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O anteprojeto do novo Código Civil: um retrocesso para a família brasileira
O que imaginei fosse arquivado por inútil e defasado, acabou por ser aprovado pelo Congresso. Para que todos saibam, esse trabalho nasceu na fase dura da ditadura militar em 1969 e vem se arrastando entre Congresso e Senado, há mais de 32 anos. Tem ao todo 2.026 artigos e recebeu, nas duas Casas, mais de 360 emendas. Portanto, um Código que já nasce velho e remendado!!!
Nosso Código Civil, ainda vigente até 2003, que embora promulgado em 1916, de autoria de Clóvis Beviláqua, ainda é considerado um dos melhores Códigos do mundo e uma grande e exemplar obra, bem disposta e corrigida por Rui Barbosa .
Tivemos desde 1916 até hoje mais de 30 atualizações das regras do Código Civil, no campo do Direito de Família. Foram verdadeiras conquistas de nossa sociedade, muitas com o esforço hercúleo do mais legislador de família que tivemos no século passado, o Senador Nelson Carneiro. Tivemos em 1949, o direito do reconhecimento de prole adulterina em testamento cerrado; em 1963, o Estatuto da Mulher Casada; em 1973 o direito ao uso do nome de família pela companheira, na Lei de Registros Públicos a 6015; em 1977 uma verdadeira reforma em todo o Direito de Família pela Lei do Divórcio, pelas mãos de Nelson Carneiro e Aciolly Filho, quando afastamos o adultério, a tentativa de morte e o abandono do lar como forma explícita para a separação, adotando as condições genéricas no descumprimento aos deveres comuns do casamento, como a infidelidade, a vida em comum sob o mesmo teto e a mútua assistência.
Deu-se ênfase também à proteção aos mais elevados interesses dos filhos. A Nova Constituição Federal, em 1988, também marcou as conquistas do Direito de Família, quando institucionalizou o concubinato, criou a entidade familiar, reconheceu os mesmos direitos aos filhos, cônjuges (marido/mulher) e igualou as uniões estáveis com o casamento, tratando-os no mesmo capítulo e artigo.
A Carta Magna também simplificou em um ano ou dois de separação de fato, a obtenção sem causa pelo simples aspecto temporal, de uma separação judicial ou de um divórcio, respectivamente. Tivemos novas leis regulamentando o uso do nome, investigação de paternidade, alimentos para ascendentes e as uniões estáveis em 1994 e até recentemente em 1996. Enfim, o Poder Legislativo emprestava sua função constitucional, ou seja, atualizar o direito pelos costumes adotados pela sociedade e sedimentados pela Jurisprudência sempre viva e ardente de nossos Tribunais.
O que estamos vendo de novidade nesse Novo Código aprovado? Nada, absolutamente nada, meras perfumarias já adotadas pela Jurisprudência, que mereciam apenas uma atualização e não a criação de um defasado Compêndio. Vamos ressuscitar a expressão adultério, que nem os criminalistas querem mais conservar no Código Penal. Vão trazer de novo o abandono do lar e a tentativa de morte, como motivos específicos para o decreto de uma separação judicial litigiosa, quando atualmente é mais simples. Criam a possibilidade de se anular um casamento por coação, se denunciada até 4 anos da realização do ato jurídico.
Mantém velharias como o “casamento na polícia” como no artigo 1520, onde se permite o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil, somente para evitar o cumprimento de sanções criminais, quando os penalistas afastam a punibilidade da sedução. Mantém a presunção de paternidade no casamento desfeito, quando já temos o avanço da ciência médica com o “ultra-som”. Autoriza no inciso I do artigo 1552 que uma anulação de casamento pode ser iniciada pelo próprio cônjuge menor!
Numa fase da era da computação e internet se dá prazo de 3 anos para se anular um casamento pela descoberta de um crime praticado antes do casamento ou uma doença grave desconhecida!!!
