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Pai, por que me abandonaste?
A evolução do conhecimento científico tem feito grandes interferências na ciência jurídica, contribuindo para sua evolução. A psicanálise, por exemplo, veio demonstrar que a objetividade dos atos e fatos jurídicos está permeada de uma subjetividade que o Direito não pode mais desconsiderar. Além disso, está fazendo-nos compreender o verdadeiro sentido da paternidade e suas várias formas, inclusive já refletidas em textos normativos como o Estatuto da Criança e do Adolescente. A engenharia genética, revelando, pela via dos exames em DNA, a paternidade biológica e crimes nunca antes desvendados; as ciências sociais e psis, contribuindo para a determinação de guarda de filhos, tutela e curatela.
Recentemente, a medicina e a farmacologia, que ao lançarem a pílula contra a impotência, intervêm em um dos principais motivos de anulação de casamento. Mas a pílula da potência, o “Viagra”, está fazendo muito mais que chegar a evitar o desfazimento do negócio jurídico do casamento pela via da anulação. Ela não significa apenas mais um compromisso com a terapêutica da impotência coeundi. O “Viagra” vem anunciar a fé no significante maior da masculinidade de nossa cultura: garantia de potência ao símbolo fálico. É a possibilidade de eliminação do fantasma sexual masculino: o medo do falo não falar a que veio na “hora H”. Portanto, ele é a promessa de sustentação da cultura fálica, hoje tão ameaçada no pós-feminismo.
Toda a repercussão em torno desse simples comprimido está para muito além da impotência. Talvez o seu valor maior seja mesmo, e apenas, o de dar mais potência, o que vem fazer uma grande revolução na sexualidade masculina, pois toca diretamente nos fantasmas construídos a partir do medo, ou da possibilidade de falhar. Consequentemente, o Direito de Família sofre suas repercussões, já que quase toda a organização jurídica sobre a família gira em torno das questões do afeto e da sexualidade, começando pela lei básica e fundante de qualquer organização social: a lei do pai, ou melhor, o interdito proibitório do incesto.
2 - A LEI DO PAI
O Jusfilósofo italiano Giórgio DEL VECCHIO, no início da década de cinqüenta, disse que o Direito é essencialmente violável, existe por graça de sua violabilidade e que as noções de Direito e Torto são interdependentes e complementares. Em outras palavras: o Direito só existe porque existe o Torto.
No início desse século, FREUD, o fundador da Psicanálise, em seu texto Totem e Tabu escreveu que não há necessidade de se proibir algo que ninguém deseja, e se algo é proibido deve ser por que é desejado. Portanto, para toda lei existe um desejo contraposto a ela. Foi assim desde a primeira lei: a proibição do incesto, possibilitadora de qualquer organização social, a que podemos, psicanaliticamente, chamar de Lei do pai. Afinal, qual a razão de se escrever, por exemplo, não cobiçarás a mulher do próximo, não matarás, não roubarás? É que certamente alguém cobiça a mulher do próximo! Certamente alguém tem o desejo de matar, roubar... Existe sempre, como disse Freud, um desejo subjacente a estas proibições.
A ordenação jurídica através de seus textos normativos (leis, decretos...) nada mais é que o estabelecimento de proibições ou permissões para organizar as relações sociais. A Lei Jurídica é um interdito proibitório dos impulsos inviabilizadores do convívio social. Elas se fazem necessárias, principalmente para aqueles que não têm lei interna e são incapazes, por si mesmos, de frearem ou conterem seus impulsos ou desejos em desacordo com a organização social.
Como se disse, a primeira lei é uma lei de Direito de Família: interdição do incesto. É somente a partir dessa lei que se faz a passagem da natureza para a cultura. Portanto, é somente a partir dessa lei básica que torna-se possível uma organização social. Pode-se dizer, então, que essa lei básica é fundante do suejito e consequentemente da cultura. Em outras palavras, não é possível existir civilização, ou qualquer organização social ou jurídica sem a lei do pai. Ela é, então, a organizadora e possibilitadora da cultura.
3 - EM NOME DO PAI
Com as mudanças do sistema patriarcal, não se pode mais fazer o retrato de um pai típico. No patriarcado, em Roma, o pai, além de encarnar a lei, a autoridade, era instituído de um poder quase divino. Por outro lado, pouca atenção foi dada ao outro lado desse sistema: as crianças eram abandonadas afetivamente pelo pai e eram criadas quase que exclusivamente pela mãe. O início da vida desenrolava-se sem a presença do pai. Hoje, com a revolução feminista, os homens tendem a uma participação mais efetiva e não se limitam a ser apenas a representação da Lei. O número de pais que educam sozinhos seus filhos está crescendo na maioria das sociedades ocidentais. Na França, estimou-se que em 1990, 223.500 crianças viviam só com o pai. Nos EUA, o número aumentou 100% entre 1971 e 1981. No Brasil, os números revelam a mesma tendência, embora menor que nestes dois países.
