Artigos
Violência Patrimonial
@rolfmadaleno
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define a violência como o uso de força física ou poder, real ou ameaça, contra si mesmo, outra pessoa ou um grupo ou comunidade, resultando ou podendo resultar em sofrimento, morte, dano psicológico, desenvolvimento prejudicado ou privação. Existem distintos sistemas de opressão, por gênero, raça, classe social, sexualidade, nível de pobreza, idade, etecétera. A violência familiar é por certo a mais paradoxal de todas formas de violência, porque a agressão parte daqueles de quem se espera a maior proteção e de onde não se deveria aguardar qualquer forma de abuso. Existem diversas formas e graus de crueldade no âmbito da violência familiar, especialmente contra a mulher, culturalmente submetida à dependência dos homens e usualmente destinatária de pouquíssima independência e autonomia, estando sempre e pretensamente submetida à proteção de um homem, fosse ele o seu pai até o casamento, quando então pertencia ao marido, ou ao cunhado ou seus irmãos se restasse viúva ou permanecesse solteira. Somente em 2006, com a Lei Maria da Penha, surgem mecanismos pretendendo coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, sem que tivessem nome outras formas de violência que trespassassem a brutalidade física e verbal, como sucede com a violência psicológica, sexual, moral, econômica e patrimonial, que existiam mas não tinham nome, e por isto não eram diretamente identificadas. A violência patrimonial é de gravidade extrema diante das suas consequências, já que a falta de independência econômica obriga a mulher a se manter em estado permanente de agressão e assim não consiga romper o círculo desta brutalidade. Poder que muitas vezes é posto em prática no auge da relação afetiva, cuidando o controlador de nunca dar mais dinheiro do que estritamente indispensável para a subsistência básica e que outorgue algum grau de liberdade à mulher, que precisa estar sempre em situação de desvantagem. Pela violência patrimonial ou econômica as vítimas têm manejo restrito de dinheiro ou de bens; não têm acesso a trabalho ou profissão e o abuso financeiro cresce na crise conjugal, pois sempre sem dinheiro e sem acesso aos bens de sua meação, enfrentam longas ações judiciais e desvios fraudulentos de bens que provocam a asfixia econômica e financeira da mulher e cujas táticas processuais as empurram para outras formas de punição, de desgaste físico e emocional e de intimidação, nascendo com o litígio judicial a violência processual, esta, caracterizada pelo uso do sistema de justiça para destruir as últimas forças de crença e de esperança na justiça, e que ainda habitam as expectativas de uma esposa ou companheira em sua luta desigual, mas cujas expectativas se agravam ainda mais, quando o próprio sistema judicial impõe dificuldades processuais, quando, por exemplo, prioriza o pagamento das custas judiciais em detrimento da gratuidade judiciária, e quando nega imprescindíveis quebras do sigilo fiscal, bancário, financeiro e judicial, provas essenciais em ações de alimentos e de partilha de bens para o combate da fraude, na tentativa de vencer o arroxo financeiro e patrimonial de um parceiro ressentido, surgindo deste corriqueiro roteiro processual a violência institucional, outra forma de violência igualmente drástica e desestimulante e que impede que as mulheres exerçam direitos previstos na lei, sob a desculpa institucional de que a quebra de sigilos só deve ser autorizada em matéria criminal, como se a violência patrimonial não fosse crime tipificado na própria Lei Maria da Penha e como se com estes obstáculos processuais a violência familiar não encontrasse novos e inaceitáveis ciclos de opressão.
Os artigos assinados aqui publicados são inteiramente de responsabilidade de seus autores e não expressam posicionamento institucional do IBDFAM