Artigos
Do direito de avós e netos à convivência familiar
Laís Mello Haffers[1]
Giulia Troncoso Bonfanti[2]
A convivência familiar é um direito fundamental assegurado pela Constituição Federal, em seu artigo 227, e replicado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu artigo 4º:
Art. 227, CF. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Art. 4º, ECA. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
E ainda, o ECA ao tratar dos Direitos Fundamentais apresenta, em seu Capítulo III – Do direito à convivência familiar e comunitário, ao qual destaca-se o artigo 19, in verbis: “É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral”.
A previsão expressa no artigo 25[3] do ECA, consiste na família natural sendo aquela formada pelos pais ou qualquer deles e os seus descendentes, ao passo que a família extensa ou ampliada é aquela formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade. Portanto, as crianças e os adolescentes têm o direito de conviver com os seus avós, tios, padrinhos e demais familiares, respeitando-se a previsão constitucional e infraconstitucional.
O ECA ao regulamentar o princípio constitucional – de prioridade absoluta – da convivência familiar, enfatiza “a importância da vida em família como ambiente natural e cultural para o desenvolvimento daqueles que ainda não atingiram a vida adulta. Mais do que um direito do infante, constitucionalmente garantido, a convivência familiar mostra-se como verdadeira exteriorização da valorização do afeto, tão invocado no atual sistema jurídico brasileiro e fundamental para a boa estrutura psíquica de qualquer sujeito, especialmente crianças e adolescentes”[4]. Desta forma, é possível concluir que retirar esse direito de uma criança ou adolescente é interferir negativamente na sua formação e estrutura psíquica e, configura abuso do poder familiar[5].
Ademais, se não suficiente tal direito ser assegurado pelo foco nos menores de idade, há também o foco em outro sujeito vulnerável: os idosos. O artigo 3º do Estatuto do Idoso prevê como sendo “obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária”.
Com efeito, “o respeito aos idosos, especialmente àqueles que são avós é direito fundamental que invoca princípio da dignidade, solidariedade, paternidade responsável e afetividade. Os netos são a reedição do afeto, privá-los desta convivência é violar direitos fundamentais de ambos os lados, ou seja, dos netos e dos avós”[6].
Não obstante, a Lei da Alienação Parental (nº 12.398/11), estendeu expressamente aos avós o direito de visitas/convivência e guarda dos netos. A partir de sua edição, a redação do artigo 1.589 do Código Civil assim se apresenta:
O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação.
Parágrafo único. O direito de visita estende-se a qualquer dos avós, a critério do juiz, observados os interesses da criança ou do adolescente.
Ora, o novo diploma legal tão somente ratificou o entendimento de que a criança tem direito a uma convivência sadia e harmônica com os seus familiares. Mesmo diante de uma situação em que os pais da criança são divorciados, o convívio com os avós não pode ser tolhido, pois não deixam de ser parentes próximos ou cessa o afeto existente. Nesse mesmo sentido é o artigo 2°, inciso IV da Lei da Alienação Parental (12.318/10)[7], que considera a criação de obstáculos para o exercício da convivência familiar como ato de alienação parental.