A partir da idéia de que o pai tem a função de autoridade, do ser a "Lei", e, os cuidados com a criança é função materna, criou-se mitos em torno das funções da paternidade e maternidade. Por exemplo, em uma separação de casais, geralmente os filhos ficam com a mãe. Os pais raramente reivindicam a guarda dos filhos. Mesmo quando a reivindicam, dificilmente lhes é concedida. Na justiça, a recusa se explica por serem os juizes também inseridos nestes contexto da ideologia patriarcal, embora a lei determine que os filhos ficarão com quem melhor condições tiver de educá-los. Pelo lado da mãe, mesmo aquelas que trabalham fora o dia inteiro sabem que a guarda das crianças significa também uma carga pesada. Para outras, os motivos da escolha da guarda estão mais associados ao senso do dever e de culpa. Elas sentem sua preeminência materna como um poder que não querem dividir, mesmo que seja à custa de seu esgotamento físico e psíquico.
O pai que educa e sustenta não é necessariamente o biológico. O filho pode ser adotivo, ou advindo de uma fecundação artificial heteróloga. Sua função não é essencialmente reprodutiva: ele pode ser o transmissor de um nome e de um patrimônio, pode ter uma função econômica e social.
O pai pode exercer todas essas funções, inclusive a maternagem, mas elas constituem, na verdade, uma consequência, ou um derivado da função básica de um pai e que está na essência de toda cultura e de todos os tempos: o pai, ou melhor, "um" pai que exerça a função de representante da lei básica e primeira, essencial para que todo ser possa humanizar-se através da linguagem e tornar-se sujeito. Esse pai, insista-se, não é necessariamente o genitor, mas aquele que empresta o seu nome para interferir e interditar a simbiótica relação mãe-filho. Ele é o Outro que possibilita ao filho ao cesso à cultura.
Para que o Direito possa estar mais próximo do seu ideal de Justiça, faz-se, necessário considerar o que a Psicanálise, principalmente pós Lacan, já desenvolveu em sua teoria sobre a paternidade. Em outras palavras, a partir do momento em que a paternidade for considerada em sua essência, desbiologizada e vista como função, o pensamento jurídico terá que se reestruturar, inclusive para dar novos rumos às ações de investigação de paternidade. E é o que parece já ter sido entendido no texto do Estatuto da Criança e do Adolescente.
4 - A VERDADEIRA PATERNIDADE
A Constituição brasileira de 1988 desencadeou uma grande reforma no Direito de Família a partir da mudança de três eixos básicos: homens e mulheres são iguais perante a lei; o Estado passou a reconhecer outras formas de família além daquela constituída pelo casamento; e alterou o sistema de filiação, igualizando filhos havidos no casamento e fora dele, inclusive proibindo quaisquer designações discriminatórias (art. 226).
Em relação à filiação, veio corrigir injustiças que filhos fora do casamento que acabavam pagando por elas. É que os nascidos de uma relação extraconjugal não podiam ser registrados com o nome do pai, mesmo que este quisesse. Isto em nome da preservação da “moral e dos bons costumes”, pois consideravam este registro uma afronta às famílias. Na verdade, uma hipocrisia jurídica que sempre esteve a serviço de ocultar uma realidade e uma falsa moralidade. O filho existia no mundo real, mas não existia no mundo jurídico, já que não podia ser registrado em cartório com o nome do pai. Até mesmo as ações de investigação de paternidade eram proibidas, a não ser que fossem para fins exclusivamente de busca de pensão alimentícia.
É claro que a Constituição de 1988 não veio acabar com os filhos extraconjugais. Teria sido muito pretenciosa se assim tivesse estabelecido. Sabemos todos, que enquanto houver Desejo sobre a face da terra, continuarão nascendo filhos de relações extraconjugais, de pais não-casados ou solteiros, e de “produções independentes”. A modificação constitucional é no sentido de proibir designações discriminatórias e igualizar os direitos de todos os filhos. Assim, a partir de 1988, não se pode mais, no campo jurídico, nomear os filhos como legítimos ou ilegítimos, naturais, espúrios ou adotivos. Filho é filho, e não comporta mais aquelas adjetivações.
