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Superações de mudanças na organização familiar
Este estudo é parte do projeto de tese, que está em andamento. Propõe uma reflexão sobre a organização da família após a separação conjugal, das pessoas atendidas pela assistência sociojurídica. Busca a compreensão e a reflexão sobre as mudanças na organização familiar, assim como explicar como é a ação do assistente social especificamente na área de família, em sua totalidade, na sociedade brasileira.
Sabe-se que a interdisciplinaridade, principalmente entre as áreas afins, na experiência da ação conjunta entre Serviço Social e Direito pode trazer benefícios para a população atendida, especialmente no que diz respeito às suas necessidades específicas.
É certo que a família, desde a sua origem, vem sofrendo modificações, principalmente com relação à sua composição. Atualmente, os modelos de organização familiar existentes são diversificados, e esta característica pode tornar-se, na sociedade contemporânea, um fator importante a ser considerado pelos profissionais que atuam nesta área.
Na sociedade contemporânea, percebemos que o próprio conceito de família está em debate, diante do impacto das mudanças sociais ocorridas ao longo da metade do século XX, sendo que o impacto destes desafios influencia o cotidiano das relações familiares. Para compreensão dessas transformações, é necessário uma mudança do foco de visualização da família, levando-se em conta que há reflexos da sociedade amplamente, tanto na forma de se viver em família, quanto nas relações interpessoais.
Observa-se que existe uma radical mudança na composição familiar, nas relações de parentesco e nas representações de tais relações nas famílias. Nesse contexto, encontramos a nova família, que se caracteriza pelas diferentes formas de organização, relações e um cotidiano pela busca do novo.
Os arranjos diferenciados podem ser propostos de diversas formas, renovando conceitos pré-estabelecidos, redefinindo os papéis de cada membro do grupo familiar, e podem resultar em combinações de diversas naturezas, seja na composição ou também nas relações familiares estabelecidas. A composição pode variar em uniões consensuais de parceiros separados ou divorciados; uniões de pessoas do mesmo sexo, uniões de pessoas com filhos de outro casamento, mães sozinhas com seus filhos, sendo cada um de um pai diferente; pais sozinhos com seus filhos; avós com os netos; e uma infinidade de formas a serem definidas, colocando-nos diante de uma nova família, diferenciada do clássico modelo de família monogâmica. Juridicamente, a grande mudança dos conceitos em relação à família passou a se estabelecer com o advento da promulgação da Constituição de 1988, que reconheceu a existência da união estável, que foi posteriormente regulamentada em leis específicas. Dessa forma, os novos arranjos familiares estão sob o palio da legislação civil, e por ela estão amparadas. O Centro Jurídico Social, desenvolvendo um trabalho interdisciplinar entre Direito, Serviço Social e Psicologia, busca compreender os arranjos familiares através da prática profissional interdisciplinar cotidiana.
Diante da situação de impossibilidade da vida em comum, pode-se afirmar que casais acabam se separando. Neste sentido, pode-se compreender que a separação é o fim e o início de uma vida para os ex-cônjuges. O fim de uma união tumultuada pelos desentendimentos e pela impossibilidade de relacionamento entre os cônjuges, e início de uma nova fase da vida para ambos os cônjuges.
Através das experiências profissionais na área sociojurídica, enquanto assistente social que atua em uma Universidade Pública, especificamente em uma Unidade Auxiliar, que presta assistência sociojurídica à população economicamente necessitada, atuando como supervisora de estágio de alunos do terceiro e quarto anos do curso de Serviço Social, buscamos realizar esta pesquisa.
É importante ressaltar que este assunto, por mais evoluções que tivemos na sociedade, continua sendo polêmico.
Atuando em questões referentes ao cotidiano familiar dos usuários da assistência sociojurídica, pode-se afirmar que reflexões acerca da separação conjugal e das problemáticas que envolvem tal situação, nos instigam a pesquisar sobre como as famílias atendidas se organizaram após a separação.
O conhecimento científico que está sendo construído nos leva a refletir sobre a maneira que a família se organizou após a separação conjugal. Para tanto, é necessário estudar a concepção de família, assim como construir uma concepção própria sobre família, que, apesar de ser uma palavra que remete uma proximidade, torna-se um exercício complexo, uma vez que a instituição família historicamente possuía um papel primordial na sociedade, e, por que não dizer que ainda possui.
