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Abuso do Poder Familiar e a Análise da “Lei Larissa Manoela”
Guilherme Thiodoro: Bacharel em Direito, Rede de Ensino Doctum – Juiz de Fora/MG.
Resumo: O presente artigo tem como finalidade analisar o Projeto de Lei 3919/2023, intitulado "Lei Larissa Manoela", cujo nome foi inspirado pela artista Larissa Manoela, que foi vítima de abuso do poder familiar na gestão de seu patrimônio advindo de sua carreira como artista, quando era incapaz. A partir disso, surgiu a discussão e, por meio do deputado federal Marcelo Queiroz, foi proposto o projeto de lei para regulamentar a gestão patrimonial infantil. Diante desse contexto, o estudo tem como objetivo analisar a "Lei Larissa Manoela", destacando seus pontos fortes e a eficiência da lei, analisando-a sob a ótica do Estatuto da Criança e do Adolescente e suas implicações no contexto familiar, bem como as possíveis fragilidades do projeto de lei.
Palavras-chave: Gestão Patrimonial Infantil; “Lei Larissa Manoela”; Abuso do Poder Familiar; Melhor interesse do Menor.
Abstract: This article aims to analyze Bill 3919/2023, entitled "Larissa Manoela Law", whose name was inspired by the artist Larissa Manoela, who was a victim of abuse of family power in the management of her assets arising from her career as an artist, when she was incapable. From this, the discussion arose and, through federal deputy Marcelo Queiroz, the bill to regulate children's asset management was proposed. Given this context, the study aims to analyze the "Larissa Manoela Law", highlighting its strengths and the efficiency of the law, analyzing it from the perspective of the Child and Adolescent Statute and its implications in the family context, as well as the possible weaknesses of the bill.
Keywords: Children's Asset Management; "Larissa Manoela Law"; Abuse of Family Power; Best Interest of the Minor.
Introdução:
O presente trabalho científico revela uma análise de um projeto de lei que vem para romper a insegurança jurídica causada pela ausência de uma legislação que regulamenta a proteção patrimonial fruto do trabalho infantil artístico. O primeiro passo para o surgimento do PL 3919/2023, de autoria do Deputado Federal Marcelo Queiroz, foi a polêmica envolvendo o patrimônio da atriz Larissa Manoela, que foi vítima da detenção de seu patrimônio por parte de seus pais, gerando, então, um rompimento na sua relação com eles.
A partir disso, observa-se a necessidade de analisar um projeto de lei do ponto de vista jurídico-familiar, que, além de trazer um marco de regulamentação sobre o assunto, por outro lado, é sensível, pois esbarra em outras regulamentações que abordam o princípio do melhor interesse do menor e as relações familiares. No que tange ao envolvimento entre pais e filhos, é importante que sejam verificados de forma cautelar os riscos de um possível retrocesso no que se refere à proteção integral de crianças e adolescentes.
Portanto, no que se refere ao estudo, a metodologia utilizada trata-se de uma pesquisa de legislações já sancionadas, bem como de legislações em tramitação, com base no método hipotético-dedutivo, para que seja possível obter melhor compreensão e eficiência do projeto de lei 3919/2023.
Abuso do Poder Familiar:
O caso da atriz Larissa Manoela demonstra um abuso do poder familiar no que se refere à gestão patrimonial durante a carreira da artista.[1] É importante ressaltar que o abuso de poder familiar não deve ser confundido com a proteção integral à criança e ao adolescente, conforme previsto na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA), que garante, assim como o artigo 227 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a participação efetiva da família no desenvolvimento do menor.[2]
Abuso do poder familiar são ações que excedem os limites socialmente estabelecidos pelo dever como pais e o desvio de compromisso estabelecido juridicamente. Vale ressaltar que o termo presente pode ser estendido a todos aqueles que exercem uma atuação similar à dos pais, conforme imposto pela legislação brasileira. Podem incorrer em abuso de poder: guardiões, curadores, tutores, assim como as 'famílias substitutas'.[3]
Deste modo, com a polêmica envolvendo a artista Larissa Manoela, o tema gerou repercussão nacional, despertando o Legislativo para a questão por meio do deputado federal Marcelo Queiroz, com a iniciativa do PL 3919/2023, intitulado 'Lei Larissa Manoela'. Esse movimento evidencia a crescente preocupação com o tema, sinalizando um possível avanço na legislação.[4]
Lei Larissa Manoela:
A PL 3919/2023, de autoria do deputado federal Marcelo Queiroz, tem como finalidade garantir aos artistas mirins segurança tanto no contexto profissional quanto em sua vida pessoal. Além disso, o projeto de lei intitulado 'Lei Larissa Manoela' procura responsabilizar o gestor do patrimônio infantil, durante administração da carreira do menor:
Capítulo I – Da “Lei Larissa Manoela”
Art. 1º Fica instituída a “Lei Larissa Manoela” para regulamentar a gestão do patrimônio de menores de idade que exerçam atividade laboral artística por seus responsáveis legais.
§1º As disposições constantes nesta Lei visam resguardar os direitos do menor que desenvolva atividade laboral artística e aumentar o grau de responsabilização do gestor de seu patrimônio, priorizando sempre o seu melhor interesse.
§2º Esta Lei contém previsão expressa permitindo, em caráter excepcional e mediante autorização judicial, a exceção para a proibição do trabalho infantil no meio artístico, conforme o disposto no art. 8º da Convenção nº 138 da Organização Internacional do Trabalho.
