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A adoção do nascituro
A coroa espartana devia pousar na cabeça de Licurgo, quando seu irmão faleceu sem deixar filhos; bastou que o grande administrador grego soubesse da gravidez da cunhada para reservar ao nascituro as galas do governo, embora assumisse a tutela da gestão.
Santo Agostinho vislumbrava o início da personalidade nos primeiros movimentos do feto, o que seria indício de alma; e o preceito bíblico condenava à morte quem ferisse mulher grávida.
Os fatos indicados revelam que a proteção do ser concebido remonta aos vagidos da civilização humana e a legislação anotou sempre a intenção de preservar os direitos de que está ainda submisso ao controle uterino; isso até mesmo para pensadores que acreditavam ser o neonato apenas um prolongamento das vísceras maternas.
Uma ordenação lusitana assegurava à mãe a posse de alguns bens em razão do futuro parto; assim ainda o esboço de consolidação das leis civis brasileiras e a prédica do ventre livre, onde o direito à liberdade se estendia ao fruto da escrava gestante.
A possibilidade jurídica de adoção do nascituro teve assento implícito no código pretérito quando exigia o consentimento do adotado, ou de seu representante quando se tratasse do indivíduo embrionário, cânone que alguns achavam sem recepção pelo paradigma constitucional.
O surgimento posterior do diploma que regrou o instituto somente para crianças e adolescentes não afetou dita posição, persistindo a possibilidade de perfilhar a quem não se dera à luz.
Agora, diversamente do texto passado o novo código não faz referência alguma à adoção do nascituro, sendo pertinente dar eficácia aos dispositivos do estatuto menorista, antes obscurecidos pela existência de norma abonadora.
O catálogo protetivo dos infantes recomenda um estágio de convivência entre o adotante e o adotado, o que se revela incompatível em relação a um ser enclausurado no corpo feminino; ademais, sendo a sobrevivência do nascituro mera cogitação, a adoção não pode se atrelada a acontecimento incerto, o que conflitaria com a própria natureza do regime que aspira um parentesco definitivo e irrevogável.
Como o legislador não quis reproduzir o alcance imaginado pelo decreto revogado, não cabe ao intérprete dar amplitude ao que foi restringido.
A adoção do nascituro, então, não se encontra mais autorizada pelo sistema jurídico em vigor.
José Carlos Teixeira Giorgis é desembargador aposentado e sócio do IBDFAM |
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