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Efetividade da prestação jurisdicional no âmbito do Direito de Família
Introdução
Falar sobre a prestação jurisdicional no Brasil é enveredar por uma estrada composta pela história do poder econômico em nosso País, sobre a adoção do modelo tripartite de Montesquieu, bem como acerca da aura de onipotência que cerca o exercício da Jurisdição. Porém é preciso ter em mente que as falhas e mazelas do sistema judicial pátrio não se circunscrevem unicamente à atuação dos Magistrados. A sociedade, e notadamente a comunidade jurídica – se é que se pode chamar de comunidade os feudos que congregam, por exemplo, a Magistratura, a Advocacia e o Ministério Público no Brasil – é responsável pela reprodução de modelos freqüentemente questionados pelo cidadão, pelas mídias e, até mesmo por esses operadores do Direito. Creio que os problemas afetos à familiaridade trazidos ao espaço jurisdicional revelam apenas uma diferença do que se vislumbra no sistema judiciário como um todo: o objeto.
No caso do nosso objeto, mais do que determinar guardas, pensões alimentícias e direito de visitas, parece ser fundamental que o processo judicial possa servir como meio de fomentar entre as partes o espírito de análise de suas histórias de vida. Creio que isso não se alcança com “lições de moral” tão freqüentes nas falas dos julgadores, mas, verdadeiramente, com diálogo; com busca da verdade; com persecução do justo – no sentido filosófico e não sobre a forma de censura. Pretendo aqui, apenas, levantar algumas questões para o debate do Direito de Família no Brasil. Não tenho fórmulas solucionadoras para todas as questões que tratarei, mas espero contribuir para um debate que possa gerar a superação das falácias que costumeiramente encobrem graves problemas enfrentados no dia-a-dia por operadores do Direito e jurisdicionados.
Acesso ao Direito no Brasil
Considero que além do acesso à Justiça o cidadão brasileiro tem um problema de fundo – anterior e mais grave –, a enfrentar: a superação do não saber, ou a oportunidade de acessar à informação, essa odisséia de ingresso no mundo do conhecimento. Ora, o desconhecimento, dirão alguns, em questões jurídicas não se limitam aos contornos do Direito de Família. É freqüente encontrarmos pessoas que moram em imóveis alugados e desconhecem seus direitos e deveres como locatários; que trabalham e não conhecem todos os seus direitos trabalhistas; que adquirem bens e serviços todos os dias, mas desconhecem filigranas da sua condição de consumidor.
Concordo, mas ao contrário das relações locatícias, trabalhistas e de consumo, as questões familiarístas têm o condão de intercambiar relações, a primeira vista estranhas ao problema em tela. Quem se separa, por exemplo, além das questões próprias dessa esfera das relações humanas também precisa estar atento a outros vieses. Em outras palavras, os separandos do meu exemplo, além de precisarem de informações sobre partilha de bens, guarda dos filhos e alimentos devem estar informados sobre coisas como: quem ficará morando no apartamento alugado; como seu empregador poderá reagir diante dos descontos alimentares no contra-cheque; agora, quem poderá reclamar da garantia da televisão comprada durante o casamento.
O Direito, historicamente, tem se colocado como o espaço privilegiado dos doutos e, por vezes, dos afortunados. Quando Gramsci faz questão de alertar para a importância do acesso à alta cultura como instrumento revolucionário, está dizendo, implicitamente: as camadas populares além de precisarem conhecer música erudita e danças clássicas, precisam conhecer o Direito que os rege, para poderem melhor se situar diante das decisões que a vida lhes traz. Se para Paulo Freire era preciso romper com a “educação bancária” – burocrática e repetitiva – para vislumbrar-se a compreensão do cotidiano, ai não se está falando apenas de ler códigos lingüísticos. Mas de ler a vida; de ler o mundo. E nosso mundo é composto também de direitos e deveres. Nesse sentido, cabe entendermos a leitura da familiaridade e seu cotidiano como parte dos processos de socialização.
