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A nova família
A NOVA FAMILÍA
Não há duvida que os homossexuais formam grande parte de nossa sociedade, e por isso, não podemos discriminar a opção deles. O novo Direito de Família, passou a considerar o afeto e o amor na solução dos problemas. Na esteira desse pensamento temos varias decisões, principalmente no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, favoráveis a essa crescente parte da população brasileira.
Um país que em sua Constituição, traz princípios como liberdade, igualdade, fraternidade, de dignidade humana e proclamam como um Estado Democrático de Direito, não pode sobre maneira se mostrar tão preconceituoso e injusto.
A violência contra os homossexuais revela um profundo preconceito. Cabendo aos operadores do Direito, cumprirem seus compromissos com a justiça e não permitir que essa situação se perpetue.
A homossexualidade é tão antiga quanto à heterossexualidade, acompanhando a historia da humanidade e ainda que não tenha sido aceita sempre foi tolerada. Pois trata se de uma realidade que sempre existiu desde as origens da história humana. As diferenças geográficas, temporais além das mudanças dos códigos sociais e dos costumes, acabaram por definir a maneira de cada civilização encarar o homossexualismo. Em diversas culturas e civilizações encontramos manifestações que revelam sua existência através de mitos, lendas, relatos ou encenações.
A homossexualidade já esteve amplamente inserida em duas grandes civilizações antigas, cujo pensamento definiu a cultura ocidental. Na Grécia clássica, o livre exercício da sexualidade, embora fosse um privilegio dos bens nascidos, fazia parte do cotidiano de reis e heróis. A bissexualidade estava inserida no contexto social, e a heterossexualidade aparecia como uma preferência especificamente voltada para a procriação, além de ser considerada inferior.
O homossexualismo era visto com uma necessidade natural, ou seja, uma representação legitima da libido, sem que esta fosse confundida com uma degradação moral ou vicio. Em muitas culturas a pederastia ritualizada era bem aceita, dispondo de caráter pedagógico. O preceptor era um modelo de sabedoria, geralmente um guerreiro, que se dispunha transmitir seus conhecimentos e fazia parte das obrigações dos preceptados "servir de mulher para seus preceptores".
Em Roma o homossexualismo era visto como de procedência natural, ou seja, no mesmo nível das relações heterossexuais. Na cultura romana o preconceito da sociedade decorria da associação popular passividade sexual e impotência política. A censura recaia apenas no caráter passivo da relação. O papel passivo das relações era desempenhado pelas mulheres, rapazes e escravos.
Historicamente, o maior preconceito contra o homossexualismo é de cunho religioso. Cultura e religião se entrelaçam para censurar os chamados pecados da carne. A Igreja Católica considera o homossexualismo uma perversão, uma transgressão. É esse, na maioria das vezes, o escudo usado como justificativa para o ódio e preconceito em relação aos homossexuais.
Durante a Santa Inquisição, a prática homossexual foi severamente penalizada. Com o sentimento crescente que tal união era o maior dos crimes, pior que o incesto entre mãe e filho, o III Concílio de Latrão, em 1179, tornou o homossexualismo crime. As legislações dos séculos XII e XIII condenavam severamente o homossexualismo, sendo que o primeiro código ocidental prescreveu a pena de morte para sua prática.
Na Idade Média houve a sacralização da união heterossexual, logo, somente as uniões sexuais devidamente sacramentadas seriam válidas, firmes, indissolúveis. O ato sexual ficou reduzido à fonte de pecado. O Papa Bento XVI seguindo o discurso de seu antecessor, o Papa João Paulo II, só aprova as relações heterossexuais dentro do matrimonio, classificando a contracepção, o amor livre e a homossexualidade como condutas moralmente inaceitáveis. Desde a criação do cristianismo, os homossexuais convivem com a intolerância.
A partir da metade do século XX, a mudanças começam a surgir. O enfraquecimento das relações entre Estado e Igreja, cessou o condicionamento a uma estrita obediência às normas ditadas pela religião. O declínio da influência da Igreja fez diminuir o sentimento de culpa, e o prazer sexual deixou de ser criminoso. O casamento começou a dessacralizar-se e novas estruturas de convívio surgiram na esteira do pensamento moderno, onde o afeto ocupa lugar de destaque, não mais sendo alvo do repudio social.