O interesse pelo aprofundamento do tema, como Minayo (1992, p.90), coloca, não emerge espontaneamente, mas surge de interesses e circunstâncias condicionadas. Dessa forma, o tema foi escolhido devido à ação profissional de Serviço Social nas situações de separação conjugal que as famílias vivenciavam.
Esta reflexão pretende uma abordagem da situação das famílias usuárias do Centro Jurídico Social após a separação conjugal. Através da experiência profissional, percebe-se que pouco se sabe sobre esta questão, pois quando encerrada a separação, são raros os contatos com os usuários e fica difícil saber sobre a situação em que eles se encontram. Isso ocorre devido ao fato do encerramento dos atendimentos no Centro Jurídico Social e também porque geralmente as famílias procuram os serviços quando estão em situações de necessidade sociojurídica e após a resolução de seus problemas não têm o hábito de retornarem. Pode-se afirmar que neste sentido seria necessária uma proposta de trabalho que pudesse ir além da resolução do "caso", mas com a rotina de trabalho, o número insuficiente de profissionais, fica complicado parar para pensar em novas propostas de atendimento.
No casamento contemporâneo o amor pode tornar-se ao mesmo tempo fator de união e de desagregação. Segundo Jablonski (1998, p.86):
Quando o amor 'acaba', ou melhor, se transforma, os casais se sentem traídos, tendendo a culpar seus pares ou a si mesmos pelo 'fracasso', e não à cultura que lhe empurrou um modelo não muito compatível com a própria realidade.
Em cada crise, ou passagem para o novo, há uma mudança de aspectos importantes da pessoa e de seu modo de ser, sendo que isso ocasiona espanto para as pessoas. Quando essa carga de angústia e depressão se alivia, a pessoa consegue enxergar novas perspectivas de vida e caminhar decididamente.
O fato de o vínculo ser um aspecto fundamental na condição humana, essencial ao desenvolvimento (Vicente IN Kaloustian, 1994, p.50), pode tornar difícil o rompimento temporário ou definitivo do mesmo. Muitos cônjuges ficam sem condições de agir, pois o medo do sofrimento e da dor ocasionados pelas rupturas podem bloquear a decisão de se separar.
A ruptura conjugal e a dor da separação podem ser intensas ou não, conforme a assimilação das perdas que cada pessoa sentiu durante o decorrer de sua vida. Pode-se afirmar que não se trata de uma ruptura somente de um casal, mas de todo um contexto onde o casal está inserido.
A decisão de um casal pela separação leva ao envolvimento de ressentimentos, sentimentos contraditórios, dúvidas, oscilações, hesitações, confusões. Nem sempre é fácil admitir as perdas, principalmente quando os ganhos são desafios aparentemente longe de serem alcançados.
Este processo de começar a sentir a insatisfação conjugal, perder as esperanças de melhoria do casamento, decidir separar-se e finalmente concretizar a separação em si, pode durar muito tempo, até mesmo vários anos.
A decisão de assumir a separação causa impactos na vida pessoal que abalam, por vezes, a estrutura emocional, fato que pode empacar a separação. Por um lado, há o desejo de separar-se; por outro há o medo de concretizar a decisão.
Dessa forma, diante da situação de separação, cada cônjuge possui uma capacidade individual de superação, o que pode dificultar o desvinculamento. Os sonhos e as expectativas do casal se rompem juntamente com o fim da união.
É difícil avaliar a dor e o sofrimento causados por separações conjugais, independentemente da classe social. Não se sabe o motivo de tamanha dor - se é o fator da perda de alguém ou da condição em que se vivia antes da ruptura conjugal.
Maldonado (2000, p.16) afirma:
Para algumas situações difíceis da vida a sociedade oferece um tipo de apoio, organizado por meio de costumes, rituais, dispositivos legais. É um modo de validar, de tornar legítima a vivência de determinadas crises ou transições existenciais.
Ao assinar oficialmente a separação, o casal passa a assumir a situação de não estar juntos, ou seja, de estar separados. Pode até ser que a demora da oficialização da separação funcione como um período de teste, para ver se esta é a decisão correta, para assumir uma situação nova. A legalização envolve aspectos importantes na vida pessoal, como a de mudança de identidade, refletida na mudança de estado civil.
Se a pessoa decidir a se separar, podem ser encontradas as leis que regulamentam a separação conjugal, o divórcio, a dissolução da sociedade de fato.
Os vários tipos de dissolução da sociedade conjugal são denominados conforme a forma de união estabelecida.
Quando existe o casamento no civil, o processo chama-se separação judicial, que pode ser consensual ou litigiosa.
