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A Inelegibilidade Eleitoral na União Estável
SUMÁRIO
- Condições de elegibilidade
- Da inelegibilidade do cônjuge e dos parentes
- Inelegibilidade que se estende aos conviventes
- Da inelegibilidade pelas relações de parentesco na união estável
- Bibliografia
1. Condições de elegibilidade
Estréia na Carta Política de 1988, pelo acesso do seu décimo quarto artigo, constando, a partir do 3º parágrafo, como condição de elegibilidade de uma pessoa que queira se candidatar a um mandato eletivo, que tenha a nacionalidade brasileira, podendo ser naturalizado se a sua pretensão política não for endereçada aos cargos de Presidente ou de Vice-Presidente da República Federativa do Brasil. Para não fugir ao completo esclarecimento desta primeira condição de elegibilidade, dentre as diversas outras que se adicionam para conferir ao candidato a sua capacidade eleitoral passiva, a Constituição Federal expõe no seu artigo 12, quem são os brasileiros natos e como são identificados os brasileiros naturalizados. Como conseqüências complementares de elegibilidade a mandato eletivo o candidato precisa estar no pleno gozo de seus direitos políticos; estar alistado como eleitor no domicílio eleitoral de sua circunscrição; ter filiação partidária em alguma agremiação política e contar com determinada idade, que varia dos 18 aos 35 anos, conforme o cargo executivo almejado. Como indica Joel J. Cândido: "Para que uma pessoa possa se candidatar a um mandato eletivo, exercendo sua capacidade eleitoral passiva, não basta que ela esteja no pleno gozo de seus direitos políticos, ou usufruindo o direito de ser votado (ius honorum). É preciso que ela implemente uma série de outros requisitos, indicados pela lei, e que são uniformes para todos os candidatos. Mais do que isso é preciso que o cabal atendimento a esses requisitos se dê dentro dos prazos fixados também pela lei, ou por resoluções do Tribunal Superior Eleitoral. A esse conjunto de exigências a serem satisfeitas pelos candidatos denominamos "condições de elegibilidade".[1] Portanto, não é a Constituição Federal que esgota as condições de elegibilidade, pois leis complementares e somente estas, prescreve o artigo 14, § 9º da Carta Política de 1988, podem prever e acrescentar um elenco suplementar de causas de inelegibilidade, indiferente de sua precedente previsão na Carta Maior. Como faz ver Pedro Roberto Decomain, "a própria Constituição Federal elenca diversas condições de elegibilidade, e também algumas causas de inelegibilidade. Remete para a Lei Complementar a tarefa de definir outras causas de inelegibilidade"[2] Uma vez preenchidas as condições de elegibilidade se dá o deferimento do pedido de registro do candidato, merecendo destaque a referência feita por Joel Cândido, de que as inelegibilidades não se confundem com as condições de elegibilidade, [3] tendo em conta que determinada pessoa pode preencher as condições de elegibilidade, mas talvez não possa concorrer em determinado pleito, por lhe faltar alguma condição circunstancial de acesso ao cargo executivo. Mais uma vez com o pontual socorro da doutrina de Joel Cândido, a inelegibilidade seria uma circunstância negativa na vida do candidato, que estaria restringindo em parte os seus direitos políticos de concorrer e de ser votado em cargo eletivo. Circunstâncias taxativamente previstas em lei definem quem pode ser candidato, enquanto outras representam obstáculo para alguém concorrer a mandato eletivo, são as chamadas causas de inelegibilidade. É como em arremate colaciona Adriano Soares da Costa citando Pedro Henrique Távora Niess, de que: "A inelegibilidade consiste no obstáculo posto pela Constituição ou por lei complementar ao exercício da cidadania passiva, por certas pessoas, em razão de sua condição ou em face de certas circunstâncias".(.....) "se a elegibilidade é pressuposto do exercício regular do mandato político, a inelegibilidade é a barreira intransponível que desautoriza essa prática, com relação a um, alguns, ou todos os cargos cujos preenchimentos dependam de eleição."[4] Embora possa ser elegível por preencher todos os pressupostos constitucionais próprios de candidatar-se e ser votado, exercendo regular direito eletivo passivo, cônjuge, parente consangüíneo, ou afim até o segundo grau é circunstancialmente inelegível no território de jurisdição do titular de cargo eletivo do Poder Executivo.
