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Quem melhor para decidir a respeito?
Enquanto a família (legítima ou natural) permanece física e espiritualmente unida, a criança desfruta de seus dois pais. A ruptura conjugal cria a família monoparental e a autoridade parental, até então exercida conjunta e igualitariamente pelo pai e pela mãe, acompanha a crise e se concentra em um só dos genitores, ficando o outro reduzido a um papel secundário (visita, alimentos e fiscalização).
Assim é por imposição legal.
E essa imposição privilegia a mãe no exercício da guarda, como claramente se vê pelos arts. 10, § 1º da Lei do Divórcio, e 16 do Dec.-Lei 3.200/41. A norma parte de uma presunção que tem fundamento psicofisiológico ao estimar que, invariavelmente, a mãe se encontra em posição mais adequada para criar e educar seus filhos.
A questão, entretanto, deve ser analisada incluindo-se todos os interessados, menores e cada um de seus pais, para que a solução dada seja aquela que mais beneficie os filhos, mas também contemple os pais, a fim de que nenhum deles negligencie da criação e da educação dos filhos.
A ruptura conjugal, estabelecendo uma nova situação fática no ciclo familiar, afeta diretamente a vida dos filhos menores, porque modifica um de seus subsistemas, o parental. Com ela surge o problema - dos mais difíceis do Direito de Família - da atribuição da guarda: ao pai ou à mãe? Aos dois, talvez!
A solução dessa questão encontra duas vertentes: ou se a resolve de forma privada ou nela interfere o Judiciário impondo uma decisão. Não há dúvida que a resolução acordada entre os pais é a melhor, pois evita o conflito e seus reflexos negativos sobre a pessoa dos filhos.
E o menor, nesse novo marco referencial em sua vida, segue tendo o direito a conservar seu pai e sua mãe em torno de si, porque é fundamental à sua integral formação a manutenção dos dois vínculos. Vale aqui dizer com Jacqueline Rubellin Devichi: “a perenidade do casal parental deve sobreviver à fragilidade do casal conjugal.”(1)
Entretanto, não é essa, em regra, a postura do Judiciário, que, invariável e sistematicamente, outorga o exercício da guarda, unilateral e exclusiva, à mãe, promovendo uma profunda fissura na convivência e na comunicação entre o genitor que não detém a guarda e seus filhos. Nasce o pai, ou a mãe, periférico.
As mudanças comportamentais vivamente sentidas na segunda metade do Século XX, propiciaram o surgimento de novas fórmulas capazes de assegurar a pais desunidos o pleno exercício da parentalidade, em igualdade de condições. A co-responsabilidade parental, o que busca o modelo compartido de guarda, reaproxima, então, na ruptura conjugal, a situação precedente, para proteger o menor dos sentimentos de desamparo e incertezas, que lhe submete a desunião de seus pais.
Em nosso país, o modelo legal é o da guarda única (exclusiva, uniparental) a um só dos genitores. Esse detém não só a guarda física, pela proximidade diária com o filho, mas também a guarda jurídica, isto é, como ensina Orlando Gomes (2), o direito de “reger a pessoa do filho, dirigindo-lhe a educação e decidindo todas as questões do interesse superior dele”. Vale dizer, o genitor que obtenha a guarda exercerá o pátrio poder em toda sua extensão.
A par desse modelo de guarda, fala-se no de alternada, que se caracteriza pela possibilidade de cada um dos pais deter a guarda do filho segundo um rítmo de tempo pré-estabelecido (dias, semana, mês, semestre, ano). No termo do período, invertem-se os papéis. Embora descontínua - ora com um, ora com outro dos pais - não deixa de ser única a dita guarda alternada.
As repetidas quebras na continuidade das relações e ambiência afetiva, o elevado número de separações e reaproximações, provoca no menor instabilidade emocional e psíquica, prejudicando seu normal desenvolvimento, por vezes retrocessos irrecuperáveis, a não recomendar o modelo alternado, uma caricata divisão pela metade em que os pais são obrigados por lei a dividir pela metade o tempo passado com os filhos.
O desejo de ambos os pais de compartilharem a criação e a educação dos filhos e o desses de manterem adequada comunicação com ambos os pais, de forma contínua e simultânea, motivou o surgimento deste novo modelo de guarda e responsabilidade parental: a guarda compartilhada.
Este modelo, priorizando o melhor interesse dos filhos e a igualdade dos gêneros no exercício da parentalidade, é uma resposta mais eficaz à continuidade das relações da criança com seus dois pais na família dissociada, semelhantemente a uma família intacta. É um chamamento dos pais que vivem separados para exercerem conjuntamente a autoridade parental, como faziam na constância da união conjugal, ou de fato.
Para o desembargador Sérgio Gischkow Pereira (3), a guarda compartilhada é a “situação em que fiquem como detentores da guarda jurídica sobre um menor pessoas que residem em locais separados.”
