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Parto Anônimo
Em 2007, um recém nascido morreu após ter sido jogado em um rio poluído na cidade de Contagem/MG. A mãe foi indiciada por homicídio qualificado por motivo fútil e torpe. Esse trágico acontecimento que teve larga divulgação e cobertura pela mídia nacional comoveu todo o país. Infelizmente, é apenas um entre dezenas de milhares que ocorrem diuturnamente no Brasil e no Mundo.
Muitos países adotaram o Parto Anônimo no sistema jurídico como uma, entre outras políticas públicas, que objetivam a resolução deste ciclo de nascimento, rejeição, sofrimento e por vezes, morte do infante.
No Brasil estes números poderão ser diminuídos com a aprovação do projeto-lei 3220/08,[1] em trâmite no Congresso Nacional, proposto pelo IBDFAM por meio do Deputado Sérgio Barradas Carneiro (PT/BA) que aprimorou o projeto-lei 2747/08 anteriormente apresentado[2] pelo Deputado Eduardo Valverde (PT/RO).
A primeira impressão sobre o instituto é que a adoção será muito promissora no Brasil, porém, há questões sócio-jurídicas de extrema relevância que devem ser analisadas.
1. Conceito
Parto Anônimo é o direito da mãe em permanecer desconhecida sem qualquer imputação civil ou penal na entrega da criança para adoção, podendo realizar todos os cuidados médicos antes, durante ou após o parto.
Pelo projeto brasileiro, o ato pode ser feito durante a gestação ou logo em seguida ao parto, sendo possível buscar resgatar a identidade materna por decisão judicial em casos extremos, sem que haja, todavia, vínculo de parentesco.
Outras peculiaridades merecem destaques, mas serão discorridas mais tarde. Antes uma análise sobre a origem e experiência no Brasil e noutros países.
2. Origem do Instituto
Na idade média, com registros que datam de 1198, já existia o parto anônimo em moldes semelhantes aos atuais. No Brasil, bem como em outros países, esta prática ficou mais conhecida como a "Roda dos Expostos". Tratava-se de um compartimento giratório instalado geralmente nas igrejas e hospitais onde a criança era abandonada do lado de fora, e a mãe, girando a estrutura em que a criança estava alojada, permitia que do outro lado da parede o infante fosse recepcionado sem que identificassem a genitora.
No Brasil, a última roda dos expostos foi desativada, em 1948, na Santa Casa de Misericórdia. Durante toda sua existência mais de 5.700 crianças foram deixadas, entretanto 30% morriam devido às doenças e desnutrição que possuíam. Hoje, em alguns conventos há utilização de prática semelhante.
A França data o primeiro registro da institucionalização do Parto Anônimo. Bélgica, Itália, Luxemburgo, Áustria e 28 dos 50 Estados da América do Norte também adotaram o procedimento.
Já a Alemanha não possui o instituto de forma oficial, no entanto há prática semelhante apoiada pela Igreja Católica, chamada de "Janela de Moisés", como ocorre também no Japão, em que berços aquecidos recebem centenas de crianças todos os anos.
Países de baixa renda e com alto índice de abandono de crianças também já adotaram o procedimento, como Índia, República Tcheca, África do Sul e Hungria.[3]
Todas as iniciativas se dão, geralmente, para diminuir o alto índice de abortos ou homicídios infantis causados por mães (e pais) que não querem se vincular ao infante, haja vista o compulsório registro que há nos procedimentos normais de adoção.
Um dos principais motivos para o abandono em vias públicas é o constrangimento da mãe em entregar o próprio filho, assevera Maurício Freire.[4]
3. Pesos e contrapesos
3.1. Ascendência genética
Na Espanha o instituto foi abolido e o Comitê das Crianças e do Adolescente das Nações Unidas considera o Parto Anônimo uma violação do direito de se conhecer a própria origem, já que o recém-nascido fica sem identidade até que encontre uma família substituta.
