Artigos
A NOVA EXECUÇÃO NO DIREITO DE FAMÍLIA
SUMÁRIO
l. Introdução. 2. Avanços e retrocessos do processo de execução (do direito romano aos tempos atuais). 3.Aplicação da Lei 11.232/2005 também nas dívidas alimentícias. 4. Conclusão.5. Referências bibliográficas.
1 - INTRODUÇÃO.
A Lei nº 11.232, de 22.12.2005, introduziu o procedimento de ”cumprimento da sentença” no tocante às obrigações de quantia certa, dispensando, pois, o processo de execução para os títulos executivos extrajudiciais.
Assim e considerando a “vacatio legis” de seis meses (art. 8º), desde 24 de junho de 2006 está vigendo o procedimento unitário que dispensa a citação do devedor em execução por quantia certa e permite expedir contra o vencido o mandado de penhora e avaliação, não se falando mais em citação e em embargos à execução.
A lei em comento acresceu, no Código de Processo Civil, os 475-I a 475-R e, no Direito de Família, a dúvida, no momento, é se poderá ser ela aplicada, posto que não foi revogado, expressamente, artigo 732 do Código de Processo Civil (execução de alimentos por quantia certa).
Portanto, no curso deste trabalho, pretendemos demonstrar, com base nos métodos de interpretação, principalmente o teleológico ou racional, que, também no Direito de Família, não mais há que se falar em processo de execução por quantia certa, mais sim em mero procedimento de cumprimento de sentença, ditado pela Lei 11.232/2005, posto que:
“O elemento teleológico ou racional busca o sentido maior da norma, o seu alcance, sua finalidade, seu objetivo prático dentro do ordenamento e para a sociedade. Constitui a razão de ser da lei, a ratio legis.Se uma lei, por exemplo, foi editada com o sentido de diminuir ou evitar a inflação monetária, para restringir o consumo, nesse sentido deve ser interpretada. Busca-se o sentido social para o qual a lei foi editada.” [1][1]
2. Avanços e retrocessos do processo de execução (do direito romano aos tempos atuais)
A dualidade de processos (conhecimento e execução) não era mais compatível com a efetividade esperada por todos àqueles que se socorriam da função judiciária buscando o pronto restabelecimento ou o ressarcimento do direito material violado.
Assim, a Lei 11.232/2005 não obstante tenha mantido o caráter jurisdicional da execução de sentença acabou abolindo a actio iudicati que tinha sua justificativa somente no direito romano, eis que o exercício do direito de ação acontecia primeiro perante o praetor e tinha seqüência em face do iudex (jurista que agia por delegação do praetor). Entretanto, o iudex não dispunha de poder para executar a sua sentença e a relação entre as partes e este jurista era apenas contratual, posto que os litigantes se comprometiam a se submeter ao decisório.
Portanto, em Roma antiga prevalecia a ordo iudiciorum privatorum,[2][2](ordem judiciária privada) e, por conseguinte, somente por intermédio da ação de execução era que o credor obtinha a tutela da autoridade pública para satisfação do crédito, no caso de o devedor não cumprir a sentença do iudex, espontaneamente.
Porém e desde que instituída, no Império Romano, a Justiça Pública (extraordinaria cognitio) desnecessária já era a dicotomia processo conhecimento e processo de execução. Entretanto, a propositura destas duas ações (actio e actio iudicati) permaneceu até o fim do Império Romano e somente com a invasão germânica é que foi eliminada a duplicidade de ações. Assim, o cumprimento de sentença não carecia mais de um novo processo, pois era dever do juiz tomar, de ofício, as providências necessárias ao cumprimento de sua decisão. A vetusta e dificil actio iudicati foi substituída,
A execução por ofício do juiz (um processo único para acertamento e realização de direito) vigorou por vários séculos na Europa e, já no final da Idade Média e princípios da Idade Moderna, surgiram os títulos de créditos, através dos quais exigia um processo mais rápido, de satisfação de crédito. Neste momento ressuscitada foi a actio iudicati romana, através da qual desnecessário era o processo de conhecimento e a atividade judicial era puramente executiva.
Por conseguinte e até o século XVIII coexistiram, conforme anota Humberto Theodoro Júnior[3][3], as duas formas de execução: a executio per officium iudicis (sentença condenatórias) e a actio iudicati (títulos executivos extrajudiciais). Porém e com o advento do Código de Napoleão, no início do século XIX, a execução foi unificada e, considerando que as execuções de títulos extrajudicais eram bem superiores a de título executivo judicial, acabou prevalecendo, infelizmente, o procedimento ditado para execução de títulos extrajudiciais. Volvia-se, num retrocesso injustificável, à velha actio iudicati, a exigir processo de conhecimento e processo de execução, dicotomia superada apenas em algumas ações (possessórias e locatícias) através das chamadas “ações executivas lato sensu”.