Antes de chegar ao Judiciário, o cidadão comum se vê diante do dilema de precisar equilibrar os seus conhecimentos empíricos sobre a Justiça com o conteúdo presente nas Leis (que ele não pode dizer que desconhece, mesmo que não tenha chegado, ou passado das primeiras letras da cartilha de alfabetização). Por outro lado, vivemos em um País onde os mais esclarecidos falam em “lei que pega e lei que não pega”, querendo dizer que algumas normas jurídicas não são cumpridas, constituindo-se em “letra morta”.
Entretanto, se parece acudir ao desinformado sobre seus direitos e deveres esse aforismo, logo ele chegará à conclusão, via decisões judiciais em seu desfavor, que o pensamento popular nem sempre traduz a realidade jurídica. Penso que uma sociedade que proporciona o mais amplo acesso ao conhecimento jurídico, não o transformando em armadilha com fito meramente sancionador, contribui para o aperfeiçoamento das relações de sociabilidade. Entendo, que se por um lado as mídias podem ser extremamente úteis nesse mister, é dever do Estado – ai incluído o Judiciário – cuidar para que os seus cidadãos conheçam as leis que os regem, inclusive compreendendo os princípios que nortearam a sua edição.
Um exemplo disso, pouco exercido pelo Estado, está no art. 88, inciso VI, do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA –, que estabelece como diretriz da política de atendimento à criança e ao adolescente o dever de mobilização da opinião pública no sentido da indispensável participação dos diversos segmentos da sociedade na implementação de políticas de atendimento a essas pessoas em desenvolvimento. Alguns poderão dizer que isso tudo é utopia, ou que sempre haverá desinformados, como sempre haverá pobres. Concordo com a paráfrase aos Evangelhos, mas há de se saber que assim como existe diferença entre pobres e miseráveis também há distinção entre desinformados e totalmente ignorantes em matéria jurídica.
Veja-se, que assim como o conhecimento sobre princípios de higiene não faz de qualquer pessoa um médico, mas lhe melhora a qualidade de vida, o conhecimento jurídico não deve se estender apenas aos versados em Direito, mas a todos, pois não se estará tentando formar juristas, mas ampliando o raio de ação consciente desses cidadãos. Acesso à Justiça Há dois elementos objetivos a avaliar quando tratamos do acesso à Justiça, no caso em apreço, na órbita do Direito de Família: necessidade e oportunidade. Sabemos que grande parte dos pleitos familiarístas fundamentam-se no argumento, lato sensu, de necessidade. Nesses casos é o imperativo da sobrevivência e da superação de conflitos que dificultam a qualidade de vida que estimula uma das partes ou ambas a buscarem a jurisdição. Por outro lado, há demandas que são provocadas principalmente pela oportunidade; quer dizer, pela chance de fazê-lo.
A existência de amparo jurídico para que se proponha certo pleito judicial faz com que o argumento da oportunidade ganhe fôlego, existindo ou não a necessidade fática. Um exemplo disse repousa nos pedidos de alimentos, quando não motivados pela impossibilidade de alguém ver suprida a sua existências por seus próprios meios, mas fundada na possibilidade de uma parte se ver alimentada por outra, visando com isso diminuir a própria faina para alcançar pessoalmente o sustento das suas necessidades. Nesse mister nota-se, novamente, a propriedade de se discutir o quanto à informação (acesso ao Direito) diferencia as pessoas. É mais freqüente nos depararmos com casos nos foros de família onde a motivação do pleito se encontra na possibilidade de fazê-lo entre os mais letrados e até melhor aquinhoados materialmente.
Nota-se que a maior parte das demandas familiarísta movidas pelos cidadãos mais pobres são motivadas por imperativos de necessidade. Não considero com isso que exista um fenômeno ético a diferenciar os pleitos dos mais pobres e dos menos pobres, simplesmente considero que o acesso à informação também é um fator impulsionador dos pleitos jurisdicionais. Considero que fatores econômicos influenciam não só o conteúdo das demandas judiciais em matéria familiarísta, mas também proporcionam ao “pelejadores” outros instrumentos, tais como: a possibilidade deles demandarem com amparo em Advogados especializados ou que, no mínimo, compõem uma elite pensante no Direito; e, até mesmo, a possibilidade dessas partes de ver a demanda se perder no tempo sem que isso os estimulem a conciliarem, como forma de por fim à lide e alcançarem parte do pretendido.
