Artigos
Termo inicial da obrigação alimentar
Havendo prova do vínculo de parentesco ou da obrigação alimentar, possível o uso da via especial da Lei de Alimentos (LA, 5.578-68) para a busca do adimplemento do encargo alimentar. Ao despachar a inicial, o juiz estipula, desde logo, alimentos provisórios (LA, art. 2º). Aliás, mesmo se não requeridos, os alimentos devem ser fixados, a não ser que o credor expressamente declare que deles não necessita (LA, art. 4º).
Os alimentos provisórios devem ser pagos desde o momento em que o juiz os fixa. Equivocado o entendimento que, invocando o § 2º do art. 13 da Lei de Alimentos, sustenta que os alimentos provisórios se tornam exigíveis somente a partir da citação do devedor. Não há como sujeitar o pagamento dos alimentos ao ato citatório. Mantendo o devedor vínculo empregatício, ao fixar os alimentos, o juiz oficia ao empregador para que ele dê início ao desconto da pensão na folha de pagamento do alimentante. Os descontos passam a acontecer mesmo antes da citação do réu. Não dispondo o devedor vínculo laboral, não há como lhe conceder distinto prazo e admitir que comece a pagar os alimentos somente após ser citado. Descabido tratamento discriminatório: além de deixar o credor desassistido, estar-se-ia incentivando o devedor a esquivar-se da citação e esconder-se do Oficial de Justiça.
Os alimentos provisórios são devidos até quando, eventualmente, venham a ser modificados no curso da demanda, pela sentença ou quando do julgamento do recurso. Alterados os alimentos provisórios, passa a vigorar o novo montante, ainda que seja majorado ou reduzido o valor fixado anteriormente. A eficácia retroativa dos alimentos definitivos vai depender se houve aumento ou diminuição de valores. Tal tratamento diferenciado decorre do princípio da irrepetibilidade do encargo alimentar. Assim, fixados os alimentos provisórios, devem eles ser pagos. Havendo redução, o novo valor tem eficácia ex nunc, ou seja, só vale com relação às parcelas futuras. As prestações vencidas, ainda que impagas, continuam sendo devidas pelo valor provisório. Somente quando fixados alimentos definitivos em valor maior à verba provisória é que se pode falar em efeito retroativo. O devedor terá que proceder ao pagamento da diferença desde a data da citação. Há que atentar a um detalhe: como os alimentos provisórios vigem desde a data da fixação, e os definitivos retroagem à data da citação, havendo majoração do valor dos alimentos, a diferença alcança somente as parcelas vencidas depois da citação. As prestações vencidas entre a fixação dos provisórios e a citação permanecem pelo valor provisório.
Esta sempre foi a posição pacífica da jurisprudência com respaldo na doutrina amplamente majoritária. Porém, nada justifica limitar a obrigação alimentar ao ato citatório. Os encargos decorrentes do poder familiar surgem quando da concepção do filho: a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro (CC, art. 4º). Ora, principalmente a partir do momento em que o pai procede ao registro do filho, está por demais consciente de todos os deveres inerentes ao poder-dever familiar, entre os quais o de assegurar-lhe sustento e educação. Enquanto os pais mantêm vida em comum, atender aos deveres decorrentes do poder familiar constitui obrigação de fazer. Cessado o vínculo de convívio dos genitores, não se modificam os direitos e deveres com relação à prole (CC, arts. 1.579 e 1.632). Restando a guarda do filho com somente um dos pais, a obrigação decorrente do poder familiar resolve-se em obrigação de dar, consubstanciada no pagamento de pensão alimentícia.
Assim, o genitor que deixa de conviver com o filho deve passar a lhe alcançar alimentos de imediato: espontaneamente, mediante pagamento de alimentos, de forma documentada, ou propondo ação de oferta de alimentos. Como os alimentos se destinam a garantir a subsistência, precisam ser pagos antecipadamente. Assim, no dia em que o genitor sai de casa, deve alimentos ao filho. O que não pode é, comodamente, quedar-se omisso e adimplir a obrigação depois da propositura da ação, e pagar somente após citado.
Cabe lembrar que, na ação de alimentos, há inversão dos encargos probatórios. Ao autor cabe tão-só comprovar o vínculo de parentesco ou a obrigação alimentar do réu. Não há como lhe impor que comprove os ganhos do demandado, pois são informações sigilosas que integram o direito à privacidade. É do réu o ônus de provar seus ganhos para que o juiz possa fixar os alimentos atendendo ao critério da proporcionalidade. Quanto à data da cessação do convívio e não-pagamento dos alimentos, compete ao autor indicar as circunstâncias em que ocorreu a mora, sendo do réu o encargo de demonstrar que continuou exercendo os deveres inerentes do poder familiar.
A mora constituiu-se quando deixou o genitor de prover o sustento do filho. Este é o marco inicial da obrigação alimentar. Descabido limitar o seu adimplemento à data da citação em face dos termos dos art. 13, § 2º, da Lei de Alimentos: Em qualquer caso os alimentos fixados retroagem à data da citação. Em se tratando de obrigação decorrente do poder familiar, é inequívoca a ciência do réu do direito reclamado pelo autor. Não há por que constituir o devedor em mora pelo ato citatório (CPC, art. 219). Assim, proposta a ação, além da prova do parentesco, mister também que venha comprovado o momento em que deixou o devedor de adimplir a obrigação. Por ocasião da sentença, o juiz fixará o termo inicial do encargo alimentar aquém da data da citação e aquém da data da propositura da ação. O dies a quo será o momento em que houve a cessação do adimplemento do dever de sustento decorrente do poder familiar.
Só assim se estará dando cumprimento ao comando constitucional que assegura, com absoluta prioridade, proteção integral a crianças e adolescentes e impõe não só à família, mas também ao Estado o dever de assegurar-lhes a cidadania.
Maria Berenice Dias é Desembargadora do Tribunal de Justiça do RS e Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM |
Os artigos assinados aqui publicados são inteiramente de responsabilidade de seus autores e não expressam posicionamento institucional do IBDFAM