Nota-se, pois, que o conservadorismo no Direito tem origem no próprio direito romano, ou seja, desde àquela época o novo é algo perigoso e, numa irritante inércia de todos os componentes da família forense, atos inúteis continuam sendo praticados, por séculos e séculos, como aconteceu com a desnecessária execução de título executivo judicial, no direito processual civil.
Vale ressaltar-se que, da Justiça do Trabalho surgem alguns procedimentos que poderiam ser encampados, de chofre, pela Justiça comum, renovando-a e fazendo-o mais eficiente. Lá, nunca existitu o processo de execução de título executivo extrajudicial, no então sistema tradicional e moroso ditado pelo nosso Código de Processo Civil, até a primeira metade deste ano de 2006.
Seja como for, a Lei 11.232/2005 aboliu do direito processual civil brasileiro a esdrúxula dicotoma (processo de conhecimento e processo de execução). O acertamento e a execução do direito acontecerá em um único processo.
3 . Aplicação da Lei 11.232/2005 também nas dívidas alimentícias.
Com a vigência da Lei 11.232/2005 a discussão no momento, conforme ressaltado no intróito deste trabalho, é se o cumprimento de sentença também deverá ser observado na execução de sentença que condena ao pagamento de prestação alimentícia, “ex vi” do disposto no artigo 732 do Código de Processo Civil.
De antemão, entendemos que, mesmo não tendo sido revogado, expressamente, o artigo 732 do Código de Processo Civil, na execução com penhora (execução direta) de alimentos, de prevalecer o procedimento ditado pela Lei 11.232/2005, eis que, como sabido, tal lei veio dar maior efetividade ao direito.
Ora, a execução de alimentos exige maior e urgentíssima presteza da função judiciária, sob pena de o alimentado perecer
Ademais, em se tratando de título executivo judicial, não há mais que se falar em processo de execução. Assim, não há nenhuma justificativa plausível para manter-se o demorado processo de execução, apenas para as dívidas atinentes à pensão alimentícia. Portanto, razão alguma assiste ao Professor Humberto Theodoro Júnior ao afirmar que,
“Como a Lei nº 11.232/2005 não alterou o art.732 do CPC, continua prevalecendo nas ações de alimentos o primitivo sistema dual, em que acertamento e execução forçada reclamam o sucessivo manejo de duas ações separadas e autônomas: uma para condenar o devedor a prestar alimentos e outra para forçá-lo a cumprir a condenação.”[4][4]
Na verdade a interpretação dada pelo renomando processualista brasileiro é apenas literal quando, sabemos, por ser ”o Direito uma ciência primariamente normativa ou finalística” a sua interpretação “há de ser, na essência, teleológica”[5][5].
Assim e se o escopo da Lei 11.232/2005 foi o de “abolir por completo os vestígios da indesejável dualidade de processos para promover o acertamento e a execução dos direitos insatisfeitos”[6][6], não é correto insistir em, justamente no Direito de Família, persistir a dicotomia.
A dicotomia, como bem ressalta o próprio Professor Humberto Theodoro Júnior[7][7], antes de se manifestar sobre a execução da pensão alimentícia, evidentemente, “importa a paralização da prestação jurisdicional logo após a sentença e a complicada instauração de um novo procedimento, para que o vencedor possa finalmente tentar impor ao vencido o comando soberando contido no dicisório judicial”, não coaduma com a rapidez necessária em se tratando de pensão alimentícia.
4. Conclusão
Como sabido, a interpretação literal deve ser conjugada com os demais meios de interpretação, eis que, infelizmente, “o legislador tem sido descuidado na técnica legislativa, apresentado, com muita freqüência, leis com redação defeituosa, o que amplia o trabalho do intérprete.”[8][8]
Assim e num processo lógico e compatibilizando a Lei 11.232/2005 com o ordenamento jurídico, de ver-se que, por exigir o Direito de Família, uma maior rapidez na fixação e no recebimento da verba alimentícia, a ponto de ter processo especial para fixação dos alimentos, inclusive provisórios (Lei. 5.478/68), com maior razão de aplicar-se os art. 475-I e seguintes do Código de Processo Civil, inclusive com aplicação da multa de dez por cento (art. 475-J), se os alimentos provisórios não forem recolhidos no prazo máximo de 15 dias, espontanemanete, pelo devedor.
A Lei 11.232/2005 também dispensa a demorada citação, devendo o executado ser intimado na pessoa de seu advogado acerca do auto de penhora e de avaliação. Portanto, esta aludida lei vai ao encontro da Lei. 5.478/68, ambas se completando e exigindo o imediato cumprimento dos alimentos, sejam provisórios ou definitivos, caso o credor não opte pela execuçao indireta (prisão).
