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A constitucionalidade da Lei Maria da Penha
Quando setembro chegar, a lei que disciplinou no Brasil, com fundamento no art. 226, parágrafo 8.º da Constituição Federal, o crime da violência doméstica e familiar contra as mulheres, completará dois anos de início de vigência.
Além dos empecilhos culturais, administrativos e institucionais, a nova lei está agora submetida ao crivo da constitucionalidade. Não há, em nosso ver, argumento jurídico técnico, ético ou moral que sustente a inconstitucionalidade da lei, por suposta violação do princípio da igualdade entre homens e mulheres.
A igualdade não suprime a diferença. Em termos de proteção ao trabalho, a própria Constituição Federal (no inciso XX do art. 7.º) comanda tratamento diverso entre o homem e a mulher. Cite-se, ainda, que não se atentou contra a diferença previdenciária assegurada no § 7.º do art. 201 da CF emendada, referindo-se a trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher.
Por igual, as normas penais de erradicação da violência previstas na Lei e que têm como sujeito passivo a mulher e como sujeito ativo o homem, não ofendem o princípio da igualdade.
Desde há muito, a igualdade não deve ser apenas perante a lei, mas também na lei.
A Lei "Maria da Penha" (Lei 11.340/2006) é integralmente congruente com todos os princípios da Constituição da República. É também decorrente da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contras as Mulheres e da Convenção Interamericana, e tem, entre nós, o abrigo das providências determinadas pelo Conselho Nacional de Justiça, à luz da Emenda Constitucional 45/2004, especialmente na Resolução 09/2007.
Merece tanto ser acolhida a declaração de constitucionalidade no controle concentrado perante o Supremo Tribunal Federal, quanto ser rejeitada a argüição incidental de inconstitucionalidade no controle difuso, dado que não há afronta ao texto constitucional quanto a lei penal aplica sanção maior em favor da vítima por suas condições diferenciadoras.
Não se trata de um direito penal de gênero e sim de efetivo direito que protege a vítima. Também nela não se edifica direito penal do inimigo, uma vez que o sujeito ativo, no caso, etiquetou-se como agressor, e o fez por si próprio, no curso da história, dos fatos e das leis; além disso, cumpre ponderar que não houve criação de tipos penais novos.
Assim, está constitucionalmente afastada qualquer hipótese de aplicabilidade da legislação anterior, não mais existindo, de acordo com o método da interpretação conforme a Constituição, atribuição alguma, nessa matéria, ao Juizado Especial Criminal para essas infrações como se fossem de menor potencial ofensivo.
Não nos esqueçamos: o Brasil foi condenado por negligência e omissão em relação à violência doméstica, tomando como caso paradigmático Maria da Penha Maia Fernandes. Por tal razão, nosso país restou compelido a contar com lei desse porte, uma conquista social e não uma benesse governamental.
Evidente que a repressão estatal não é a regra geral da fonte de lenitivos, nem cabe agravá-la como remédio para violência e criminalidade. Trata-se, isso sim, diante de situações específicas e concretas, como é a da violência contra a mulher no âmbito familiar, de admitir prisão em flagrante e prisão preventiva, afastar penas alternativas, bem como impor medidas penais e cíveis conjugadas.
Os dados falam por si só: uma em cada seis mulheres sofre violência; 80% das vítimas têm filhos em comum; 70% das mulheres que relatam a violência sofrida evidenciam continuar em risco de espancamento ou morte; mais de 50% das mulheres agredidas registram conhecer pelo menos uma mulher já agredida pelo seu companheiro; 30% das mulheres brasileiras sofrem todos os dias algum tipo de violência.
Da ameaça à lesão corporal e ao homicídio, têm sido a ponte dessa travessia o alcoolismo, as drogas, os estereótipos da agressiva valentia que é o verniz patriarcal do medo e do acovardamento, e especialmente a impunidade.
Se o porvir responder às mulheres mutiladas, violentadas e agredidas com a falácia de uma cesta básica de servis conceitos jurídicos que caem ao menor sopro de vento, dar-se-á um grande exemplo que não responde ao direito, à Justiça e à dignidade humana.
Não manchemos a primavera que se desenha no horizonte.
* Luiz Edson Fachin é diretor do IBDFAM Regional Sul, advogado e professor da UFPR e da PUC/PR.
** Rosana Amara Girardi Fachin é desembargadora do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná
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