Para casar existe a autonomia da partes. Para se descasar o parágrafo único do artigo 1574, cerceia os separandos, devolvendo um incomum, subjetivo e absolutista com um verdadeiro fiscal opositor ao Juiz, de recusar a homologação de um acordo separatório se ele ficar convencido que não foram justos os termos. Que poder ele tem para interferir na vontade das partes? Outro absurdo! Como se disse, o ressuscitar do adultério caracteriza o retorno ao patriarcalismo e machismo que já haviam sido desprezados na Lei do Divórcio de 1977. Os homens e mulheres de 60 anos já são e continuarão sendo moribundos e relativamente incapazes, pois não poderão se casar livremente por qualquer regime de bens, para proteger expectativa sucessória de herdeiros necessários. Um conservadorismo excessivo bem feudal!
Em suma, nada sobre os aspectos éticos dos avanços da biogenética, como as locações de útero, as inseminações artificiais, as fertilizações “in vitro”, as adoções de ovos, os bancos de sêmen e óvulos, os clones humanos, as guardas compartilhadas, os ressarcimentos dos danos morais e materiais entre cônjuges, as influências da era da informática na estrutura da família, a obrigatoriedade de realização de perícias envolvendo a discussão sobre filiação.
Nós civilistas e, mais especialmente, os familiaristas, estamos de luto por esse retardo legislativo, no início de uma nova era. Em suma, todas as vitórias que tivemos nesses últimos anos nas naturais atualizações que o Código vigente recebeu, aliás como fazem Alemanha e França em seus Códigos Civis, sofreram regressão.
O que vimos foi o atendimento ao capricho e à vaidade de pouquíssimos interessados nessa aprovação contra a repulsa e o afastamento dos grandes e verdadeiros civilistas vivos na contribuição desse projeto de grande risco social e que levará 25 anos para ser sedimentado. Possivelmente esses interessados serão os únicos doutrinadores e intérpretes que irão editar os comentários dessas normas velhas e ultrapassadas que nos querem impor e cujo benefício cultural para o povo será nulo e dispendioso. Ao invés de crescer e evoluir, no Direito de Família, continuaremos no 3º ou quem sabe no 4º Mundo!
* Advogado de Família
Nosso Código Civil, ainda vigente até 2003, que embora promulgado em 1916, de autoria de Clóvis Beviláqua, ainda é considerado um dos melhores Códigos do mundo e uma grande e exemplar obra, bem disposta e corrigida por Rui Barbosa .
Tivemos desde 1916 até hoje mais de 30 atualizações das regras do Código Civil, no campo do Direito de Família. Foram verdadeiras conquistas de nossa sociedade, muitas com o esforço hercúleo do mais legislador de família que tivemos no século passado, o Senador Nelson Carneiro. Tivemos em 1949, o direito do reconhecimento de prole adulterina em testamento cerrado; em 1963, o Estatuto da Mulher Casada; em 1973 o direito ao uso do nome de família pela companheira, na Lei de Registros Públicos a 6015; em 1977 uma verdadeira reforma em todo o Direito de Família pela Lei do Divórcio, pelas mãos de Nelson Carneiro e Aciolly Filho, quando afastamos o adultério, a tentativa de morte e o abandono do lar como forma explícita para a separação, adotando as condições genéricas no descumprimento aos deveres comuns do casamento, como a infidelidade, a vida em comum sob o mesmo teto e a mútua assistência.
Deu-se ênfase também à proteção aos mais elevados interesses dos filhos. A Nova Constituição Federal, em 1988, também marcou as conquistas do Direito de Família, quando institucionalizou o concubinato, criou a entidade familiar, reconheceu os mesmos direitos aos filhos, cônjuges (marido/mulher) e igualou as uniões estáveis com o casamento, tratando-os no mesmo capítulo e artigo.