A França já resolveu este problema, e, num sistema análogo, também faz o projeto brasileiro:
Art. 6º (PL 3220/08). A mulher deverá fornecer e prestar informações sobre a sua saúde e a do genitor, as origens da criança e as circunstâncias do nascimento, que permanecerão em sigilo na unidade de saúde em que ocorreu o parto.
Parágrafo único. Os dados somente serão revelados a pedido do nascido de parto anônimo e mediante ordem judicial
[...]
Art. 9º A criança será registrada pelo Juizado da Infância e Juventude com um registro civil provisório, recebendo um prenome. Não serão preenchidos os campos reservados à filiação.
Parágrafo único. A mulher que optar pelo segredo de sua identidade pode escolher o nome de que gostaria que fosse dado à criança.
Como há previsão de que o sigilo seja quebrado por necessidades médicas, por exemplo, para tratamento que precise de informações do ascendente genético, igual ao doador de sêmen, não caberá buscar no Parto Anônimo a relação parental. É o teor do projeto e da justificativa, respectivamente:
Art. 11 A mulher que se submeter ao parto anônimo não poderá ser autora ou ré em qualquer ação judicial de estabelecimento da maternidade.
Justificativa
[...]
Se colocarmos numa balança o direito à vida e a identidade do nascituro, o primeiro, inquestionavelmente, deverá preponderar. Tendo em vista que a afetividade se sobrepõe ao critério biológico, se opor ao parto anônimo em virtude de uma possível mitigação do direito à identidade, é uma atitude inaceitável.
3.2. Retrocesso sócio-jurídico
Muitos advogam que o projeto é um retrocesso social e jurídico, uma tentativa de adequar o processo legislativo à realidade nacional, via mais fácil do que buscar um investimento maior em distribuição de renda, educação, cultura e, sobretudo, informação sobre os instrumentais que o Estado já possui para auxiliar estas mães e crianças.
A promotora Layla Shukair, presidente da Associação Brasileira de Magistrados e Promotores de Justiça da Infância e Juventude, entende que:
Não podemos comparar o Brasil, um país subdesenvolvido, com a França. [Sobre o abandono trágico, acredita que] se essas mães soubessem que existe um Conselho Tutelar ou pudessem acionar o Ministério Público, isso não aconteceria [...]
Só concordo em discutir a questão após termos essa estrutura e for verificado que a mãe não está entregando seu filho por motivos de pobreza ou falta de acompanhamento psicológico.
Sem dúvidas que tais posicionamentos são de uma verdade pungente, porém trata-se da velha discussão kelseniana sobre ser e o dever ser. O ideal era que todos tivessem ciência dos instrumentais estatais, melhor ainda, seria, se estes instrumentos funcionassem perfeitamente.
A realidade é outra para a tristeza de todos os envolvidos. O jurista mineiro Rodrigo da Cunha Pereira informa que:[5]
Atualmente, se uma mãe quiser dar o filho para adoção precisa esperar ele nascer, ter uma guia para seu registro e somente depois disponibilizá-lo para adoção. Pesquisas dizem que hoje há 80 mil crianças abrigadas no país. O parto anônimo seria uma forma de agilizar o processo de adoção. Sabemos da importância do primeiro ano da criança neste processo.
A adoção em nosso país é problemática, isto é um fato, pois a maior parte das crianças para adoção não estão nas "especificações" dos adotantes que, infelizmente, mas compreensível, pois querem vivenciar a experiência da paternidade em todas as fases, procuram filhos com especificações claras: semelhança fenotípica e recém-nascido. Francisco José Rodrigues de Oliveira Neto, jovem magistrado catarinense de reconhecimento nacional, juiz da Vara da Infância e Juventude de Florianópolis e coordenador da Campanha Mude um Destino, lançada pela Associação dos Magistrados Brasileiros no último dia 23 de maio de 2007 no Rio de Janeiro, informa que:
O grande problema é que as pessoas escolhem demais, restringem a escolha. A maioria das crianças que está no abrigo para ser adotada já é mais velha, tem quatro, cinco ou seis anos, não é branca, muitas vezes é portadora de algum tipo de necessidade especial, enquanto as pessoas escolhem uma criança com menos de um ano, branca e sem irmãos no abrigo. [...]