Observa, Maria Berenice Dias, que apesar da lei ter assegurado o direito aos avós apenas em 2011, o direito à convivência familiar, previsto na Constituição Federal, já autorizaria a regulamentação da convivência com outros membros da família além dos genitores, ainda que sem previsão expressa em lei:
Quando a Constituição (CF 227) e o ECA asseguram o direito à convivência familiar, não são estabelecidos limites. Como os vínculos parentais vão além, não se esgotando entre pais e filhos, o direito de convivência estende-se aos avós e a todos os demais parentes, inclusive aos colaterais. Além do direito de crianças e adolescentes desfrutarem da companhia de seus familiares, há também o direito dos avós de conviverem com seus netos. [...] Tal direito deve ser conjugado com o princípio do melhor interesse da criança, fundamentando-se na prerrogativa do neto de ser visitado por seus ascendentes, ou por qualquer parente que com ele mantenha laços de afeto, de solidariedade, de respeito e amor. A criança tem o direito de personalidade de ser visitada não só pelos avós, como também pelos bisavós, irmãos, tios, primos, padrinho, madrinha, enfim, por toda e qualquer pessoa que lhe tenha afeto.”[8]
Rolf Madaleno explica que o contato com os avós vai, ainda mais em proveito dos netos quando estão enfrentando situações de conflito dos pais, isto porque os avós se encontram a margem dos problemas do casal e assim “podem prestar um auxílio ainda mais relevante para ajudar seus netos a racionalizarem os conflitos familiares pelos quais estão passando e que sempre lhes será muito difícil de entender sem uma ajuda externa, dotando os menores de referências de segurança e estabilidade”[9]. Ainda, salienta Rodrigo da Cunha Pereira[10] que:
A integração familiar possibilita o desenvolvimento da criança, seu bem-estar, além de sua inserção social. Por isso, é fundamental a presença do afeto nas relações, também e fortemente propiciado pelos avós. Esse afeto é reforçado quando se trata de pessoas significativas para a vida de uma criança, como, em geral, são os avós. Eles constituem um elo fundamental para a transmissão do sentido histórico familiar [...] é o direito da criança aos laços familiares, às suas raízes, com aqueles que lhes são significativos, que também lhes proporcionam amor e carinho. É necessário reconhecer-se a dimensão afetiva da criança e dos avós, como “sujeitos de necessidades”.
Ao julgar um caso com a temática, a Ministra Nancy Andrighi assevera:
O direito à visitação avoenga, reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência antes mesmo da entrada em vigor da Lei 12.398/11, constitui-se em um direito que visa o fortalecimento e desenvolvimento da instituição familiar, admitindo restrições ou supressões, excepcionalmente, quando houver conflito a respeito de seu exercício, mediante a compatibilização de interesses que deverá ter como base e como ápice a proteção ao menor.[11]
Em conclusão, o direito à convivência familiar entre avós e netos é expressão concreta dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, do melhor interesse da criança e da solidariedade familiar. Trata-se de prerrogativa que ultrapassa os vínculos legais formais, alicerçada nos laços de afeto, pertencimento e cuidado, essenciais para o desenvolvimento integral dos menores e para o bem-estar dos idosos. Ao reconhecer e assegurar juridicamente esse convívio, o ordenamento brasileiro preserva não apenas os direitos das crianças e adolescentes, mas também resguarda a função social e afetiva desempenhada pelos avós no seio familiar. Assim, qualquer tentativa de obstrução injustificada a essa convivência configura violação a direitos fundamentais e deve ser firmemente repelida pelo Judiciário, sempre à luz do princípio do melhor interesse da criança.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Em atenção ao interesse do menor, é possível suprimir direito de visita do avô. Disponível em: < https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-antigas/2018/2018-12-26_06-59_Em-atencao-ao-interesse-do-menor-e-possivel-suprimir-direito-de-visita-do-avo.aspx >. Acesso em: 10 jul. 2025.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Família. 9ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 4ª Ed. Editoria Forense. Rio de Janeiro, 2011.
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito das Famílias. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2021.
[1] Aluna especial no programa de doutorado em Direito da USP. Mestra em Direito Civil pela PUC-SP. Especialista em Direito de Família e Sucessões pela PUC-SP. Professora da PUC- Campinas. Membro do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Membro da Comissão de Direito de Família e Sucessões da OAB Campinas. Advogada de Direito de Família e Sucessões no Vaiano Advogados.
[2] Graduanda em Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Aluna bolsista pelo Mack Pesquisa de iniciação científica. Estagiária de Direito de Família e Sucessões no Vaiano Advogados.
3 Art. 25. Entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes.
Parágrafo único. Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade.
[4] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito das Famílias. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2021.
[5] (RT 187/932 – TJSP AG 5508134/00 SP – Julg. 08/09/2008).
[6] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito das Famílias. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2021.
[7] Art. 2°: Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.
IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;
[8] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Família. 9ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
[9] MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 4ª Ed. Editoria Forense. Rio de Janeiro, 2011.
[10] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito das Famílias. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2021.
[11] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Em atenção ao interesse do menor, é possível suprimir direito de visita do avô. Disponível em: < https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-antigas/2018/2018-12-26_06-59_Em-atencao-ao-interesse-do-menor-e-possivel-suprimir-direito-de-visita-do-avo.aspx >.
Os artigos assinados aqui publicados são inteiramente de responsabilidade de seus autores e não expressam posicionamento institucional do IBDFAM