A Carta Magna também simplificou em um ano ou dois de separação de fato, a obtenção sem causa pelo simples aspecto temporal, de uma separação judicial ou de um divórcio, respectivamente. Tivemos novas leis regulamentando o uso do nome, investigação de paternidade, alimentos para ascendentes e as uniões estáveis em 1994 e até recentemente em 1996. Enfim, o Poder Legislativo emprestava sua função constitucional, ou seja, atualizar o direito pelos costumes adotados pela sociedade e sedimentados pela Jurisprudência sempre viva e ardente de nossos Tribunais.
O que estamos vendo de novidade nesse Novo Código aprovado? Nada, absolutamente nada, meras perfumarias já adotadas pela Jurisprudência, que mereciam apenas uma atualização e não a criação de um defasado Compêndio. Vamos ressuscitar a expressão adultério, que nem os criminalistas querem mais conservar no Código Penal. Vão trazer de novo o abandono do lar e a tentativa de morte, como motivos específicos para o decreto de uma separação judicial litigiosa, quando atualmente é mais simples. Criam a possibilidade de se anular um casamento por coação, se denunciada até 4 anos da realização do ato jurídico.
Mantém velharias como o “casamento na polícia” como no artigo 1520, onde se permite o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil, somente para evitar o cumprimento de sanções criminais, quando os penalistas afastam a punibilidade da sedução. Mantém a presunção de paternidade no casamento desfeito, quando já temos o avanço da ciência médica com o “ultra-som”. Autoriza no inciso I do artigo 1552 que uma anulação de casamento pode ser iniciada pelo próprio cônjuge menor!
Numa fase da era da computação e internet se dá prazo de 3 anos para se anular um casamento pela descoberta de um crime praticado antes do casamento ou uma doença grave desconhecida!!!
Para casar existe a autonomia da partes. Para se descasar o parágrafo único do artigo 1574, cerceia os separandos, devolvendo um incomum, subjetivo e absolutista com um verdadeiro fiscal opositor ao Juiz, de recusar a homologação de um acordo separatório se ele ficar convencido que não foram justos os termos. Que poder ele tem para interferir na vontade das partes? Outro absurdo! Como se disse, o ressuscitar do adultério caracteriza o retorno ao patriarcalismo e machismo que já haviam sido desprezados na Lei do Divórcio de 1977. Os homens e mulheres de 60 anos já são e continuarão sendo moribundos e relativamente incapazes, pois não poderão se casar livremente por qualquer regime de bens, para proteger expectativa sucessória de herdeiros necessários. Um conservadorismo excessivo bem feudal!
Em suma, nada sobre os aspectos éticos dos avanços da biogenética, como as locações de útero, as inseminações artificiais, as fertilizações “in vitro”, as adoções de ovos, os bancos de sêmen e óvulos, os clones humanos, as guardas compartilhadas, os ressarcimentos dos danos morais e materiais entre cônjuges, as influências da era da informática na estrutura da família, a obrigatoriedade de realização de perícias envolvendo a discussão sobre filiação.
Nós civilistas e, mais especialmente, os familiaristas, estamos de luto por esse retardo legislativo, no início de uma nova era. Em suma, todas as vitórias que tivemos nesses últimos anos nas naturais atualizações que o Código vigente recebeu, aliás como fazem Alemanha e França em seus Códigos Civis, sofreram regressão.
O que vimos foi o atendimento ao capricho e à vaidade de pouquíssimos interessados nessa aprovação contra a repulsa e o afastamento dos grandes e verdadeiros civilistas vivos na contribuição desse projeto de grande risco social e que levará 25 anos para ser sedimentado. Possivelmente esses interessados serão os únicos doutrinadores e intérpretes que irão editar os comentários dessas normas velhas e ultrapassadas que nos querem impor e cujo benefício cultural para o povo será nulo e dispendioso. Ao invés de crescer e evoluir, no Direito de Família, continuaremos no 3º ou quem sabe no 4º Mundo!
* Advogado de Família
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