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Provimento 11/2025 CNCGJ do Espírito Santo: possibilidade de alteração do regime de bens do casamento diretamente no cartório?
Marília Pedroso Xavier. Professora da UFPR. Doutora pela USP. Advogada
Cíntia Burille. Doutoranda pela UFPR. Advogada
É inegável que a iniciativa representa uma resposta importante às críticas da doutrina familiarista, que há anos aponta a necessidade de simplificar o procedimento de alteração do regime de bens do casamento e de extrajudicializá-lo. Atualmente, a necessidade de ajuizar uma demanda judicial gera custos e burocracia excessiva, retardando a solução de questões patrimoniais consensuais. Também há evidente descompasso com o tratamento jurídico conferido à união estável, uma vez que, para essa forma de constituir família, a mudança de regime de bens extrajudicial é permitida desde meados de 2023, após a publicação dos Provimentos nº 141 e 146, da Corregedoria Nacional do Conselho Nacional de Justiça.
No entanto, cumpre destacar que, de acordo com a legislação federal vigente, a alteração do regime de bens do casamento somente é admitida mediante decisão judicial. O artigo 1.639, §2º, do Código Civil, prevê expressamente a necessidade de autorização judicial, condicionada a pedido motivado de ambos os cônjuges, à apuração da procedência das razões invocadas e à ressalva dos direitos de terceiros. Em complemento, o artigo 734, do Código de Processo Civil, disciplina o procedimento da ação de alteração de regime de bens, de natureza de jurisdição voluntária, que deve ser proposta perante a Vara de Família – ou, na sua ausência, na Vara Cível.
É importante ressaltar que a necessidade de revisão legislativa já foi reconhecida no Congresso Nacional. O Projeto de Lei 2.285/2007, conhecido como Estatuto das Famílias do IBDFAM, já propunha a retirada da obrigatoriedade de intervenção judicial. Na mesma linha, o Projeto de Lei 9.498/2018, denominado PL da Desburocratização, também avançava na direção da simplificação. Mais recentemente, o Projeto de Lei 4/2025, que trata de uma ampla revisão do Direito Civil, propôs nova redação ao §2º do artigo 1.639, afastando a obrigatoriedade tanto de autorização judicial quanto de justificação pelas partes, consolidando a possibilidade de alteração extrajudicial do regime de bens. Nenhuma das iniciativas legislativas, porém, logrou êxito até o momento.
Dessa forma, embora louvável o propósito do Provimento nº 11/2025 de promover a desjudicialização e de atender aos princípios da autonomia privada e da celeridade, o artigo 215-A revela-se incompatível com a legislação federal em vigor. Ao inovar em matéria de Direito Civil, competência privativa da União (art. 22, I, CF), a Corregedoria Geral de Justiça do TJ/ES foi além de seu limite institucional de regulamentar e fiscalizar atos notariais. Ademais, ao instituir a alteração extrajudicial de regime de bens apenas no âmbito do Estado do Espírito Santo, o dispositivo cria um regime jurídico próprio e restrito a uma única unidade da Federação.
Em conclusão, o Provimento nº 11/2025 sinaliza um movimento de modernização há muito defendido pela doutrina, mas sua aplicação prática permanece juridicamente questionável. Até que se promova uma alteração legislativa efetiva, a regra vigente continua a exigir autorização judicial para a mudança do regime de bens, sob pena de insegurança jurídica e fragmentação normativa. O que se evidencia, portanto, é a distância entre a realidade social, que clama por soluções mais céleres e menos burocráticas, e o arcabouço legal ainda ancorado em uma lógica judicializante.
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