Para que ocorra a separação por mútuo consentimento (separação consensual) é preciso que a união tenha mais de um ano, conforme estabelece o artigo 1574 do Código Civil:
Dar-se-á a separação conjugal por mútuo consentimento dos cônjuges se forem casados por mais de um ano, e manifestarem perante o juiz sendo por ele devidamente homologada a convenção.
Parágrafo Único. O juiz pode recusar a homologação e não decretar a separação judicial se apurar que a convenção não preserva suficientemente os interesses dos filhos ou de um dos cônjuges.
A separação litigiosa ocorre quando uma das partes não concorda com a ruptura da união, aliado ao descumprimento dos deveres do casamento, tornando-se insuportável a vida em comum. Esta pode ser requerida a qualquer tempo do casamento. O artigo 1572 do Código Civil dispõe sobre essa forma de dissolução:
Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação judicial, imputando ao outro qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum.
§ 1° A separação judicial pode também ser pedida se um dos cônjuges provar ruptura da vida em comum há mais de um ano e a impossibilidade de sua reconstituição.
§ 2° O cônjuge pode ainda pedir a separação judicial quando o outro estiver acometido de doença mental grave, manifestada após o casamento, que torne impossível a continuação da vida em comum, desde que, após uma duração de dois anos, a enfermidade tenha sido reconhecida de cura improvável.
§ 3° No caso do § 2°, reverterão ao cônjuge enfermo, que não houver pedido a separação judicial, os remanescentes dos bens que levou para o casamento, e se o regime dos bens adotado o permitir, a meação dos adquiridos na constância da sociedade conjugal.
Nery Junior e Andrade Nery (2003) comentam que para a separação de fato basta a comprovação de que os cônjuges já não suportam mais a vida em comum, sendo esta uma condição impossível de se reconstituir. Esta separação normalmente precede a separação judicial e o divórcio.
Quando existem violências, ameaças e agressões, pode-se realizar também primeiramente, como medida de prevenção, a separação de corpos, que normalmente é mais rápida que a separação judicial, e de certa forma torna-se uma proteção para o cônjuge agredido e ameaçado.
Quanto à dissolução da sociedade de fato, o artigo 7° da Lei n° 9278, de 19 de maio de 1996, estabelece que: "Dissolvida a união estável por rescisão, a assistência material prevista nesta Lei será prestada por um dos conviventes ao que dela necessitar, a título de alimentos".
Maldonado comenta que "para formar um casal, ambos se escolhem por muitos motivos; para desfazer uma união, ambos contribuem de muitas maneiras". Diante dessa afirmação, pode-se concluir que os dois possuem uma contribuição significativa para se separarem.
Quando a separação é concluída, a pessoa se defronta com a etapa de adaptação à nova situação, com todas as mudanças que esse processo envolve. Ao mesmo tempo em que há possibilidade de se arruinar com o sentimento de culpa de ter deixado a outra pessoa, como punição a si próprio, existe a possibilidade de uma nova vida realizada e feliz.
Alguns sonhos e ideais são desfeitos com a separação; sendo que outros sonhos e as novas metas de vida precisarão ser construídos.
A separação pode envolver tanto uma mudança com relação aos novos projetos, nova forma de viver, como também mudança relacionada à dificuldade de enfrentar a questão dos projetos de vida desfeitos. Esse sentimento de perda por esta etapa não conquistada é importante para a elaboração dos novos projetos individuais ou coletivos.
Muitas vezes, principalmente nas camadas sociais economicamente necessitadas, o processo de separação, tão lento e gradual quanto todos os outros, não encontra bens para partilhar e dividir. Nesse caso, os filhos passam a ser alvos de brigas, seja pelo motivo da recusa ao pagamento de pensão alimentícia, seja pela solicitação da guarda, pelas visitas.
Os filhos, mesmo quando ainda são bem pequenos, conseguem sentir o clima de tensão que envolve o lar e o mal-estar predominante na casa, mesmo quando o casal não verbaliza suas brigas, não há agressão verbal nem física.
As alterações na conduta das crianças cujos pais passam por esse processo, podem ser notadas visivelmente. Aumenta a preocupação de controlar os pais, os sentimentos de angústia se fazem presentes quando iniciam uma discussão, ficam tensas, dormem mal, tem pesadelos, tentam apaziguar as brigas dos pais,além das doenças por somatização, com a finalidade de atrair a atenção dos pais.
