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A nova lei de separações e divórcios extrajudiciais
A recém-promulgada Lei nº 10.441, de 4 de janeiro de 2007, tornou possível a realização de divórcios e separações consensuais por meio de escritura pública, desde que obedecidos certos requisitos.
Até agora o divórcio e a separação eram necessariamente judiciais, devendo inclusive o juiz, antes de decretar a separação ou o divórcio, envidar esforços no sentido de reconciliar o casal (CPC, art. 1.122; Lei do Divórcio, art. 3º, § 2º). Isso porque, do ponto de vista sociológico, a família é a célula mater da sociedade e, como tal, deve ser preservada pelo Estado (Constituição, art. 226, caput). No entanto, essa prática caiu em desuso porque quando os cônjuges chegam a ponto de se dirigirem ao juiz para pedir o divórcio ou a separação é porque eles mesmos já tentaram por todas as formas manter o casamento, sem êxito. Assim, a interferência do juiz, a essa altura, mostra-se inteiramente despropositada, principalmente nos casos de pessoas separadas de fato há muitos anos e que até já constituíram outras famílias por meio de uniões livres.
Tal é o estado de coisas atualmente que, em muitos casos, a participação do juiz se tornou meramente burocrática, consistente em referendar aquilo que as partes lhe trazem como acordo de separação ou de divórcio, sem maiores considerações.
Por essas razões, é em boa hora que a Lei nº 10.441/07, acrescentando o art. 1.124-A ao Código de Processo Civil, veio permitir que o divórcio consensual e a separação consensual sejam realizados extrajudicialmente, por escritura pública, naqueles casos em que o casal não tem filhos menores ou por outro modo incapazes.
Todavia, logo que promulgada a lei, surgiram inúmeras questões que merecem a nossa reflexão. Uma delas é saber se é possível realizar também a conversão de separação judicial em divórcio por escritura, visto que a nova lei não esclarece se esse procedimento se aplica a todas as modalidades de divórcio. Cabe considerar que, se a lei não limita sua aplicação apenas ao divórcio direto, presume-se que alcança também o divórcio por conversão.
Ainda quanto a essa questão, poder-se-ia argumentar que o divórcio por conversão extrajudicial é inconstitucional, visto que a Constituição prevê apenas a conversão da separação judicial. Acontece que a lei e a Constituição usam o termo separação judicial para designar o ato jurídico que dissolve a sociedade conjugal; separação judicial é apenas o nomen juris desse ato, o qual até agora só podia praticar pelo procedimento judicial. Se essa dissolução agora pode ser obtida extrajudicialmente, então teremos que chamá-la por outro nome, quem sabe separação extrajudicial, o que não modifica a natureza do ato nem retira as suas conseqüências. Mas a Constituição não impõe que a dissolução da sociedade conjugal só possa ser obtida por via judicial, nem tampouco que o divórcio, direto ou por conversão, deva ser necessariamente judicial. Sendo assim, não há óbice constitucional a que a dissolução da sociedade conjugal, seja judicial seja extrajudicial, possa convertida em divórcio. Nem, tampouco, a que essa conversão também seja feita extrajudicialmente.
Outra questão, intimamente ligada à anterior, se refere aos estados civis. Até agora uma pessoa poderia ser solteira, casada, separada judicialmente, divorciada ou viúva. Mas com a nova lei a separação pode ser judicial ou extrajudicial, de modo que uma pessoa pode também ser separada extrajudicialmente. Consideramos que a melhor denominação para esse estado civil é separado juridicamente, para distinguir da mera separação de fato. A separação jurídica, portanto, seria um gênero, do qual são espécies a separação judicial e a extrajudicial, no que se refere ao procedimento; e a consensual e a litigiosa, quanto à convergência das vontades dos cônjuges.
Pode-se indagar também se é possível restabelecer a sociedade conjugal por meio de escritura, especialmente quando a sociedade conjugal foi desconstituída por sentença transitada em julgado. A lei é omissa também quanto a esse aspecto, mas é preciso ter presente que o intuito do legislador foi exatamente o de facilitar a vida das pessoas, desobrigando-as de recorrer ao Poder Judiciário para constituir ou desconstituir a sociedade conjugal e o casamento. Não seria lógico que o casal fosse dispensado do procedimento judicial para obter a separação jurídica e, ao mesmo tempo, não pudesse se valer dessa facilidade para reconstituir o mesmo vínculo.
Indaga-se ainda se o procedimento extrajudicial é obrigatório nos casos em que o casal não tenha filhos menores ou incapazes. A resposta é negativa, pois a lei diz que a separação consensual e o divórcio consensual poderão ser realizados por escritura pública e não que deverão ser realizados desse modo.
Outro problema que surge é se devemos obedecer à regra do domicílio privilegiado da mulher para os processos de separação e divórcio (CPC, art. 100, I). Convém lembrar que essa regra já foi julgada inconstitucional em algumas oportunidades; que se cuida de competência relativa, a qual pode ser derrogada pela vontade das partes; que se trata de competência jurisdicional, a qual não deve ser observada necessariamente para a prática de atos extrajudiciais. Assim, não há nenhuma razão que determine a obrigatoriedade de lavratura da escritura de separação ou de divórcio no local de domicílio da mulher.
Devemos acrescentar que a Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015, de 31/12/73) estabelece competência para a prática de atos registrais e de averbação, mas não o faz para os atos de escrituração, de modo que as escrituras podem ser lavradas em qualquer cartório escolhido livremente pelas partes. Todavia, de acordo com a nova lei, a escritura de separação ou divórcio deve ser averbada no cartório do registro civil onde se realizou o casamento e em cada um dos cartórios de registro de imóveis correspondentes aos bens que foram partilhados.
Uma questão final refere-se à prova da separação de fato para fim de obtenção do divórcio. Tal prova deve ser colhida diretamente pelo escrivão, em regra mediante oitiva de uma testemunha sobre esse fato.
Dir-se-á, certamente, que a nova lei visa tão somente desafogar o Judiciário do volume de trabalho que o acossa e que provoca inadmissível demora na tramitação dos processos. Isso é verdade apenas em parte, pois a atividade jurisdicional é subsidiária, isto é, substitutiva da vontade das partes. Por isso, o Poder Judiciário só deve ser chamado a se manifestar naqueles casos em que as partes, por si só, não conseguem resolver seus litígios. Se as partes conseguem, com a intervenção dos seus advogados, chegar a um bom termo, não faz sentido que tal solução deva ser submetida obrigatoriamente ao juiz, apenas para cumprir uma formalidade. É inteiramente sem sentido!
Por isso, devemos receber a novidade introduzida pela lei como um avanço em nossa sociedade e, sobretudo, como uma medida que visa a facilitar a vida das pessoas. E não apenas como algo que veio apenas para desafogar o Poder Judiciário.
Romualdo Baptista dos Santos- Advogado, Procurador do Estado de São Paulo, sócio do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM, membro do grupo de estudos Professora Giselda Hironaka |
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