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Analisando o Código de Processo Civil: Aspectos processuais dos institutos da Conciliação e da Mediação no Direito de Família e Sucessões
Renan Beltrame Silveira[1]
Para quem não atua com o Direito ou não está habituado na participação em audiências e julgamentos, pode imaginar que estas ocasiões são parecidas como aquelas que por vezes assistimos na teledramaturgia, com grandes públicos na plateia, às vezes até mesmo opinando em meio ao ato, mas a realidade é bem diferente, pelo menos aqui no Brasil.
A regra no sistema processual civil é que audiências ou julgamentos ocorram de maneira bem mais formal. Diferentemente dos espetáculos vistos em novelas, filmes ou séries, se limita à participação das partes e seus advogados e, dependendo do modelo adotado, o Conciliador ou Mediador, o representante do Ministério Público e o Juiz.
Antes de pensarmos sobre conciliação e mediação, interessante refletir sobre a cultura do litígio que está instituída no Brasil, pois de forma geral somos ensinados a litigar em vez de conversar, à judicializar em vez de conciliar. Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), até 30/04/2025[2], apontam que estão pendentes de julgamento cerca de 80.164.591 (oitenta milhões cento e sessenta e quatro mil quinhentos e noventa e um), e mesmo que no ano de 2025 já tenham sido julgados 13.291.166 (treze milhões duzentos e noventa e um mil cento e sessenta e seis), ingressaram no Poder Judiciário outros 12.174.318 (doze milhões cento e setenta e quatro mil trezentos e dezoito) processos.
A realidade é que existe uma luta constante para julgar mais processos do que ingressam, porém, a dificuldade para superar essa barreira é enorme já que as demandas aumentam e não há Magistrados suficientes para julgar, e, em razão disso que se busca sair da cultura do litígio para uma cultura do consenso.
Sempre bom lembrar que cada questão jurídica possui, ainda que de forma reflexa, proteção constitucional, e, neste âmbito, a Constituição Federal em seu artigo 4º, inciso VII[3], dispõe como princípio internacional a solução pacífica dos conflitos. Claramente essa regra também se aplica aos conflitos internos do País, por isso que, ao se deparar com a impossibilidade de julgar mais do que é judicializado, surgem as propostas de métodos adequados de resolução dos conflitos, como a resolução n. 125/2010 do CNJ[4], e, a Lei n. 13.140/2015[5].
Seguindo a proposta de trabalho com métodos autocompositivos para resolução de conflitos é que passamos à análise da Lei n. 13.105/2015, que institui o Código de Processo Civil no ano 2015, onde claramente, há o incentivo para que as partes envolvidas sejam os destaques na resolução do litígio, atuando de forma conjunta e/ou com apoio de terceiros para chegar na solução mais adequada, deixando de lado o papel decisório do Juiz.
Começamos analisando o CPC no artigo 3º, § 2º, onde expressamente consta que “o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos”, e, ainda, no § 3º foi positivado que “a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial”.
Já nas regras gerais do Código de Processo Civil, a partir do seu artigo 166[6], são estabelecidos os princípios que regem a conciliação e mediação, que podem ser utilizados para toda as áreas do Direito que permitem a autocomposição.
É interessante destacar que o CPC admite nestes casos de autocomposição aplicações de técnicas negociais ou ainda a alteração de regras procedimentais, desde que respeitada a autonomia das partes e que sirva para um ambiente mais favorável à possível solução.
Não há, claro, uma solução fácil para resolver o litigio, mas a atuação estratégica dos profissionais corretos pode viabilizar a questão, por isso, que as atribuições do Conciliador e do Mediador estão descritas no artigo 165 do CPC[7]. Ambos são facilitadores da resolução do litígio, mas a depender do modelo adotado para técnica adequada um ou outro profissional exercerá o seu papel, mas nunca os dois ao mesmo tempo.
Enquanto o Conciliador possui um papel mais ativo na relação, podendo sugerir soluções e alternativas para resolver o conflito, onde o objetivo é que as partes cheguem a um acordo, o Mediador estabelece o papel como facilitar o diálogo entre as partes, sem sugerir soluções específicas, mas sim ajudando-as a identificar e compreender as próprias necessidades e interesses, objetivando é que as partes conversem e conjuntamente possam estabelecer um resultado diverso do litígio.
Em razão dessa atuação diversa desses profissionais que atuam como facilitadores do conflito é que a conciliação é mais indicada para casos em que não há um vínculo anterior entre as partes ou em que o objetivo principal é a resolução rápida e focalizada do conflito, como dívidas ou negociações financeiras, já a mediação é indicada quando há um vínculo anterior entre as partes ou em que é importante a manutenção ou a recuperação do relacionamento.
Em outras palavras, podemos dizer que um sistema busca o acordo e colocar fim ao litígio, enquanto a outra sistemática busca restabelecer o diálogo para que as partes possam, dentro de suas necessidades, escolher como conduzir seu conflito e se possível for, estabelecer um pacto que pode ou não pôr fim ao processo.
Aproveitando, necessário destacar o papel do Advogado na conciliação/mediação ou em qualquer outro ato judicial. Além da presença obrigatória nos atos, conforme previsão do próprio CPC (art. 334, § 9º e art. 695, § 4º)[8], seu papel é defender os interesses dos clientes, sem incentivar o conflito. Os litígios existentes são das partes, cabe aos Advogados manterem a urbanidade, o diálogo educado e a civilidade.
