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IBDFAM PORTUGAL: Uma esperança?
Isabella Vieira Lima Constantino Pós-Graduação em Ciências Jurídico-Forenses - Universidade dos Açores e Universidade de Lisboa
Reconhecimento de Diploma – Universidade Católica de Lisboa
Resumo: Este artigo aborda a complexa realidade da migração brasileira para Portugal, destacando a dualidade emocional vivida pelos migrantes e os desafios sociais, jurídicos e culturais enfrentados por famílias transnacionais. Com a crescente presença de brasileiros em território português — cerca de 400 mil legalmente —, evidenciam-se conflitos culturais e jurídicos, especialmente em casos que envolvem guarda de filhos e violência doméstica no campo do Direito de Família. Defende o fortalecimento da cooperação jurídica entre os países da CPLP e o papel do IBDFAM Portugal como elo essencial. Propõe a internacionalização do Direito Comparado como ferramenta para garantir direitos fundamentais em contextos transnacionais.
Palavras-chave: Direitos Fundamentais. Direito de Família. IBDFAM Portugal.
Abstract: This article addresses the complex reality of Brazilian migration to Portugal, highlighting the emotional duality experienced by migrants and the social, legal, and cultural challenges faced by transnational families. With the growing presence of Brazilians in Portuguese territory—around 400,000 legally—cultural and legal conflicts are evident, especially in cases involving child custody and domestic violence, in the field of family law. It advocates strengthening legal cooperation between CPLP countries and the role of IBDFAM Portugal as an essential link. It proposes the internationalization of Comparative Law as a tool to guarantee fundamental rights in transnational contexts.
Keywords: Fundamental Rights. Family Law. IBDFAM Portugal.
Há uma célebre frase de Tom Jobim, o pai da Bossa Nova em que diz “morar no Brasil é uma merda, mas é bom.” Só quem atravessou oceanos sabe o que é sentir e conviver com essa dualidade de sentimentos. Este artigo busca refletir sobre as implicações jurídicas, culturais e emocionais da migração dos brasileiros em Portugal, especialmente no âmbito familiar, à luz da atuação da CPLP e do IBDFAM.
Observamos, nas redes sociais, uma variedade de perfis de migrantes ao redor do mundo – especialmente brasileiros– que, na prática, funcionam quase como verdadeiros manuais do migrante. Esses perfis oferecem desde informações documentais sobre como migrar legalmente até dicas sobre lojas que existem naquele local com produtos ou objetos que remetem à terra de origem, uma necessidade humana de vínculo emocional.
Esse fenômeno é, portanto, uma consequência do processo de globalização, que tem reduzido barreiras migratórias e promovido maior integração entre povos de diferentes culturas, línguas e ordenamentos jurídicos. O fluxo migratório constante decorre de múltiplos fatores — desde o desejo humano de vivenciar experiências pessoais, profissionais e culturais em outros países até a busca por melhores condições de vida, impulsionada por crises econômicas, desigualdades sociais, insegurança urbana e conflitos armados.
Em Portugal, a predominância estrangeira residente em seu país é de nacionalidade brasileira. Recentemente a AIMA – Agência para a Integração, Migrações e Asilo, órgão responsável pelos processos de legalizações de residência no país, divulgou que há aproximadamente quatrocentos mil brasileiros vivendo legalmente no país. Quase cinquenta por cento dos pedidos de residência são cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – CPLP.
O crescente número de residentes estrangeiros em Portugal, especialmente brasileiros, evidencia tensões entre tradições locais e novas realidades culturais que emergem dessa convivência multicultural.
Na tentativa de aprofundar uma amizade recíproca com o respeito ao passado; a CPLP foi criada em 1996. Sua presença e contribuição vai além da projeção internacional da língua portuguesa. É o fortalecimento institucional e político de seus membros em situação de crise, instabilidade e a afirmação de interesses comuns de seus membros; e o desenvolvimento de programas de cooperação em diversas áreas.
Há uma peculiaridade pouco comentada no que se refere aos países da CPLP. Portugal integra a União Europeia. Com isso, há também, uma crescente migração de cidadãos oriundos de países com diversas línguas nativas como francês, italiano, alemão, castelhano, sueco, polaco. Ou seja, uma diversidade de povos. De acordo com o site oficial da União Europeia, há vinte e quatro línguas oficiais, incluindo obviamente, português. Língua oficial de Portugal.