2. Da inelegibilidade do cônjuge e dos parentes
As inelegibilidades têm inspiração de natureza ética e buscam afastar as influências perniciosas, capazes de comprometer a lisura e transparência do pleito eleitoral. Elas estão previstas no campo constitucional nos parágrafos 4º, 7º e 9º do artigo 14 da Constituição Federal e na Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, a chamada Lei das Inelegibilidades, sendo de considerar aético, e, portanto, inelegível para o mesmo cargo no território de jurisdição do titular o seu cônjuge, tal qual retrata o parágrafo sétimo, do artigo 14, da Constituição Federal. A Constituição Federal faz referência exclusiva ao cônjuge, aos parentes e afins advindos do casamento, sem estender a causa de inelegibilidade aos conviventes, permitindo entender deste modo, que o impedimento de ser votado se esgota apenas na figura do cônjuge, vale dizer, nas relações jurídicas do matrimônio civil, porquanto a descrição das inelegibilidades traduz situações objetivas e taxativas, identificadas na Carta Maior e em lei complementar que não se reportam à união estável. A inelegibilidade decorre da falta circunstancial de aptidão para o exercício da cidadania ativa.[5] As causas de inelegibilidade são em realidade impedimentos que obstam a eleição de certa pessoa, ainda que preencham os pressupostos de elegibilidade, gozando de seus direitos políticos, sendo alistados como eleitores, estarem filiados a partido político, e domiciliados na sua circunscrição, podendo até, já terem sido escolhidos como candidatos do seu partido, mas ainda assim, podem ter vetado o registro de sua candidatura acaso esbarrem em alguma causa temporária ou permanente de inelegibilidade. Visando defender a moralidade do pleito e impedir a consolidação do poder político em mãos de oligarquias, quis a norma constitucional evitar a eleição de parentes ou do consorte do detentor de mandato, prescrevendo serem inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição. (art. 14, § 7º da CF). Sucede que para o páreo eleitoral a Emenda Constitucional nº 16, de 04 de junho de 1997, introduziu no ordenamento jurídico eleitoral a possibilidade de os Chefes do Executivo, ou seus substitutos, serem reeleitos para um único período subseqüente, ajustando assim, a permissão de ser dada continuidade na administração do governante.[6] É evidente que feriria de morte o princípio da moralidade para o exercício do mandato, permitir que cônjuge, convivente ou parentes de administrador já reeleito, viessem disputar a sua sucessão, perpetuando infinitamente o poder literalmente "familiar" na administração pública, e em disputa ao mesmo cargo, no âmbito da jurisdição eleitoral do titular do cargo disputado. O tema vem renovado no artigo 1º, § 3º da Lei Complementar nº 64 de 1990, cujos comentários formulados por Joel J. Cândido[7], asseguram a intenção do legislador em pretender neutralizar a influência e o prestígio que os parentes mais próximos do titular de um mandato eletivo executivo, ou seu substituto, pudesse trazer junto ao eleitorado, estabelecendo uma inconcebível desvantagem em relação aos outros candidatos. Objetiva minimizar o familismo na administração pública e sua propensão à continuidade administrativa, vetando que o cônjuge e os parentes consangüíneos e afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, dos Governadores e dos Prefeitos, ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição, como expressa o § 7º, do artigo 14 da CF e também assim o faz o § 3º, do artigo 1º, da Lei Complementar nº 64/90, elejam-se no território do já detentor do cargo eletivo. A inelegibilidade tem o propósito de impedir a perpetuação no poder através do parentesco, explicando Celso Ribeiro Bastos[8] que a proximidade na vinculação do parentesco "propicia a possibilidade de o inelegível pretender utilizar os recursos de que dispõe em favor de um familiar" Contudo, deve ficar plenamente esclarecido que a inelegibilidade do cônjuge ou dos parentes do detentor do mandato executivo não existe se ele ainda estiver no exercício de seu primeiro mandato, contanto que nesta hipótese, ele renuncie ao seu cargo pelo menos seis meses antes das eleições. Parentes por consangüinidade na linha reta são aquelas pessoas que descendem de um tronco comum. Esse parentesco em linha reta ocorre na linha ascendente (pais, avós, bisavós, etc.) ou na linha descendente (filhos, netos, bisnetos, etc.). O parentesco por consangüinidade na linha colateral se estabelece quando existe entre duas pessoas um ascendente comum, mas uma não descende da outra. É o parentesco entre irmãos, tios, sobrinhos e primos. Já os parentes por afinidade de um dos cônjuges, são os parentes por consangüinidade do outro. Por fim, o grau de parentesco deve ser contado pelo número de gerações. O impedimento ocorre de igual no parentesco oriundo da adoção, fazendo ver Pedro Roberto Decomain[9] que o artigo 227, § 6º da Constituição Federal assegura os mesmos direitos aos filhos havidos ou não da relação do casamento, ou da adoção, ficando proibidas quaisquer designações discriminatórias. Tanto que o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu parágrafo 3º, do art. 47, proíbe que conste qualquer referência à adoção na certidão do registro de nascimento. Os cônjuges por seu turno são pessoas ligadas entre si pelo vínculo do casamento ordenado pela legislação civil, e sua inelegibilidade desaparece com a dissolução do casamento pela morte, pela anulação ou nulidade do matrimônio, pelo divórcio e pela separação judicial, desde que o óbito tenha ocorrido a mais de seis meses antes das eleições.
