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Convenções Antenupciais na Lei Moçambicana: Liberdade, Limites e Responsabilidade Patrimonial no Casamento
Teresa Chelengo - Jurista e Presidente do Instituto Brasileiro de Direito da Família- Moçambique
O casamento não é apenas uma união de afectos é também uma instituição jurídica com efeitos patrimoniais profundos. Em Moçambique, a Lei da Família n.º 22/2019, de 11 de Dezembro, garante aos futuros cônjuges a possibilidade de organizar previamente os aspectos patrimoniais do matrimónio, através de um instrumento jurídico fundamental: a convenção antenupcial.
Essa convenção permite que o casal defina o regime de bens, que regerá o casamento, adaptando-o à sua realidade económica e familiar. Contudo, essa liberdade não é absoluta: a lei impõe limites claros para proteger valores fundamentais, como a dignidade da pessoa humana, os direitos dos filhos e o princípio da equidade entre os cônjuges.
A seguir, analisamos os artigos 122 e 123 da Lei da Família, destacando a liberdade de convenção e os limites legais aplicáveis.
Artigo 122 – Liberdade de Convenção
Este artigo consagra o direito dos noivos de fixar livremente, em convenção antenupcial, o regime de bens do casamento. Isso significa que:
Podem optar entre os regimes legais (comunhão geral, comunhão de adquiridos ou separação de bens); Ou ainda estipular cláusulas próprias sobre bens, desde que dentro dos limites legais. Trata-se de um poderoso mecanismo de autonomia privada, útil para proteger patrimônios anteriores ao casamento, filhos de outras uniões ou negócios familiares.
Artigo 123 – Restrições à Liberdade Convencional
A liberdade prevista no artigo anterior não é ilimitada. O artigo 123 estabelece o que não pode ser objecto de convenção antenupcial, como:
a) Disposições sobre sucessão hereditária dos cônjuges ou de terceiros (salvo em casos legalmente previstos);
b) Alterações dos deveres parentais ou conjugais, como cuidado dos filhos, fidelidade, coabitação;´
c) Exclusão de bens legalmente comunicáveis, conforme o artigo 156.º da mesma lei.
Essas restrições existem para impedir que acordos privados anulem direitos fundamentais ou coloquem um dos cônjuges ou os filhos em posição de desvantagem.
Recomendações Práticas para os Cônjuges
- Celebração formal e antecipada: A convenção antenupcial deve ser feita antes do casamento, por escritura pública, com apoio jurídico.
- Consulta a um Jurista: Aconselha-se o acompanhamento por Advogado para garantir que a convenção respeite os limites da lei e reflita a vontade real do casal.
- Escolha consciente do regime de bens: Avaliar a situação patrimonial atual e futura de ambos é essencial para decidir entre comunhão de adquiridos, comunhão geral ou separação.
- Evitar cláusulas nulas: Nunca incluir cláusulas que contrariem o artigo 123 — como heranças futuras, guarda de filhos ou exclusão total de comunicabilidade legal.
- Actualização do pacto em caso de alteração substancial: Embora não seja simples, é possível solicitar judicialmente a alteração do regime, se houver justificação relevante e interesse de ambos.
A convenção antenupcial é uma ferramenta de liberdade e prevenção, mas só cumpre seu papel se for usada com consciência, técnica e equilíbrio jurídico. Os artigos 122 e 123 da Lei da Família demonstram o esforço do legislador moçambicano em promover autonomia privada sem comprometer os pilares fundamentais da vida familiar.
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