A autodenominação gay emergiu sexualidade através de sua popularização, trazendo consigo abertura e legitimidade. Em 28 de junho de 1969, eclodiu uma rebelião de travestis nominada de motim de Stonewall, no Greenwich Village, em New York. Durante uma semana, ocorreram protestos e brigas de homossexuais com a policia, o que ensejou a institucionalização dessa data como o Dia do Orgulho Gay.
Com a evolução da espécie humana, houve uma separação psíquica e física entre o ato sexual prazeroso e a função procriativa. Dessa separação, nasceu a liberdade de orientação sexual. Na esteira dessa evolução nasceu para os indivíduos de ambos os sexos ter a opção de suster uma relação sexual além da simples necessidade de reprodução, inclusive com pessoa do mesmo sexo.
Porém, um indivíduo está sendo discriminado em função de sua orientação sexual quando, este nada sofre ao se vincular a uma pessoa de sexo oposto, mas recebe repúdio social por dirigir seu desejo a alguém do mesmo sexo.
Tal escolha não pode gerar tratamento desigualitário com relação a quem escolhe, pois estará diferenciando alguém pelo sexo que possui: se igual ou diferente do sexo da pessoa escolhida.
Está posto na Convenção Internacional Americana de Direitos Humanos e no Pacto de San José, dos quais o Brasil é signatário o impedimento discriminatório (sexo). Como preceitua o § 2º do Art. 5º da CF, são recepcionados por nosso ordenamento jurídico os tratados e convenções internacionais. A ONU tem entendido como ilegítima qualquer interferência na vida privada de homossexuais adultos, seja como base no principio de respeito à dignidade humana, seja pelo principio da igualdade.
Por direitos humanos ou direitos do homem são, modernamente, entendidos aqueles direitos fundamentais que o homem possui pelo fato de ser homem, por sua própria natureza humana, pela dignidade que a ela é inerente. São direitos que não resultam de uma concessão da sociedade política. Pelo contrário, são direitos que a sociedade política tem o dever de consagrar e garantir. Este conceito não é absolutamente unânime nas diversas culturas[1].
A Declaração de Direitos Humanos abriga certos valores, os quais deveriam ser buscados e respeitados por todos os povos. Estes valores permeiam toda a Declaração Universal dos Direito Humanos.
Na concepção de João Baptista Herkenhoff[2], esses valores seriam oito:
- Igualdade e Fraternidade
- Liberdade
- Dignidade da Pessoa Humana
- Paz e Solidariedade Universal
- Proteção legal dos Direitos
- Justiça
- Democracia
- Dignificação do Trabalho
Dentre esses valores, os três primeiros seriam a base da Declaração. Segundo Herkenhoff, a igualdade constituiu-se, através da historia, por meio de dois movimentos independentes; o da afirmação da igualdade intrínseca de todos os seres humanos e o da rejeição de desigualdades especificas, particulares[3].
O valor Liberdade seria suporte dos artigos III, IV, XIII, XVIII, XIX e XX, onde João Baptista afirma:
"... a liberdade deve conduzir à solidariedade entre os seres humanos. Não deve conduzir ao isolamento, à solidão, à competição, ao esmagamento do fraco pelo forte, ao homem-lobo-do-homem, à ruptura dos elos. Essa ruptura leva tanto à esquizofrenia individual quanto à esquizofrenia social. Garantir a liberdade dentro de uma sociedade solidária é o desafio que se coloca. Liberdade para todos e não apenas para alguns. Liberdade que sirva aos anseios mais profundos da pessoa humana. De modo algum a liberdade que seja instrumento para qualquer espécie de opressão" [4].
O terceiro valor "Dignidade da Pessoa Humana" implica na concretização de todos os outros valores. Esse valor alimenta os artigos III, V, VI, XIV, XV, XVI, XVII, XXII, XXVI, E XXVII. Os outros cinco seriam, os grandes objetivos a serem alcançados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Um dos Direitos Humanos, salvo das intromissões estatais desde a Magna Charta Libertatum de João Sem Terra, é o Direito à Liberdade. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, em seu artigo 4º declara que qualquer individuo pode fazer tudo que não afete a liberdade dos demais.
