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Novas Tecnologias e o Direito de Família: Avanços, Desafios e Perspectivas.
Nathana Santos[1]
Resumo
A incorporação de novas tecnologias ao cotidiano familiar tem transformado de maneira profunda a produção de provas, o acompanhamento de situações de risco e a condução de processos judiciais no Direito de Família. Redes sociais, aplicativos de comunicação e registros digitais passaram a integrar a dinâmica familiar, tornando-se fontes relevantes de evidências em disputas relacionadas à guarda, pensão alimentícia e alienação parental. Ao mesmo tempo, ferramentas de inteligência artificial vêm sendo empregadas para identificar padrões associados a violência doméstica ou negligência, permitindo intervenções preventivas mais ágeis e eficazes. No campo da filiação, os avanços da genética ampliaram a precisão e confiabilidade dos testes de DNA, garantindo maior segurança jurídica em processos de reconhecimento parental e impactando diretamente direitos sucessórios e alimentares. Contudo, esse cenário também apresenta desafios importantes, especialmente quanto à proteção da privacidade, ao tratamento de dados sensíveis e aos riscos de uso indevido dessas informações. A ausência de regulamentação específica no Brasil intensifica tais preocupações, gerando insegurança para profissionais do direito e para as famílias envolvidas. Assim, o presente artigo examina as potencialidades e limitações das tecnologias contemporâneas no Direito de Família, propondo reflexões sobre caminhos regulatórios e éticos para seu uso responsável.
Palavras-chave: Tecnologia; Direito de Família; Provas Digitais; Inteligência Artificial; Filiação.
Abstract
The incorporation of new technologies into daily family life has profoundly transformed the production of evidence, the monitoring of at-risk situations, and the conduct of legal proceedings in Family Law. Social networks, communication applications, and digital records have become integrated into family dynamics, becoming relevant sources of evidence in disputes related to custody, child support, and parental alienation. At the same time, artificial intelligence tools are being used to identify patterns associated with domestic violence or neglect, allowing for faster and more effective preventive interventions. In the field of filiation, advances in genetics have increased the accuracy and reliability of DNA tests, ensuring greater legal certainty in parental recognition processes and directly impacting inheritance and alimony rights. However, this scenario also presents significant challenges, especially regarding privacy protection, the handling of sensitive data, and the risks of misuse of this information. The absence of specific regulations in Brazil intensifies these concerns, generating insecurity for legal professionals and the families involved. Thus, this article examines the potential and limitations of contemporary technologies in Family Law, proposing reflections on regulatory and ethical paths for their responsible use.
Keywords: Technology; Family Law; Digital Evidence; Artificial Intelligence; Parentage.
Introdução
A aceleração do desenvolvimento tecnológico nas últimas décadas tem provocado uma reconfiguração significativa das formas de interação humana, impactando as relações interpessoais e no âmbito legal, alcançando diretamente as relações familiares e a atuação do Direito de Família. As fronteiras entre vida privada, vida digital e convivência social tornaram-se cada vez mais fluidas, de modo que comportamentos, vínculos afetivos e dinâmicas de cuidado passam a ser registrados e mediados por ferramentas tecnológicas. Redes sociais, aplicativos de mensagens, plataformas de compartilhamento de imagens e vídeos, dispositivos de monitoramento e sistemas baseados em inteligência artificial integram, hoje, o cotidiano das famílias brasileiras, produzindo informações que podem tanto fortalecer laços quanto evidenciar conflitos.
Sob essa ótica, o Direito de Família se vê diante de um duplo desafio: compreender como esses recursos tecnológicos podem contribuir para a proteção de crianças, adolescentes e adultos vulneráveis, e, ao mesmo tempo, enfrentar os riscos que tais ferramentas apresentam em termos de privacidade, manipulação de dados e desigualdade de acesso. A utilização de provas digitais em disputas de guarda, a identificação de padrões de violência doméstica por meio de algoritmos, e a crescente precisão dos testes genéticos para fins de filiação são alguns dos exemplos de mecanismos que aproximam tecnologia e justiça, mas que também demandam reflexão crítica.