Nos últimos anos em Portugal, os professores universitários da rede pública ou privada de ensino, lecionam algumas disciplinas de cursos em língua inglesa, devido a afluência de estudantes de diversas nacionalidades da União Europeia. Ora, verificamos que o país tem buscado estratégias que incluam os cidadãos da União Europeia. Mas não há que se esquecer que a língua oficial do país constitui a soberania da República, consagrada no artigo 11.º na Constituição da República Portuguesa.
Consequentemente, da mesma forma que há medidas de inclusão dos cidadãos da UE, não se deve esquecer a necessidade da manutenção de políticas públicas, protocolos de cooperação, e a interculturalidade entre os países cuja língua oficial é a portuguesa.
Sendo Portugal o único país da União Europeia com língua oficial portuguesa a responsabilidade do fortalecimento dos laços com os demais países da CPLP chega quase que em dobro. Vejamos. Tendo Portugal estabelecido a língua portuguesa as suas antigas colônias, nada mais coerente que a este seja dado uma responsabilidade maior, pois dificilmente as decisões do passado não terão reflexo no presente. E a realidade é que existem elos que são difíceis de serem desfeitos, ou simplesmente, apagar do passado.
O Instituto Brasileiro de Direito de Família possui núcleos em todos os países que possuem a língua portuguesa como língua oficial, atua há 28 anos nas relações no âmbito sociofamiliar; esta atuação acentua o multiculturalismo, e a torna um instituto essencial na busca por soluções práticas e eficazes de cidadãos, que estes, por meio da migração, estão deslocados de seu país natal e desconhece o funcionamento do ordenamento jurídico do país em que atualmente reside, trazendo consequências, quase que irreversíveis aos olhos de quem sente.
Como dito alhures, aproximadamente quatrocentos mil cidadãos brasileiros residem em Portugal. Recentemente, em um jornal de renome do país, foi veiculado que nos últimos anos aumentaram a ida de mulheres brasileiras no Consulado Geral de Lisboa em busca, sobretudo, de apoio jurídico relacionado a guarda compartilhada de filhos, especialmente, envolvendo casos de violência doméstica.
É o que se segue: "Estive com uma brasileira também no tribunal porque fazem seis anos que ela também perdeu o direito de ser mãe, com decisão do mesmo magistrado, que também condenou ela. E essa mãe também sofria violência. Ontem recebi uma outra mensagem de outra mãe, a mesma coisa. Denunciou a violência, perdeu o filho e sofreu um processo", relata.
É inevitável questionar os contornos que levam uma decisão judicial a retirar de uma mulher o direito de ser mãe. Trata-se de uma dor talvez irreparável: além da ausência do filho, há a ferida aberta da violência sofrida no relacionamento. O que se transmite, infelizmente, é que a libertação de um vínculo abusivo, muitas vezes, vem acompanhada de processos judiciais exaustivos, desumanos e revitimizantes — processos que, longe de curar, acabam por perpetuar as memórias da dor e da violência.
Outro recente caso de grande repercussão mediática foi a de Erica Hecksher em que no dia de regresso do filho ao Brasil, após uma temporada de férias com o genitor em Portugal, o ex-marido e ex-juiz Rui Fonseca e Castro, enviou-lhe uma mensagem por telefone informando que o filho não mais voltaria ao Brasil. Utilizou da sua influência profissional para matricular de imediato o filho na escola, como se fosse fácil para o filho aceitar uma mudança drástica na vida do dia para a noite. E pior, desrespeitando a vontade da criança.
Em uma das conversas por telefone entre a mãe e o filho, este a comunicou “porque a criança relatou que o pai está violento.” Doloroso seja pensar que há inúmeras mulheres mães que têm enfrentado o mesmo problema. Tais decisões judiciais, ao ignorar o princípio do superior interesse da criança – previsto tanto na Constituição portuguesa quanto na Convenção sobre os Direitos da Criança – revelam uma falha sistêmica que exige revisão urgente.
Portugal é signatário da Convenção sobre Eliminação de Todas as formas de Discriminação contra as Mulheres desde 1980. A Convenção foi ratificada no Ordenamento Jurídico Português por meio da lei n.º 23/80, no artigo 2.º expressa que compromete instaurar uma proteção jurisdicional dos direitos das mulheres em pé de igualdade com os homens e garantir, por intermédios dos tribunais nacionais competentes e outras instituições públicas, a proteção efetiva das mulheres contra qualquer ato discriminatório.