Assim, “a maior presteza e efetividade na tutela jurisdiconal”[9][9] demonstra que do cumprimento de sentença, sem necessidade de um moroso processo de execução, deve ser observado, com maior razão, na execução direta de pensão alimentícia. Na verdade, de entender-se que houve apenas mais um grave cochilo do legislacdor, ao deixar de revogar, expressamente, o art. 732 e respectivo parágrafo único do Código de Processo Civil.
Portanto, razão assiste, em parte, Ernane Fidélis dos Santos ao afirmar que:
“A execução de prestação alimentícia pode ser feita de maneiras diversas, inclusive na forma comum, seguindo, agora o art. 475-J, mas com a possibilidade de se aplicar a antiga regra do art. 732, parágrafo único...”[10][10]
Na verdade, entendemos, também com lastro no art. 5º da Lei de Introdução do Código Civil, que o artigo 732 e respectivo parágrafo único não tem mais aplicação. Foi, aludido dispostivo legal, numa interpretação, sistemática, lógica, teleológica e por exigências do bem comum, tacitamente revogado. Nâo há mais processo de execução de sentença de título executivo judicial, inclusive com relação aos créditos alimentantes, mas apenas fase de cumprimento de sentença.
Assim, o juiz familiarista ao despachar a petição comunicando-lhe a mora do alimentante, deverá, se já ultrapassados os quinzes dias (art. 475-J) para o cumprimento espontâneo da obrigação, fixar multa no percentual de dez por cento, se o credor assim o requerer, e determinar a expedição do mandado de penhora e avaliação.
Porém, nas Varas de Famílias as execuções, mesmo de títulos judiciais, tramitam em apenso aos autos principais, para evitar demora na tramitação da execução. Pensamos que também o cumprimento de sentença deverá tramitar em apenso, sob pena de baralhar e atrasar o desfecho dos autos principais, principalmente considerando que geralmente há alimentos provisórios, que já poderão ser exigidos imeditamente, enquanto pendente os autos principais.
Do auto de penhora e de avaliação o executado será intimado na pessoa de seu advogado ($1º do art. 475-J) e, na falta deste, o próprio executado, por mandado ou pelo correio, facultado ao mesmo o prazo de 15 (quinze) dias para ofertar impugnação, nos próprios autos.
A impugnação terá efeito suspensivo somente em se tratanto de motivo relevante e de qualquer decisão proferida nesta fase de cumprimento de sentença caberá agravo, salvo quanto importar na extinção da excecução, a ensejar apelação.
5 – REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
BUENO, Cássio Scarpinella. A nova etapa da Reforma do Código de Processo Civil. V. I, comentários sistemáticos às Leis n. 11.187, de 19-10-2005 e 11.232, de 22-12-2005. São Paulo: Saraiva, 2006.
CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. 3ª Ed. São Paulo:Revista dos Tribunais, 1999.
ASSIS, Araken de. Cumprimento da Sentença. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Aspectos polêmicos da nova execuçâo, 3; de títulos judiciais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Introdução ao estudo do direito: primeiras linhas. São Paulo: Atlas, 2004.
DINAMARCO, Cândido R.Fundamentos do Processo Civil Moderno. 2ª Ed.São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,1987.
SANTOS, Ernane Fidelis dos. As reformas de 2005 e 2006 do Código de Processo Civil: execução dos títulos judiciais e agravo de instrumento – 2ª Ed., ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1996.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Processo de Execução e Processo Cautelar. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
[1][1] Venosa, Silvio de Salvo. Introdução ao Estudo do Direito: primeiras linhas.. p.199, São Paulo: Editora Atlas S.A, 2004.
[2][2] Júnior, Humberto Theodoro.Curso de Direito Processual Civil.- Processo de Execução e Processo Cautelar. 39ª ed. v. II., p. 8. Rio de Janeiro: Forense, 2006
[3][3] Júnior, Humberto Theodoro.Curso de Direito Processual Civil.- Processo de Execução e Processo Cautelar. 39ª ed. v. II., p.10. Rio de Janeiro: Forense, 2006
[4][4] Júnior, Humberto Theodoro.Curso de Direito Processual Civil.- Processo de Execução e Processo Cautelar. 39ª ed. v. II., p.368. Rio de Janeiro: Forense, 2006
[5][5] Maximiliano, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito, p. 150. Rio de Janeiro: Forense, 1996
[6][6] Júnior, Humberto Theodoro.Curso de Direito Processual Civil.- Processo de Execução e Processo Cautelar. 39ª ed. v. II., p.11. Rio de Janeiro: Forense, 2006
[7][7] Júnior, Humberto Theodoro.Curso de Direito Processual Civil.- Processo de Execução e Processo Cautelar. 39ª ed. v. II., p.14. Rio de Janeiro: Forense, 2006
[8][8] Venosa, Silvio de Salvo. Introdução ao Estudo do Direito: primeiras linhas.. p.199, São Paulo: Editora Atlas S.A, 2004.o