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Divórcio e partilha mais fáceis: autonomia do privado
Foi publicada em 05/01/2007, e já entrou em vigor a lei nº 11.441, que modifica o Código Civil e o Código de Processo Civil para facilitar e agilizar os processos de inventário (herança), de separação e divórcio de casais.
Vários outros projetos, que modificam e interferem nas relações pessoais, estão prestes a serem aprovados no Congresso Nacional. Dentre eles, o PL nº 6655/06 que tramita em caráter conclusivo na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Ele altera a Lei de Registro Públicos (Lei nº 6015/73) e autoriza a mudança de prenome de pessoas transexuais. Se este tivesse vindo antes, Roberta Close não necessitaria ter travado uma luta de mais de 15 anos para ter o nome feminino na certidão de nascimento, assim como tantos outros transexuais que se debatem na justiça para provar que o seu sexo não é este, mas "aquele".
Coincidentemente, o IBGE divulgou recentemente as estatísticas sobre o crescimento do número de divórcios, casamentos e uniões informais e a repercussão da emancipação feminina em novos arranjos familiares. Embora os dados do IBGE não traduzam a realidade de todas as formas de constituição de família, já que não tratam das entidades familiares constituídas por pessoas do mesmo sexo, por exemplo, eles nos apresentam algo significativo: as pessoas têm, cada vez mais, liberdade para ficarem casadas ou descasarem-se. Está provado, então, que a família brasileira, além de, cada vez mais nuclear pelo seu reduzido número de pessoas, passa a ser também bi-nuclear, isto é, o núcleo pai-mãe-filho, transforma-se em núcleo mãe-filho e núcleo pai-filho.
Os casamentos, até pouco tempo, eram mantidos e sustentados em razão de uma resignação histórica das mulheres. Mesmo se não estava bem, tinha que agüentar, tinha que durar. Hoje, tanto quanto os homens, as mulheres são reconhecidamente sujeitos de desejo e de direitos. Não faz mais sentido manter um laço conjugal se este não estiver apoiado e sustentado principalmente no afeto. Aliás, o afeto é o mais novo valor jurídico, guia-mestre e sustentáculo do Direito de Família contemporâneo. Esta nova realidade demonstra a vitória da ética sobre a moral, do desejo sobre a necessidade.
A nova lei 11.441/07, além de facilitar o divórcio, a separação judicial e o recebimento de herança, inova ao primar pela menor intervenção do Estado na vida privada das pessoas. Os inventários, separações e divórcios consensuais, sem filhos menores, não precisarão mais passar pelo crivo do judiciário. Isto significa e representa também o reconhecimento da melancólica incapacidade de estrutura do judiciário, assoberbada para resolver as demandas judiciais. Ainda bem. O sistema judiciário brasileiro anda caótico. Teremos que encontrar outras soluções, outras formas de resolução de conflitos, pois este sistema, tal como está instalado, não dá respostas satisfatórias às buscas de direitos. Justiça tardia não é justiça. Talvez tenha chegado a hora de aprenderemos com as técnicas da mediação a resolver os conflitos.
Apesar da boa intenção da nova lei, há aqueles que já dizem que ela afronta a segurança das relações jurídicas. Um inventário ou uma separação, resolvidos em Cartório de Notas, pode deixar brechas para fraudes e lesões a direitos. E, mesmo com a exigência da presença de um advogado como determina a lei, através do "jeitinho brasileiro", poder-se-á, por exemplo, ter um Advogado de plantão em cada cartório, apenas para cumprir a exigência da lei. Reservas de mercado à parte, esta lei cumpre uma importante função de facilitar a vida de milhares de brasileiros que ficam, inexplicavelmente, meses, às vezes, anos, esperando burocráticas tramitações para resoluções de questões tão simples de sua vida particular nos processos judiciais de inventário e de separações/divórcios. Ao contrário do que se pensa, o Advogado ficou valorizado. Mais do que antes, o advogado ganhou mais responsabilidades na condução destas novas formas de processo.
Esperamos que o espírito desta nova lei se propague pelos três poderes idealizados por Montesquieu, para que se faça um Estado menos interventor da vida privada. Afinal, já está passando da hora do Estado respeitar a autonomia privada. Se não há intervenção judicial para casar, não há necessidade de intervenção para descasar. Precisamos mudar essa cultura intervencionista e respeitar mais a liberdade dos sujeitos, até mesmo para que responsabilizem mais pelos seus atos.
Rodrigo da Cunha Pereira , 48, advogado, doutor (UFPR) e mestre (UFMG) em Direito, professor da PUC/MG e presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM. |
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