Nos casos de violência doméstica em Portugal a vítima é acolhida em casas de abrigo, tendo em vista a proteção das mulheres e crianças em instalações coletivas ou apartamentos por tempo determinado. Ora, uma pessoa que passa por uma situação traumática de violência física e psicológica precisa de acolhimento individual, dificilmente naquele momento a mulher terá preparo emocional para estar em um ambiente com diversas pessoas e crianças com problemas iguais ou semelhantes.
Um lar é diferente de uma casa. Um lar vai além de uma estrutura física de proteção, possui histórias, afetos. Retirar uma criança e mãe de seu lar que passa por uma situação traumática, fere direitos fundamentais e deixarão marcas por toda vida. É dar um selo de bom êxito da violência para o agressor.
No passado mês de junho do corrente ano, o núcleo do IBDFAM em Portugal apresentou um novo presidente, o advogado Português Rui Alves Pereira, destaca que entre algumas das suas prioridades está a ampliação da presença do IBDFAM no cenário jurídico nacional.
Ressalta temas como a proteção das famílias não tradicionais, os desafios das famílias transnacionais, a igualdade de gênero nas responsabilidades parentais, o envelhecimento da população, a mediação familiar e os impactos das novas tecnologias nas relações familiares estão entre os pontos que, para ele, merecem atenção.
No entanto, há deveras, temas mais urgentes que merecem ser debatidos, como exemplo, os milhares de casos em que crianças estão privadas do contato com suas mães por decisões judiciais arcaicas, sem embasamento multidisciplinar da decisão; deixando marcas insubstituíveis na infância das crianças e adolescentes, violando, com cara de quem não quer ver os direitos fundamentais das crianças.
Não é apenas a língua que nos une. E nem deve. São também pessoas e histórias, que têm como nação os países da Comunidade da Língua Portuguesa. O IBDFAM possui essa capacidade de além-fronteiras ser um elo na busca da efetivação desses direitos fundamentais constantemente esquecidos no âmbito familiar em solo lusitano.
A planta bambu se destaca por sua capacidade de crescimento rápido. O que pouco se sabe é que o crescimento vertical está intimamente ligado a profundidade das suas raízes. Quanto maior a profundidade das suas raízes, maior o desenvolvimento da planta. Assim como o bambu, que se fortalece pela profundidade de suas raízes, os países da CPLP precisam se apoiar em sua história comum para desenvolver soluções jurídicas profundas e eficazes para os desafios contemporâneos das famílias transnacionais.
A migração entre os países da CPLP, especialmente entre Brasil e Portugal, é um fenômeno que vai além da circulação de pessoas: é a circulação de culturas, afetos e desafios jurídicos. Para que o Direito de Família acompanhe essa nova realidade, é urgente que se promovam políticas públicas transnacionais, pautadas na interculturalidade, na proteção dos direitos fundamentais e na construção de soluções jurídicas que respeitem tanto as leis quanto a dignidade das histórias humanas que atravessam fronteiras.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Decreto Regulamentar n.º 1/2006, de 25 de janeiro - Diário da República n.º 18, I Série-B, de 25.01.2006. Regula as condições de organização, funcionamento e fiscalização das casas de abrigo, previstas na Lei n.º 107/99, de 3 de agosto e no Decreto-Lei n.º 323/2000, de 19 de dezembro e que integram a rede pública de casas de apoio a mulheres vítimas de violência.
Diário de Notícias. Ex-juiz negacionista é acusado de rapto do filho de 10 anos. A mãe está desesperada e o caso está em tribunal. Ex-juiz negacionista é acusado de rapto do filho de 10 anos. A mãe está desesperada e o caso está em tribunal. Portugal, 06 fev. 2025.
Diário da República. Constituição da República Portuguesa. Constituição da República Portuguesa - CRP | DR Portugal, 10, abril.1976.
EU. União Europeia. Línguas, multilinguismo, regras linguísticas | União Europeia.
Jornal O Globo. Violência doméstica domina pedidos de ajuda de brasileiras em Portugal. Violência doméstica domina pedidos de ajuda de brasileiras em Portugal. Brasil, 29, nov. 2024.
Diário da República. Constituição da República Portuguesa. Constituição da República Portuguesa - CRP | DR Portugal, 10, abril.1976.
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