Um aspecto importante no acesso à Justiça diz respeito ao exercício do direito de pleitear. Tal direito em nosso País se faz possível, por exemplo, no campo do Direito de Família, exclusivamente por meio de Advogado. Nesse sentido, a atuação dos escritórios de prática forense (nos Cursos de Direito), as assessorias jurídicas (via entidades acadêmicas, religiosas, parlamentares, da esfera do Poder Executivo, ou por meio de ONGs) funcionam como um lenitivo para aqueles que não podem custear os honorários de um Advogado e que, doutra forma, somente poderiam ser assistidos via Defensoria Pública – que não possui quadros suficientes, na maioria dos Estados – para responder com precisão às demandas que lhes chegam.Também diz respeito ao mecanismo de acesso à Justiça a atenção dispensada pelo Poder Judiciário no tocante a criação de varas especializadas (em assuntos de Direito de Família e afetas à Criança e ao Adolescente) em número proporcional à população de cada Comarca e à demanda por socorro jurisdicional em tais áreas.
Ao lado disso, têm-se requerido a criação, na órbita dos Tribunais de Justiça, de Câmaras específicas para tratar de assuntos familiarístas. Sem dúvida alguma, a criação pelo ECA de varas específicas para tratar de assuntos relativos à infância e à adolescência representam um importante avanço nesse campo do Direito de Família. Por força dessa Lei (art. 150 do ECA) as Varas da Infância e da Adolescência devem ser dotadas de equipe interprofissional que funcionarão como serviço auxiliar à Justiça, subordinada ao Juiz daquela vara, mas assegurada a livre manifestação técnica (art. 151 do ECA).
Porém, como a Lei estabeleceu que a criação dessas equipes está vinculada à proposta orçamentária do Poder Judiciário, na maioria dos Estados, apenas a Comarca da capital goza dessa possibilidade. É de se observar que as equipes interprofissionais são uma realidade, embora que deficitária, exclusiva das Varas da Infância e da Adolescência, não se consubstanciando nas Varas de Família. Talvez a experiência do judiciário francês – onde um juiz profissional pode ser assistido por dois assessores escolhidos por sua competência, por exemplo, no tribunal para crianças, com pessoas que demonstraram interesse na matéria; pudesse vir a ser uma forma de dotar-se as Varas de Família e da Infância e Adolescência do País de meios efetivos de se discutir familiaridade com maior profundidade.
Direito de Famílias na contemporaneidade brasileira
O Brasil vem ingressando, nas últimas três décadas, na discussão contemporânea da família e da humanidade como sendo realidades complexas. Isso tem contribuído para a especialização de profissionais do Direito e para a abertura de possibilidades novas aos jurisdicionados. Talvez a principal mudança que esteja ocorrendo em nosso País relativo ao Direito de Família seja fruto da constatação de que não se tem mais um modelo único e universal de família (DIAS), mas que hoje se tem de falar em famílias, pois essa realidade é cada vez mais plural. São frutos dessa mudança de mentalidade, ainda em curso, as aproximações teóricas como a que se dá entre o Direito e a Psicanálise; a presença de entidades corporativas de carreiras jurídicas (OAB e ABMP) em fóruns de instituições da sociedade civil e conselhos atentos às questões acerca da infância e de adolescência; decisões favoráveis ao reconhecimento de uniões civis entre pessoas do mesmo sexo e adoções por casais que desenvolvem relações homoafetivas.
Veja-se que em todos esses casos o Direito não está criando situações, mas simplesmente reconhecendo a sua existência da diversidade e respeitando a possibilidade das pessoas de agirem segundo convicções diversas da dominante. Isso é respeitar os Direitos Humanos e, eticamente, reconhecer que podem existir formas diferentes e igualmente validas de organização familiar. Não estou defendendo que o familiarísta deva se mover exclusivamente pela inovação, mas que se mantenha aberto a avaliar a pertinência das questões ainda não legisladas e atento à possibilidade de contribuir para a melhoria da qualidade de vida das pessoas envolvidas nas demandas de Direito de Família.