O direito à liberdade, está previsto no ordenamento jurídico brasileiro desde o preâmbulo, constituindo-se em um dos objetivos da Republica Federativa do Brasil (Art. 3º, I CF/88), e garantido a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país através do caput do art. 5º da magna Carta, está intimamente ligado ao princípio da legalidade, estabelecido pela CF/88 em seu artigo 5º, inc. II. "Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de Lei".
A consagração jurídica desse princípio é denominada por Bobbio como "Norma Geral Exclusiva" que por sua vez é o arcabouço do pensamento Kelseniano, segundo a qual "tudo que não está expressamente proibido, está implicitamente permitido".
O direito à liberdade afirma que toda pessoa humana pode fazer o que bem lhe aprouver desde que, não prejudique ninguém. Comprovando que a união homoafetiva não prejudica, trata-se, portanto da liberdade pessoal de cada individuo.
O Direito da Personalidade é indisponível e está ligado ao corpo vivo ou morto. Porém a disponibilidade desse direito pode ocorrer desde que, a par da manifestação expressa da vontade de seu titular, sejam resguardadas as limitações impostas pelas normas de ordem pública.
É de Maria Helena Diniz o ensinamento de que os direitos de personalidade são:
Os direitos subjetivos da pessoa de defender o que é próprio, ou seja, a sua integridade física (vida, alimentos, próprio corpo vivo ou morto, corpo alheio vivo ou morto, partes separadas do corpo vivo ou morto); a sua integridade intelectual (liberdade de pensamento, autoria científica, artística e literária) e sua integridade moral (honra, recato, segredo pessoal, profissional e doméstico, imagem, identidade pessoal, familiar e social).
Temos ainda o princípio da igualdade, que implica no tratamento igualitário de todos os indivíduos, independente de raça, cor, religião ou opção sexual. O princípio da isonomia, que nivela os indivíduos em direitos e deveres, enseja a possibilidade da união homoafetiva.
Segundo George V. Hamilton, cientista inglês, a homossexualidade está presente também entre os animais primatas e mamíferos, descartando a possibilidade de ser uma característica exclusiva da espécie humana.
Para Delton Croce[5], homossexualismo é a atração erótica por indivíduos do mesmo sexo, podendo o homossexual praticar atos libidinosos ou apenas exibir fantasias sexuais com relação a indivíduos do mesmo sexo, apresentando certa indiferença ou repugnância por indivíduos do sexo oposto.
É fato que não existe um padrão comportamental típico que defina o homossexualismo, pois, na prática apresentam-se diversas gradações no aspecto físico, que podem ir, de homossexualismo masculino desde a completa efeminação exteriorizada por gestos e maneiras de se comportar, até a exterior aparência viril heterossexual.
A busca da despatologização da homossexualidade visa defini-la como simples variante natural da expressão sexual humana, um comportamento que determina uma maneira de viver diferente. É oportuno ressaltar que o homossexualismo deixou de ser doença. Á décima revisão da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID), da Organização Mundial de Saúde, excluiu o homossexualismo como doença.
Quanto ao fato do homossexualismo ser uma escolha Freud explica: Todo individuo homem ou mulher, tem uma tendência ponderável, intima e oculta à homossexualidade. Freud postula a existência da sexualidade desde o nascimento, inicialmente assimiladas às funções fisiológicas de nutrição, as relações com a mãe, o pai, a família, e o meio social que se vão integrando como um todo, transformando se num longo processo que culminaria na fase adulta.
É sabido que em alguns países do mundo, a união civil homoafetiva é aceita. Os países escandinavos, por exemplo, a parceria registrada encontrou grande acolhimento.
Na Dinamarca, a lei nº 372, de 1° de junho de 1989, estabelece que pelo menos um dos parceiros deve ter residência permanente e nacionalidade dinamarquesa. Aplica-se à parceria a lei do casamento, sendo, entretanto, proibida a adoção.
A Noruega aderiu ao novo sistema com a edição da Lei n° 40, de 30 de abril de 1993. Difere da legislação dinamarquesa, pois possibilita a participação conjunta da autoridade parental.
O parlamento Sueco reconhece o partenariat desde 1° de janeiro de 1995, mas estabelece intervenção obrigatória quando há dissolução da parceria.
Na Holanda, em 1991, foram registradas uniões homoafetivas em alguns municípios, tal como aconteceu em cidades dos Estados Unidos (São Francisco).
