades familiares que estavam fora da coerção, aí incluiu os imóveis habitados por irmãos solteiros; por viúva e seus filhos; pela mãe e seus descendentes menores; pelo devedor e sua esposa; pelo celibatário; pelo cônjuge separado; com que alargou a abrangência das garantias atribuídas ao bem de família, inclusive para os desacompanhados.
Agora, frente à consolidação dos julgamentos o tribunal editou verbete afirmando que o conceito de impenhorabilidade do bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas (STJ, Súmula 364
É a exaltação da família solitária.
José Carlos Teixeira Giorgis é sócio do IBDFAM Consultor e parecerista em Direito de Família e Sucessões. Contato: jgiorgis@terra.com.br
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