Partindo para parte mais específica, a partir do artigo 694 do CPC[9], são delimitados os institutos da conciliação e da mediação no âmbito do Direito de Família, que também podem, se necessário, ser aplicado para o Direito das Sucessões. O Legislador optou por repetir o conceito, em outra forma, mas que “todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia”, acrescentando o dever, portanto condição obrigatória, do Juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação.
Para as ações de família, com a premissa de reestabelecer o diálogo, o artigo 695 do CPC[10] determina a citação da parte Requerida para comparecimento na audiência de mediação e conciliação, sem contudo, do acompanhamento de cópia da petição inicial, para que neste modelo, as partes pudessem conversar sem estarem influenciadas pela leitura das peças processuais. Lamentavelmente, na prática, é uma situação difícil, pois o Requerido estará acompanhado de seu advogado, que terá acesso à petição inicial para entender do que trata a demanda.
A importância de se restabelecer o diálogo é tamanha que o legislador positivou no artigo 696 do CPC[11] que a conciliação ou mediação podem ser divididas em tantas sessões quantas sejam necessárias para viabilizar a solução consensual, algo um pouco diferente do procedimento comum, previsto no § 2º do artigo 334.
Há ainda, a possibilidade de aplicação de multa em caso de não comparecimento sem justificativa na audiência de conciliação e mediação, conforme disposto na regra do artigo 334, § 8º, do CPC. Aqui vale refletir sobre quais justificativas são aceitas pelo Judiciário para não aplicação da multa. O debate é controverso, gerando discussões dos Processualistas Civis, que já se posicionam que a regra de comparecimento não é absoluta se houver risco ou ocorrido atos de violência doméstica ou familiar, nos termos do Enunciado n. 765[12] do Fórum Permanente de Processualistas Civis.
Toda a intenção de pacificação consensual do litígio está partindo do pressuposto que estamos tratando com partes capazes e conscientes de que a conciliação ou mediação farão sentido, e esse ponto é crucial, por isso que é possível defender a inaplicabilidade da multa, ou mesmo, que audiência deva ser interrompida ou cancelada quando umas das partes não está apta ou segura o suficiente para conversar sobre aquele conflito.
Ao que parece, a chave para uma adequada conciliação ou mediação é que cada um saiba o seu papel dentro do que lhe é atribuído, ao Estado como um incentivador da pacificação social, às partes como um momento de reconhecimento e responsabilização, entendendo que escutar é preciso, e, principalmente, os Advogados como intermediadores da solução, atuando com ética, agindo como instrumento de resolução, nunca de conflitos.
Somos litigantes por natureza, é intuitivo do ser humano querer ser vitorioso, e a intenção aqui não é esgotar o estudo dos institutos mas, minimamente, apontar como o Código de Processo Civil organiza a questão e sua aplicação no Direito de Família e também no Direito Sucessório, pois a cultura do litígio parece cada dia mais dar espaço para a cultura do consenso, caminhando para a resolução pacífica e consensual, valorizando o diálogo e a cooperação, colocando de lado a figura do Juiz como único responsável por decidir o conflito posto em debate.
[1] Advogado. Pós Graduado em Direito Constitucional e em Direito Processual Civil. Pós Graduando em Direito de Família e Sucessões. Secretário Adjunto do IBDFAM/SC (2023-2025). Vice Presidente da Comissão de Direito Sucessório da OAB/SC (2025). Presidente da Comissão de Direito LGBTQIAPN+ e Violência de Gênero da OAB/SC – Subseção de São José (2025). Membro da Comissão de Direito de Família e da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SC (2025).
[3] Art. 4º da CFBR – A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: (...) VII - solução pacífica dos conflitos;
[4] Res. 125/2010 do CNJ – Dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário
[5] Lei n. 13.140/2015 – Dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública
[6] Art. 166 do CPC – A conciliação e a mediação são informadas pelos princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada.
[7] Art. 165 do CPC – (...)
§ 2º – O conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem.
§ 3º – O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos.
[8] Art. 334 do CPC – (...) § 9º – As partes devem estar acompanhadas por seus advogados ou defensores públicos, e, Art. 695 do CPC – (...) § 4º – Na audiência, as partes deverão estar acompanhadas de seus advogados ou de defensores públicos.
[9] Art. 694 do CPC – Nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação.
[10] Art. 695 do CPC – Recebida a petição inicial e, se for o caso, tomadas as providências referentes à tutela provisória, o juiz ordenará a citação do réu para comparecer à audiência de mediação e conciliação, observado o disposto no art. 694.
§ 1º – O mandado de citação conterá apenas os dados necessários à audiência e deverá estar desacompanhado de cópia da petição inicial, assegurado ao réu o direito de examinar seu conteúdo a qualquer tempo.
[11] Art. 696 do CPC – A audiência de mediação e conciliação poderá dividir-se em tantas sessões quantas sejam necessárias para viabilizar a solução consensual, sem prejuízo de providências jurisdicionais para evitar o perecimento do direito.
[12] Enunciado 765 do FPPC – A alegação de violência doméstica ou familiar é justificativa para o não comparecimento à audiência de conciliação ou mediação, sem aplicação de multa.
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