No final de 1992, a Lei 8.560 veio também tentar fazer uma intervenção no campo da filiação e paternidade. Estabeleceu que o Estado deverá promover a investigação de paternidade de todos os filhos que não tiveram em seu registro de nascimento o nome do pai. Foi uma bem intencionada tentativa de dar pai a quem não tem. Afinal, os filhos foram gerados por uma mãe, e tiveram necessariamente a participação de um pai. Talvez seja mais exato dizer que a participação masculina, atualmente, prende-se apenas ao fornecimento do espermatozóide, pois a partir da possibilidade das inseminações artificiais, não mais se faz necessária a relação sexual para procriação.
Toda a estrutura do Direito para averiguação da paternidade está assentada nos laços biológicos da paternidade. Com a evolução do conhecimento científico isto ficou facilitado, já que se pode saber quem é o genitor, pelo método do DNA. Por outro lado, com o avanço do conhecimento “psi” podemos verificar que a paternidade não é um fato da natureza, mas antes, um fato cultural. Em outras palavras, paternidade é uma função exercida, ou, um lugar ocupado por alguém que não é necessariamente o pai biológico. Neste sentido, o lugar de pai pode ser ocupado por outra pessoa como o irmão mais velho, o avô, o namorado etc. Isto não significa que a paternidade biológica não deve mais ser considerada pelo Direito. Ao contrário, o laço biológico foi e continuará sendo, no campo jurídico, fonte de responsabilidade civil, especialmente para fins de alimentos e sucessão hereditária. Na França, por exemplo, o Código Civil foi alterado neste aspecto para fazer uma distinção da paternidade para fins de subsídio, e como função para aquele que detém a “posse de estado de pai” (art. 311-1 do código civil francês).
O Direito brasileiro já deveria ter entendido que por mais que se queira atribuir uma paternidade pela via do laço biológico, ele jamais conseguirá impor que o genitor se torne o pai. O alcance desta investigação limita-se, como já estabeleceu a lei francesa, para os fins de subsídios. Com isto, podemos entender que a Constituição brasileira de 1988, ao interferir no sistema de filiação, está a um passo do entendimento da paternidade em seu sentido mais profundo e real. Ela está acima dos laços sanguíneos. Um pai, mesmo biológico, se não adotar seu filho, jamais será o pai. Por isto podemos dizer que a verdadeira paternidade é adotiva e está ligada à função, escolha, enfim, ao Desejo. João Baptista Villela, já no final da década de 70, em seu revolucionário texto “A desbiologização da paternidade”, desenvolvendo a tese da paternidade como fator cultural, nos relembra, citando o evangelho de S. João, que somente ao pai adotivo é dada a faculdade de um dia repetir aos seus filhos o que Cristo disse aos seus apóstolos:: “Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi a vós”.
5 - AS CONSEQUÊNCIAS DA AUSÊNCIA PATERNA
A virada do século XX caracteriza-se pela quebra de uma estrutura milenar ao romper-se a ideologia patriarcal. Na estrutura patriarcal os lugares de pai, mãe e filhos são bastante claros e demarcados. Com o declínio dessa ideologia os lugares estruturantes e fundantes dos sujeitos, enquanto função, ficaram alterados, gerando sérias consequências na formação das famílias atuais.
Uma das mais relevantes consequências da queda desse modelo patriarcal é o redimensionamento do masculino e da função paterna no novo contexto do pós-patriarcalismo. Em meio a esse processo histórico, o masculino parece estar sofrendo um declínio em sua vinculação com a paternidade.
Assim, podemos falar hoje de uma crise da paternidade, diante das novas representações sociais da família, frente ao rompimento dos modelos e padrões tradicionais. Sua função básica, estruturadora e estruturante do filho como sujeito, está passando por um momento histórico de transição de difícil compreensão onde os varões não assumem ou reconhecem para si o direito/dever de participar da formação, convivência afetiva e desenvolvimento de seus filhos. Por exemplo: o pai solteiro, ou separado, que só é pai em fins de semana, ou nem isso; o pai, mesmo casado, que não tem tempo para seus filhos; o pai que não paga, ou boicota pensão alimentícia e nem se preocupa ou deseja ocupar-se com isto; o pai que não reconhece seu filho e não lhe dá o seu sobrenome na certidão de nascimento. Enfim, a ausência do pai, e dessa imago paterna, em decorrência de um abandono material e/ou psíquico, tem gerado graves consequências na estruturação psíquica dos filhos e que repercute, obviamente, nas relações sociais.