Nos Estados Unidos, muitos casamentos homoafetivos aguardam decisão dos tribunais. Em 27 de fevereiro de 2004, a Suprema Corte da Califórnia negou o pedido do Procurador - Chefe Billy Lockyer, que queria a suspensão imediata dos casamentos homossexuais e a anulação de mais de 3.500.
Observando ordenamento jurídico pátrio, não encontramos nenhum dispositivo legal que proíba a relação afetiva homossexual. Uma vez que a lei não proíbe expressa ou imperativamente o tipo de relacionamento ou seus efeitos, podemos utilizar máxima do raciocínio de Kelsen, é dizer que a união homossexual é permitida pelo Direito.
A luz do pensamento kelseniano, não podemos negar efeitos jurídicos a uniões entre pessoas do mesmo sexo. Nossa lei não tem previsão quanto aos efeitos jurídicos decorrentes de uma união homoafetiva, eis que surge uma lacuna no direito. Se a lei não exclui, expressamente a proteção das uniões homoafetivas, voltamos para o principio da Norma Geral Exclusiva de Bobbio. Com as normas reduzidas a um imperativo sancionador, aquele que enxerga lacuna no direito, está pretendendo aplicar sanção a uma conduta não sancionada ou deixar de aplicar sanção a conduta sancionada, invertendo o sentido da norma.[6]
Pelo princípio da indeclinabilidade, consagrado no artigo 126 do Código de Processo Civil, o juiz não pode deixar de solucionar um caso concreto alegando lacuna na lei. O artigo 4º da Lei nº. 4.657/42 (Lei de Introdução do ao Código Civil), dispõe: "quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito" e no artigo 5º da mesma lei completa: "na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum".
A lacuna deverá ser preenchida pelos princípios constitucionais e pela analogia. Para Bobbio à analogia faz parte do método de auto integração para preenchimento de lacunas. Entre os princípios constitucionais apontados como solução de preenchimento das lacunas, encontramos dois aos quais devemos devotar uma maior atenção: Igualdade e Dignidade da Pessoa Humana.
O principio da dignidade da pessoa humana, insculpido no inciso III do artigo 1º da Magna Carta é eleito como fundamento do Estado Democrático de Direito, e aliado ao caput do artigo 5º do mesmo diploma legal, não permite a conclusão, de qualquer distinção de um individuo para outro tendo como escopo a sua orientação sexual, razão que exclui a lacuna no plano infraconstitucional, não devendo ser interpretada como uma impossibilidade jurídica para união homossexual, mas sim como uma autentica permissão outorgada pelo legislador constituinte.
A orientação sexual seguida por alguém não pode ser considerada fator determinante para a manutenção de tratamentos discriminatórios e desiguais, pois o principio fundamental da dignidade da pessoa humana hoje se apresenta como alicerce das normas e princípios vigentes. Logo, sendo o homossexual uma pessoa, deve ser aceito e respeitado pelo ordenamento jurídico vigente em um país que comunga ideais de um Estado Democrático de Direito. Portanto, ou a Constituição Federal reflete seus efeitos para todas as pessoas que compõem a sociedade em que foi promulgada, ou estaria reduzida a um mero e ineficaz ‘Livro Xilografado' sem qualquer valor efetivo que possa tutelar seus jurisdicionados.
Segundo Rousseau "o maior bem de todos, que tal deve ser o fim de todo o sistema de legislação, achá-lo-eis resumido nestes dois objetivos principais, a liberdade e a igualdade..." [7]. Kant formula a noção de autonomia da vontade ao ampliar a concepção democrática da liberdade de Rousseau, que articula a idéia de contrato social como um procedimento em que as pessoas obedecem a si mesmas na medida em que participam juntas da elaboração das leis. Essa concepção se diferencia da liberal, que entende a liberdade como limitação recíproca, a liberdade de um terminando onde começa a liberdade de outro.
Ao distinguir as leis da natureza da liberdade, o termo moral adquire sentido amplo. Kant distingue leis morais jurídicas, que dizem respeito às ações exteriores, e éticas, que exigem que as próprias leis sejam os princípios de determinação das ações. A moral englobaria tanto o direito quanto à ética. Neste aspecto o Direito é a limitação da liberdade, cada um como condição de seu acordo com a liberdade de todos, enquanto está possível segundo uma lei universal. Para ele essa concepção da liberdade como limitação recíproca é condizente com a defesa da liberdade individual, o direito de cada um indo até onde começa o do outro.