Preocupa-me bastante observar que posturas preconceituosas em relação à mulher e às crianças – por vezes aparentemente protetivas –, ou aos homens – considerando-os, por exemplo, como menos qualificados para o exercício da guarda dos filhos –, são tão nefastas quanto tratar direitos como modismos. Considero que há duas novidades no Direito de Família. A primeira diz respeito à coragem de falarmos de questões ancestrais antes jogadas para debaixo do tapete (homossexualidade, adultério, filiação extraconjugal etc.). A segunda é oriunda das novas possibilidades trazidas por conta dos avanços da Medicina e de suas ciências auxiliares (cirurgias de mudança de sexo ou tratamentos com reflexos na anatomia humana) e seus efeitos na familiaridade. O enfrentamento da diversidade das questões de familiaridade no Brasil representam um importante avanço da cultura jurídica nacional.
Entretanto, a história nacional já demonstrou que em situações ligadas à familiaridade por vezes as instituições são mais lentas do que o senso comum para absorver mudanças culturais. Como exemplo disso, veja-se que se por um lado as necessidades sociais clamavam por um modelo que regularizasse a situação das famílias constituídas após a separação (de fato ou de direito – desquite), via divórcio, desde o final dos anos 1960, o Congresso, talvez colocando-se como arauto da moral, somente veio aprovar tal mudança institucional em 1977.
Por outro lado, ainda teremos que empreender um longo caminho até que a sociedade absorva e naturalize o dever constitucional de velar pela infância e adolescência brasileira (art. 227 da Constituição da República, de 1988), principalmente assumindo isso como um valor. Observe-se que isso representa uma mudança cultural: não mais, cada família que cuide dos seus – como lecionam os ventos da contemporaneidade, pós-revolução industrial –, mas de certa forma, um retorno à sociedades indígenas brasileiras do século XVI – onde as crianças eram “filhos” de seus pais e de toda a comunidade. Implicitamente, a Lei parece dizer-nos que se não cuidarmos, concomitantemente, dos nossos filhos e dos filhos dos outros, não poderemos esperar num futuro promissor para a nossa prole.
Pois, somente uma sociedade que busca efetivar a cidadania para todos pode crer na sua longevidade pacifica, caso contrário, estará gerando, a cada conflito de interesses, meios para sua autodegeneração. Há efetividade na prestação jurisdicional no âmbito do Direito de Família no Brasil? Um dos entraves mais freqüentemente denunciado por pessoas que aspiram por uma prestação jurisdicional diz respeito à demora na tramitação dos feitos na Justiça nacional. A esse respeito, alguns Magistrados se defendido dessa acusação valendo-se de comparações com o Judiciário de outros países. É o caso dos que se referem ao Judiciário português afirmando que ali, as decisões em matéria cível demoram em média três anos. Por outro lado, tais Magistrados consideram que há uma espécie de esquizofrenia nacional pela celeridade, e argumentam que as questões familiarístas as vezes demoram a ser decidas porque exigem um tempo maior de maturação e estudo dos julgadores.
Considero que a sociedade não deseja decisões açodadas, mas soluções jurídicas tempestivas.Há de se observar que o tempo de tramitação de um feito está relacionado a elementos objetivos e subjetivos. Nos casos de Direito de Família o aspecto objetivo, como nas demais áreas do Direito fica por conta da natureza da ação e seu rito processual, bem como a desejada celeridade da Justiça. No tocante aos aspectos subjetivos têm uma gama de pressupostos – como, por exemplo, o desejo das partes em litigar como meio de expiação de questões, não jurídicas, vivenciadas na órbita familiar. Nesses casos, não se pode atribuir, linearmente, ao Judiciário o longo tempo de duração da demanda, pois isso estará a cargo de aspectos patológicos da relação ora analisada judicialmente.