Em Florianópolis, as últimas dez famílias que decidiram adotar crianças com menos de um ano de idade esperaram, em média, três anos e meio, enquanto a adoção de uma criança mais velha pode ter esse tempo reduzido para um ano e meio, dois anos. As pessoas têm a fantasia de que uma criança com menos idade terá menos problemas futuros decorrentes do abandono, o que nem sempre é verdade.[6]
Este projeto não resolverá todo o problema da adoção, mas parte dele, sem dúvidas, já que legalizará a "adoção à brasileira", em que mães que não conseguem ou desejam criar seus filhos os doam para outras famílias, geralmente de melhor renda. A nova família busca a regularização desta situação de filiação sócio-afetiva após certo tempo e, durante todo o período, ficam em estado de insegurança emocional e jurídica por estarem praticando um ilícito e temer perder o "filho do coração" ao Estado ou aos antigos pais que não formalizaram a adoção ainda.
Neste diapasão, o projeto-lei 3220/08 regularizará boa parte desse celeuma que ocorre ilicitamente em todo o país.
Art. 12 Toda a pessoa que encontrar uma criança recém-nascida em condições de abandono está obrigada a encaminhá-la ao hospital ou posto de saúde.
Parágrafo único. A unidade de saúde onde for entregue a criança deverá, no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas, informar o fato ao Juizado da Infância e Juventude, por meio de formulário próprio.
Art. 13 A pessoa que encontrou a criança deverá apresentar-se ao Juizado da Infância e da Juventude da Comarca onde a tiver encontrado.
§ 1º O Juiz procederá à perquirição verbal detalhada sobre as condições em que se deu o encontro da criança, a qual, além das formalidades de praxe, deverá precisar o lugar e as circunstâncias da descoberta, a idade aparente e o sexo da criança, todas as particularidades que possam contribuir à identificação futura e, também, a autoridade ou pessoa à qual ela foi confiada.
§ 2º A pessoa que encontrou a criança, se o desejar, poderá ficar com ela sob seus cuidados, tendo a preferência para a adoção.
§ 3º Para ser deferida a adoção é necessário que a pessoa seja considerada apta para fazê-la.
Sobre esta situação no projeto-lei há o seguinte argumento em sua justificativa:
O abandono de recém-nascidos é uma realidade recorrente. Em todo Brasil é crescente o número de recém-nascidos abandonados em condições indignas e subumanas. A forma cruel com que os abandonos acontecem choca a sociedade e demandam uma medida efetiva por parte do Poder Público.
A mera criminalização da conduta não basta para evitar as trágicas ocorrências. A criminalização da conduta, na verdade, agrava a situação, pois os genitores, por temor à punição, acabam por procurar maneiras, as mais clandestinas possíveis, para lançar "literalmente" os recém-nascidos à própria sorte. É essa clandestinidade do abandono que confere maior crueldade e indignidade aos recém-nascidos. A clandestinidade do abandono feito "às escuras" torna a vida dessas crianças ainda mais vulnerável e exposta a sofrimentos de diversas ordens. [...]
O instituto afasta a clandestinidade do abandono, evitando, conseqüentemente, as situações indignas nas quais os recém-nascidos são deixados. Há a substituição do abandono pela entrega. A criança é entregue em segurança a hospitais ou unidade de saúde que irão cuidar de sua saúde e em seguida irão encaminhá-la à adoção, assegurando a potencial chance de convivência em família substituta. Por sua vez, a mãe terá assegurada a liberdade de abrir mão da maternidade sem ser condenada, civil ou penalmente, por sua conduta.
