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Olhar uma criança é a prova de Deus
Na teologia cristã e pela tradição bíblica, todo ser humano é criado à imagem e semelhança de Deus (Gênesis 1:27). Olhar para uma criança, com seu coração sincero, pensamentos e intenções corretas, dependência e potencial, pode ser uma das formas mais puras de contemplar essa imagem divina. Uma forte evidência da presença de Deus no mundo.
É uma condição espiritual necessária para se ter comunhão com Deus sermos criança, ainda não tocada pelas malicias e malefícios do mundo, sem as atitudes corrompidas que podem deturpá-la depois de crescida. Antes de o ser humano ser moldado por ideologias, egoísmo, orgulho ou posições radicais. Teologicamente, a criança como um ícone do amor e da ternura divina.
“Em verdade vos digo que qualquer que não receber o reino de Deus como uma criança, de maneira nenhuma entrará nele.” (Lucas 18:17).
O versículo ensina que para entrar no Reino de Deus é preciso ter uma atitude de confiança, humildade e entrega, semelhante à de uma criança. Elementos atitudinais indispensáveis: assim como uma criança confia em seus pais, quem quer seguir a Deus precisa ter essa mesma confiança e entrega total a Ele. A seu turno, a humildade de quem não se vangloria é uma qualidade essencial.
Jesus usa justamente a figura da criança como símbolo da fé verdadeira, confiante, humilde e pura. Isso reforça a ideia de que há algo de divino perceptível nas crianças, algo mais profundo que reflete sobre a natureza de Deus e o seu Reino: "Deixai vir a mim os pequeninos e não os impeçais, porque dos tais é o Reino de Deus." (Marcos, 10:14)
Não é apenas uma figura de linguagem, é um profundo ensinamento espiritual. A criança confia sem precisar de provas. Ela depende, mas não teme. Ela crê com o coração aberto. A presença de uma criança pode nos lembrar do valor da vida, da responsabilidade que temos com o futuro e do poder transformador do cuidado, da educação e do amor.
Olhar para uma criança, com sua inocência, estado de purificação e potencialidade, desperta um senso de maravilha, beleza e propósito que remete a algo maior que nós mesmos. É natural, portanto, que diante da complexidade e perfeição da vida, nela encontremos uma conexão espiritual e uma prova da existência de Deus.
A teologia natural ensina que é possível conhecer aspectos de Deus através da razão e da observação da natureza, sem depender de revelação sobrenatural. Dentro dessa visão, olhar para uma criança, seu desenvolvimento, seus sentidos, sua capacidade de aprender e amar, faze-nos, portanto, testemunhas da complexidade e da beleza da criação. Leva-nos diretamente à intersecção entre o mistério da vida, a imagem de Deus no ser humano, e a revelação do divino através da criação.
Para teólogos como Tomás de Aquino, a ordem, a finalidade e a beleza do mundo são vestígios de Deus (“Vestigia Dei”). Há evidências de Deus na criação. Assim,
uma criança poderia ser considerada uma “prova” empírica da ação de um Criador inteligente e amoroso.
Teólogos como o suíço Hans Urs von Balthasar (1905-1988) e outros contemporâneos discutem a infância como um estado espiritual, uma maneira de se relacionar com Deus de forma autêntica, sem máscaras, como uma criança que confia plenamente em seus pais. Ser sincero, cuja origem latina (“sine cera”), diz-nos não usar ceras para disfarces. Olhar uma criança, nesse sentido, pode ser um lembrete do tipo de relacionamento que Deus deseja.
Na teologia cristã, especialmente na escatologia (estudo das últimas coisas), as crianças também são sinais de esperança: elas representam o futuro da criação redimida, o “novo céu e nova terra”. O nascimento de cada criança pode ser visto como uma renovação, uma reafirmação de que Deus ainda está presente na história, conduzindo-a a um propósito maior. Ou seja, cada criança que nasce testemunha que a criação de Deus não cessou, ela continua viva, dinâmica, cheia de propósito.
A criança como sinal da Criação Divina situa-se no fato sublime de toda vida humana ser vista como um dom vindo d’Ele. O nascimento de uma criança, complexo, misterioso, milagroso, remete à ação contínua do Criador no mundo, pelo que olhar uma criança nela encontra-se Deus.
"Tu criaste o íntimo do meu ser e me teceste no ventre de minha mãe. Eu Te louvo porque me fizeste de modo especial e admirável; tuas obras são maravilhosas." (Salmo 139:13-14). O salmista expressou profunda gratidão por esse encontro da criança como prova de Deus, no reconhecimento de sua imagem em cada ser humano.
A criança é considerada o modelo do tipo de fé e relação que Deus deseja com os seres humanos: confiante, humilde, dependente. Isso reforça que a criança não só aponta para Deus, mas nos ensina como nos aproximar d’Ele. Ela é o espelho do Amor Divino, porque o amor de uma criança é verdadeiro, inteiro e imediato. Ela ama antes de entender, antes de julgar, antes de pesar consequências. E esse tipo de amor é o reflexo mais próximo do amor de Deus por nós: incondicional, eterno e sem reservas.
A criança reflete essa imagem com clareza, com seu sorriso espontâneo, sempre pronto a iluminar a vida, sua confiança nos pais, sua capacidade de perdoar e recomeçar. Tudo nela é um chamado à espiritualidade, grita eternidade, pureza e luz, elementos que apontam diretamente para o Criador (“Imago Dei”).
Uma criança prova que Deus existe não por argumentação lógica, mas por ela ser, por encarnar a beleza, o mistério e o amor que se associam ao divino, com sua origem transcendente. A criança sempre nasce para melhorar o mundo. É Deus dizendo que Ele ainda acredita na humanidade, a “promessa da graça” como plano de salvação.
Jones Figueirêdo Alves é Desembargador Emérito do TJPE. Advogado e parecerista
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