O presente artigo busca, portanto, analisar de forma aprofundada os impactos das novas tecnologias no Direito de Família, investigando suas potencialidades, seus limites éticos e jurídicos e a necessidade urgente de regulamentação específica no ordenamento jurídico brasileiro. Parte-se da premissa de que a inovação tecnológica pode ser aliada da proteção familiar, desde que seu uso seja orientado por princípios constitucionais, como dignidade, privacidade, segurança jurídica e proteção integral.
1. A proteção do núcleo familiar através das redes sociais
É notório que, desde meados do final da década de 1980, a vida digital tem se tornado uma extensão da vida real. A tecnologia, internet e suas ramificações têm conquistado um vasto território no que tange às relações interpessoais. Interações em redes sociais, mensagens de aplicativos e registros digitais podem refletir comportamentos, vínculos e rotinas familiares de maneira precisa. No âmbito do Direito de Família, esse material tem crescente relevância probatória.
Sob esse prisma, o lastro documental que participa ativamente entre as disputas e processos intrafamiliares envolve postagens, conversas e registros em plataformas digitais, de forma que tais registros eletrônicos vêm sendo admitidos como evidência em processos de guarda, pensão alimentícia (cita-se, por exemplo, a teoria da aparência usada em processos de majoração de pensão, como apontado pela advogada e associada do IBDFAM, Kelly Angelina de Carvalho, “Trata-se de uma teoria moderna difundida pela doutrina e jurisprudência. Por meio dela, uma situação se manifesta como real quando, na verdade, é irreal, isto se dá em razão da desproporção existente entre o que se alega e a realidade ora manifestada”), alienação parental e regulamentação de convivência. Esses elementos podem demonstrar presença ou ausência de cuidados, condutas abusivas, descumprimento de acordos ou vínculos afetivos. Em disputa de guarda, o tribunal de justiça do estado de São Paulo, sob a relatoria do desembargador José Carlos Ferreira Alves, admitiu prints de redes sociais como prova de alienação parental, desde que acompanhados de perícia técnica para verificar a integridade. Tal decisão reforça o uso de registros digitais em processos familiares.
Na esteira da relevância prática, o monitoramento e prevenção de riscos também é um fator considerável. Ferramentas de inteligência artificial e aplicativos de segurança, por exemplo, podem ajudar a identificar padrões associados à violência doméstica, negligência e outras situações que configurem risco à integridade do núcleo familiar. Tais sistemas possibilitam atuação preventiva, de forma que facilite intervenções mais ágeis. Dessa forma, por exemplo, a otimização de decisões judiciais no que concerne ao acesso de dados digitais bem estruturados, que também pode contribuir para decisões mais céleres e embasadas, sobretudo em casos que envolvem crianças e adolescentes, por exemplo, em que a urgência é elemento central.
2. DNA e Testes Genéticos como Ferramenta de Comprovação de Filiação
Enquanto as redes sociais fortalecem a proteção familiar, os avanços genéticos trazem outra dimensão à filiação. A evolução das ciências genéticas revolucionou a forma como o direito lida com o tema, tornando mais precisos e confiáveis os métodos de comprovação biológica. Apesar da responsabilização quanto à pensão ainda ser objeto de disputa nos tribunais, mesmo com o exame de DNA negativo, é inegável que o avanço dos testes genéticos e a inserção destes ao lastro probatório nos processos familiares representam um grande impacto no Direito de Família. O Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente destacado a centralidade dos exames genéticos na comprovação da filiação. A Súmula 301 estabelece que “a recusa do suposto pai em submeter-se ao exame de DNA induz presunção de paternidade”, reforçando o papel probatório da tecnologia científica. O Tribunal também admitiu o uso combinado de testes genéticos e elementos sócio afetivos, o que evidencia a transversalidade da tecnologia–afetividade no Direito de Família contemporâneo.
Sob a ótica da relevância no ordenamento jurídico, a precisão e segurança são elementos cruciais, de tal forma que os testes de DNA permitem o reconhecimento rápido e seguro da paternidade ou maternidade, reduzindo litígios prolongados e evitando decisões baseadas em presunções. No que tange os impactos patrimoniais e civis, por exemplo, a comprovação de filiação repercute em direitos sucessórios, definição de pensão alimentícia e regularização do registro civil, garantindo direitos fundamentais à pessoa investigada ou à terceiros.