Entretanto, retomada a convivência conjugal, retorna a inelegibilidade, ainda que os cônjuges só tenham voltado a coabitar no plano fático, deixando de comunicar ao juiz da separação a sua reconciliação, ainda assim persiste a inelegibilidade, o que permite reforçar a idéia de que a inelegibilidade também deve ocorrer no âmbito da união estável, embora o Supremo Tribunal Federal tenha afastado a inelegibilidade em sede de Recurso Extraordinário, provocando a revisão das decisões que eram proferidas pelo Tribunal Superior Eleitoral que acabou inclusive, cancelando o enunciado da sua Súmula nº 7.
3. Inelegibilidade que se estende aos conviventes
Como antes dito, embora não seja orientação pacificada nos pretórios eleitorais brasileiros, deve estender-se a regra de inelegibilidade dos cônjuges aos conviventes do artigo 226, § 3º, da Carta Federal, que regula a união estável entre um homem e uma mulher, entendida como legítima entidade familiar. A este par, que mantém acasalamento e coabitação, se amplia o impedimento moral da inelegibilidade eletiva passiva, não obstante, vozes contrárias afirmem que "as restrições só devem prevalecer enquanto claramente fixadas no Texto Constitucional".[10] Contrária à inelegibilidade do convivente de uma união estável apresentou-se o aresto nº 12.848, relatado pelo então Ministro Francisco Rezek, datado de 16 de setembro de 1996, com esta ementa: "Recurso Especial. Inelegibilidade. Art. 14, § 7º. Lei nº 9.278/96. Parentesco por afinidade. Inexistência. A Lei 9.278/96 não tem o condão de criar relação de parentesco por afinidade que enseje inelegibilidade. Recurso provido." No corpo deste voto majoritário prescreveu seu relator, o Ministro Rezek, que: " configurando exceção à regra da capacidade eleitoral passiva do cidadão, as inelegibilidades previstas na Constituição Federal hão de ser interpretadas restritivamente, não se podendo aditar aos casos ali enumerados para incluir aqueles que, nos termos da lei civil, não possuem relação de afinidade com o titular do mandato" (....) "A Lei de 1996 (refere-se à Lei 9.278/96), por tudo quanto nela se escreveu, não diz algo potencialmente modificativo da jurisprudência do Supremo, e a verdade é que não poderia dizer no que concerne às inelegibilidades, porque não foi para esse fim, mas para o efeito apenas da proteção do Estado, que o constituinte autorizou o legislador ordinário a facilitar arranjos resultantes da situação concubinária". Portanto, limitando-se a restrição de inelegibilidade ao cônjuge, seus parentes e afins, dizia o TSE não guardar a legislação da união estável editada em 94 e depois complementada em 96, a adição de outra hipótese de inelegibilidade reservada aos unidos estavelmente e seus parentes, mesmo porque, a Carta Política previu somente no § 3º, do art. 226, a possibilidade e facilidade na conversão da união estável em casamento. Neste mesmo julgamento pediu vista o Ministro Eduardo Ribeiro, oferecendo voto vencido, que merece ser transcrito em pequeno trecho, que bem reflete o sentimento atual: "Considero que, antes de enfrentá-lo diretamente, se recomenda o exame de relevante questão. Constitui argumento muitas vezes repetido, seja em doutrina, seja em julgados, o de que as causas de inelegibilidade, traduzindo restrições ao exercício da cidadania, hão de interpretar-se estritamente, não ensejando sejam aplicadas as respectivas normas à situações outras, que não aquelas resultantes do que se acha expresso no texto. Adotado esse entendimento de modo rigoroso, aqui se encerraria a discussão da matéria, já que por certo não há, na Constituição, como razão de inelegibilidade, referência a vínculo resultante de parentesco que ligue candidato a concubina, ou concubino, de quem exerça mandato eletivo. Ocorre, porém, que a jurisprudência do Supremo Tribunal assim não tem interpretado aquelas disposições, como se pode verificar de dois exemplos."