O que se pretende não é esconder a maternidade socialmente rejeitada, mas garantir a liberdade à mulher de ser ou não mãe do filho que gerou, com amplo acesso à rede pública de saúde. As crianças terão, a partir de então, resguardadas o direito à vida, à saúde e à integridade e potencializado o direito à convivência familiar.
3.3. (in)constitucionalidade do Parto Anônimo
Um dos pontos polêmicos do projeto-lei é se a facilitação para adoção não viola o art. 227 da Carta Magna, o Estatuto da Criança e do Adolescente, além de legislações internacionais. Layla Shukair declara que:
Temos que priorizar essa convivência e entender que é dever do Estado dar condições para que a me gere e crie seu filho em condições saudáveis.
A justificativa do projeto-lei contrapõe este argumento informando que:
O parto anônimo encontra respaldo jurídico na Constituição Federal, ao assegurar a dignidade humana (art. 1º, III), o direito à vida (art. 5°, caput) e a proteção especial à criança (art. 227), bem como no ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) ao assegurar a efetivação de políticas públicas relacionadas à educação e ao planejamento familiar que permitam o nascimento e desenvolvimento sadio, em condições dignas de existência (art. 7°).
O parto em anonimato não é a solução para o abandono de recém-nascidos, pois este fator está diretamente ligado à implementação de políticas públicas. Mas, certamente, poderia acabar com a forma trágica que ocorre esse abandono.
5. Últimos alertas
O projeto será um grande avanço e a proposição é bem intencionada. Entretanto, há pontos a ser discutidos que merecem, inclusive, alterações antes de sua aprovação. Enquanto a polêmica do projeto está no anonimato materno, outras questões importantíssimas passam de largo na discussão sobre o instituto.
O Parto Anônimo pode-se dar em dois momentos, sem qualquer identificação da mãe (que deixará a criança nas Janelas de Moisés) ou com identificação da mãe (quando esta requer a aplicação do instituto).
Na primeira modalidade, não vejo qualquer necessidade de mudança no projeto, pois este fora criado exatamente para casos assim. A instituto servirá para incentivar as mães que provavelmente jogarão, literalmente, o filho "fora", a entregá-lo para adoção sem que sejam identificadas.
Nesta modalidade repousam problemas graves:
5.1. Poder familiar e do direito do pai
O texto do projeto confirma que a mãe deverá dar informações sobre o pai e a família, mas não há previsão sobre a procura destes familiares no intuito de saber se vão querer ou não criar a criança no seio familiar? A primeira impressão do texto é que a vontade materna suplanta a de toda família ou, numa inversão histórico-jurídica, o antigo pátrio-poder teria retornado como mátrio-poder, ao invés do Poder Familiar que é exercido, de regra, por AMBOS os pais.
É imprescindível que haja uma pesquisa junto ao endereço fornecido pela mãe, ao cartório onde esta tem seu registro civil, entre outros atos, independente da informação dada por ela, a fim de saber se há cônjuges, companheiros conhecidos ou avós maternos ou paternos.
A falta desta prática mínima poderá incorrer num seqüestro infantil praticado pela mãe (em relação ao pai e aos familiares) com o consentimento Estatal.
5.2. Registros do menor
Embora a aplicação dos procedimentos de registro e armazenamento de informações do adotado e adotantes não tenha sido tratado claramente pelo projeto, apenas das informações dadas pela mãe, é necessário que se faça sob as mesmas formalidades da adoção comum, a fim de que possíveis simulações praticadas pela mãe ou por aqueles que "acharam a criança", permitam o imediato rastreamento da criança.
5.3. Vício de vontade
Nestes casos, em que a mãe é identificada e declara sua vontade em se valer do instituto deve a intervenção psicossocial ser o mais aprofundado possível, pois tais mães certamente são aquelas de menor renda e escolaridade, por isso a possibilidade de haver vício de vontade por estes fatores ou mesmo por um estado puerperal.
