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Entraves Pós Novas Certidões de Nascimento na Adoção de Crianças no Brasil
Rosana Ribeiro da Silva
Membro do IBFAM, mestre em Processo Civil, mestre em Educação Superior, membro da Comissão Especial de Adoção da Seção OAB/SP, diretora jurídica de grupos de apoio à adoção, professora universitária nos Cursos de Direito e de Psicologia do Centro Universitário da Fundação de Ensino “Octávio Bastos” - UNIFEOB.
Sempre enfatizamos junto aos Grupos de Apoio à Adoção de que participamos, ou somos chamados a participar, a importância da assistência técnica por advogado especialista e com experiência na área específica da adoção quando se pretende ter filhos por essa via digna de filiação.
Assim como na medicina, em que há especializações nas mais variadas áreas de atuação, é fundamental que na escolha do profissional que cuidará de processos afetos às habilitações, adoções e mesmo destituições do poder familiar, se priorize especialista nessa área tão peculiar.
O advogado que se dedica com especificidade aos processos afetos à adoção de crianças sabe o quão importante é que suas peças atendam aos melhores interesses dos adotandos e seus adotantes. Esse especialista é sabedor de quais serão os principais entraves e dificuldades encontrados pelas famílias adotivas após a tão sonhada - e não raro longamente esperada – sentença de adoção, e como tentar minimizar seu impacto estressor na vida dessas famílias, ainda durante a tramitação das ações de adoção.
Infelizmente a ausência de uma unicidade procedimental a respeito das várias questões práticas do pós expedição das novas certidões de nascimento, vêm de longa data onerando absurdamente os novos pais, já que a maioria dos órgãos públicos com os quais têm de lidar recusam-se peremptoriamente a proceder às alterações necessárias ao bom exercício da cidadania por pais e filhos adotivos.
São fartos e constantes os relatos de situações vexatórias e preconceituosas enfrentadas pelos novos pais ao buscarem exercer os direitos às mudanças documentais geradas pela adoção de seus filhos, levando a um profundo sentimento de abandono e menos valia pelas novas famílias adotivas. Em todos os órgãos é-lhes dito, categoricamente, que as alterações solicitadas somente poderão ser atendidas se houver expressa ordem judicial. Assim sendo, os adotantes e seus filhos são alijados do direito às alterações documentais que são expressão máxima da cidadania em nosso ordenamento jurídico.
Vejamos os principais problemas enfrentados pelos pais adotivos no pós adoção.
A regra é que os magistrados em processos de adoção expeçam mandados aos cartórios de registro civil das pessoas naturais determinando o cancelamento do registro originário da criança adotada e que se faça novo assento de nascimento, dele constando os adotantes e seus pais como pais e avós da criança adotada. Também haverá a substituição do nome para os dos adotantes e, eventualmente, alteração do prenome da criança. Tais alterações implicam na obrigatória alteração dos documentos originais da criança adotada.
Por mais absurdo que possa parecer ao leitor, caso pais adotivos levem diretamente os mandados aos cartórios de registro civil, isso implicará no pagamento de taxa para expedição das novas certidões de nascimento. E mais, se a criança vier de outro estado, terão que pagar taxas para o cancelamento do assento de origem além da expedição de nova certidão, consideradas como segundas vias.
Continuando na apresentação dos entraves pós novas certidões de nacimento, temos que a criança adotanda, como regra, já possui CPF quando colocada sob guarda dos seus pais adotivos. CPF esse utilizado pelos últimos em suas declarações de Imposto de Renda anual. Logo, havendo a adoção, duas questões se apresentam quanto ao CPF do filho adotivo: deverá ele ser mantido o mesmo ou cancelado, com emissão de novo CPF?
Ocorre que, desde o ano de 2018, o Comunicado Conjunto 03/2018 – RFB/CRC, firmando entre Receita Federal e Central Nacional de Informações do Registro Civil, determina que o próprio cartório, ao receber os mandados de cancelamento e expedição de assento de nascimento em razão de adoção, deverá proceder ao cancelamento do CPF anterior da criança adotada e, concomitantemente, emitir novo CPF para ela, a constar da nova certidão de nascimento.
