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A Fraude Material na União Estável e Conjugal
Sumário
1.Introdução 2. O lastro matrimonial 3. A presunção de comunidade 4. A separação e seu efeito na partilha 5. A autonomia de vontade 6. A fraude 7. A fraude societária 8. A fraude pela mudança do tipo social 9. A fraude na sucessão empresarial10. A fraude pela interposta pessoa 11. A boa-fé 12. A fraude no casamento do Código Civil 13. A fraude nos regimes de bens 14. A fraude na união estável 15. A outorga do convivente 16. A indenização pela inoponibilidade 17. Uma solução argentina 17.1. Outra solução argentina 18. A fraude pela formação de dívidas 19. A prova da fraude e da simulação 20. Bibliografia
1. Introdução
O Homem nunca quis estar só, é gregário por natureza e busca por regra a companhia de outra pessoa, para uma convivência quase sempre em regime de coabitação. Tem certo pendor pela vida familiar para sua plena satisfação como pessoal que galga etapas no vínculo afetivo para a formação de uma família, na sua adequação social.
Conforme Eduardo de Oliveira Leite,[1] de todas as instituições criadas pelo espírito humano, somente a família e o casamento resistiram inquebrantáveis à inexorável marcha dos tempos. E não que as uniões tenham iniciado pelo casamento como o conhecemos na atualidade, moldado a partir de acentuados valores religiosos, mas assentado numa fase mais primitiva, de a promiscuidade que não limitava parceiros de relações de poligenia ou de poliandria.
A nascente da monogamia gerando as figuras do marido e da mulher, prossegue Eduardo Leite,[2] se baseia no poder do homem, com a finalidade precípua da procriação de filhos que deveriam herdar a fortuna paterna, num claro contraste às uniões nascidas da mais absoluta informalidade, atraídas pelo instinto fisiológico das relações de sexo, para a partir delas advir a procriação e a noção de célula familiar.
Faz-se quase absoluto o predomínio econômico do homem produtor de riquezas sobre a mulher que não participa da produção social, devendo comprometer-se exclusivamente com os seus deveres domésticos no seio do conjunto familiar. Como anota ainda Eduardo de Oliveira Leite, "os papéis dos cônjuges determinados pela sociedade e pelo sexo e aos quais se encontravam confinados até a morte não permitiam qualquer espécie de concessão: às mulheres, a limpeza da casa, da louça, das roupas, a busca da água e a ordenha das vacas; aos homens, o trabalho fora, a troca de mercadorias, o comércio, a aquisição do dinheiro. A estrita segregação dos trabalhos e papéis reservados a cada sexo manifesta, simbolicamente, a subordinação da mulher a seu marido."[3]
A base da família passa a ser o casamento e os vínculos conjugais reproduzem a supremacia do gênero masculino que ganha terreno e espaço sobre a absoluta submissão da mulher. O direito matrimonial segue de início, fortemente vinculado ao cristianismo, para depois ceder num outro estágio ao casamento civil, mas sempre afastadas do Direito as relações afetivas dos concubinos, consideradas clandestinas, e de nenhum valor e efeito legal.
Mudam com os anos as configurações familiares e fica reduzida a família nuclear. A família contemporânea reparte as tarefas de buscar no labor extralar o suporte financeiro desta nova unidade conjugal ou de mera convivência informal que passa a valorizar a vida afetiva e não mais o seu modo formal de constituição.
2. O lastro matrimonial
Não obstante as novas e modernas tendências de liberdade da vida conjugal, e familiar, sempre foi do conhecimento dos pares afetivos a necessidade de ser estabelecida a formação de um complexo de bens ou de recursos capazes de dar sustento e segurança à unidade conjugal. Com o casamento formal ou mesmo pela informalidade da união estável, a sociedade de afeto precisa estar estruturada em recursos materiais capazes de atender os encargos da família. O cotidiano sustento da família fica ao encargo da entidade conjugal, satisfeita pelo trabalho externo do casal, pois, salvo poucas exceções, já não mais se liberam do dever paritário de prover a célula familiar.
O aporte de recursos vindos do trabalho de cada cônjuge, e destinados ao sustento do lar, construíram de outra parte, os diferentes regimes matrimoniais de maior ou de menor comunidade ou de completa separação de bens.
Houve um tempo em que o marido era o administrador de todos os bens, tanto do acervo comum da sociedade conjugal, como dos seus bens e dos bens particulares da esposa, por ele administrados e por ela recuperados com a dissolução do casamento.
A emancipação da mulher fez desaparecer esta prática e tem inspirado a opção pela eleição do regime convencional da separação de bens, onde cada consorte administra e dispõe de seus próprios bens por conta da igualdade jurídica dos esposos.
3. A presunção de comunidade
Todos os bens aportados onerosamente durante o casamento são presumidamente comuns aos cônjuges ou conviventes, salvo as exceções já textualmente previstas em lei. Uma vez extinta a sociedade, também ocorre a extinção do regime patrimonial do casamento, muito embora a separação fática do casal permita reconhecê-la como marco final da comunidade dos bens, pois, uma vez ausente na prática o casamento, afigura-se incoerente manter no campo da ficção, os efeitos da comunicação do acervo amealhado por consortes desunidos, e por vezes até já agregados a outros parceiros com os quais já formaram uma outra união. Contudo, a dissolução judicial da sociedade será o termo final da divisão dos bens existentes até a separação de fato, que pode coincidir com a separação jurídica do casal, encerrando formalmente o regime matrimonial de bens. A morte de um dos cônjuges ou conviventes e mesmo o divórcio, também são causas de dissolução legal do regime de bens.
4. A separação e seu efeito na partilha
Quando cônjuges e conviventes inauguram sua relação afetiva, vivem só momentos repletos de felicidade. O quadro muda quando a sociedade afetiva sofre fissura e entre os parceiros nasce um desejo de promover ganhos para recompensa de ressentimentos do descaso ou da rejeição. Neste estágio, estranhamente a sociedade afetiva que não tinha nenhum fim lucrativo, passa a ser capaz de criar toda a variada gama de intrincadas engenharias destinadas a processar alguma forma de desequilíbrio na partilha do seu lastro econômico. Isso usualmente acontece nos regimes de comunidade universal e nos de restrita participação, como no regime legal da comunhão parcial de bens. É que durante a vigência da relação, o caráter oneroso de aquisição dos bens guarda pouca importância quando mesclado por boa dose de paixão, perdendo seu sentido na medida em que se avizinha a separação do casal, os consortes começam a sopesar os custos e seus aportes na aquisição dos bens partilháveis, especialmente quando a sua compra não contou com a paritária repartição dos recursos.
5. A autonomia de vontade
No âmbito do Direito de Família a autonomia de vontade sofre ponderáveis restrições, pois os cônjuges não gozam da livre disposição dos bens particulares e do acervo conjugal durante a vigência do casamento, dependendo para a sua disposição do assentimento do cônjuge. Só com o assentimento do consorte o negócio translativo de direitos é eficaz e confere integral disposição sobre o bem. A razão de existência da anuência consiste em conferir validade ao ato de transferência do bem, e existe para evitar conflitos entre os cônjuges que se convertem em vítimas de fraudes perpetradas na evasão de bens comuns que desaparecem no cômputo final da partilha conjugal. Estando o marido na administração dos bens particulares dos cônjuges e também do patrimônio correspondente ao regime de bens matrimonial, não é difícil deduzir que a redução fraudulenta dos bens, com a sua ilícita transferência para terceiros, acabará afetando o valor da divisão final.
6. A fraude
No plano jurídico, a fraude é sinônimo de lesão causada pela conduta desleal. No ato conjugal, de quebra da unidade na partilha dos bens, a parte mais débil do casamento ou da união precisa ser processualmente protegida pelos mecanismos legais, que buscam eliminar os nefastos resultados de desequilíbrio econômico e financeiro na divisão dos bens. Fraudes e engenhosas simulações ferem de morte o princípio da igualdade dos bens nos regimes de comunidade matrimonial. O objeto da norma é impedir que o cônjuge administrador subtraia bens da massa comunicável, deles dispondo em transferências fictícias, ou através de aparentes alienações de regular visibilidade, muitas vezes acobertadas pela outorga de esquecidas procurações, quando não sucedidas pelo uso de interposta pessoa.
