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Golpe do casamento
Maria Berenice Dias[1]
Atenção! Atenção! Um novo golpe na praça!
Explico: duas pessoas passam a viver juntas. Com o tempo, quando o relacionamento se torna público, contínuo e duradouro, sem a necessidade de qualquer formalização, surge uma união estável. A intenção de constituir família, nem é um requisito essencial, por ser da ordem da subjetividade. Basta ambos se comportarem como se casados fossem. Trata-se do que a doutrina chama de um ato fato jurídico: uma relação continuativa que, mesmo com a eventual resistência de um deles, a união se constitui, provocando várias consequências jurídicas.
Claro que a mais significativa sequela é de ordem patrimonial. Tudo o que for adquirido durante o período de convívio, pertence a ambos, sem importar qual a participação financeira de cada um.
Só que, quando a relação começa a derreter, aflora no homem o velho machismo. Passa a acreditar que, como foi ele quem trabalhou, os bens são só dele. Não é justo ter que dividi-los com quem, no seu entender, pouco ou nada fez. Afinal, cuidar da casa e criar os filhos é uma responsabilidade somente da mulher, e não se justifica ganhar a metade do que ele construiu sozinho.
Diante deste dilema, simplesmente romper o relacionamento não é a solução. Ele sairá perdendo!
E é assim que surge a ideia do golpe.
Ele ajoelha e pede a mulher em casamento. Certa de, finalmente, realizar o seu grande sonho, ela aceita sem nada questionar. Afinal, vai alcançar a felicidade eterna.
Por confiar cegamente em quem tanto a ama, concorda em acertar algumas questões meramente formais. Assim lhe é apresentado um contrato de reconhecimento da união estável, pelo regime da separação de bens, com efeito retroativo. E mais, é feita a ressalva de que, caso não seja reconhecida a retroatividade, cada um renuncia aos bens que estão no nome do outro, já promovendo a partilha do que foi adquirido: cada um fica com o que adquiriu em nome próprio. Por óbvio que esta divisão é absolutamente injusta e escancaradamente imoral, pois, como ele os colocou em seu nome, fica com tudo.
Na mesma oportunidade é feita a escritura pública de pacto pré-nupcial, elegendo o regime da separação de bens.
E assim, é celebrado o casamento, com pompa e circunstância.
Só que, depois de um prazo, que costuma ser breve, o marido pede o divórcio, sob as justificativas das mais variadas. A mais batida é: não te quero mal, só não te quero mais!
Com isso o varão resta com a integralidade do patrimônio que foi adquirido durante o período da união estável e do casamento. E a mulher? Fica com os filhos. Afinal, quem pariu que embale!
Ainda que seja estabelecida a “guarda compartilhada”, é definida a residência materna como lar de referência, não sendo sequer assegurado a ela e aos filhos o direito ao usufruto do imóvel em que a família vivia. Ao pai é assegurado singelo “direito de visitas”, em finais de semanas alternados. Assim, resta à mãe ser a responsável por todos os encargos parentais, impondo-se ao pai somente o dever de pagar alimentos. Ínfimo percentual de seus ganhos.
Independente do tempo da união, ainda que a mulher tenha se afastado – ou sido afastada – do mercado de trabalho e não tenha qualquer qualificação, a justiça insiste em negar-lhe alimentos. E, mesmo quando são deferidos, de forma absolutamente aleatório é estabelecido um prazo – sempre exíguo – sob a justificativa de ser suficiente para ela garantir a própria subsistência.
E assim, chega ao fim, o belo sonho do amor-eterno-amor!
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