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Filhos e guarda compartilhada
Os casais, quando se separam, não trocam amabilidades. Se egressos de uma união dilacerada por conflitos, alimentam, durante algum tempo, sentimentos de rancor e frustração, diante do malogro da relação de afeto e de ilusões não realizadas. Assim, na maioria dos casos, buscam reparar seu infortúnio, ora empenhando-se em tumultuar a partilha de bens, em torno da qual travam disputas acirradas, ora impondo aos filhos - crianças ou adolescentes - o difícil papel de juízes das contendas conjugais.
E, o que é pior, criam problemas resultantes da guarda, e do direito de visita a ser exercido pelo genitor não guardião. Geralmente, os filhos permanecem com a mãe, cabendo ao pai o direito de visitá-los.
Este tipo de arranjo constitui a chamada guarda unilateral e se contrapõe à guarda compartilhada a qual significa que a criança fique alguns períodos com cada um dos genitores.
Ou seja, o filho passa uma parte do seu tempo com a mãe, outra parte com o pai, alternando-se o convívio nas moradias respectivas de ambos.
A propósito da guarda conjunta, sua regulação foi cogitada por deputado federal, que apresentou projeto de lei a respeito, aliás, já aprovado pela Câmara Federal. Esse projeto introduz no Código Civil algumas indesejáveis novidades, como por exemplo estatui que o juiz deverá estabelecer o sistema da guarda compartilhada sempre que na separação ou no divórcio não houver acordo a respeito entre os litigantes.
Ademais, o projeto dispõe que o magistrado, antes de homologar a conciliação, coloque em evidência às partes, as vantagens da guarda compartilhada.
Algumas decisões do TJRS admitem a possibilidade de que a posse física dos filhos seja exercida em conjunto pelos pais. No entanto, impõem determinadas condições. Primeiro, entendem que a guarda compartilhada somente obterá sucesso quando existir convivência pacífica e harmoniosa entre os genitores. Assim sendo, não basta que os ex-cônjuges estejam de acordo, mas que também demonstrem um para com o outro respeito, compreensão e confiança.
Regra geral, o pai é o maior partidário da guarda compartilhada, haja vista que, até mesmo por aspectos culturais, cabe às mães o exercício da guarda da prole, restringindo-se as visitas paternas a curtos e escassos períodos.
É vero que há férias divididas, efemérides alternadas, mas isso eles ponderam ser insuficiente para assegurar a boa convivência parental, pois sentem-se excluídos do quotidiano dos filhos.
Assim, os defensores da guarda compartilhada se insurgem contra os caminhos burocráticos e pouco criativos que vem sendo trilhados em matéria de guarda, pelo qual cabe ao pai o pagamento da pensão alimentar e um amesquinhado direito de visita e que implicaria seguramente no afastamento afetivo dos pais não guardiões. Segundo aqueles, trata-se de resgatar o papel de cada genitor e, sobretudo, de livrá-lo das tentações do auto afastamento, diante da magnitude dos obstáculos que lhe tolhem o caminho em direção a seu filho.
Um filme recém lançado no país, "A lula e a baleia" retrata as vicissitudes de um casal americano, na década de oitenta, que, ao se separar, pactua a guarda compartilhada. Com isso, os dois filhos do casal passam a residir na casa de cada um dos pais de acordo com uma "planilha" formalizada pelos adultos. Porém, a guerra surda entre os pais, as idas e vindas frenéticas entre um lar e outro, ressoam negativamente no ânimo das crianças, presas da inconformidade e aflição.
Embora a teoria da guarda compartilhada possua como princípio inspirador o legítimo interesse dos filhos, a sua aplicabilidade, em nosso entender, na prática, somente será viável em casais que, mesmo após a separação, mantenham uma certa harmonia.
Em síntese: a sua aplicabilidade exigirá dos os operadores do Direito (advogados, juízes, promotores, assistentes sociais e psicólogos) uma atenção redobrada, uma análise profunda das peculiaridades de cada família, de cada caso, e, aos genitores, um desarmamento total, uma superação das mágoas e das frustrações que porventura ainda tenham para que, ao final, não se torne inócua a medida ou, pior, fomentadora de mais problemas do que soluções.
Rejane Brasil Filippi é advogada e sócia do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM e Marlise Beatriz Kraemer Vieira é advogada
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