Existem crianças que se isolam, passam horas no quarto, não querem conversar com ninguém, enquanto outras adoecem, passam a solicitar os pais com maior freqüência do que anteriormente.
Os pais atordoados com os conflitos do término do casamento nem sempre percebem ou atendem as necessidades dos filhos. Nesse período em que os pais estão em meio a tanta confusão e tão pouca disponibilidade para os filhos, Maldonado (2000, p. 169) coloca que :
é essencial que a criança tenha a noção de continuidade de vínculos afetivos e possa contar com o apoio de pessoas importantes para ela, que consigam ouvi-la e proporcionar proteção e aconchego, assim como alguma sensação de estabilidade e segurança, num momento da vida cheio de perdas e impactos.
Muitas pessoas pensam que separar do cônjuge significa separar também da família - incluindo filhos, sogros, cunhados, tios, dentre outros. Essa visão pequena de separação pode levar a muitos desencontros, desavenças e também pode gerar nas crianças um sentimento de vazio, de desprezo dos pais. Separar do cônjuge não significa separar de tudo o que ligava os dois, dos amigos, parentes. Pode ser que isso aconteça justamente pelo fato de que desligando cada vez mais das pessoas que faziam parte do cotidiano do casal, a dor da separação possa ser amenizada. Mas, é certo que esse não é o melhor caminho para superar e enfrentar a realidade. Se essa for a forma escolhida para a desvinculação do outro, certamente eles vão acabar chegando frente a frente com a realidade e assim poderá ser mais difícil conseguir superar esse desafio.
A adaptação a essa nova forma de viver para os filhos pode ser mais prolongada quando os mesmos possuem uma relação agradável tanto com o pai quanto com a mãe. A perda da convivência diária com ambos torna-se um fator difícil de aceitar.
Nota-se que quando há agressões verbais ou físicas, entre os pais e também com relação aos filhos, a distância e as ausências passam a ser um alívio para os filhos. Em alguns relatos, os adolescentes deixam transparecer que apesar de não gostarem de ter uma família com os pais separados, acabam achando melhor essa forma de viver no ambiente de casa:
Acho bom, porque eu não agüento mais viver com ele...Vai ser mais livre a vida, porque quando eu saio, saio com a cabeça quente, saber que ele vai chegar lá, assim, fazer alguma coisa lá. Agora, depois da separação, vou ficar mais tranqüilo. (DUTRA, 1995, p. 30).
Alguns adolescentes sentem vergonha de terem os pais separados, ficam constrangidos por se compararem aos demais amigos cujos pais vivem juntos. O medo de tornarem alvo de comentários dos outros, faz com que os jovens não comentem o fato inicialmente com os colegas. Pode ser que essa seja uma forma de esperança de que os pais mudem de idéia e voltem atrás na decisão da separação. Dizer aos outros poderia ser a representação de que está admitindo a realidade.
Porém, nem sempre a separação é traumática para os filhos. Pode ser que um casamento de forma incorreta, sem momentos de convívio sadio, traga efeitos piores aos filhos do que o fato da separação em si.
Se as incompatibilidades conjugais são irreversíveis, os problemas são constantes na vida a dois, há desajustes, o casal vive num clima de tensão constante, com opressão, mal estar, esse ambiente é extremamente pesado tanto para o casal quanto para os filhos. Assim, em muitos casos, a separação representa um alívio ao invés de um trauma.
Na medida em que a separação ganha um espaço social de validação, como alternativa de vida viável, sendo melhor do que arrastar um casamento destrutivo, a situação traumática, imposta pelo próprio contexto social, tende a diminuir.
Existem pessoas que mesmo estando separadas continuam casadas pelo desejo de vingança, colocando os filhos como torpedo, envolvendo-os diretamente nas batalhas. Pais se denigrem mutuamente na frente dos filhos, que ficam no meio da linha de fogo, que são usadas nesse momento de tensão. A denegrição é a expressão do ódio, junto com a competição pelo afeto dos filhos, há a necessidade de mostrar ao outro que é maior. Como conseqüência desses fatores, os filhos podem carregar consigo problemas que vão desde o comprometimento da auto-estima até a visão ruim das imagens do pai e da mãe.
É pior ainda quando uma das partes consegue arranjar um companheiro, um novo relacionamento. A parte que está só tem a tendência de denegrir mais ainda o ex-cônjuge e também o seu parceiro, transmitindo diretamente aos filhos toda essa revolta, colocando-os como aliados fiéis para não deixarem o outro permanecer com tal relacionamento.