Para a psicóloga Maria Antonieta Pisano Motta (4), o novo modelo deve ser compreendido “como aquela forma de custódia em que as crianças têm uma residência principal e que define ambos os genitores do ponto de vista legal como detentores do mesmo dever de guardar seus filhos.”
Ainda, porém, é grande a confusão que se faz sobre este sistema de guarda. A guarda compartilhada legal, ou, simplesmente, guarda jurídica, corresponde compartilhar todas as decisões importantes relativas aos filhos. A guarda compartilhada material, ou, simplesmente, guarda física, corresponde aos acordos de visita e acesso. No contexto da guarda jurídica, os pais podem planejar como desejarem a guarda física. O princípio de todas as determinações, entretanto, deve ser a continuidade das relações pais-filhos e a não exposição do menor ao conflito parental.
Sabendo-se que a desunião dos pais impõe perdas ao menor, notadamente de um dos pais, a guarda compartilhada (a jurídica) busca atenuar esse impacto negativo, mantendo os dois pais envolvidos na criação e na educação de seus filhos, garantindo-lhes a participação comum dos genitores em seu destino. Só assim serão atenuadas as conseqüências injustas que o monopólio da autoridade parental única provoca.
Desde que o divórcio sem culpa se tornou possível, diminuindo ou, quase, fazendo desaparecer a rivalidade entre os pais, a guarda conjunta é o instrumento a privilegiar o melhor interesse do menor.
Porém, como decidir sobre guarda - em qualquer modelo usual - é do supremo interesse dos pais, pois ninguém melhor que eles é capaz de salvaguardar o interesse dos filhos, cabe-lhes, com primazia, a solução a ser confirmada posteriormente pela homologação judicial. O consenso parental sobre a guarda de filhos menores, constituindo parâmetro auxiliar ao consentimento judicial, evita os conflitos que possam estabelecer-se em torno dessa tormentosa questão. De mais a mais, o acordo é mesmo desejado pelo texto legal (art. 1121-II, CPC). A imposição de uma decisão judicial - repita-se, em qualquer modelo usual - é a menos desejável, porque alheia, estranha mesmo, ao ambiente familiar, enfatiza Eduardo de Oliveira Leite (5).
Tenha-se presente, entretanto, que a guarda compartilhada, assim como a guarda única (todas as decisões importantes sobre a vida dos filhos são tomadas exclusivamente pelo genitor guardador) ou a guarda dita alternada, não é nenhuma panacéia para os consideráveis problemas que a desunião suscita. Ela, como os outros modelos, pode não funcionar para muitas famílias e ser extremamente benéfica para os pais cooperativos, revelando-se exitosa mesmo quando o diálogo entre os pais não é bom, mas eles são capazes de discriminar seus conflitos conjugais do exercício da parentalidade.
Em muitos ordenamentos, opta-se pela guarda compartilhada, que opera de modo automático, ocupando lugar preferencial, antes de se resolver de acordo com o esquema tradicional, inclusive nos divórcios difíceis. Assim é na maioria dos estados dos Estados Unidos, na França, na Holanda, na Alemanha, na Suécia. A tal ponto se privilegia este modelo, que se o ordena embora objete algum dos progenitores, quando existam evidências precisas de que a decisão é no melhor interesse do menor. Tal presunção cessa, entretanto, quando o tribunal encontra provados o abuso, os maltratos e a violência doméstica (entre nós, as hipóteses dos arts. 394 e 395, do Código Civil).
Apesar da preferência legislativa em favor da guarda compartilhada e uma presunção em virtude da qual ela serve ao melhor interesse do menor, algumas legislações só a consideram possível quando ambos os genitores a requerem.
Entre nós, à mingua de legislação própria e de doutrina peculiar, é o Juiz, na solidão de seu ministério, forrando-se do auxílio de sua equipe interprofissional, que decidirá o destino dos filhos post-divórcio (art. 13, LDiv), desejando intimamente que seu consentimento o seja a bem do menor e em torno deles estejam, permanentemente, seus dois genitores.
(*) Advogado. Professor de Direito de Família da Faculdade de Direito de Curitiba. Membro do Instituto dos Advogados do Paraná, do Instituto Brasileiro de Estudos Interdisciplinares de Direito de Família, do Instituto Brasileiro de Direito de Família. Mestre em Direito pela UFPR.
NOTAS
1 - DEVICHI, Jacqueline Rubellin. Los derechos del niño y su familia en el derecho positivo frances. Derecho de familia - Revista Interdisciplinaria de doctrina y Jurisprudencia, v. 4. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1990, p. 81-103.
2 - GOMES, Orlando. Direito de família, 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981.
3 - PEREIRA, Sérgio Gischkow. A guarda conjunta de menores no direito brasileiro. Ajuris, vol. 36. Porto Alegre, p. 53-64, 1986.
4 - MOTTA, Maria Antonieta Pisano. Guarda compartilhada. Uma solução possível. Revista Literária do Direito, ano 2, n. 9, p. 19, 1996.
5 - LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais. São Paulo: RT, 1997.
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