A junta dos profissionais psicossociais terá que possuir a sensibilidade na detecção de pedidos de socorro de uma mãe que às vezes está entregando o filho, pois não vê outra saída para uma situação que por vezes poderia ser remediada com o auxílio desta equipe multidisciplinar do Conselho Tutelar e outras entidades paraestatais.
5.4. Presença de advogado
A Carta Magna aduz que o advogado é indispensável na administração da justiça. O STJ possui diversos julgados que processos administrativos sem a presença do advogado podem ser anulados, inclusive tal entendimento será sumulado.[7]
Num ato, em que uma mãe abre mão dos direitos, não podendo jamais revê-los, no mínimo deve a mesma ter uma assistência jurídica eficaz. Surgirão, sem dúvidas, perguntas feitas por estas mães no esclarecimento informado no art. 4 do projeto que certamente o psicólogo ou assistente social não poderá sanar, tampouco possuirão formação técnica para tal orientação. A mãe tem que possuir REAL ciência dos efeitos de sua declaração. Somente um advogado pode zelar por tal prática.
6. Burocratização
As advertências, acima pontuadas, parecem burocratizar o instituto a que visa facilitar a adoção e diminuir as tragédias por força dos abandonos em latas de lixo, bueiros e rios poluídos. Pelo contrário, é exigir uma estrutura mais acurada dos lugares que forem implementar o instituto, para que esta futura lei alcance o objetivo e não tolha direitos destes menores ou dos familiares por omissões em seu texto.
PL 3220/08
10/04/2008
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1° Fica instituído no Brasil o direito ao parto anônimo nos termos da presente lei.
Art. 2º É assegurada à mulher, durante o período da gravidez ou até o dia em que deixar a unidade de saúde após o parto, a possibilidade de não assumir a maternidade da criança que gerou.
Art. 3º A mulher que desejar manter seu anonimato terá direito à realização de pré-natal e de parto, gratuitamente, em todos os postos de saúde e hospitais da rede pública e em todos os demais serviços que tenham convênio com o Sistema Único de Saúde (SUS) e mantenham serviços de atendimento neonatal.
Art. 4º A mulher que solicitar, durante o pré-natal ou o parto, a preservação do segredo de sua admissão e de sua identidade pelo estabelecimento de saúde, será informada das conseqüências jurídicas de seu pedido e da importância que o conhecimento das próprias origens e história pessoal tem para todos os indivíduos.
Parágrafo único. A partir do momento em que a mulher optar pelo parto anônimo, será oferecido à ela acompanhamento psicossocial.
Art. 5º É assegurada à mulher todas as garantias de sigilo que lhes são conferidas pela presente lei.
Art. 6º A mulher deverá fornecer e prestar informações sobre a sua saúde e a do genitor, as origens da criança e as circunstâncias do nascimento, que permanecerão em sigilo na unidade de saúde em que ocorreu o parto.
Parágrafo único. Os dados somente serão revelados a pedido do nascido de parto anônimo e mediante ordem judicial
Art. 7º A unidade de saúde onde ocorreu o nascimento deverá, no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas, informar o fato ao Juizado da Infância e Juventude, por meio de formulário próprio.
Parágrafo único. O Juizado da Infância e Juventude competente para receber a criança advinda do parto anônimo é o da Comarca em que ocorreu o parto, salvo motivo de força maior.
Art. 8º Tão logo tenha condições de alta médica, a criança deverá ser encaminhada ao local indicado pelo Juizado da Infância e Juventude.
§ 1º A criança será encaminhada à adoção somente 10 (dez) dias após a data de seu nascimento.
§ 2º Não ocorrendo o processo de adoção no prazo de 30 (trinta) dias, a criança será incluída no Cadastro Nacional de Adoção.
Art. 9º A criança será registrada pelo Juizado da Infância e Juventude com um registro civil provisório, recebendo um prenome. Não serão preenchidos os campos reservados à filiação.