Infelizmente muitos Cartórios de Registro Civil não praticam esses atos, obrigando os adotantes a, eles próprios, buscarem junto à Receita Federal a substituição dos CPFs de seus filhos e, a depender do atendente, por mais estranho que isso possa parecer, haverá cancelamento e emissão de novos CPFs, ou apenas a troca dos dados cadastrais, preservando-se os números dos documentos. Algo que leva ao risco de futura localização da criança adotada pela família biológica, podendo colocar, a depender do caso concreto, em xeque a segurança da família adotiva.
As Secretárias da Segurança Pública dos Estados, ou órgãos correlatos, também constantemente se recusam a cancelar o RG da criança adotada sem que exista expressa ordem judicial neste sentido. Quando solicitado tal cancelamento pelos próprios adotantes, informam que poderão apenas alterar os dados cadastrais, sem que haja alteração da numeração do documento, o que implica absurdamente na geração de uma “segunda via”, cuja expedição implica no pagamento de taxa. Novamente estamos diante do risco desse documento facilitar a localização da criança pela família biológica.
Não raro, mesmo após o acolhimento institucional da criança adotanda por longos anos, a família biológica dela continua a receber benefícios assistenciais em seu nome. Assim, é importante para os cofres públicos que se determine a imediata suspensão do pagamento de eventuais benefícios à família de origem e que, após concluída a adoção, seja o nome da criança excluído do CADÚNICO daquela família.
Recentemente um caso “sui generis” onde uma criança acolhida desde 2020, recebedora do Benefício de Prestação Continuada, teve, no final de 2024, seu benefício utilizado pela genitora para pagamento de empréstimo que resultará no pagamento final de mais de R$ 30.000,00 a descontar mensalmente de seu BPC. Ou seja, se não se atentar para essas possibilidades já quando da propositura de um processo de adoção, perderá a criança adotanda. Fundamental que no processo se solicite a localização e suspensão imediata de quaisquer benefícios ou acesso a eles pela família de origem que teve seu poder familiar suspenso.
Outro grande entrave encontrado pelas famílias adotivas é o de conseguir a alteração dos dados de seus filhos junto ao cadastro do Sistema Único de Saúde - SUS e expedição de novos cartões e carteiras de vacinação das crianças. Sem que haja ordem judicial, o máximo que as famílias conseguem é que os atendentes dos postos de saúde rasurem as carteiras e caderneta para anotar nelas os novos nomes da criança e dos adotantes. Algo que é no mínimo indigno.
Os postos de saúde não conseguem diretamente fazer alterações no CADÚNICO das crianças adotadas. Algo que se consegue apenas por ordem judicial no caso de existência de ação de adoção, violando de morte a dignidade humana dessas crianças adotadas e seus pais adotivos.
Por fim, mas longe de esgotarmos o assunto, as escolas onde estudam as crianças adotadas somente conseguem alterar o registro delas em suas próprias unidades e não no sistema municipal e estadual de ensino. O que somente é conseguido diretamente com a Secretaria de Educação do Município e do Estado em que resida a família. Melhor seria se o juiz do processo de adoção solicitasse diretamente a esses órgãos tais alteração dos Ras - Registros dos Alunos das crianças adotadas, bem como de seus registros escolares.
Como se observa, são muitos, e aqui apenas alguns exemplificados, os entraves enfrentados pelas famílias adotivas no pós novas certidões de nascimento de seus filhos.
Um bom advogado, que realmente entenda dos processos da adoção saberá buscar minimizar esses contratempos que tanto desgastam e oneram as famílias que deveriam ser preservadas de tantos percalços após realizado o sonho da parentalidade adotiva.
Se sem advogado não se faz justiça, sem um advogado que entenda de adoção, não será ela tão tranquila quanto poderia e deveria ser.
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