Como as questões do espírito não são a única razão das longas esperas por decisões judiciais há de se observar, principalmente no tocante à matéria familiarísta, que não cabe aos operadores do Direito, notadamente os detentores de Estado, postergarem seus atos, prolongando a demanda ou contribuindo, até, para a nulidade de atos processuais. Infelizmente, já me deparei com situações onde: a julgadora permaneceu com um feito concluso por vários meses, para somente depois de provocar esse desconforto ao jurisdicionado, se dar conta de que era irmã de uma das partes, logo impedida de atuar no feito – o que denota não ter sido feita sequer a leitura da capa do caderno processual –; ou de ações onde se discute a guarda de criança sob pressão psicológica de um dos genitores e que a primeira audiência de conciliação se dá depois de quinze meses do ingresso da ação competente.
Também se afiguram diversas situações desconcertantes em relação ao Ministério Público, desde a demora para apresentar suas cotas, até a requisição de provas desnecessárias ou impossíveis, chegando, em casos extremos, ao cúmulo de sempre subsumirem o seu pensamento ao esposado pelo Magistrado, demonstrando uma submissão intolerável e incompatível com a altivez que a função representa. Doutra sorte, o crescimento do número de cursos de Direito no Brasil, aliado à corrida por concursos públicos, no afã de alcançar rapidamente níveis de estabilidade financeira tem proporcionado o ingresso precoce de jovens bacharéis em carreiras jurídicas de alta complexidade. No tocante ao Direito de Família, é preocupante encontrarmos jovens com idade inferior a trinta anos, na Magistratura e no Ministério Público estaduais, decidindo em comarcas, onde geralmente é pequeno o número de outros operadores do Direito, sobre a vida de jurisdicionados, na sua maioria, com uma trajetória cronológica muito mais ampla do os seus “tutores” de Estado.
Nesse sentido, referindo-se aos Magistrados, a professora de Direito espanhola, Nuria Belloso Martín, assim se manifestou em entrevista concedida à Folha de S. Paulo: Um juiz que começa a julgar aos 30 anos conhece mais as coisas da vida do que um juiz que começa aos 24 anos. Está mais em condições de poder decidir o que é justo e o que não é justo. Tendo em vista a matéria familiarísta ser objeto freqüente na ação do Ministério Público, considero que as colocações da jurista espanhola também se aplicam aos nossos Promotores de Justiça. Como garantir qualidade na manifestação sobre a vida de outrem, efetividade, quando não chegou a vivenciar situações que palidamente nos dêem elementos para entender os fatos que nos chegam, para além da letra fria da Lei e das alegações? Considero, porém que as dificuldades do Ministério Público e da Magistratura, em se tratando de matéria familiarísta, contam com um outro fator problematizador: a ausência de preparo psicosocial para o exercício de suas funções em Varas de Família ou da Infância e da Adolescência.
Por vezes, o desejo de alcançar mais celeremente as entrâncias superiores pode fazer com que um Magistrado ou Promotor Público não indicado psicosocialmente para essas varas venha a aceitar a nova lotação. Se por um lado isso pode funcionar como um desafio e trazer surpresas positivas à Justiça ao longo do tempo, mais freqüentemente essas situações revelam-se desastrosas. Tais situações não acodem apenas aos membros do Ministério Público e Magistrados. A falta de uma especialização na advocacia para a área familiarísta, bem como a ausência de uma preparação para que se busque a mediação em lugar do conflito, também pode comprometer a qualidade da defesa de interesses prestada por esse profissional.
Devido a sua aparente simplicidade, o Direito de Família tem sido praticado por profissionais mais afeitos ao rito do que à motivação para tal investidura. Não basta, de fato, ser graduado em Direito e inscrito na OAB para bem atuar em Direito de Família. Creio que se faz necessário, além da formação e institucionalidade, equilíbrio emocional, espírito investigativo e capacidade de vencer os próprios preconceitos, na perspectiva de aspirar com seu gesto contribuir para a felicidade de seus constituintes; sempre atento aos pressupostos éticos que inspiram o Direito. Há alguns meses uma colega, minha ex-aluna num curso de pós-graduação em Direito me inqueriu sobre a oportunidade de um casal de clientes do seu escritório pleitearem a guarda compartilhada de seus filhos. A colega disse-me que temia pela decisão judicial ao pleito, posto que o considerava ousado para a cultura jurídica local. Coloquei para a colega que o mais importante a ser analisado não era o resultado jurisdicional, até porque ela poderia estar contribuindo para mudar posições teóricas arraigadas no seu Estado, se não com aquele caso, mas com um conjunto de demandas semelhantes ou mesmo através da via da exposição acadêmica (via conferências e publicações).