(.....)"Outro caso merece ser lembrado, e muito mais relevante, por se aproximar do ora em exame. Decidindo os Recursos Especiais 98.935 (RTJ 103/1321) e 98.968 (RTJ 105/443), teve como certo o Supremo Tribunal Federal que a vedação estabelecida para o cônjuge, de quem exerça a chefia do Executivo, haveria de aplicar-se à concubina." É que segundo a preciosa lição de Pedro Henrique Távora Niess,[11] embora, modernamente tenha sido insinuado de não proceder à inclusão do convivente na vedação constitucional da inelegibilidade, pois que a união estável só seria reconhecida para efeitos de proteção estatal, sendo ainda o preceito constitucional de interpretação restritiva, o fato é que em nada diverge o relacionamento entre os conviventes e os cônjuges, revelando a união estável uma ligação fática completamente comparável ao casamento, tanto que Fávila Ribeiro[12] argumenta não se afigurar lícito aceitar que a ausência de ato formal de casamento sirva de pretexto para burlar o espírito que domina o sistema da inelegibilidade consagrado pelo artigo 14, § 7º da Carta Federal. O vínculo afetivo foi a mola propulsora que consagrou a inelegibilidade do cônjuge e este mesmo vínculo de afeto subsiste sem qualquer outra diferença na convivência estável, configurando qualquer uma das eleições afetivas uma nítida e protegida entidade familiar, não havendo como supor que o risco do abuso das funções de detentor de cargo, que assim inibe moral e legalmente o seu cônjuge de concorrer as eleições, pudesse desaparecer tal temor apenas porque falta ao conjunto afetivo a precedente certidão civil de casamento. Basta lembrar que o casal judicialmente separado que retoma a vida conjugal sem prévio comunicado ao juiz que homologou a sua primitiva separação judicial, ainda assim reacende a causa de inelegibilidade, e isto que uma vez separados, sua reconciliação passou a ser vista como uma relação de união estável, dado que o casamento foi rompido pela separação judicial que segue intacta. É meridiana a incompatibilidade material entre a candidatura a cargo público na condição de cônjuge, de convivente ou de parente do titular do cargo executivo posto em disputa, mesmo porque, visando inibir o tráfico de influência e o continuísmo eleitoral, não se apresenta afastada a transferência do prestígio eleitoral ao convivente do administrador a ser sucedido, apenas porque não envolto com o seu parceiro, agora candidato, pelas lícitas núpcias do matrimônio formal. Não há como pensar de outro modo quando esta mesma influência decorre exatamente da afetividade que os uniu pelo casamento formal ou mesmo informal, mas sempre pela vinculação afetiva que permitiu unir seus corpos e seus sentimentos numa união semelhante a de marido e de mulher, conformada aos olhos de todos em uma nítida e incontestável entidade familiar, como aliás, já há bastante tempo havia decidido o TSE via da Resolução nº 18.086, de 23.4.92, sendo Relator o Ministro Américo Luz, com a seguinte ementa: "A Constituição atual estende o conceito de entidade familiar quando expressa no seu art. 226, § 3º: ‘Para efeito de proteção do Estado é reconhecida a união estável entre homem e mulher como entidade familiar, devendo a Lei facilitar sua conversão em casamento.' Diante, portanto, desse império constitucional, esta Corte considera que a união gera inelegibilidade, diante do art. 14, § 7º, da CF." Em suma, busca a regra da inelegibilidade, eliminar o tráfico de influência do aspirante a cargo executivo dentro do mesmo grupo familiar, quer se apresente como cônjuge de justas núpcias, ou como convivente da união estável, que nada mais representa do que uma alternativa de conformação constitucional de uma informal entidade familiar, quer ela advenha de seus parentes. Não há como afastar os conviventes deste espaço de restrição moral e o assunto merece novas reflexões, como com muita felicidade faz ver Pedro Roberto Decomain, afirmando que: "as causas de inelegibilidade não devem receber interpretação extensiva e nem admitem analogia, na medida em que restringem capacidade eleitoral passiva."