A verdade é que o uso desvirtuado de contratos civis e comerciais, e especialmente a dinâmica variação da fraude societária têm servido com sucesso para burlar a lei e para inutilizar os frágeis mecanismos de proteção da meação conjugal. Geralmente, pela via da simulação ou da fraude, um cônjuge ou convivente procura prejudicar o outro, e encontra nas figuras societárias com seus variados câmbios, sofisticados recursos orquestrados para prejudicar seu meeiro. As sociedades têm se convertido no veículo mais idôneo e mais apropriado, agindo como um terceiro alheio aos cônjuges. [4]
A fraude bem se presta a este vil propósito, valendo-se a pessoa de um ardil para extrair partido das regras jurídicas e se beneficiar de um direito ou de uma vantagem sobre a qual não deveria se aproveitar.[5] A fraude é um logro que se impõe pelo engano, pela astúcia imposta com a vontade de extrair um indevido proveito desde dissimulado ardil. No dizer De Los Mozos,[6] fraude "é todo artifício, maquinação ou astúcia tendente a impedir ou iludir um legítimo interesse de terceiros ou a obter um resultado contrário ao direito sob a aparência de legalidade."
No âmbito do casamento e da união estável, a fraude resultará eficaz sempre que causar por seu intermédio uma redução no acervo comum, e por conseqüência, uma diminuição na meação do cônjuge logrado. Ocorre através de atos de disposição de bens, como consignam os artigos 158 e seguintes do Código Civil, colocando em grau máximo de suspeição, atos como os de transmissão gratuita ou onerosa de bens ou mesmo a remissão de dívidas de pessoas insolventes, e neste quadro genérico, não há como afastar o cônjuge que em vésperas de separação se movimenta para esvaziar a massa de bens conjugais, ganhando maior evidência se esta movimentação toma corpo depois de ajuizada a separação do casal.
7. A fraude societária
Convém ter presente que a fraude entre cônjuges se realiza amiúde, valendo-se o esposo fraudador da estrutura societária já existente ou de uma empresa especialmente criada para desenvolver a fraude e assim subtrair bens do acervo comum e repassa-los para a pessoa jurídica. O tema é bastante recente na cultura jurídica brasileira e encontra uma norma padrão no artigo 50 do Código Civil. As manobras realizadas através do mau uso da personalidade societária encontram forte eco no Direito de Família, para sonegar alimentos, ou para fraude à meação, pois a incorporação de bens a uma sociedade comercial, ou mesmo o afastamento do cônjuge do quadro societário da empresa conjugal equivale à sua alienação para terceiro.
Embora a alteração de contrato societário idealizado para privar a mulher do exercício de seus direitos sobre os bens comunicáveis seja perfeita quanto ao seu fundo e à sua forma, por ter atendido às condições de existência e validade e, obedecido às regras de publicidade, ainda assim é ineficaz em respeito ao cônjuge ou convivente lesado, porque foi o meio ilícito exatamente usado em detrimento dos legítimos direitos de partição patrimonial.[7]
Tem trânsito no Direito de Família brasileiro a aplicação episódica do superamento da personalidade jurídica sempre que o sócio cônjuge ou convivente procurar através do abuso da sociedade desviar bens particulares, pertencentes à sociedade afetiva e que são deslocados para a sociedade comercial, ou em outra modelagem, quando os bens que já compõem o capital social da empresa são desviados ou reduzidos a um valor irrisório, nada representando no acerto final de composição da partilha. Detectada a manobra arquitetada para gerar uma fraude no direito à partilha do parceiro ou aos alimentos judicialmente arbitrados, a desconsideração da personalidade jurídica procura recompor o patrimônio abusiva ou fraudulentamente dilapidado.
Para Arnaldo Rizzardo,[8] no âmbito do Direito de Família não haveria propriamente a despersonalização, mas a desconsideração da personalidade jurídica que não será considerada, para permitir sejam atingidos os bens postos ao abrigo da sociedade empresarial, e na seqüência, elenca várias situações que caracterizam o desvio de bens, com a finalidade de subtrair o patrimônio na partilha, merecendo destaque dentre as diversas hipóteses, aquelas que ensaiam " a aparente retirada do cônjuge da sociedade comercial; a transferência da participação societária a outro sócio, ou mesmo a estranho, com o retorno depois da separação; a alteração do estatuto social, com a redução das quotas ou patrimônio da sociedade; a transformação de um tipo de sociedade em outro, como de sociedade por quotas para a anônima", dentre outras variantes mais.
8. A fraude pela mudança do tipo social
Na prática processual esta tem sido uma das formas mais corriqueiras de fraude à meação conjugal pela expedita via da manipulação do estatuto social, especialmente eficaz naquelas típicas sociedades de família ou de capital fechado, quando buscam os esposos empresários inviabilizar com esta estratégia a parcial dissolução da sociedade comercial, particularmente nestas sociedades fechadas, que como alerta Luiz Guilherme Loureiro,[9] "não se compadecem com as intromissões de estranhos."
Companhias fechadas contam com um pequeno número de sócios e suas ações não são ofertadas ao público no mercado de valores imobiliários, pois não captam recursos para o seu financiamento que vem da contribuição dos próprios acionistas.
Empresas familiares são comuns na economia brasileira, e quando algum de seus integrantes enfrenta processo de separação judicial, pondo em pauta a partilha do seu capital social, repentinamente estas empresas alteram o seu tipo societário. Ao compulsar demandas separatórias discutindo divisão de patrimônio é prática corriqueira deparar com cônjuges e conviventes empresários valendo-se de sociedades anônimas para acobertar e proteger patrimônio societário, que procuram afastar da partilha conjugal.
Começa que o capital das sociedades anônimas se divide em unidades denominadas ações, e nas sociedades fechadas ou de capital eminentemente familiar não costumam emitir títulos e tampouco os anotam no livro de registros de ações. Sua administração não raramente, se confunde com os próprios acionistas controladores, que são seus diretores geralmente perpetuados nos cargos. Controlando de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléia geral, quando a realizam, abusam de seu poder para dirigir as atividades da empresa em formato que nada difere daquele controle que exerciam na empresa limitada, apenas, alterado o tipo societário pelo cônjuge ou convivente em estágio de separação, para poder proteger o patrimônio familiar e atuar, com segurança, em uma sociedade anônima existente somente no mundo da ficção.
Diz Hugo E. Rossi,[10] que extremos deste jaez se dão com reiteração, cometendo lançar mão da desestimação da sociedade anônima de configuração claramente irregular, pois conta em verdade, apenas com os mesmos sócios da primitiva sociedade limitada. Arremata Hugo Rossi,: "os sócios não podem pretender ser tratados como acionistas de uma sociedade anônima se reiteradamente seguem condutas próprias de sócios de outro tipo de sociedade," demonstrando com este seu proceder que não existiu, de fato, o propósito de atuar como uma sociedade anônima.
É o que sucede com preocupante freqüência nas sociedades limitadas, de exclusivo capital familiar, nas quais o cônjuge em demanda de separação altera o tipo originário de uma sociedade limitada para o de uma sociedade anônima de meia dúzia de acionistas, todos comumente pertencentes à mesma família e apenas unidos no propósito de impedir a partilha da empresa na meação do cônjuge adverso. Com este simples expediente deixa de acessar às quotas sociais pela via da apuração de haveres apenas viável, em princípio, se a empresa preservasse a configuração de sociedade limitada.
É de cristalina evidência, o abuso, o mau uso e o desvio da função societária, apenas manejada no propósito de afastar o ingresso do cônjuge na empresa familiar, o que fica mais visível ainda quando são detectadas as irregularidades ou omissões pertinentes à real administração dos gestores de uma sociedade anônima. Na sociedade anônima simulada, os acionistas não se reúnem e nem são convocadas assembléias gerais para deliberações, pois, usualmente é o cônjuge separando, como acionista controlador, que exprime a vontade social que se confunde com a sua própria administração. Por vezes sequer são convocadas assembléias, porque a todos acionistas da família apenas comete em firmar as atas previamente elaboradas, assinando o livro de presença, nada havendo para examinar, discutir e votar, já que seguramente, apenas o diretor que controlava a sociedade limitada segue administrando e deliberando sobre os destinos da sociedade anônima que apenas trocou sua capa externa. Enfim, o administrador familiar da sociedade anônima criada para o processo de separação judicial de acionista diretor, prescinde neste caso, de uma das mais caras atribuições de um administrador de uma sociedade por ações, respeitante ao dever de lealdade para com os interesses e finalidades da empresa, e não dos seus interesses pessoais. Quando assim acontece, está denunciada a farsa montada pelos novos acionistas ao mudarem o tipo social, na contramão da real utilidade da empresa.