A Constituição Federal prevê a realização do bem comum, com a criação de uma sociedade livre, justa e solidária, sem distinção de qualquer natureza, então se mostra claro o direito de liberdade de opção sexual deve ser respeitado, acolhendo-se a possibilidade da união entre pessoas do mesmo sexo, sob pena de quebra do contrato social. In dúbio pro libertatis.
Em decisão inédita e pioneira o Tribunal Superior Eleitoral reconhece na união homoafetiva a inelegibilidade consagrada no artigo 14, § 7º da Constituição Federal. Com essa decisão o judiciário aceitou a união estável homossexual, impondo limitações ao exercício de um direito.
Para melhor entendermos este ponto, precisamos distinguir o direito inato do adquirido. A decisão do TSE criou um direito adquirido para os parceiros homossexuais no momento em que aceitou a união homossexual e com isso impôs limitações ao exercício de um direito aos parceiros na esfera eleitoral. O que se discute basicamente, não é a criação de direitos adquiridos para que outros casais tenham sua união aceita, mas sim a prerrogativa de um direito inato que cabe a todos os homens imediata e naturalmente.
O direito inato é único, um direito originário que cabe a todo homem em virtude de sua humanidade, ou seja, sua liberdade, independente do arbítrio que obriga do outro, contando que possa subsistir junto à liberdade de todos os outros, segundo uma lei universal. E segundo Kant, a compreendida na liberdade está a igualdade inata, ou seja, a independência, não ser obrigado por vários outros senão aquilo que possa também obriga-los reciprocamente, portanto, a qualidade do homem de ser seu próprio senhor. À distinção do direito inato e adquirido, o meu e o teu são pensados como interiores e exteriores. O interior (Liberdade) é inato e, como tal, não apresenta dificuldades para sua fundamentação, já o exterior é adquirido.
A Constituição Federal no seu artigo 226, § 3º in verbis:
Artigo 226. § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre homem e mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento[8].
As uniões homossexuais são entidades familiares constitucionalmente protegidas, pois preenchem os requisitos de afetividade, estabilidade e ostentabilidade, comenta Paulo Luiz Netto Lobo:
"A norma de inclusão do art. 226 da Constituição apenas poderia ser excepcionada se houvesse outra norma de exclusão explicita de tutela dessas uniões. (...) A ausência de lei que regulamente essas uniões não é impedimento para sua existência, porque normas do art. 226 são auto - aplicáveis, independentemente de regulamentação".[9]
Seguindo uma corrente de pensamento avançada o Senador Sérgio Cabral (PMDB-RJ), numa visão construtiva, apresentou a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado a mais nova proposta de Emenda Constitucional, nº. 70/2003, sobre o assunto, que altera o § 3º do art. 226 da CF/88 incluindo casais homossexuais como entidade familiar reconhecida pelo Estado. O texto da emenda exclui, no entanto, a possibilidade de casamento entre pessoas do mesmo sexo, limitando-a casais heterossexuais. O § 3º do art. 226 passaria a ter a seguinte redação: "Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre casais heterossexuais ou homossexuais como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento quando existente entre homem e mulher".[10]
Não podemos desconsiderar a importância, em decorrência da dignidade da pessoa humana, do tão propagado principio da isonomia - direito fundamental, e, portanto, norma constitucional de eficácia plena - empresta suporte de constitucionalidade, legitimidade e legalidade ao reconhecimento das uniões entre pessoas do mesmo sexo como entidades familiares, uma vez que a orientação sexual, por si só, não pode ser considerado e tão pouco utilizado como fator de discriminação entre cidadãos heterossexuais e homossexuais.
Diante dos parâmetros que norteiam o direito constitucional brasileiro, não há como se negar a existência e consistência de família para uniões de pessoas do mesmo sexo que tem por base o afeto, o carinho, o respeito, a cooperação e a assistência mútua, sob pena de estar se associando com atividade discriminatória que injustamente ataca a dignidade da pessoa humana, impossibilitando - a de exercer, em pé de igualdade com os demais, a sua irrenunciável condição de cidadão.
A afetividade é a maior bandeira dos que proclamam e enfatizam o reconhecimento jurídico das entidades familiares.