[13] Mas mesmo assim, permitir o concurso eletivo da companheira de mandatário que exerce cargo eleitoral, apenas pelo frágil pretexto de que sua condição jurídica não seria equivalente a de cônjuge, embora apresente tempo longo de união, e até filhos desta relação, significaria desabrigar da proteção estatal a moralidade das eleições, despertando "graves suspeitas sobre a seriedade do legislador e do julgador em admitir a candidatura da companheira de um Prefeito, por exemplo, que com ele por trinta anos, dividisse a mesa e o leito, as alegrias e as tristezas da vida em comum," como arremata Pedro Henrique Távora Niess.[14] Indiferente ao impedimento da inelegibilidade, a circunstância de existir ou não certidão civil de casamento, quando importa ao conceito de entidade familiar preencher os pressupostos previstos na regra recolhida do artigo 1.728 do atual Código Civil, para a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua, duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. E se houver casamento religioso seguramente irá conferir dispensável, mas relevante reforço ao casamento informal, como já vem sendo maciçamente consagrado pela jurisprudência familista da união estável. Falta, é verdade, estabelecer maior consistência ao temário da incompatibilidade eleitoral no contexto da união estável, vista sob o prisma do Direito Eleitoral, posto que, na seara do Direito de Família, dúvidas não remanescem acerca da completa emancipação da união estável como legítimo núcleo familiar a gerar direitos e deveres. Importa para efeitos da restrição de inelegibilidade, considerar que a existência da convivência oriunda da livre relação é por si só, capaz de capitalizar prestígio para o candidato convivente, merecendo registro final a lição colacionada por Roberto Amaral e Sérgio Sérvulo da Cunha,[15] quando explicam que: "O legislador eleitoral não está preocupado com a existência formal de relação conjugal ou de parentesco, mas com o risco de distorção do processo eleitoral que podem gerar situações de fato semelhantes à do casamento (casamento de fato). Situações informais ou relativamente informais como o casamento meramente religioso, o concubinato, a união livre ou a união estável, podem gerar, pelas mesmas razões, inelegibilidade para os parceiros ou seus parentes. Nem poderia ser de outro modo, se essas relações do ponto de vista do próprio Direito de Família, passam a ser encaradas sob o aspecto da sua realidade, e não de sua formalidade. A dificuldade, aqui, está na prova da situação de fato, e na demonstração de que ela apresenta os mesmos riscos de influência nociva, justificadores do impedimento. Especificamente quanto à união estável, anote-se que passou a ser reconhecida pela Constituição como entidade familiar, para efeito de proteção do Estado, em dispositivo (art. 226, § 3º) que veio a ser desdobrado pela Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996." Muito mais agora, consagrada a união afetiva do par andrógeno pela convivência estável que foi acolhida no texto da nova codificação civil, aproximando mais ainda o instituto da união estável ao do casamento, e vertendo adiante disto, também relação de parentesco oriundo da redação do artigo 1.595 do vigente Código Civil.