São atos como estes que devem ser considerados dentro da margem de movimentação processual encabeçada para a episódica aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, quando patente que a alteração do tipo societário não passou de uma vil transgressão com a finalidade de para boicotar o acesso do outro cônjuge ou convivente a sua meação patrimonial, especialmente ao assimilarmos a advertência de Lucíola Fabrete Lopes Nerilo,[11] de não ser preciso que o cônjuge figure como sócio da empresa para ser engendrada a fraude com a utilização da personalidade jurídica.
Não foi outro o caminho enveredado pela maioria da Quarta Turma do STJ no REsp 11294/PR, julgado em 19 de setembro de 2000, com a relatoria do Ministro Barros Monteiro, lavrando o voto vencedor o Ministro César Asfor Rocha, ao admitir a dissolução parcial em sociedade anônima familiar, ao perceber o engessamento dado aos sócios minoritários, no que, ao seu modo, em nada difere do cônjuge ou convivente de acionista que figura como meeiro, e, portanto, como sub-sócio.
A ementa se faz suficientemente elucidativa ao estabelecer que:
"Direito Comercial. Sociedade Anônima. Grupo Familiar. Inexistência de lucros e de distribuição de dividendos há vários anos. Dissolução Parcial. Sócios Minoritários. Possibilidade. Pelas peculiaridades da espécie, em que o elemento preponderante, quando do recrutamento dos sócios, para a constituição da sociedade anônima envolvendo pequeno grupo familiar, foi a afeição pessoal que reinava entre eles, a quebra da affectio societatis conjugada à inexistência de lucros e de distribuição de dividendos, por longos anos, pode se constituir em elemento ensejador da dissolução parcial da sociedade, pois seria injusto manter o acionista prisioneiro da sociedade, com seu investimento improdutivo, na expressão de Rubens Requião. O princípio da preservação da sociedade e de sua utilidade social afasta a dissolução integral da sociedade anônima, conduzindo à dissolução parcial. Recurso parcialmente conhecido, mas improvido."
9. A fraude na sucessão empresarial
Outra prática de fraude societária acontece na sucessão empresarial, com danosos efeitos tanto para a meação do cônjuge ou convivente, quando não for projetada para ferir direitos provenientes da legítima sucessória. A desconsideração da personalidade jurídica não é desconhecida para o direito sucessório, especialmente quando o art. 1.846 do Código Civil dispõe pertencer aos herdeiros necessários a metade dos bens da herança, constituindo-se na intangível legítima que obedece à ordem de vocação hereditária do art. 1.829 da vigente codificação civil.
Gilberto Gomes Bruschi[12] trata do tema e aduz ter o herdeiro necessário direito de garantir a intangibilidade da legítima, podendo recuperar o seu quinhão na herança, ainda que doações ocultas sejam dissimuladas em contratos de constituição e de alteração de sociedade e enfatiza com o clássico exemplo das sociedades constituídas entre pais e filhos, realizadas para beneficiar alguns em detrimento de outros herdeiros.
Sebastião Amorim e Euclides de Oliveira também não se escusam de enfrentar tão instigante tema que possibilita a fraude à legítima "por meio da transmissão disfarçada de bens a certos herdeiros na forma societária. Constitui ato abusivo a constituição de sociedade com atribuição de cotas ou ações em favor de herdeiros sem o efetivo ingresso de capital por parte deles (...) sendo cabível, em tais circunstâncias, desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade, para que se reintegre o herdeiro prejudicado na plenitude dos seus direitos legitimários na herança."[13]
Este é o recurso capaz de alterar o regime legal e de ordem pública, aplicável à legítima dos herdeiros necessários,[14] não podendo ser esquecido que na atualidade herdeiro necessário também é o cônjuge que pode ser prejudicado com o abuso societário tanto em sua legítima como em sua meação.
Nada impede, por exemplo, na separação de fato, que o ex-marido promova transferência de quotas sociais para a sua atual companheira, simulando aumentos de capitais registrados em alterações contratuais da sociedade, até o completo esvaziamento de sua participação social na empresa, diluindo com esta singela estratégia os quinhões hereditários dos filhos do primeiro casamento e a herança da ex-mulher que sucederia no patrimônio particular do esposo, nas hipóteses do inciso I, do art. 1.829 do Código Civil.
De igual, não pode ser descartado o caminho inverso, quando o companheiro procura esvaziar a meação de sua parceira, agregando quotas aos filhos da relação anterior, tirando assim, direitos pertinentes à meação da companheira com quem iniciou o empreendimento empresarial, mesmo que ela não figurasse no contrato como sócia.
10. A fraude pela interposta pessoa
Mas, nem todas as separações contam com o sofisticado uso da máscara societária como bem elaborado instrumento de fraude à meação conjugal. O uso abusivo da sociedade é comparada ao auxílio fraudatório de uma interposta pessoa, representada neste caso pelo ente jurídico, mas que no Direito de Família também encontra larga prática pela interposição de pessoas físicas de terceiros usualmente arrecadados entre os amigos mais próximos do cônjuge, seus parentes, ou subalternos que bem se prestam para servir como testas-de-ferro, prontos para prestarem solidariedade à fraude e darem ares de legalidade aos atos de disposição, resultantes na diminuição da meação conjugal.
Induvidoso considerar que a incorporação de bens em uma empresa equivale à sua alienação em nome de um terceiro, como uma versão mais popular da desconsideração da personalidade jurídica, posta à serviço o cônjuge ou convivente sequioso por frustrar os direitos de seu parceiro, mas não podendo contar com o véu societário utiliza-se de terceiro que lhe empresta o nome para contracenar a falcatrua.
11. A boa-fé
A fraude através da interposição de um terceiro para merecer a desconsideração judicial da transferência do bem, prescinde da demonstração de inteiro conhecimento do prestanome que contracena na peça montada para lesar direito alheio. Assim, deve ser visto, porque um dos aspectos mais importantes do Direito reside na proteção do terceiro adquirente de boa-fé. O fundamento de proteção ao terceiro adquirente de boa-fé que despendeu reais recursos para a compra de um bem é protegido pelo Direito, buscando evitar que sofra dano decorrente da anulação do seu título de aquisição e em cuja validade confiou.
Como para muitos daqueles que querem com a fraude alterar direito de seu parceiro, fica muito distante e inviável, o sofisticado uso da personalidade jurídica, se lhes apresenta mais acessível contar com um complascente amigo, ou parente ou mesmo uma pessoa qualquer que nada tenha a perder, e que, em troca de alguns trocados, ou por mero favor, se dispõe a contracenar em um negócio fictício engendrado para violar a meação do inocente consorte ou convivente.
Simulações nesta área são freqüentes no âmbito do Direito de Família, com o desejo de prejudicar ao parceiro, quer para privá-lo dos alimentos a que tem direito, seja privando-o de sua meação na separação judicial. Por vezes, até se misturam estes favores de terceiros próximos com a interposição de um parente que, por exemplo, assume a direção da empresa que outrora pertencia ao esposo, permitindo com esta singela operação defender em juízo uma aparente insolvência que o impede de pagar alimentos por haver deixado de ser um próspero empresário, como de igual retira da partilha as quotas societárias.
Pode acontecer de um pai comprar com o dinheiro do filho, mas em seu nome a moradia destinada ao próprio descendente, assim que, a pessoa interposta é o elo utilizado para ocultar a personalidade do verdadeiro titular contratante, retirando o imóvel da partilha ou do rol de garantias de débito alimentar.
Mesmo para situações surgidas depois da separação judicial estes homens de palha seguem prestando valioso auxílio na fraude aos direitos dos ex-cônjuges ou ex-conviventes, ou dos filhos destas uniões desfeitas, especialmente no campo dos alimentos que nunca podem ser cobrados por execução sob constrição patrimonial, porque os bens do devedor são comprados em nome de interpostas pessoas. Embora, a olhos vistos, se trate de mero coadjuvante, sem recursos e, portanto, sem origem capaz de justificar o acréscimo patrimonial que, casualmente serve aos interesses do devedor de alimentos, como no caso de uma propriedade imobiliária posta então em locação ou simulado comodato, ou mesmo de um automóvel de uso exclusivo do relapso devedor, registrado em nome do testa-de-ferro.