"Considerar uma relação afetiva de duas pessoas do mesmo sexo com entidade familiar não vai transformar a família nem vai estimular a prática homossexual. Apenas levara um maior numero de pessoas a sair da clandestinidade, deixando de ser marginalizadas."[11]
A diversidade de sexos não é conditio sine qua non para a percepção conceitual de família. A família não se define exclusivamente em razão de vinculo entre um homem e uma mulher, mas está ligada intimamente aos laços de afetividade, é nesse ponto independe se esses laços são entre pessoas do mesmo sexo.
Nesse sentido o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, entendeu que é de competência da Vara de Família Julgar ações que envolvem união entre pessoas do mesmo sexo.
"EMENTA: Relações homossexuais. Competência para julgamento de separação de sociedade de fato dos casais formados por pessoas do mesmo sexo. Em se tratando de situações que envolvem relações de afeto, mostra-se competente para o julgamento da causa uma das Varas de Família, a semelhança das separações ocorridas entre casais heterossexuais. Agravo provido".[12]
Uma vez que foi reconhecida a competência da Vara de Família para julgar a separação da sociedade de fato formada por pessoas do mesmo sexo, seria um contra senso o não reconhecimento dessa referida sociedade como família.
À ausência de dispositivo legal sobre a matéria tem tornado importante o papel da equidade[13], a fim de solucionar os conflitos.
Através do princípio da dignidade da pessoa humana, podemos afirmar que, o ser humano constitui por si próprio um valor, que deve ser respeitado e preservado. Em concordância com esse princípio temos o entendimento lúcido e corajoso da oitava câmera civil do egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que a partir da inteligência do dispositivo constitucional que trata da isonomia legal entre homens e mulheres, decidiu.
"EMENTA: Homossexuais. União Estável. Possibilidade jurídica do pedido. É possível o processamento e o reconhecimento de união estável entre homossexuais, ante princípios fundamentais insculpidos na Constituição Federal que vedam qualquer discriminação, inclusive quanto ao sexo, sendo descabida discriminação quanto à união homossexual. E é justamente agora, quando uma onda renovadora se estende pelo mundo, com reflexos acentuados em nosso país, destruindo preceitos arcaicos, modificando conceitos e impondo a serenidade científica da modernidade no trato das relações humanas, que as posições devem ser marcadas e amadurecidas, para que os avanços não sofram retrocesso e para que as individualidades e coletividades, possam andar seguras na tão almejada busca da felicidade, direito fundamental de todos. Sentença desconstituída para que seja instruído o feito. Apelação provida. (9 FL S)". [14]
A Justiça de Goiás reconheceu a união estável de um casal homossexual. Segundo a juíza Sirlei Martins da Costa, da 3ª Vara de Família, Sucessões e Cível de Goiás, ambos formam uma entidade familiar com "todas as conseqüências legais advindas de uma união". O caso trata de uma ação de declaração de sociedade na qual o casal sustenta que vive junto e tem construído patrimônio desde julho de 1999, data tomada como marco, pela juíza, para extensão dos efeitos da sentença (Anexo 1). De acordo com a decisão, os juízes das varas de família são competentes para julgar causas que envolvem relação de afeto formada por pessoas do mesmo sexo, "à semelhança das questões da mesma natureza envolvendo casais heterossexuais".
A jurisprudência é tranqüila em relação à possibilidade jurídica do reconhecimento da união homoafetiva, vez que os princípios da Constituição Federal vedam qualquer discriminação, inclusive quanto ao sexo. Há julgados recentes reconhecendo uma série de direitos em prol de homossexuais, dentre eles o reconhecimento da união homoafetiva como verdadeira "entidade familiar".
O instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) já admite a possibilidade de concessão de beneficio às pessoas que convivem em relação homoafetiva. A instrução normativa 25/2000 veio disciplinar a matéria, fundamentada na Ação Civil Pública nº. 2000.71.00.009347-0. In verbis:
Art. 2° - A pensão por morte e o auxílio-reclusão requeridos por companheiro ou companheira homossexual, reger-se-ão pelas rotinas disciplinadas no Capítulo XII da IN INSS/DC n° 20, de 18.05.2000[15].
Através deste ato, o Estado Brasileiro, deu o primeiro passo em relação ao reconhecimento da união estável homoafetiva.