Nota-se que muitas vezes o desejo de que os pais tornem a viver juntos é o desejo embutido de os ver mais freqüentemente. É interessante ressaltar que não é somente a separação em si que é traumática, é necessário que os filhos sintam que pai e mãe, mesmo sem viverem juntos, continuam assumindo a responsabilidade de cuidarem deles com amor e atenção.
A questão das visitas é um tema bastante complicado: por um lado, alguns pais não visitam freqüentemente os filhos para vingar, de certa forma, a ex-esposa. Em outros casos, é a mulher que, por ressentimento, cria inúmeras maneiras de impedir o contato entre o pai e os filhos, proibindo a aproximação dos mesmos, ainda que esteja resguardado esse direito nas cláusulas da separação. Diante dessa situação, os filhos podem sentir-se confusos com relação ao desejo de estar com os pais e ao mesmo tempo desejam ser leais amorosos com a mãe, que, muitas vezes, sofre com a traição.
O fato é que do cônjuge é possível se separar quando a convivência se torna insuportável ou quando se chega à conclusão de que a pessoa com quem pensou em viver o resto de sua vida não é a ideal. Porém, entre pais e filhos, a questão é diferente, mesmo quando não se tem os pais que gostaria de ter. O processo de desvinculação é mais difícil, ou até impossível.
Maldonado (2000, p. 253), coloca que :
cada grande transição da nossa vida traz uma revisão de valores e de metas existenciais que, às vezes, entram em choque com antigas crenças e posturas e, sobretudo, com valores transmitidos nas duas primeiras décadas de nossa vida pela família, pela escola e pela Igreja.
Após a concretização da separação, há uma nova organização da vida familiar: mulheres, de repente, começam a trabalhar, para obterem renda própria, organizando o orçamento doméstico; homens separados que se transformam em donos de casa, aprendendo a cuidar concretamente dos filhos, assumindo novas tarefas domésticas. Ao mesmo tempo que essas experiências trazem novas responsabilidades e geram ressentimentos e sensações de sobrecarga, por outro lado, podem trazer satisfação, pelo fato de descobrir capacidades novas.
Os casamentos, separações, desuniões que envolvem a história, o próprio contexto social, se desencadeiam pela vida das pessoas e têm repercussões no cotidiano de cada um. Toda a construção desse processo histórico depende da forma de posicionamento de cada um, do seu passado, do seu presente e também das experiências vivenciadas ao longo da vida, como também dos sonhos para o futuro. Essa é a responsabilidade que se leva na dinâmica das passagens da vida. Sem desconsiderar a questão da historicidade presente no contexto de cada pessoa, que vivencia o processo de separação conjugal, é necessário compreender que estas são sujeitos da sua própria história.
É neste contexto de diversidades que o Serviço Social desenvolve a sua ação profissional interdisciplinar na área sociojurídica. A compreensão remetida à totalidade da situação apresentada, indo além da questão puramente judicial, é de suma importância para o atendimento da pessoa em todos os aspectos sociais, e não somente no fato específico da solicitação jurídica pela qual o usuário dos serviços recorreu.
O município de Franca, local onde está sendo desenvolvido o presente estudo, tem como marco de sua economia a indústria calçadista, apesar de existirem também outras atividades, como a indústria de cosméticos; o comércio; a agricultura com a cultura do café e da cana-de-açúcar. Neste contexto, encontra-se a UNESP - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, campus onde funciona a Faculdade de História, Direito e Serviço Social. Dentre os objetivos da universidade, encontra-se a extensão, ou seja, a universidade promovendo atividades de extensão e de articulação com a comunidade. O Centro Jurídico Social é uma Unidade Auxiliar da UNESP - campus de Franca, que foi fundada em 1990, e oficializado em 1992, além de se constituir um espaço de extensão universitária, presta atendimento jurídico e social à população considerada economicamente necessitada, não assistida por órgãos públicos e particulares, residentes, preferencialmente, na Comarca de Franca. Esse Centro tornou-se o universo dessa pesquisa.
O Centro Jurídico Social enquanto Unidade Auxiliar propicia por meio do atendimento à comunidade, estágio e complementação à formação acadêmica dos estudantes dos Cursos de Direito e Serviço Social da UNESP, assim como constitui-se em um laboratório de pesquisas acadêmicas, nos níveis de graduação e pós-graduação.