Seguido surgem situações de ex-cônjuges que experimentam um novo relacionamento, nada comprando em seu nome próprio, embora desfrutem de todo o conforto e comodidade dos bens adquiridos em nome da nova companheira, que está como titular do luxuoso automóvel, dirigido pelo franciscano parceiro, em contraste com o veículo mais modesto e de corrente uso da rica companheira, que figura como proprietária de todos os bens visíveis. Qualquer ameaça ao seu patrimônio por conta dos sagrados créditos de direito familiar e logo se rebelam os terceiros que, com tanta facilidade emprestam seus nomes, para mais uma vez agirem em aparente e simulada legalidade, agora opondo embargos para consolidar sua abjeta maquinação, em total afronta aos mais caros direitos.
Frisante exemplo de fraude sucede com o crédito alimentar, ou em outra hipótese que em nome de interposta pessoa o devedor de alimentos movimenta sua conta corrente e suas aplicações financeiras, assim postas a salvo da execução judicial, sempre, servindo-se da caridosa e providencial ajuda de um presta-nome que lhe outorga mandato, com amplos poderes, para a livre utilização destes recursos, podendo assinar cheques, promover resgates e transferências em transações acobertadas pelo nome de uma terceira pessoa. Até do cartão de crédito pode dispor como dependente do amigo titular, atuando à luz do dia, com total mobilidade, seguro de que não poderá ser alcançado pelos curtos braços da lei incapazes de superar pelo formalismo legal estes engenhosos atos de simulação.
Caso freqüente de fraude também surge da compra da moradia conjugal por contrato particular, em nome de interposta pessoa, ausente a escritura e o registro imobiliário que pode ser física ou jurídica, encarregada de reivindicar, em juízo, a posse do imóvel e de lá desalojar a mulher e os filhos que permaneceram na habitação.
Conforme lição de Jorge Mosset Iturraspe,[15] na interposição fictícia o sujeito que apenas emprestou seu nome não adquire realmente direitos e nem obrigações, porque somente atua para encobrir ao verdadeiro contratante, sendo papel do Judiciário desvendar a simulação para eliminar a pessoa interposta e reconhecer o devedor ou meeiro conjugal como o verdadeiro e ostensivo interveniente, destinatário do contrato desconstituído.
Quando terceiros concorrerem como veículo de perpetração da fraude ao direito familiar, buscando retirar os bens que formam a meação, ou a garantia alimentar, uma vez demonstrada a simulação, não é necessário que a parte prejudicada ainda precise promover demorada ação para desfazer a fraude, interpelando a pessoa interposta. Como ocorre na desestimação da personalidade jurídica, deve o decisor declarar episodicamente e no ventre da separação judicial, da ação de partilha, ou até da execução alimentar, a mantença deste bem na meação, ou sua correlata compensação.
A sentença judicial proferida na separação ou nos embargos à execução de alimentos opostos pelo terceiro figurante deflagrando a mera aparência do contrato, irá servir como título hábil para repatriar o domínio ao cônjuge ou convivente privado do bem pelo negócio fictício. Desvendada a fraude, voltam as coisas ao real estado jurídico que estava oculto pela falsa aparência contratada com o conivente auxílio de interposta pessoa, operando-se o restabelecimento da verdade, seja na execução alimentar ou na ação que discute a partilha, sem necessidade de nova escrituração, pois a sentença judicial discorreu o véu que escondia a realidade do contrato clandestino feito apenas para enganar o cônjuge, convivente ou alimentário.
Serve para o terceiro, pessoa física, o que já foi dito para a pessoa jurídica, pois o contrato idealizado para privar o cônjuge ou convivente do exercício de seus direitos sobre os bens comunicáveis, ainda que pareça tecnicamente perfeito quanto ao seu fundo e à sua forma, por ter atendido às suas condições de existência e de validade, e obedecido às regras de publicidade, é ineficaz em respeito ao parceiro lesado, porque foi exatamente o meio ilícito usado para ferir os legítimos direitos de partição patrimonial. Diante deste quadro de indisfarçável ilicitude, cabe ao decisor, simplesmente desconsiderar na fundamentação de sua sentença judicial o ato lesivo cometido através deste terceiro que emprestou o seu nome por favor, ou por contraprestação pecuniária, em decisão promovida no próprio processo de separação judicial ou de dissolução de união estável, isso quando não estiver julgando os embargos opostos pelo prestanome à execução alimentar.
12. A fraude no casamento do Código Civil
Os bens comunicáveis de um dos esposos podem sair legitimamente de seu patrimônio mediante a sua regular disposição, muito embora tenham saído em muitos casos, em virtude de negócio simulado, ou de um negócio verdadeiro realizado com a intenção de prejudicar o consorte. Segundo Carlos Vidal Taquini[16] fraude no regime matrimonial é toda a manobra de um cônjuge tendente a falsear o resultado da partilha e fraude grassa com certa facilidade no campo do casamento, muito embora tenha melhor trânsito no livre território da união estável, com a venda de bens a terceiros, escondendo de seu parceiro a realização da transação com os bens comunicáveis, omitindo o seu estado civil ou a sua relação de união estável.
Começa que nem sempre irá constar dos registros imobiliários o estado conjugal do titular de bem imóvel, como acontece no regime de comunhão universal quando não foi averbado no Ofício de Imobiliário, o posterior casamento Já no regime da comunhão limitada, a fraude surge quando proposta a separação judicial, ficando para outro momento a partilha dos bens. Contudo consignam no Registro de Imóveis a separação judicial e omitem a ausência da partilha, permitindo acreditar aos mais incautos, que tão-só a separação judicial habilita a alienação unilateral de imóveis.
Inácio de Carvalho Neto[17] aventa a hipótese da venda de imóvel após a separação judicial, sem que tenha sido informada a reconciliação oficial dos cônjuges, sendo procedida a venda dos bens que voltaram a se comunicar.
13. A fraude nos regimes de bens.
No novo regime da participação final dos aqüestos, que outorga a livre administração dos bens (arts.1.647, 1.656, 1.673, § único), tornou-se relativamente fácil a alienação de bens conjugais entre pessoas casadas.
No casamento da separação absoluta de bens, obrigatória ou convencional, prescreve o artigo 1.647 possam os cônjuges alienar os bens imóveis sem a autorização do outro. Deve ser lembrado que no regime obrigatório da separação de bens tem sido aplicada a Súmula 377 do STF, ordenando a partilha dos bens adquiridos onerosamente, na constância do casamento, transmutando o regime legal da separação de bens em regime de comunhão parcial.
Como anota Priscila Correa da Fonseca:[18] " Quando o regime da separação resulta de imposição legal, a jurisprudência já se pacificou acerca da questão, cristalizando-se o entendimento pretoriano na Súmula nº 377 do Supremo Tribunal Federal. Presumem nossos tribunais que, entre os cônjuges casados sob o regime da separação obrigatória, verificou-se uma sociedade de fato, representando os bens, o produto do esforço comum."
Em realidade, tende mesmo sob a égide da nova codificação civil prevalecer a adoção da Súmula 377 do STF, como faz ver Silvio de Salvo Venosa ao argumentar que: " Nova discussão sobre a matéria será aberta, doravante, com o novo Código. Acreditamos, embora seja um mero vaticínio, que mesmo perante o novo Código, será mantida a orientação sumulada, mormente porque, como vimos, o texto final do novo diploma suprimiu a disposição peremptória." [19]
Muito mais quando o Relatório Geral da Comissão Especial do Código Civil, presidida pelo Deputado Ricardo Fiuza, foi mantida a redação do atual artigo 1.641 do CC, permitindo a comunicação dos aqüestos no regime de separação de bens, com a seguinte justificativa: "Em se tratando de regime de separação de bens, os aqüestos provenientes do esforço comum devem se comunicar, em exegese que se afeiçoa à evolução do pensamento jurídico e repudia o enriquecimento sem causa, estando sumulada pelo Supremo Tribunal Federal (Súmula 377)."
Desta forma, convertendo-se o regime da separação legal de bens em regime de comunidade dos aqüestos, fica aberta a brecha legal do art. 1.647 do Código Civil, quando permite o inciso I, que no regime da separação absoluta de bens possam ser alienados os bens imóveis, olvidando-se que o regime obrigatório da separação de bens eqüivale pela da Súmula 377 do STF ao regime limitado de comunhão dos aqüestos.
Logo, até que o Judiciário declare os bens comunicáveis na separação legal de bens, pela Súmula n° 377 do STF, todos os bens já podem ter sido alienados por permissão do art. 1.647. Também existe a facilidade do art. 978 do CC, quando permite que em qualquer regime de bens, sem a necessidade de outorga conjugal, o cônjuge possa vender os imóveis do patrimônio da empresa.