A interpretação judicial sobre a união homossexual, segundo alguns especialistas, criará uma quarta família. No atual contexto, a Constituição prevê três enquadramentos de família: a decorrente do casamento, a família formada com a união estável e a entidade familiar monoparental.
Ao examinar a Ação proposta pela Associação Parada do Orgulho Gay, que contestava a definição legal da união estável: "entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família" (artigo 1.723 do Código Civil). O ministro do STF Celso de Mello afirmou que a união homossexual deve ser reconhecida como uma entidade familiar e não apenas como "sociedade de fato". A manifestação foi pioneira no âmbito do Supremo Tribunal Federal e indicou que a discussão sobre o tema deve ser deslocada do campo do Direito das Obrigações para o campo do Direito de Família.
Contudo, o ministro, extinguiu o processo por razões de ordem técnica, mas teceu considerações sobre o que afirmou ser uma "relevantíssima questão constitucional". O ministro entendeu que o STF deve discutir e julgar, em novo processo, o reconhecimento da legitimidade constitucional das uniões homossexuais e de sua qualificação como "entidade familiar". Porém indicou o instrumento correto para que a questão volte ao Supremo: a ADPF, Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental.
A mudança de paradigmas impostos pela evolução jurídica - social, nos permite através do novo direito de família estabelecer o afeto como razão primeira da construção de uma família, tal fato elege a união homoafetiva como uma forma de família, podendo até mesmo dizer que dessa união nascera a novíssima família no direito moderno.
Como juristas devemos nos abster de preconceitos históricos para observarmos essa crescente tendência social, se não iniciarmos um processo de legislativo, a fim de regulamentar a união de pessoas do mesmo sexo, correremos o risco de não estarmos preparados para situações que envolvam a biogenética e a união homossexual. Nesse caso devemos salientar que o silêncio por parte do legislador poderá causar um verdadeiro desastre no sistema jurídico vigente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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* Lívia Gomes Arcângelo é acadêmica do 10º período de Direito do Centro Universitário de Goiás - Uni Anhanguera.
Vinculo Institucional: Centro Universitário de Goiás - Uni - Anhanguera
[1] Conceito de Direito Humanos: HERKENHOFF, João Baptista. Gênese dos Direitos Humanos. pág. 30-31.
[2] HERKENHOFF, João Baptista. Gênese dos Direitos Humanos. pág. 111 et seq.
[3] HERKENHOFF, João Baptista. Op. Cit. pág. 124.
[4] HERKENHOFF, João Baptista. Op. Cit. pág. 136.
[5] CROCE, Delton. Manual de Medicina Legal. 4. ed. São Paulo. Saraiva. 1998.
[6] Pensamento Kelseniano, implícito em sua obra Teoria Pura do Direito. Para Kelsen o julgador só considera que há lacunas no ordenamento quando não o satisfez a norma oferecida.
[7] ROUSSEAU, Jean-Jacques. Contrato Social. 1. ed. São Paulo. Editora Martin Claret, 2000.
[8] BRASIL, Constituição da Republica Federativa. 33. ed. São Paulo. Ed. Saraiva. 2003.
[9] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas para além do números clausus. Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família: Família e Cidadania, IBDFAM/OAB-MG, Belo Horizonte, 2002. pág. 105.
[10] FERNANDES, Taísa Ribeiro. Uniões Homossexuais. Efeitos Jurídicos. Ed. Método. São Paulo, 2004. pág. 50.
[11] DIAS, Maria Berenice. União Homossexual: o preconceito e a justiça. 2. ed., Porto Alegre. Ed. Livraria do Advogado, 2001. pág. 43
[12] Tribunal de Justiça do RS, AGRAVO DE INSTRUMENTO. Nº. 599075496, Oitava Câmara Cível,, Relator: Des. Breno Moreira Mussi, julgado em 17/06/99.
[13] RAWLS, John. conceitua que a idéia de equidade deve partir de um ideal coletivo e consensual de justiça, independentemente do que venha acontecer na prática da solução de conflitos.
[14] Tribunal de Justiça do RS, APELAÇÃO CIVIL. Nº. 598362655, Oitava Câmara Cível, Relator: Des José Ataídes Siqueira Trindade. Julgado em 01/03/00.
[15] Instrução Normativa 25/2000
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