Parágrafo único. A mulher que optar pelo segredo de sua identidade pode escolher o nome que gostaria que fosse dado à criança.
Art. 10 A mulher que desejar manter segredo sobre sua identidade, fica isenta de qualquer responsabilidade criminal em relação ao filho, ressalvado o art. 123 do Código Penal Brasileiro.[8]
Parágrafo único. Também será isento de responsabilidade criminal quem abandonar o filho em hospitais, postos de saúde ou unidades médicas, de modo que a criança possa ser imediatamente encontrada.
Art. 11 A mulher que se submeter ao parto anônimo não poderá ser autora ou ré em qualquer ação judicial de estabelecimento da maternidade
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Art. 12 Toda e qualquer pessoa que encontrar uma criança recém-nascida em condições de abandono está obrigada a encaminhá-la ao hospital ou posto de saúde.
Parágrafo único. A unidade de saúde onde for entregue a criança deverá, no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas, informar o fato ao Juizado da Infância e Juventude, por meio de formulário próprio.
Art. 13 A pessoa que encontrou a criança deverá apresentar-se ao Juizado da Infância e da Juventude da Comarca onde a tiver encontrado.
§ 1º O Juiz procederá à perquirição verbal detalhada sobre as condições em que se deu o encontro da criança, a qual, além das formalidades de praxe, deverá precisar o lugar e as circunstâncias da descoberta, a idade aparente e o sexo da criança, todas as particularidades que possam contribuir para a sua identificação futura e, também, a autoridade ou pessoa à qual ela foi confiada.
§ 2º A pessoa que encontrou a criança, se o desejar, poderá ficar com ela sob seus cuidados, tendo a preferência para a adoção.
§ 3º Para ser deferida a adoção é necessário que a pessoa seja considerada apta para fazê-la.
Art. 14 As formalidades e o encaminhamento da criança ao Juizado da Infância e Juventude serão de responsabilidade dos profissionais de saúde que a acolheram, bem como da diretoria do hospital ou unidade de saúde onde ocorreu o nascimento ou onde a criança foi deixada.
Art. 15 Os hospitais e postos de saúde conveniados ao Sistema Único de Saúde (SUS), que mantêm serviços de atendimento neonatal, deverão criar, no prazo de 6 (seis) meses contados da data da publicação da presente lei, condições adequadas para recebimento e atendimento de gestantes e crianças em anonimato.
Parágrafo único. As unidades de saúde poderão manter, nas entradas de acesso, espaços adequados para receber as crianças ali deixadas, de modo a preservar a identidade de quem ali as deixa.
Art. 16 Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
JUSTIFICATIVA
O abandono de recém-nascidos é uma realidade recorrente. Em todo Brasil é crescente o número de recém-nascidos abandonados em condições indignas e subumanas. A forma cruel com que os abandonos acontecem chocam a sociedade e demandam uma medida efetiva por parte do Poder Público.
A mera criminalização da conduta não basta para evitar as trágicas ocorrências. A criminalização da conduta, na verdade, agrava a situação, pois os genitores, por temor à punição, acabam por procurar maneiras, as mais clandestinas possíveis, para lançar "literalmente" os recém-nascidos à própria sorte. É essa clandestinidade do abandono que confere maior crueldade e indignidade aos recém-nascidos. A clandestinidade do abandono feito "às escuras" torna a vida dessas crianças ainda mais vulnerável e exposta a sofrimentos de diversas ordens.
Já adotado em países como França, Luxemburgo, Itália, Bélgica, Holanda, Áustria e vários Estados dos Estados Unidos, o parto anônimo surge como uma solução ao abandono trágico de recém-nascidos. O instituto afasta a clandestinidade do abandono, evitando, conseqüentemente, as situações indignas nas quais os recém-nascidos são deixados. Há a substituição do abandono pela entrega. A criança é entregue em segurança a hospitais ou unidade de saúde que irão cuidar de sua saúde e em seguida irão encaminhá-la à adoção, assegurando a potencial chance de convivência em família substituta. Por sua vez, a mãe terá assegurada a liberdade de abrir mão da maternidade sem ser condenada, civil ou penalmente, por sua conduta.