14. A fraude na união estável
Igual temor de fraude pode ser detectado nas relações informais, na comunhão de aqüestos que se instala entre os participantes de uma união estável. Isso porque, na convivência o casal não altera o seu estado civil, que segue sendo o anterior ao relacionamento e, se o homem é solteiro e possui bem imóvel comunicável, porque adquirido na constância da convivência e registrado apenas em seu nome pessoal, nada impede que possa alienar para terceiro de boa-fé. Em tese, a escritura de venda deveria ser outorgada pelo casal convivente, diz Zeno Veloso,[20] mas nada disto prescreve a lei. O prejuízo acabará sendo arcado pelo meeiro que imprevidente, confiando cegamente no seu comunheiro, deixou que o bem lhe escapasse da necessária divisão, sendo improvável logre retomá-lo do terceiro de boa-fé, ou o seu valor equivalente em dinheiro.
Álvaro Villaça Azevedo diz haver alertado o legislador quando propôs o acréscimo de um parágrafo único ao art. 1.725 do Código Civil, obrigando aos companheiros que contratassem com terceiros, mencionarem a existência de sua união estável e a titularidade do bem posto em negociação, para deste modo ressalvar a sua boa-fé.[21]
Embora a providência resguarde o terceiro adquirente de boa-fé, sendo medida eficiente na relação dos companheiros com terceiros e destes para com os seus credores, em nada favorece ao convivente ludibriado, que seguiria deparando com o seu parceiro insolvente e sem meios de ser ressarcido diante da integral proteção do terceiro de boa-fé, e da convalidação do negócio jurídico encetado. Falta ao texto codificado, fórmula capaz de amenizar as perdas materiais causadas à meação do convivente pela dolosa fraude cometida por seu parceiro ao vender bem comum, omitindo na escritura, a existência da união estável e do condomínio sobre o imóvel vendido. Mesmo que o texto legal mandasse declinar em contrato de venda a indicação da situação de estável convivência, sob pena de perdas e danos e de tipificação de ilícito penal, a ensejar processo criminal, não subsiste qualquer mecanismo preventivo de redução dos riscos, como ocorre no casamento, com a exigência da outorga do cônjuge para a venda de bem imóvel.
Foi o que apontou de imediato Álvaro Villaça de Azevedo ao prescrever que: " o maior perigo está na alienação unilateral de um bem, por um dos companheiros, ilaqueando a boa-fé do terceiro, em prejuízo da cota ideal do outro companheiro, omitindo falsamente declarando seu estado concubinário. Nesse caso, o companheiro faltoso poderá estar, conforme a situação, se o bem for do casal alienando, a non domino, a parte pertencente ao outro, inocente." [22]
Portanto, para os conviventes a legislação nova não trouxe garantias ligadas á exigência de outorga do convivente, muito embora a tentativa legislativa de reduzir os riscos de venda de bem da união estável, já existisse desde o Projeto de Lei nº 2.686/96, o chamado Estatuto da União Estável, que buscava regulamentar a união estável em um texto consolidado.[23]
15. A outorga do convivente
Francisco Cahali já cuidou do tema pertinente à dispensa de autorização da outorga do convivente para a venda de imóvel.[24] Ao contrário da união estável onde a legislação é totalmente omissa, na instituição matrimonial, o art. 1.647 do Código Civil, condiciona a autorização do outro cônjuge para alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis; para prestar fiança ou aval e para fazer doação de bens comuns, ou que venham a integrar futura meação. As duas únicas e perigosas exceções respeitam ao casamento realizado no regime legal da separação total de bens, como já visto quando o legislador esqueceu da aplicação da Súmula 377 do STF, e no regime da comunhão final dos aqüestos, que é muito propícia para levar o cônjuge à deliberada insolvência.
Assim, resta incontroverso que no âmbito da união estável, em contrapartida ao casamento, há irrestrita liberdade dos conviventes na disposição de seus bens particulares e comuns, bastando que não se tratem de imóveis adquiridos em condomínio, pois este é averbado no Registro de Imóveis. Não havendo condomínio, "inexiste qualquer restrição ao proprietário para a alienação ou imposição de ônus real imobiliário, dispensada a anuência e concordância do seu companheiro, independentemente de tratar-se de bem exclusivo do titular, ou com participação do outro em decorrência da presunção legal ou contratual."[25]
Realmente, é estranho que não tenha o novo legislador se movimentado na busca de alguma fórmula de proteção do patrimônio da família constituída pela informalidade da união estável. Talvez preocupado em não engessar a circulação dos bens daquele que vive na clandestinidade dos registros públicos, já que a confirmação pública de suas uniões depende da declaração judicial de sua existência. É que no casamento há precedente registro oficial da relação e na união estável não, nada impedindo a fraudulenta venda dos bens comuns. Curiosa desigualdade, pois a outorga no casamento é condição de validade do negócio jurídico, diz Luís Paulo Cotrim Guimarães,[26] e na união estável não existe igual cautela, deslocando-se a discussão para a área da indenização por perdas e danos, capaz de gerar com a sua procedência o ressarcimento em dinheiro, ou a compensação com outro bem, só sendo cogitada da anulação da venda se restar demonstrada a má-fé do terceiro comprador, que com malícia, atuou como testa-de-ferro do convivente vendedor.
No casamento o negócio sequer se consolida sem o consentimento do cônjuge, enquanto na união estável a mera omissão de convivência do vendedor, sendo o fato desconhecido do comprador, convalida a venda em detrimento do parceiro ludibriado pela ligeireza de seu convivente em se desfazer do imóvel. Calha ter presente a lição pontual de Luís Cotrim Guimarães, quando observa ser a outorga conjugal uma formal solenidade, essencial à validade do negócio jurídico, sem ser essencial à validade da alienação imobiliária feita por convivente.[27]
A ausência de outorga no casamento, não suprida pelo juiz, quando imotivada a recusa do outro cônjuge, torna anulável o ato, cuja demanda de anulação prescreve, se não intentada em até dois anos depois de terminada a sociedade conjugal.
A união estável confere aos conviventes apenas um direito pessoal ao patrimônio amealhado na constância da união estável, enquanto no casamento este direito é real. Toda a dificuldade de controle de dilapidação dos bens comuns na união estável reside no fato de não existir registro público do condomínio dos conviventes, desaparecendo deste modo, qualquer espécie de restrição para a livre venda pelo outro parceiro. Tarefa do legislador está em criar um mecanismo semelhante ao do casamento, capaz de inibir a dolosa fraude da venda de bens da massa patrimonial da união estável, já tendo sugerido Álvaro Villaça de Azevedo que constasse do contrato de venda a obrigatória afirmação de inexistência de relação estável ou que o imóvel vendido é bem apresto, e, portanto, incomunicável. Qualquer destas soluções apenas reforçaria a intenção dolosa do vendedor, viabilizando somente a anulação da venda, uma vez constando do contrato a indicação da união estável e a incidência de condomínio sobre o imóvel vendido. Seria tarefa do convivente prejudicado provar que o terceiro era pessoa meramente interposta, agindo em conluio com o vendedor, a quem não cometia desconhecer a união estável, pois caso em contrário, a venda será havida como juridicamente correta, pois não há exigência de prévio consentimento de venda do parceiro na união estável.
Questiona-se acerca da validade dos contratos de convivência servirem como instrumento de averbação no ofício imobiliário, advindo entendimento de que a união estável confere a seus participantes um direito pessoal ao patrimônio adquirido durante a convivência, não existindo registro público do condomínio, salvo que averbem o contrato de convivência, pois do contrário inexistirá qualquer restrição para que um deles promova a alienação de bem imóvel.
Por conta disto, arremata Luís Paulo Cotrim Guimarães,[28] que por falta de previsão legal não é possível pretender invalidar negócio jurídico de venda de imóvel por convivente que se ressente de colher o assentimento de seu parceiro estável.
Contudo nos dias atuais, e bem diferente do que representava no passado, são geralmente as ações e as quotas sociais de empresas conjugais ou da união estável os bens mais valiosos da sociedade afetiva de cônjuges e conviventes, merecendo ser ampliado o pleito de exigência da outorga conjugal e do convivente, para, deste modo, inibir a fácil redução maliciosa da meação do parceiro. Certamente o perigo maior ocorre justamente na livre disposição de valores financeiros e de participações societárias, quando sabidamente a riqueza mais circula pelos bens ainda livres e dispensados da outorga, especialmente as empresas que podem comprar em seu nome os imóveis que servem aos interesses particulares dos cônjuges e conviventes e, pior ainda, como já denunciado, podem os empresários vender livremente os imóveis da empresa, sem necessidade alguma do consentimento de seu cônjuge ou parceiro, como visto pelo art. 978 do CC.