4. Da inelegibilidade pelas relações de parentesco na união estável
Conforme Jarbas Ferreira Pires, citando Estevão de Almeida: "parentesco é o nexo entre pessoas unidas realmente pelo mesmo sangue ou pelo do consorte, ou apenas artificialmente por uma ficção de consangüinidade."[16] Mas também existe o parentesco por afinidade e o parentesco civil, explicando Silvio Rodrigues, que o parentesco por afinidade liga uma pessoa aos parentes de seu cônjuge ou companheiro, ao passo que o parentesco civil decorre do vínculo de adoção.[17] O parentesco por afinidade limita seu vínculo aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos, sendo que a afinidade na linha reta, que prende o genro à sogra, ou o sogro à nora, encerra Silvio Rodrigues,[18] não desaparece com a dissolução do casamento ou da união estável que o gerou. A grande novidade trazida pelo atual texto civil codificado resulta justamente da inovação que estende expressamente o vínculo de afinidade também aos parentes do companheiro, como afigura claro da redação do caput do art. 1.595 do Código Civil de 2002.[19] O Código Civil de 1916 previa apenas os laços de afinidade entre os parentes de cada cônjuge, não assim entre os unidos estavelmente, tanto que neste aspecto andou certo o aresto oriundo do Recurso Especial nº 12.848 - Alagoas, do TSE, julgado em 16 de setembro de 1996, quando ementou que: "RECURSO ESPECIAL. INELEGIBILIDADE. ART. 14, § 7º CF. LEI Nº 9278/96. PARENTESCO POR AFINIDADE. INEXISTÊNCIA. A Lei 9278/96 não tem o condão de criar relação de parentesco por afinidade que enseje inelegibilidade. Recurso provido." Sequer as chamadas leis concubinárias de 1994 (Lei nº 8.971) e de 1996 (Lei nº 9.278), estatuíram o parentesco por afinidade na união estável, só vindo a se modificar este quadro com a promulgação do Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002). Paulo Luiz Netto Lôbo[20] escreve que por decorrência da Carta Política de 1988, por seu artigo 226, ao companheiro de união estável passou a ser instituído o parentesco por afinidade na vigente codificação civil brasileira, sempre, é claro, que restar demonstrada a existência antes, da própria união estável, considerando que, ao contrário do casamento, certificado pelo Oficial do Registro Civil, a convivência estável depende de um relacionamento público entre o homem e a mulher, estabelecida com o objetivo de constituir família. Já de acordo com Regina Beatriz Tavares da Silva, a união estável passou a gerar vínculos de afinidade em sintonia com os princípios morais inspiradores desta legítima entidade familiar, impedindo no âmbito do direito familiar que sejam celebrados casamentos entre parentes afins e em linha reta na união estável, como o sogro e a nora, a sogra e o genro, o padrasto e a enteada, a madrasta e enteado, mesmo diante da extinção das relações que lhes deram origem, como já acontecia no instituto do matrimônio.[21] Lembra por seu turno Valdemar P. da Luz,[22] que a afinidade também produz efeitos jurídicos no Direito Processual, quando fica vedada a audiência de testemunha afim de qualquer uma das partes litigantes (§ 2º, inciso I, do art. 405 do CPC). E sob o ângulo do Direito Eleitoral, se os tribunais eleitorais já vinham considerando causa de inelegibilidade do convivente que ao lado do cônjuge gerava a inelegibilidade das hipóteses elencadas no § 7º, do artigo 14, da Carta Constitucional de 1988, com o advento do Código Civil de 2002, por expressa conseqüência do seu artigo 1.595, doravante também os parentes afins da união estável são de igual, sujeitados à inelegibilidade, como nesta direção foi firmada a Consulta nº 845, Classe 5ª do TSE, datada de 1º de abril de 2003, sendo relator o Ministro Luiz Carlos Madeira, com a seguinte ementa: "Consulta. Elegibilidade. Parentesco. Respondida nos seguintes termos: 1. Os casos de inelegibilidade estão previstos na Constituição Federal e na LC nº 64/90. 2. É inelegível o irmão ou irmã daquele ou daquela que mantém união estável com o prefeito ou prefeita." O Tribunal Eleitoral do Paraná, também pronunciou-se com igual dicção no RE 468, de Pitanga, sendo Relator o Juiz Valter Ressel, julgado em 14.8.2000, nos seguintes termos: "REGISTRO DE CANDIDATO. IMPUGNAÇÃO. INELEGIBILIDADE. PARENTESCO POR AFINIDADE: SOGRO E GENRO (ART. 14,§ 7º, DA CF). UNIÃO ESTÁVEL. A união estável entre homem e mulher, porque elevada à condição de entidade familiar (art. 226, § 3º da CF), gera a causa de inelegibilidade de parentesco por afinidade, prevista no art. 14, § 7º da Constituição Federal, e no art. 1º, § 3º, da Lei Complementar nº 64/90, máxime no caso presente em que essa união está consolidada em casamento celebrado perante a igreja há quase uma década e geração de vários filhos. Recurso improvido." Á vista destes elementos, parece consolidado no âmbito do Direito Eleitoral a inelegibilidade pelo motivo de parentesco, no território de jurisdição do titular, tanto do cônjuge, como do convivente que vive em união estável e bem assim de seus respectivos parentes, ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado, ou de Território, do Distrito Federal e de Prefeito, ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição, como já prescrevia Pedro Henrique Távora Niess ao dizer que: "Além do cônjuge, ou do concubino (a expressão foi substituída pela de companheiros, conforme arts. 1.724 e segs do atual Código Civil), prende-se à inelegibilidade do chefe do Executivo, ou de quem lhe tenha feito as vezes, nas condições ditadas pelo § 7º do art. 14 da Constituição, a inelegibilidade dos seus parentes consangüíneos ou afins, até o 2º grau ou por adoção." [23]
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TELES, Ney Moura. Novo Direito Eleitoral, teoria e prática, LGE Editora, Brasília, 2002.