Porém, dizia-lhe, o mais importante é combinar dois pressupostos: a constatação de que o casal mostra-se preparado para o exercício dessa via de guarda, e, a clareza de que isso atende ao melhor interesse das crianças envolvidas na experiência. Parece-me ser dever do Advogado, aqui me referindo mais precisamente ao Direito de Família (mas sem excetuar os demais campos), contribuir para que novas teses sejam objeto de análise e que, com isso, perspectivas distintas das tradicionais possam ser analisadas e, com o tempo, por refletirem uma perspectiva do justo, virem a ser aplicadas. Considerações finais Quem precisa buscar o Estado juiz tem pressa.
Em outras palavras, não há efetividade da prestação jurisdicional quando tal direito é prestado tardiamente. O jurisdicionado no campo do Direito de Família precisa ver consubstanciado o reconhecimento de Direitos relativos a questões prementes como a sua existência (alimentos), a possibilidade de ser amado (poder familiar), a realização da sua amorosidade em relação ao outro (guarda, adoção, casamento, união estável, relação homoafetiva), meios para reconstrução da vida (adoção, separação e divórcio) ou declaração de pleno exercício de seus deveres como pai, cônjuge ou outro parentesco nas relações familiares que trava.
Atualmente não é adequado se analisar a família como um ente estático. A efetivação dos direitos constitucionais na órbita familiar exige do operador jurídico a capacidade de respeitar a pluralidade de modelos de organização familiar. Para que se dê a efetivação da prestação jurisdicional no âmbito do Direito de Família é imperioso que: seja garantido a todos acesso ao conhecimento jurídico; oportunidade de uso de serviços psicosociais que permitam ao jurisdicionado compreender a perspectiva sistêmica das relações familiares; objetividade dos operadores do Direito envolvidos na demanda para tratar cada caso como se fosse único, logo. merecedor de toda a atenção possível; e respeito a fragilidade emocional das partes envolvidas na demanda. Tratar de uma das mais antigas instituições da humanidade é um problema, na medida que o sistema está pronto “para dizer o Direito”, não para apreender cotidianamente explicações sobre o modo como as famílias querem se organizar em determinado lugar e momento histórico e, maieuticamente, se dispor a discutir a ética nas relações sociais entre as partes.
Por fim, considero que a efetividade jurisdicional no Direito de Família é histórica, mas em qualquer tempo se faz necessário que os operadores jurídicos respeitem a condição de fragilidade das partes envolvidas em ações dessa natureza. Creio que sempre seremos instados sobre a efetividade do Direito – aqui particularizado enquanto Direito de Família –, pois sempre estaremos diante da necessidade de equalizarmos o parâmetro objetivo do cumprimento do devido processo legal com a concretização da perspectiva subjetiva da Justiça. Assim sendo, somente a convicção de que fundamos nossas ações – como Advogados, membros do Ministério Público, ou Magistrados – nos pressupostos éticos do nosso tempo e na vontade de sermos justos nos socorrerá.
Trabalho apresentado no II Congresso Nordestino de Direito de Família: Relações de Família na Sociedade Contemporânea, Aracujú/SE, 02 a 04 de agosto de 2007.
GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 1988. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.
Não há de se falar em socialização no singular, posto que cada sociedade e momento histórico procede um modo específico de socialização.
BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente. Brasília: CONANDA, 2002.
Tendo, inclusive, o Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, atuado como um dos canais de vazão dessa demanda.
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Marcos Colares é sócio do IBDFAM , Advogado, Sociólogo e Doutor em Educação.
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