A tecnologia genética e a transformação das práticas tradicionais moderniza procedimentos e confere maior objetividade ao Direito de Família, reforçando a busca pela verdade real.
3. Contrapontos e Desafios Éticos
Apesar dos avanços, o uso de tecnologias no Direito de Família apresenta importantes desafios que merecem reflexão.
3.1 Riscos de invasão de privacidade e uso indevido de informações
O tratamento de dados digitais e genéticos envolve informações extremamente sensíveis, como conversas privadas em redes sociais, localização geográfica ou resultados de exames de DNA, que podem revelar detalhes íntimos sobre vínculos familiares, saúde e comportamentos. Vazamentos ou usos indevidos desses dados, frequentemente decorrentes de falhas em plataformas digitais ou manipulações em processos judiciais, podem gerar danos profundos à família, incluindo traumas emocionais (como exposição pública de conflitos conjugais), prejuízos psicológicos (especialmente em crianças afetadas por alienação parental) e perdas patrimoniais (ex.: disputas sucessórias baseadas em informações genéticas roubadas). Esses riscos são exacerbados em um contexto de desigualdade digital, onde famílias vulneráveis têm menos controle sobre seus dados.
Assim, surge o desafio de equilibrar a proteção dos interesses familiares, como a garantia de direitos em disputas de guarda ou filiação, com a necessária preservação da privacidade, reconhecida como direito fundamental pela Constituição Federal de 1988 (art. 5º, X e XII). A Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018) reforça essa proteção ao classificar dados genéticos e digitais como sensíveis (art. 5º, II), impondo princípios como adequação e segurança (art. 6º) para evitar abusos. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, como na ADPF 548/DF (BRASIL, 2020), declara inconstitucional o compartilhamento irrestrito de dados pessoais, destacando que violações podem comprometer a dignidade humana (art. 1º, III, da CF/1988) e a proteção integral de crianças (art. 227 da CF/1988).
Para mitigar esses riscos, é essencial promover a conscientização ética entre operadores do direito, incentivando o uso de ferramentas de anonimização e perícias técnicas, assegurando que a inovação tecnológica não sacrifique a intimidade familiar em prol da justiça.
3.2 Lacunas e necessidade de regulamentação
Além dos riscos de privacidade, a ausência de regulamentação agrava a situação. A incorporação de novas tecnologias ainda não encontra respaldo normativo suficientemente claro no Brasil. A ausência de legislação específica cria insegurança jurídica para juízes, advogados e famílias, dificultando a uniformização de entendimentos e a aplicação segura dessas ferramentas.
No contexto social, a desigualdade digital afeta diretamente famílias de baixa renda, que muitas vezes dependem exclusivamente de telefones celulares com acesso limitado à internet. Isso impacta tanto a produção quanto a conservação de provas digitais, criando assimetrias probatórias entre os litigantes. Segundo a pesquisa TIC Domicílios (2023), aproximadamente 28% das residências brasileiras não possuem computador, o que evidencia a necessidade de políticas públicas voltadas à inclusão tecnológica das famílias vulneráveis. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) determina, em seu art. 17, o direito à preservação da imagem e da dignidade. Assim, a coleta, apresentação e armazenamento dessas inovações jurídicas eletrônicas envolvendo menores deve ser interpretada à luz do princípio da proteção integral, evitando exposição indevida em redes sociais ou no processo.
O avanço tecnológico exige respostas rápidas do legislador e das instituições. Recomenda-se a criação de regulamentação específica sobre o uso de inteligência artificial em processos de família, estabelecendo critérios de transparência, auditabilidade e não discriminação. Sugere-se ainda a capacitação contínua de magistrados e operadores do direito no manejo de provas digitais, além da implementação de núcleos de perícia tecnológica por parte do próprio Poder Judiciário.