O abandono material não é o pior, mesmo porque o Direito tenta remediar essa falta, oferecendo alguns mecanismos de cobrança e sanção aos pais abandônicos. O Código Penal, por exemplo, tipifica como crime o abandono material e intelectual (arts. 244/246) e a lei civil estabelece pena de penhora e/ou prisão para os devedores de pensão alimentícia. O mais grave é mesmo o abandono psíquico e afetivo, a não-presença do pai no exercício de suas funções paternas, como aquele que representa a lei, o limite, segurança e proteção.
A ausência das funções paternas já se apresenta hoje, inclusive, como um fenômeno social alarmante, e provavelmente é o que tem gerado as péssimas consequências conhecidas por todos nós, como o aumento da delinquência juvenil, menores de rua e na rua etc. E isto não é um fenômeno de determinada classe social. Certamente, nas classes menos favorecidas economicamente, o abandono material é maior, pois se mistura também com a questão política de abandono do Estado, que também exerce, em muitos casos, uma função paterna e de o “Grande Outro”. Esta ausência paterna e o declínio do pater-viril está acima da questão da estratificação social. É um fenômeno e consequência das transformações sociais iniciadas com a revolução feminista, a partir da redivisão sexual do trabalho e a consequente queda do patriarcalismo.
O desafio do terceiro milênio será a aprendizagem da organização da polis, considerando que não é possível pensar o Estado sem seu núcleo básico, a família. Não é possível este núcleo básico sem o lugar Estruturante do Pai. Teremos que reaprender, então, diante das novas formas de família, e nesse novo contexto social, o que é um pai, pois já sabemos que a ausência dele pode ser desestruturante para o sujeito.
6 - PROCURA-SE UM PAI NA “CENTRAL DO BRASIL”
O filme Central do Brasil, de Walter Salles, além de mostrar com delicadeza, a brutalidade e a dura realidade de um povo brasileiro, inclusive com a dificuldade da comunicação, traz-nos também à reflexão a fundamental e estruturante questão do pai.
O personagem, com o nome bíblico, Josué, é uma criança, ou pré-adolescente, que nunca conheceu seu pai, pois a mãe mudou-se do Nordeste para a cidade do Rio de Janeiro, com ele ainda no ventre. Mesmo assim, esse pai ausente se fez presente pelo discurso da mãe. O filho cresceu admirando um pai que ele nem sequer conheceu. A mãe falava bem do pai, e introduzindo para o filho a imago paterna fez presente um OUTRO, e através de seu desejo possibilitou que o filho se estruturasse psiquicamente.
Assim, o pai falado pela mãe metaforizava o seu desejo e formava a imago paterna. Em outras palavras, o desejo da mãe é quem determina a paternidade. Neste sentido podemos dizer que o filme Central do Brasil espelha a teoria psicanalítica de LACAN ao retratar um filho que estruturou-se e se sustenta apenas na imago de seu pai.
Todos nós precisamos de uma imagem (boa) de nosso pai para estruturarmo-nos como sujeitos. Por outro lado, não vivemos somente dessa imagem. O filme também mostra que só a imagem do pai não basta. Josué deseja o tempo todo, principalmente após a morte de sua mãe, conhecer o pai falado por ela. Vai atrás. Decepciona-se. O sonho é sempre melhor que a realidade. Mas definitivamente não quer viver só da imagem paterna. Para a construção do mundo real é preciso também um pouco de carne. É necessário a presença viva do pai.
Parece ter sido com essa intenção que o legislador brasileiro, no final do ano de 1992, numa tentativa de dar pai a quem não tem, publicou a Lei 8.560/92, inspirada no Código Civil de Portugal. A partir dessa lei, todos os registros de nascimento sem o nome do pai, deveriam ser comunicados ao Ministério Público para averiguação e busca da paternidade (biológica). Portanto, o Estado incumbiu-se de procurar um pai para aqueles que não o tiveram em sua certidão de nascimento.
Mas, essa foi mais uma lei que não pegou. Talvez porque esteja aí um excesso de intervenção do Estado na vida privada dos cidadãos. Ora, há mulheres que não querem revelar o nome do genitor, ou mesmo não sabem quem é ele, como em casos de estupro, por exemplo. Entretanto, há de se indagar, se o direito de revelar, ou não, o nome do pai, é da mãe ou é do filho? Certamente é muito mais do filho. Entretanto, depende da mãe, pois significa também revelar segredos de uma sexualidade, muitas vezes proibida ou condenada no campo social.