16. A indenização pela inoponibilidade
Como no casamento, também na união estável deveria ser exigido o assentimento do convivente para a alienação de bem imóvel. A doutrina identifica na união estável e com inteira razão, um verdadeiro conflito entre o direito do terceiro adquirente de boa-fé e o do companheiro co-proprietário que não figura no título de propriedade, Marilene Silveira Guimarães[29] defende a anulabilidade dos atos praticados sem a outorga na união estável, forte no art. 178 do CC e em equiparação ao matrimônio.
Por vezes, nem sempre a anulação surge como a melhor solução para resolver a alienação que se ressentiu do assentimento do cônjuge ou do convivente. Enquanto o ato de disposição efetuado pelo cônjuge administrador é válido e eficaz entre as partes contratantes, é ineficaz para o cônjuge que deixou de prestar o seu consentimento. Se for considerado anulável, valerá enquanto sentença não desfizer o ato, parecendo mais prático apenas considerar inoponível a alienação em relação ao meeiro, colocando o terceiro à salvo da ameaça de anulação da venda, mas permitindo que a porção do cônjuge prejudicado fique resguardada pela compensação com outros bens, sem ser necessário reintegrar à massa o imóvel alienado. A inoponibilidade só existe em relação ao cônjuge ou convivente que deveria prestar o seu assentimento com a vantagem adicional de ser deduzida no juízo da partilha, sem precisar promover morosa ação de anulação que nem sempre resultará favorável quando presente a boa-fé do terceiro adquirente. Em realidade, o bem vendido retorna ficticiamente à massa partilhável, como se a disposição não tivesse acontecido e, entre o cônjuge vendedor e o terceiro comprador o ato de alienação produz todos os seus efeitos, como se não existisse a inoponobilidade, apenas desestimando o negócio fraudulento sem perder tempo com a sua anulação. O negócio é válido mas inoponível ao consorte olvidado na transação, facultando ao cônjuge prejudicado, a possibilidade de acusar a fraude e de ser compensado com valores equivalentes ou com outros bens, sem precisar acionar pela anulação do negócio. O arbítrio protetor desta fórmula é impedir o prejuízo com a compensação declarada no corpo da ação de partilha, sempre que houver bens para ressarcirem o prejuízo.
17. Uma solução argentina
O artigo 1.294 do Código Civil argentino permite que um dos cônjuges peça a judicial separação dos bens quando a má administração do outro acarreta perigo de perder sua meação sobre os bens comunicáveis, ou quando ocorrer o abandono fático da convivência. É cautela conferida ao cônjuge que não quer correr qualquer risco de assistir incrédulo e inerme a eventual dilapidação de sua meação. Por má administração entenda-se a gestão ineficiente dos bens, causada por falta de aptidão ou pela negligência do administrador, com atitudes dispendiosas, isto quando não estiver simplesmente determinado a prejudicar seu cônjuge, emprenhado em uma administração voltada apenas para arruinar ou destituir a esposa de sua meação, enriquecendo o marido de modo ilícito e desleal. A causa está destinada a proteger o futuro direito do cônjuge poder partilhar integralmente os seus bens comunicáveis com a posterior separação judicial. Maria Josefa Méndez Costa,[30] diz que este recurso legal está amparado no interesse comunitário, de que cada cônjuge realize uma administração isenta de negócios prejudiciais para a economia familiar.
A medida judicial de prévia separação dos bens comuns focaliza a potencialidade do dano, que pode ser causado pelo cônjuge administrador, mesmo que não existam indicações ainda da má administração, pois, o que importa ao fim e ao cabo, diante da evidente e irreversível separação do casal, é apenas tentar evitar o dano.
O art. 1.297 do Código Civil argentino, reputa ser simulado e fraudulento qualquer arrendamento realizado pelo marido depois do ingresso pela mulher da ação de separação judicial de bens, sem contar com o seu consentimento, ou com a supressão judicial. E na seqüência, o art. 1.298 inquina de fraudento qualquer contrato do marido, anterior à demanda de separação de bens, buscando restringir atos fraudulentos em prejuízo do outro cônjuge ou convivente que levem a redução da sua meação e à diminuição das rendas devidas à esposa. Desse modo, existindo outros bens que compensem a desleal redução, não é preciso levar às últimas conseqüências da revocatória do negócio realizado em fraude à meação, bastando a sua compensação com os bens remanescentes, até o montante do prejuízo causado.
17.1. Outra solução argentina
Por sua vez, o segundo artigo da Lei nº 13.944 de 1950, trata, na Argentina, do "incumprimento dos deveres de assistência familiar" e reprime com pena de um a seis anos de prisão, quem elidir obrigação alimentícia, destruindo maliciosamente, inutilizando, danificando, ocultando, ou fazendo desaparecer bens de seu patrimônio, ou ainda, quem fraudulentamente diminui o valor de seus bens e assim frustra, em todo ou em parte, o cumprimento do dever alimentar. Teve este dispositivo, a pretensão de tipificar o delito de insolvência alimentar fraudulenta, sob o fundamento de brindar uma proteção mais ampla à família. A materialidade do delito consiste em frustrar o cumprimento das obrigações alimentares por aquelas pessoas que se colocam em situação de insolvência e frustram, no todo ou em parte, os créditos alimentícios.
Conforme preciosa lição de José Alberto Romero,[31] a comprovação das condutas que levam o devedor de alimentos à insolvência é admitida através de indícios e de presunções que adquirem no contexto um valor de convencimento muito grande quando observados por fatos como: a falta de capacidade econômica de quem figura como adquirente; a ausência de demonstração sobre a origem do dinheiro; a ausência de interesse na realização do ato, como a de um empregado do comércio que compra instrumento de um consultório médico; a existência de uma estreita vinculação entre as partes (parentes próximos, amigos íntimos ou relação de convivência ou concubinato); a ausência dos efeitos próprios do ato celebrado, como o fato de os bens não terem saído da posse de vendedor e este segue atuando como se dono fosse; o caráter gratuito da negociação; a circunstância do tempo em que se realizou a operação (como por exemplo, ante a iminência de uma medida cautelar ou do processo de separação judicial).
A importância do precedente argentino, remonta exatamente na viabilidade de a fraude ser apurada através dos indícios e das presunções.
18. A fraude pela formação de dívidas
Todas as dívidas contraídas depois da separação de fato são apenas de quem as contraiu, que por elas responde com os seus próprios bens. Apenas as dívidas comuns são exigíveis aos cônjuges contratantes do respectivo débito, desde que demonstrado terem sido contraídas em benefício da família. Entenda-se por gastos familiares todos aqueles custos que ingressam na esfera de responsabilidade dos cônjuges para dar suporte econômico à célula familiar, como alimentação, educação e os custos ordinários na manutenção da habitação conjugal. Embora tenham sido contraídas apenas por um dos cônjuges, em nome próprio, são consideradas dívidas comuns porque destinadas a atender ao regime conjugal.
Em tempos precedentes à Carta Federal de 1988, que estabeleceu a igualdade conjugal, era dever precípuo do marido a função de prover a manutenção da família, como atributo inerente à chefia da sociedade conjugal. Naquela superada modelagem social, aos olhos da sociedade o marido como chefe da sociedade conjugal, era visto como a pessoa a quem competia o dever de prover a família, detendo o poder de vincular os cônjuges por dívidas contraídas no interesse da célula familiar.
Conforme José Lamartine Corrêa de Oliveira e Francisco José Ferreira Muniz,[32] o marido comanda a vida econômica da família, tocando-lhe a direção do orçamento da família, administrando os bens comuns e particulares, carregando uma autorização presumida para onerar o patrimônio do casamento quando se tratar de despesas para a aquisição de coisas destinadas à gestão do lar.
Foi a Lei nº 4.121, de 27 de agosto de 1962 que limitou a versão codificada de 1916, que dava ao marido carta branca para administrar os bens conjugais e passou a reconhecer como comunicáveis somente as dívidas contraídas em benefício da família e destinadas às necessidades da economia doméstica.