3.3 O desafio da segurança e integridade do lastro probatório
Uma preocupação que persiste entre os tribunais, sejam eles regionais ou superiores, é a integridade da prova digital. Os tribunais superiores têm reiteradamente considerado prints de WhatsApp Web, por exemplo, como meio de prova frágil quando desacompanhados de verificação técnica, pois não atestam autoria nem integridade do conteúdo. Em casos assim, recomenda-se a utilização de exportação completa da conversa, perícia técnica ou ata notarial. Em paralelo, o Superior Tribunal de Justiça, no recurso especial sob nº1.719.647/SP, sob a relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, trata da validade de registros eletrônicos (assinaturas digitais e e-mails) em processos trabalhistas, mas aplicável analogicamente às disputas familiares. O tribunal exige robustez técnica para a autenticidade, corroborando a necessidade de demonstração de fidedignidade em provas digitais.
A admissibilidade e a força probatória dos elementos digitais no Direito de Família estão diretamente relacionadas ao arcabouço normativo que rege a produção e a preservação das provas tecnológicas. O ponto de partida é o art. 369 do CPC, que consagra o princípio da liberdade de prova, permitindo a utilização de meios não especificados no Código desde que legais e moralmente legítimos (DIDIER JR., 2015, p. 450), que consagra o princípio da liberdade de prova ao estabelecer que "as partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos". Isso permite que registros de redes sociais, conversas de aplicativos, dados de geolocalização e metadados sejam utilizados desde que atendam aos critérios de autenticidade, integridade e confiabilidade.
Nesse sentido, o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) reforça essa estrutura ao disciplinar a guarda, a preservação e o fornecimento de registros eletrônicos, criando parâmetros técnicos para a rastreabilidade e a integridade dos dados, especialmente em seu art. 10 e seguintes, que abordam especificamente os temas de proteção aos registros, aos dados pessoais e comunicações privadas. Assim, quando o litigante pretende utilizar conteúdo digital para comprovar condutas relacionadas a guarda, convivência, alienação parental ou violência doméstica, por exemplo, deve observar que a origem dos dados e o modo de obtenção sejam verificáveis, sob pena de não acolhimento como lastro probatório no processo.
No que diz respeito ao ônus da prova, vigora a regra geral do art. 373 do CPC, embora, no contexto de documentos eletrônicos, a análise judicial costume exigir um grau maior de robustez técnica. A prova digital, mais suscetível a manipulações, demanda demonstração clara de sua fidedignidade, sob pena de fragilidade perante o julgador. O art. 429 do CPC, embora trate da falsidade documental, tem sido invocado analogicamente: quem produz o documento digital deve ser capaz de demonstrar sua autenticidade quando questionado. Nas cortes superiores, o entendimento foi consolidado através da relatoria da Ministra Nancy Andrighi, no recurso especial sob nº 1.827.059/RS, onde aplicou analogicamente o art. 429 do CPC a provas digitais, impondo ao produtor demonstrar autenticidade, reforçando a suscetibilidade a manipulações e o maior rigor técnico.
3.4 Lei Geral de Proteção de Dados no campo do Direito de Família
A Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/2018) acrescenta uma camada essencial de complexidade ao uso de tecnologias no Direito de Família, especialmente porque grande parte das informações mobilizadas nesses litígios, mensagens privadas, dados de localização, imagens de crianças, informações sobre saúde mental e exames genéticos, se enquadram como dados pessoais sensíveis (art. 5º, II). O tratamento inadequado desses dados pode violar direitos fundamentais ligados à intimidade, ao desenvolvimento da personalidade e à autodeterminação informativa.
Ao mesmo tempo em que a LGPD não se aplica ao uso de dados para fins exclusivamente pessoais e não econômicos (art. 4º, I), sua incidência torna-se inequívoca quando o material é compartilhado em processos judiciais, armazenado por instituições públicas ou produzido por terceiros responsáveis pela coleta e guarda de informações, como clínicas de DNA, provedores de internet e plataformas de mensagens. Assim, tanto provas digitais quanto testes genéticos utilizados em demandas familiares devem observar os princípios da finalidade, necessidade, adequação, segurança e prevenção (art. 6º).