Mesmo que o pai biológico não adote o seu filho, ou seja, não assuma a paternidade ou as responsabilidades de pai, é muito importante que esse filho tenha o nome do pai em sua certidão de nascimento. Sabemos que isto não é nenhuma garantia de paternidade, assim como a certidão de casamento não garante o amor eterno. Mas o nome do pai no registro de nascimento já é um bom começo, e poderá, pelo menos, fazer nascer obrigações jurídicas, como pensão alimentícia e herança. Mas, para muito além dessas questões objetivas e práticas, está o direito sagrado de qualquer pessoa saber sobre sua origem biológica e genética. Ainda que seja só para saber. Este saber poderá, certamente, ajudar o sujeito na constituição de sua identidade e de sua estruturação psíquica, como tão bem retratou o personagem Josué.
7 – CONCLUINDO: OS PAIS SOCIAIS
Por mais que as leis jurídicas queiram trazer garantias da paternidade através dos registros cartoriais, de investigações de paternidade etc, por mais que seja importante para o filho saber sua origem genética, não há como assegurar, pela via apenas jurídica, a verdadeira paternidade. Esta, como já dito, é muito mais da ordem da cultura que propriamente da biologia ou genética. “A paternidade não é apenas um ‘dado’: a paternidade se faz”, já disse o grande jurista contemporâneo, Luiz Edson FACHIN em seu trabalho “A tríplice paternidade dos filhos imaginários. Em outras palavras, é o que se apreende da teoria psicanalítica, ou seja, paternidade só existe se for exercida. É uma função. E é o “lugar do pai”, isto é, a função paterna, para além do genitor e do nome, que poderá oferecer, e que dará ao filho, biológico ou não, um lugar de sujeito.
Os textos jurídicos contemporâneos já começam a traduzir essas novas concepções. O texto normativo mais atual e que melhor traduz essa paternidade é o da Lei 8.069/90, mais conhecido como Estatuto da Criança e do Adolescente. O ECA já serviu de inspiração para legisladores de mais de quinze países latino americanos. É um texto avançado, louvável! Talvez seu maior louvor tenha sido o de traduzir novos elementos sobre a concepção de pátrio poder e paternidade. Ao normatizar sobre famílias naturais e substitutas (arts. 25 e 28), introduziu a inovação dos “pais sociais”. É na compreensão desse papel social do pai e da mãe, desprendendo-se do fator meramente biológico, que esse Estatuto vem ampliar o conceito de pai, realçando sua função social. Em outras palavras, o direito ao pai é condição básica para que alguém possa existir como sujeito. Portanto, é mais que um DIREITO FUNDAMENTAL, é o DIREITO FUNDANTE DO SER HUMANO COMO SUJEITO. Desta forma, podemos dizer que sem paternidade não é possível existir o sujeito, ou seja, não há sujeito sem que alguém tenha exercido sobre ele uma função paterna. A nova concepção trazida pelo ECA, e é revolucionária, é o entendimento de que a paternidade, e também a maternidade, pode ser exercida em famílias não-biológicas, que receberam o nome de famílias substitutas. Essa outra forma de família pode exercer perfeitamente a função necessária à constituição do sujeito, afinal, para além das funções de sustento, guarda e educação, poderá alguém dessa família substituta exercer a função paterna, estabelecendo os necessários limites a uma criança para que ela possa existir e se constituir como sujeito. Além disto, as famílias substitutas e os pais sociais cumprem também a função de suprir o desamparo e abandono, ou pelo menos parte dele, das crianças e adolescentes que não tiveram o amparo de seus pais biológicos. Assim, podemos dizer que o ECA, além de ser um texto normativo, constitui-se também em uma esperança de preenchimento e resposta às várias formas de abandono social e psíquico de milhares de crianças.
A partir dessa compreensão e de uma efetiva implementação do ECA, não será preciso mais clamar aos céus - o que muitos filhos têm feito, ou gostariam de dizer aos seus pais - como Jesus Cristo disse em um de seus momentos de maior fraqueza e necessidade: “Pai, porque me abandonaste?”
BIBLIOGRAFIA
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FACHIN, Luiz Edson. A tríplice paternidade dos filhos imaginários. In: Alvim, Teresa Arruda (coord.). Repertório de jurisprudência e doutrina sobre Direito de Família: aspectos constitucionais, civis e processuais. Vol. 2. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995, p. 170-185.
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VILLELA, João Baptista. A desbiologização da paternidade. Revista da Faculdade de Direito da UFMG. Belo Horizonte, ano XXVII, n. 21, 1979.
* Advogado, Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família-IBDFAM, Prof. de Direito de Família da PUC/MG, Conselheiro da OAB/MG, Mestre em Direito Civil/UFMMG, autor dos livros “Concubinato – União Estável” (5ª ed.), “Direito de Família – uma abordagem psicanalítica” e “Direito de Família Contemporâneo (coord.), todos da Editora Del Rey
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