Conforme Silvio Rodrigues, a Lei nº 4.121 de 1962 alterou o panorama da comunicação das dívidas conjugais, não comprometendo a meação da mulher, a constituição de dívidas do marido para com terceiros, por títulos que não contivessem a assinatura de sua esposa, apenas respondendo a meação do marido pelo resgate de tais débitos. E acrescenta que "não raro acontecia de o cônjuge varão, devido a maus negócios, reiterados e sucessivos, ia aumentando seu débito sem conhecimento da esposa. Num dado momento era esta surpreendida com uma série de execuções contra o patrimônio comum e via, de uma hora para outra, todos os bens do casal serem, pelos credores, penhorados e praceados. A família era conduzida de uma situação de relativo fastígio para a total miséria, em decorrência do comportamento desastrado do marido com a total ignorância da esposa." [33]
Mas isso quando as dívidas realmente haviam sido contraídas pelo marido e, sem nenhuma habilidade na administração, que numa sucessão de equívocos na prática dos negócios, acabou comprometendo o ativo conjugal. Também não raro, acontecia de o marido forjar dívidas com diversas pessoas por ele interpostas, na falsa formação de débitos, geralmente encenados pela criação de contratos ou confissões de dívidas ou pela emissão de cheques e de notas promissórias sem qualquer real correspondência de débito, tão-só geradas para permitir a cobrança e se necessário, o praceamento judicial, reduzindo ficticiamente o ativo conjugal, que depois da separação judicial retornava para as mãos do marido.
Foi o 3º artigo da Lei nº 4.121 de 1962 que amparou especialmente a mulher, tendo em mira a sua proteção ao ser usualmente visada na fraude conjugal. Ao não firmar títulos de dívida, pode defender a sua meação, salvo se demonstrado que as dívidas beneficiaram a família. E embora seja comum observar ameaças do cônjuge em estágio de separação, de existirem impagáveis dívidas conjugais, capazes de aniquilarem o ativo do patrimônio matrimonial, pífio efeito terá o argumento se não restar demonstrado que a dívida resultou de inequívoco benefício à família conjugal, soterrando definitivamente o expediente conjugal de o marido simular dívidas forjando títulos de créditos forjados para aniquilar a meação de seu parceiro conjugal.
19. A prova da fraude e da simulação
É bastante controvertida a matéria pertinente à prova na fraude e na simulação, particularmente no âmbito do Direito de Família, com posições doutrinárias em todas as direções. Há versões dizendo ser ônus probatório de quem denuncia a fraude, outras dizendo deva ser invertida a carga probatória em se tratando de pessoa hipossuficiente.
Modernamente, parece imperar como regra de processo, incumbir ao juiz analisar o conjunto probatório em sua globalidade, sem perquirir a quem competiria o ônus probandi.,[34] isso porque os direitos indisponíveis do Direito de Família fortalecem os poderes instrutórios do juiz no comando da prova, conforme disposição do art. 130 do CPC. Acresce Sandra Santos que "no diploma processual civil brasileiro, as ações relativas a direito indisponível merecem tratamento diferente, principalmente, no que concerne ao campo probatório, pois que ao lado da iniciativa das partes tem-se a iniciativa oficial, realizada pelo magistrado com amplos poderes de investigação da prova, ou atendendo a requerimento do Ministério Público, quando custos legis, com apoio no art. 83, II, do CPC."[35]
A fraude e a simulação são institutos semelhantes, pois objetivam causar um dano a uma terceira pessoa. Conforme Yussef Said Cahali:[36] "tanto a simulação, como a fraude contra credores, podem ser provadas por indícios e circunstâncias." No campo do direito probatório, indícios e presunções também são meios eficazes de prova, indícios são sinais, que, isoladamente, são insuficientes para demonstrar a verdade de um fato alegado, enquanto as presunções comuns constituem raciocínios, que no terreno da fraude e da simulação podem ser derrubados pela contraprova. No entanto, é a soma de indícios que leva à presunção. Sentencia Sergio Carlos Covello[37] que: "o indício, é o ponto de partida, enquanto a presunção é o ponto de chegada."
Escreve Héctor Eduardo Leguisámon,[38] que: " em matéria de simulação, o exame da prova deve ser realizado em conjunto, especialmente quando invocada por terceiros que necessariamente hão de recorrer às presunções, as quais, por sua gravidade, precisão e concordância, podem contribuir a demonstra-las."
Vige a consagrada fórmula de cometer a prova ao que alega os fatos constitutivos de seu direito, princípio que nem sempre é absoluto em matéria de fraude ou de simulação, pois embora os meios empregados confiram límpida aparência ao negócio simulado, ocultam, em seu âmago um querer completamente diverso.
No Direito Societário as perdas sofridas no histórico de uma sociedade comercial precisam estar suficientemente demonstradas, em regular escrituração, afirma Ricardo Negrão,[39] porquanto, o desaparecimento de bens do patrimônio da sociedade, quando não estiver justificado por sua escorreita escrita contábil, torna evidente a fraude, especialmente quando os desvios de bens, as transferências de quotas, a transformação de seu tipo social e a constituição de novas empresas guarda curiosa coincidência temporal com o término da relação afetiva.
A utilização da desconsideração inversa ocorre no Direito de Família, de regra, em momento anterior à separação judicial, pois o marido empresário trata de ir marginalizando o patrimônio que, em tese, deveria integrar o processo de partilha dos bens comuns e comunicáveis. É neste momento que deve funcionar o poder discricionário do juiz na apreciação das provas que enfrenta no processo, pelo dever inerente que tem de buscar a verdade. No caso de lesão a direito de cônjuge ou companheiro também pelo uso abusivo da chancela societária, deve o juiz formar a sua convicção em conformidade com a sua livre consciência, acatando para tanto, todos os meios admissíveis de prova, sem limitações, incluindo os indícios e as presunções.
Ao comentar os meios de prova na fraude e especialmente na simulação, Jorge Mosset Iturraspe[40] assevera comportarem uma atividade escorada na presunção, pois que, a quase totalidade dos indícios surgem de documentos, informes, livros de comércio, inspeção ocular, perícias, confissão judicial, testemunhas e etc.., que examinados, não obstante sua aparente legalidade, inferem de seu contexto a simulação.
Isso porque o simulador precisa criar com excepcional empenho um negócio fictício justamente engendrado para mascarar o seu ganho material. Assim, se quer dar ares de seriedade e de veracidade ao seu ato, cuidará para que na escritura de aparente compra e venda, por exemplo, não conste um preço vil, embora este cuidado agregue maiores despesas com escritura e custo maior no imposto de transmissão inter vivos; tal qual tratará de dar suporte e realidade financeira à transação, promovendo a emissão e depósito do cheque emitido para o pagamento da venda encenada. Pois se não agir com tais cuidados, os indícios que farão presumir a simulação irão surgir exatamente do baixo preço; da falta de recursos do pseudo-comprador, que geralmente será um parente ou amigo próximo; da falta de comprovação da saída do dinheiro da conta do comprador e ingresso na conta do vendedor e se for argumentado que o preço teria sido todo pago em dinheiro trata-se de fato totalmente inusual, dito apenas para afastar qualquer averiguação da verdade.
Igual indicação de simulação da transação irá decorrer da desnecessidade desta venda, pois o vendedor não se encontra em dificuldades econômicas, nem endividado, não obstante isto, o ato resta agravado com a súbita alienação de todo o patrimônio da pessoa, ou pelo menos dos bens de maior valor, por preços de ocasião e sem que exista qualquer razão justificadora.
De uso corrente é a simulação por cônjuges ou conviventes que se desfazem com a desculpa de precisarem arrecadar dinheiro, justamente dos bens que lhes dão subsistência, como as quotas da empresa de que são sócios, ou do automóvel que usam para trabalhar como representante comercial, dos imóveis que rendem aluguéis e assim por diante, figurando na outra ponta compradores que, se bem investigados, sequer dispõem de meios para as aquisições.
Jorge Mosset Iturraspe[41] observa constituírem presunções graves, precisas e concordantes da simulação numa compra e venda, a operação feita com parentes próximos, como tem igual eloqüência se no lugar do parente, figura um notório amigo. Também quando há evidência de fraude se faz ausente a tradição do bem alienado, fato bastante comum, em que o vendedor segue na posse do imóvel ou do veículo e até na direção da empresa, com a desculpa de que detém o bem em caráter temporário, senão por conta de um apressado contrato de locação, então por mútuo ou comodato, num completo desinteresse do comprador em tomar a posse do bem comprado.
Igualmente, causam eloqüentes suspeitas, os negócios firmados entre pessoas que mantém vínculos de afeto, ou os seus parentes, como no exemplo de uma casa comprada pela companheira, enquanto o parceiro figura no mundo da ficção com um contrato de locação, do imóvel pertencente a um parente de sua parceira, embora, curiosamente, resida com a parceira na mesma residência.