No campo dos registros eletrônicos, isso significa que capturas de tela, áudios, vídeos e dados de aplicativos só devem ser coletados e apresentados quando estritamente necessários à demonstração do fato controvertido, evitando exposição excessiva da vida privada de crianças, adolescentes ou ex-cônjuges. Já no âmbito dos testes genéticos, a proteção é ainda mais rigorosa: resultados de exame de DNA são considerados dados sensíveis de saúde e identidade biológica, de modo que seu vazamento ou compartilhamento indevido configura infração grave, sujeita a sanções que vão desde advertência até multa e, em casos extremos, proibição parcial do funcionamento da empresa responsável (art. 52).
Há casos registrados pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) envolvendo vazamento de informações médicas e genéticas em laboratórios privados, resultando em aplicação de sanções administrativas por falhas na segurança e ausência de medidas de mitigação de risco. Esses precedentes demonstram que, mesmo quando utilizados legitimamente como prova, os dados sensíveis devem ser armazenados e transmitidos com elevados padrões de proteção.
Portanto, a Lei Geral de Proteção de Dados reforça essa proteção ao classificar dados genéticos e digitais como sensíveis, exigindo tratamento ético para evitar violações à intimidade (MARINONI, 2016, p. 320), intensificando a necessidade de que operadores do Direito de Família atuem de maneira ainda mais cautelosa na manipulação de elementos digitais e genéticos, equilibrando inovação com princípios constitucionais como dignidade e privacidade (DIDIER JR., 2015, p. 200; MARINONI, 2016, p. 150), garantindo que a busca pela verdade real não se faça às custas da privacidade e da dignidade dos envolvidos, especialmente crianças e adolescentes.
Conclusão
O avanço tecnológico, como explorado ao longo deste artigo, abriu importantes oportunidades para a proteção e o acompanhamento de dinâmicas familiares, seja por meio de provas digitais em disputas de guarda e alienação parental, seja pelo uso de inteligência artificial para intervenções preventivas contra violência doméstica, ou ainda pelos testes genéticos que asseguram precisão na filiação. Esses instrumentos, fundamentados no princípio da liberdade de prova (art. 369 do CPC) e na busca pela verdade real, potencializam a justiça familiar, permitindo decisões mais céleres e embasadas, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça em casos como o REsp 1.827.059/RS, que valida o rigor técnico em provas digitais.
No entanto, esses recursos devem ser utilizados de forma ética e responsável, equilibrando inovação com a proteção da intimidade e segurança jurídica, princípios constitucionais fundamentais. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, X e XII, garante a inviolabilidade da intimidade, da vida privada e da honra, enquanto a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018) impõe deveres de transparência e adequação no tratamento de dados sensíveis, como aqueles genéticos ou digitais envolvendo crianças (art. 6º da LGPD). O debate acerca da regulamentação é urgente, pois a ausência de normas específicas no Direito de Família gera inseguranças, como evidenciado em decisões do Supremo Tribunal Federal, como a ADPF 548/DF (BRASIL, 2020), que reforça limites ao compartilhamento de dados pessoais para evitar abusos. O Direito de Família, ancorado na dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/1988) e na proteção integral de crianças e adolescentes (art. 227 da CF/1988 e Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei nº 8.069/1990), deve se preparar para responder aos desafios da vida digital contemporânea, evitando desigualdades e violações éticas.
Perspectivamente, urge a adoção de políticas regulatórias, como a criação de protocolos para o uso de IA em processos judiciais, com critérios de auditabilidade e não discriminação, inspirados no Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014). Recomenda-se ainda a capacitação de operadores do direito e a implementação de núcleos de perícia tecnológica pelo Poder Judiciário, visando uniformizar entendimentos e mitigar riscos de manipulação probatória. Esses caminhos, fundamentados em princípios como proporcionalidade e razoabilidade (art. 5º, LIV e LV, da CF/1988), assegurarão que a tecnologia sirva à justiça familiar sem comprometer direitos fundamentais.
Este artigo propõe contribuir para a reflexão crítica e fomentar discussões dentro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), incentivando a comunidade jurídica a integrar novos recursos tecnológicos de forma responsável e eficiente. Ao promover um diálogo entre inovação e ética, esperamos inspirar avanços regulatórios que fortaleçam a proteção familiar em um mundo cada vez mais digital, garantindo que o progresso tecnológico seja aliado da justiça e da equidade social.
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