A técnica de coleta de dados que pretende-se usar será a qualitativa, através de entrevistas com os membros da 'família separada' - sendo constituídos sujeitos da pesquisa os ex-cônjuges e seus respectivos filhos. O recorte temporal será entre o período de 2003, 2004 e 2005. Os critérios de escolha dos sujeitos serão as famílias que se reconstituíram após a separação e que possuem filhos. Ao transcender o caráter quantitativo e estatístico, pretende-se explorar de forma global o universo da pesquisa, retratando a realidade cotidiana e buscando uma aproximação com os sujeitos da pesquisa.
Com todas as transformações na sociedade, os casamentos e suas variações sofreram adaptações às novas formas de se viver. Dessa forma, toda separação significa quebra de projetos que haviam sido planejados anteriormente, é uma mudança de vida, às vezes para melhor e outras vezes não.
É óbvio que se o casal vive numa situação conflitante, em uma verdadeira guerra entre os cônjuges, a separação torna-se um alívio. Mas ocorre que existem determinadas situações em que um dos cônjuges não deseja a separação, pois ainda gosta do outro, ou pelos próprios valores culturais considera que esta não seria a melhor saída.
Durante o convívio familiar, existem algumas discussões inevitáveis, que são próprias da diferença de personalidade entre os cônjuges, que pode ser algo saudável para a relação conjugal, desde que aconteçam de forma democrática, onde o casal expõe com sinceridade suas opiniões, e mesmo se alterarem o tom da voz, pode ser que isso não afete o relacionamento.
Torna-se necessário ressaltar que o contexto social, no qual a família está inserida, exerce grande influência sobre as pessoas que dela participam. Esse contexto acaba sendo dominante das relações sociais, modificando projetos anteriormente definidos. As condições socioeconômicas atuais modificaram a figura da instituição família, tornando necessário que os profissionais que trabalham diretamente nessa área projetem novas formas de ação e trabalho com as mesmas. As condições de precariedade econômica em que o casal vive pode afetar diretamente o relacionamento conjugal, pois estes buscam novas alternativas para a sobrevivência e superação da crise financeira e não encontram saída. Daí começam as situações de desentendimentos, os conflitos, sendo que a busca de alternativas torna-se inacessível para a população desprovida de recursos econômicos, que vê como saída o alcoolismo, a violência, os entorpecentes, como uma maneira de fugir da realidade que a massacra. Estas são as manifestações da questão social no cotidiano da ação profissional.
Percebe-se que a abordagem interdisciplinar nos casos atendidos, pode trazer muitos ganhos tanto para os usuários quanto para os técnicos envolvidos no processo de atendimento. Trata-se o sujeito como um todo, e com o diálogo existente entre as áreas do saber, que inter-relacionadas permitem maior compreensão do contexto apresentado.
Espera-se, com este estudo, uma maior compreensão da organização familiar após a separação conjugal e uma contribuição para o conhecimento da realidade estudada, onde novas formas de abordagens e investigações sobre essa temática atual, possam ganhar espaço favorável. Almeja-se colaborar também para a construção de um novo olhar sobre as famílias que superaram a fase do processo de separação conjugal.
A construção desse estudo torna-se necessária, pois este poderá contribuir tanto para a intervenção na prática profissional do Serviço Social, quanto para o aprimoramento e crescimento acadêmico do profissional.
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Nayara Hakime Dutra Oliveira (Doutoranda em Serviço Social pela Unesp-Franca-SP; Assistente Social no Centro Jurídico Social - Unesp-Franca-SP; Docente do curso de Serviço Social - Fundação Educacional de Barretos-SP; Membro do GEPEFA - Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Famílias da Unesp-Franca-SP; Membro do GEFORMSS - Grupo de Estudos e Pesquisas Formação Profissional em Serviço Social.
Mário José Filho (Graduação em Filosofia, Teologia e Serviço Social; Mestre em Filosofia da Educação pela Puc-Camp; Doutor em Serviço Social pela Unesp; Sacerdote Religioso da Congregação dos Sagrados Estigmas de Nosso Senhor Jesus Cristo - Estigmatinos - Província Santa Cruz; Docente da Pós-graduação e Graduação em Serviço Social pela Unesp-Franca-SP; Líder do Grupo PRAPES - Prática de Pesquisa da Unesp-Franca-SP; Vice-Líder do Grupo de Pesquisa Família: Perspectivas e Tendências (GEPEFA)
Os artigos assinados aqui publicados são inteiramente de responsabilidade de seus autores e não expressam posicionamento institucional do IBDFAM