A vida regressa das partes contratantes também favorece bastante na apreciação da simulação, quando se trata de indivíduos de vida desonesta e suas claudicantes finanças também comprometem a lisura da negociação, pois ninguém irá vender em longas prestações para adquirentes insolventes, podendo ser realizada pesquisa que desvende o movimento bancário do comprador, pois seus extratos terão que demonstrar uma razoável saúde financeira, em patamares que respaldem a solvência e estratificação social compatível com a coisa adquirida.
Ocorrendo a transação em vésperas de separação ou de divórcio, também deitam sérias suspeitas sobre o negócio, já sendo dito comum o ânimo fraudatório nas relações afetivas de cônjuges ou conviventes em via de dissolução de sua união. Torna-se de singular importância atentar para a circunstância de que estas lesivas práticas ordenadas para frustrar a justa partilha não começam às vésperas do processo separatório ou quando do ingresso de qualquer ação cautelar precedente. O ruinoso processo de diminuir deliberadamente o patrimônio conjugal tem um largo período precedente de incubação, onde, de regra, o marido, entre outras práticas de fértil fraude, se vale de interpostas pessoas e do uso abusivo da empresa para falsear o resultado final da partilha.[42]
Ainda no campo dos indícios e presunções, causa igual estranheza quando as escrituras são formalizadas em tabelionatos de outras cidades, ou se constituem de contratos sem firmas reconhecidas, às vezes em sentido contrário, surgem contratos previamente elaborados, que soterrados, aguardam a espera do dia em que devam vir à superfície para produzirem os seus ruinosos efeitos.
Por conta disso tudo, o direito processual deve agir com presteza e efetividade, desconsiderando na própria ação de conhecimento a caminho da separação judicial ou da dissolução litigiosa da união estável, qualquer barreira oposta com os selos da fraude e da simulação.
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* Advogado, Professor de Direito de Família na PUC/RS, Diretor Nacional do IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família, Vice-Presidente do IARGS - Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul. www.rolfmadaleno.com.br
[1] LEITE, Eduardo de Oliveira. Tratado de Direito de Família, Juruá: Curitiba, 1991, p.3.
[2] Idem, ob. cit., p.41.
[3] Ibidem, p.275.
[4] GATARI, Carlos N. . El poder dispositivo de los cónyuges, Libreria Jurídica: La Plata,, 1974, p.53.
[5] ITURRASPE, Jorge Mosset, Contratos simulados y fradulentos, tomo II, Contratos Fraudulentos, Rubinzal-Culzoni Editores: Buenos Aires 2001, p.12.
[6] DE LOS MOZOS, J . L . El negocio juridico, En Estudios de Derecho Civil: Madrid, 1987, p.465.
[7] MADALENO, Rolf. A efetivação da ‘disregard' no Juízo de Família, Livraria do Advogado Editora: Porto Alegre, 1999, p.64.
[8] RIZZARDO, Arnaldo. Casamento e efeitos da participação social do cônjuge na sociedade, In Direitos Fundamentais do Direito de Família, Coord. Belmiro Pedro Welter e Rolf Hanssen Madaleno, Livraria do Advogado Editora, 2004, p.55.
[9] LOUREIRO, Luiz Guilherme. A atividade empresarial do cônjuge no novo Código Civil, In Novo Código Civil, questões controvertidas, Coord. Mário Luiz Delgado e Jones Figueirêdo Alves, vol. 2, Método Editora: São Paulo, 2004, p. 241.
[10] ROSSI, Hugo E. . Actuación anómala y desestimación del tipo en la sociedad anónima "cerrada", sus efectos sobre la responsabilidad de los socios, In Conflictos en sociedades "cerradas" y de familia, Coord. Martín Arecha, Eduardo M. Favier Dubois, Efraín H. Richard e Daniel R. Vítolo, Ad-Hoc: Buenos Aires, 2004, pp. 167-170.
[11] NERILO, Lucíola Fabrete Lopes. Manual da sociedade limitada no novo Código Civil, Juruá: Curitiba, 2004, p.67-68.
[12] BRUSCHI, Gilberto Gomes. Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica, Editora Juarez de Oliveira: São Paulo, 2004, p.137.
[13] AMORIM, Sebastião & OLIVEIRA, Euclides de. Inventários e partilhas, Direito das Sucessões, teoria e prática, Livraria e Editora Universitária de Direito, 15ª ed., 2003, p.375.
[14] MADALENO, Rolf. A disregard na sucessão legítima, In Direito de Família, aspectos polêmicos, Livraria do Advogado Editora: Porto Alegre, 2ª ed., 1999, p.131.
[15] ITURRASPE, Jorge Mosset. ob. cit., Tomo I, p. 182.
[16] TAQUINI, Carlos H. Vidal. Régimen de bienes en el matrimonio, 3ª e., Astrea: Buenos Aires, 1990, § 304, p.362.
[17] CARVALHO NETO, Inácio de. Separação e divórcio, teoria e prática, Juruá: Curitiba, 1998, p.271.
[18] FONSECA, Priscila M. P. Corrêa da. Regime de bens do casamento, Casamento, separação e viuvez, Coord. Carla Leonel, editora CIP: São Paulo, 1999, p.55.
[19] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil, Direito de Família, Atlas: São Paulo, 3ª e., 2003, p.177.
[20] VELOSO, Zeno. União estável, Editora Cejup: Belém, 1997, p.86.
[21] AZEVEDO, Álvaro Villaça. Comentários ao Código Civil, Coord. Antônio Junqueira de Azevedo, vol. 19, 2003, p.272.
[22] AZEVEDO, Álvaro Villaça, Idem, p.273-274.
[23] O art. 5º do Projeto de Lei nº 2.686/96 rezava que: "Nos instrumentos que visem a firmar com terceiros, os companheiros deverão mencionar a existência da união estável e a titularidade do bem objeto de negociação. Não o fazendo, ou sendo falsas as declarações, serão preservados os interesses dos terceiros de boa-fé, resolvendo-se os eventuais prejuízos em perdas e danos, entre os companheiros, e aplicadas as sanções penais cabíveis."
[24] CAHALI, Francisco José. Contrato de convivência na união estável, Saraiva: São Paulo, 2002, p.180-181.
[25] Idem, p.182.
[26] GUIMARÃES, Luís Paulo Cotrim. Negócio jurídico sem outorga do cônjuge ou convivente, RT: São Paulo, 2002, p.37.
[27] Idem, ob. cit., p.38.
[28] GUIMARÃES, Luís Paulo Cotrim. Ob. cit., p.101.
[29] GUIMARÃES, Marilene Silveira. Novo Código Civil, questões controvertidas, Coord. Mário Luiz Delgado e Jones Figueirêdo Alves, "A necessidade de outorga para a alienação de bens imóveis", Editora Método: São Paulo, 2004. p.298.
[30] COSTA, Maria Josefa Méndez. Código Civil comentado, Rubinzal-Culzoni: Buenos Aires, 2004, p.240.
[31] ROMERO, José Alberto. Delitos contra la familia, Editorial Mediterránea, Córdoba, 2001, p.77.
[32] OLIVEIRA, José Lamartine Corrêa de. & MUNIZ, Francisco José Ferreira. Direito de Família, Sergio Antonio Fabris Editor: Porto Alegre, 1990, p.313.
[33] RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, Direito de Família, Saraiva: São Paulo, vol. 6, 2003, p.164-165.
[34] Como decidiu o STJ no REsp. 11.468-0-RS, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, DJ de 11.05.1992.
[35] SANTOS, Sandra Aparecida Sá dos. A inversão do ônus da prova como garantia constitucional do devido processo legal, RT: São Paulo, 2002, p.93.
[36] CAHALI,, Yussef Said. Fraude contra credores, RT: São Paulo, 1989, p.52.
[37] COVELLO, Sergio Carlos. A presunção em matéria civil, Saraiva: São Paulo, 1983, p.119.
[38] LEGUISAMÓN, Héctor E. . Las presunciones judiciales y los indicios, Depalma: Buenos Aires, 1991, p.104.
[39] NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa, Saraiva: São Paulo, 203, 3ª e., p.261.
[40] ITURRASPE, Jorge Mosset. Ob. cit., tomo I, p.311.
[41] Idem, p. 322.
[42] MADALENO, Rolf. "O princípio da revocatória falencial na partilha dos bens conjugais", In Novas perspectivas no Direito deFamília, Livraria do Advogado Editora, 2000, p.145.
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