O que se pretende não é esconder a maternidade socialmente rejeitada, mas garantir a liberdade à mulher de ser ou não mãe do filho que gerou, com amplo acesso à rede pública de saúde. As crianças terão, a partir de então, resguardados o seu direito à vida, à saúde e à integridade e potencializado o direito à convivência familiar.
Se colocarmos numa balança o direito à vida e a identidade do nascituro, o primeiro, inquestionavelmente, deverá preponderar. Tendo em vista que a afetividade se sobrepõe ao critério biológico, se opor ao parto anônimo em virtude de uma possível mitigação do direito à identidade, é uma atitude inaceitável.
Diante do número crescente de abandonos de recém-nascidos ocorridos no Brasil o Instituto Brasileiro de Direito de Família- IBDFAM mobilizou diversos seguimentos da sociedade, principalmente instituições e associações que trabalham em defesa da vida, dos direitos fundamentais, dos direitos da mulher, da criança e da saúde, para que juntos discutissem sobre a institucionalização do Parto Anônimo no Brasil.
Este Anteprojeto foi elaborado com as várias contribuições recebidas, estando de acordo com a necessidade da sociedade e da demanda jurídica de concretização dos direitos fundamentais positivados, atendendo, também, à repulsa social ao abandono de recém-nascidos em condições subumanas. Entretanto, caberá ainda à casa legislativa ampliar o debate por meio de audiências públicas, fomentando a discussão com outras entidades ligadas e interessadas no assunto.
O parto anônimo encontra respaldo jurídico na Constituição Federal, ao assegurar a dignidade humana (art. 1º, III), o direito à vida (art. 5°, caput) e a proteção especial à criança (art. 227), bem como no ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) ao assegurar a efetivação de políticas públicas relacionadas à educação e ao planejamento familiar que permitam o nascimento e desenvolvimento sadio, em condições dignas de existência (art. 7°).
O parto em anonimato não é a solução para o abandono de recém-nascidos, pois este fator está diretamente ligado à implementação de políticas públicas. Mas, certamente, poderia acabar com a forma trágica que ocorre esse abandono.
Certo de que a importância deste projeto de lei e os benefícios dele advindos serão percebidos pelos nossos ilustres Pares, espero contar com o apoio necessário para a sua aprovação.
Sala das Sessões, 09 de abril de 2008.
SÉRGIO BARRADAS CARNEIRO
Deputado Federal PT/BA
[1] 09 de abril de 2008 (www.camara.gov.br/proposicoes)
[2] 11 de fevereiro de 2008 (ibidem)
[3] Visão Jurídica. n. 24. São Paulo: Escala, p. 28.
[4] Ibidem, p. 26.
[5] Visão Jurídica. n. 24. São Paulo: Escala, p. 28.
[6] http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2007/05/23/materia.2007-05-23.4357502111
[7] O Superior Tribunal de Justiça aprovou, no último dia 14 de setembro, o enunciado nº 343 da súmula da jurisprudência predominante na Terceira Seção daquela Corte (órgão regimentalmente incumbido de analisar a maioria das questões envolvendo servidores públicos). A Súmula terá, quando publicada, a seguinte redação: "é obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar".
[8] Art. 123 - Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após: Pena - detenção, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.
Douglas Phillips Freitas é Coordenador das Comissões do IBDFAM/SC, Advogado, doutorando em Direito e especialista em Psicopedagogia. Professor de graduação e pós-graduação pelo CESUSC, IES/FASC, VOXLEGEM. Autor de diversos livros pela OAB, VOXLEGEM e CONCEITO.
Os artigos assinados aqui publicados são inteiramente de responsabilidade de seus autores e não expressam posicionamento institucional do IBDFAM