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Testamento para cachorro
Causou espanto a notícia, recentemente divulgada na midia, de um testamento deixado pela triliardária americana Leona Helmsley, que faleceu na semana passada. Ela atribuiu a maior parte da sua fortuna ao seu animal de estimação, uma cadelinha que atende pelo sugestivo nome de "Trouble".
Problema à vista, com certeza, pois os herdeiros parentes talvez reclamem da grande soma destinada ao animal, nada menos que 12 milhões de dólares. O testamento ainda determina que, ao morrer a cadela, seja enterrada no mesmo túmulo da família Helmsley.
Os recursos para a manutenção da afortunada Trouble foram deixados à administração de de um irmão da testadora, que também se viu beneficiado com a "razoável" soma de 10 milhões, dois a menos que a cadela.
Mais valores, à ordem de 5 milhões para cada um, foram atribuídos a dois netos da ricaça, com a condição de que visitem o túmulo de seu pai pelo menos uma vez ao ano. Outros dois netos foram alijados do testamento. Não gozavam das boas graças da avó, "por razões que eles conhecem", conforme constou do instrumento.
A grande dúvida é saber se vale um testamento daquela espécie, com outorga de bens a um ser irracional. Seria preciso analisar o seu inteiro teor e também quanto dispõe a legislação americana.
E no Brasil, o testamento seria válido?
Como outorga direta, pura e simples, não. Isso porque a capacidade para suceder é exclusiva da pessoa humana ou da pessoa jurídica. Não podem receber bens, pois não possuem personalidade jurídica, os seres irracionais ou as coisas inanimadas. Mesmo porque, se isso fosse possível, como ficaria a sucessão nos bens de entes dessa natureza?
O favorecimento a um animal, no entanto, pode ser feito de forma indireta, num testamento que atribua certo bem ou valor a uma pessoa, com o encargo de cuidar do animal, ou sob a condição de atender às suas necessidades. É o que se chama de legado com encargo, de modo que a pessoa beneficiada somente ficará com o bem ou o valor se atender a essa obrigação.
Houve um caso semelhante no Brasil, há alguns anos. Uma viuvinha gaúcha, solitária e sem filhos, deixou seu apartamento de luxo para a gatinha Mimi e a cadela Fifi. Um irmão dela impugnou a validade do testamento pleiteando o imóvel na qualidade de herdeiro. Consta que teve ganho de causa, pois o testamento foi interpretado como encargo de que ele, herdeiro, tomasse conta dos bichinhos usando os recursos da herança.
* Euclides de Oliveira é diretor do IBDFAM-SP
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