* Advogado e Professor de Direito de Família, Primeiro Secretário Nacional e sócio fundador do IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família, Vice-Presidente do IARGS - Instituto dos Advogados do RGS e Ex-Juiz Eleitoral do TRE/RS - Tribunal Regional Eleitoral do RGS.
[1] CÂNDIDO, Joel J.. Inelegibilidades no Direito Brasileiro, Edipro: São Paulo, 1999, p.81.
[2] DECOMAIN, Pedro Roberto. Elegibilidade e inelegibilidades, Dialética: São Paulo, 2ª e., 2004, p.10.
[3] Idem, Ob e p., cit.
[4] COSTA, Adriano Soares da. Teoria da inelegibilidade e o direito processual eleitoral, Del Rey: Belo Horizonte, 1998, p.38.
[5] Expressão cunhada por JARDIM, Torquato. Direito Eleitoral positivo, Brasília Jurídica:Brasília, 1996, p.67.
[6] TELES, Ney Moura. Novo Direito Eleitoral, teoria e prática, LGE Editora, Brasília, 2002, p.59.
[7] CÂNDIDO, Joel J. ob. cit., p. 247.
8] BASTOS. Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil, Saraiva: São Paulo, v.2, 1989, p.587.
[9] DECOMAIN, Pedro Roberto. Elegibilidade.., ob. cit., p.58..
[10] BASTOS, Celso Ribeiro ob. cit., p.586.
[11] NIESS, Pedro Henrique Távora. Condutas vedadas aos agentes públicos em campanhas eleitorais e Reeleição, Edipro: São Paulo, 1998, p.101.
[12] RIBEIRO, Fávila. Direito Eleitoral, Forense: Rio de Janeiro, 4º e., 1996, p.246.
[13] DECOMAIN, Pedro Roberto. Ob. cit., p.62.
[14] NIESS, Pedro Henrique Távora. Condutas vedadas... Ob. cit., p.103
[15] AMARAL, Roberto & CUNHA, Sérgio Sérvulo da. Manual das eleições, Forense: Rio de Janeiro, 1998, p.299.
[16] PIRES, Jarbas Ferreira. Das relações de parentesco, Forense: Rio de Janeiro, 1994, 2ª e., p.5.
[17] RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, Direito de Família, Saraiva: São Paulo, 6º v., 2004, 28ª e., p.290.
[18] Idem, Ob. e p. cit.
[19] Art. 1.595. Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade. § 1º O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro. § 2º Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável.
[20] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Código Civil comentado, Atlas: São Paulo, vol. XVI, Coord. AZEVEDO, Álvaro Villaça. 2.003, p.36.
[21] SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Novo Código Civil comentado, Coord. FIUZA, Ricardo. Saraiva: São Paulo, 2002, p.1.405.
[22] LUZ, Valdemar P. da. Comentários ao Código Civil, Direito de Família, Editora OAB/SC: Florianópolis, 2004, p.121.
[23] NIESS, Pedro Henrique Távora. Direitos políticos condições de elegibilidade e inelegibilidades, Saraiva: São Paulo, 1994, p.55.
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