É possível observar que, no capítulo II das disposições gerais, por meio de seu artigo 2º, fica evidente o interesse do autor em estabelecer maior segurança para o menor, permitindo maior participação do Estado ao mencionar a exigência de autorização judicial e a participação do Ministério Público no caso de contratação de menores de 16 anos que realizam atividade laboral de natureza eminentemente artística. Da mesma forma, a lei amplia a participação de terceiros para se responsabilizar pela gestão patrimonial e arrecadação do patrimônio em razão da atividade artística desempenhada, conforme consta no §1º; ainda assim, possibilita a gestão patrimonial por meio de pessoas jurídicas, conforme o §2º. Essa possibilidade é interessante, pois, tratando-se de pessoas jurídicas e empresas, ocorre o fenômeno da imparcialidade, evitando envolvimento familiar. Assim como é possível nomear gestores, a lei também possibilita a remoção de gestores que não consigam cumprir com a legislação, conforme os §§ 3º e 4º:
Capítulo II – Disposições Legais
Art. 2º Somente será permitido em caráter excepcional, mediante autorização judicial individual e ouvido o Ministério Público, a contratação de menor de 16 (dezesseis) anos para que realize atividade laboral de natureza eminentemente artística.
§1º No mesmo ato, a autoridade judiciária designará os responsáveis legais do menor para a gestão patrimonial de tudo aquilo que for arrecadado em razão da atividade artística desempenhada.
§2º Caso os responsáveis legais não se considerem aptos a gerir o patrimônio, poderão indicar pessoa física ou jurídica que também deverá ser autorizada pela autoridade judiciária.
§3º A pessoa designada a gerir o patrimônio do menor ficará incumbida de prestar contas, apresentando em juízo balanço em que constem todos os gastos, ganhos e investimentos realizados no período de 1 (um) ano.
§4º Uma vez identificada ingerência por parte do gestor patrimonial, deverá a autoridade judiciária designar sua função a outro familiar ou a profissional comprovadamente experiente e qualificado para exercê-la, de livre escolha da família do menor.
Por outro lado, enquanto o artigo anterior demonstra preocupação com o patrimônio do menor, o artigo 3º reforça os valores estabelecidos pelo ECA e pela Constituição Federal de 1988, no que se refere ao bem-estar, à saúde física e psicológica, à educação, ao descanso e ao lazer. Olhar sob essa ótica é um ato de responsabilidade de uma sociedade justa e igualitária, não colocando em prioridade questões econômicas, mas sim um desenvolvimento humano digno, protegido de qualquer negligência ou exploração:
Art. 3º O gestor patrimonial deverá observar o que dispõe a legislação vigente, obedecendo a critérios de probidade e utilizando os recursos para promover o bem-estar do menor, priorizando sua saúde física e psicológica, sua educação, além de seu tempo para descanso e lazer.
A intenção dos artigos a seguir trata-se de uma preocupação econômica. Por meio do Artigo 4º, estabelece-se uma condição para o recolhimento de encargos tributários sobre o patrimônio, reforçando o interesse financeiro do nosso país, condicionado a penas e multas já previstas na legislação. Ainda assim, no artigo 5º, há uma preocupação do legislador referente à vida futura do artista, exigindo que o gestor patrimonial tenha responsabilidade com o patrimônio para que o artista obtenha autonomia financeira no futuro:
Art. 4º A gestão do patrimônio deverá sempre ser pautada pelo princípio da boa-fé, devendo o gestor recolher todos os tributos e encargos referentes à administração dos bens, sob pena de responder pelas penas e multas previstas na legislação.
Art. 5º Tendo sempre em vista o melhor interesse do menor e, a fim de que se garanta a sua autonomia financeira, deverá o gestor patrimonial optar por investimentos que visem a conservação do patrimônio, permitindo ao menor a sua fruição quando alcançada a maioridade.
Ainda assim, o artigo 6º trata de termos burocráticos que exigem do gestor o registro do patrimônio em nome do menor. Esse artigo impede que o gestor se aproprie do trabalho do menor e que, futuramente, detenha o patrimônio que deveria ser do artista, assim como, por meio do artigo 7º, que impede a alienação de bens adquiridos em nome do menor nas hipóteses de seus incisos. Além disso, a legislação, por meio deste artigo, consegue prevenir, evitando futuras disputas judiciais em relação ao patrimônio, considerando também os prazos decadenciais e prescricionais do Código Civil:
Art. 6º Todo e qualquer bem que seja adquirido com recursos provenientes da atividade laboral do menor ou de seu patrimônio, deverá ser registrado em seu nome.
Art. 7º Ainda com a autorização judicial, não pode o gestor, sob pena de nulidade:
I - adquirir por si, ou por interposta pessoa, mediante contrato particular, bens móveis ou imóveis pertencentes ao menor;
II - dispor dos bens do menor a título gratuito; e
III - constituir-se cessionário de crédito ou de direito, contra o menor.
Por fim, os artigos 8º e 9º, que fazem parte do Capítulo III da legislação em questão, abordam as penalidades e as responsabilidades atribuídas ao gestor que não cumpre suas obrigações legais no que tange à administração do patrimônio de menores. Esses dispositivos têm como objetivo proteger o patrimônio dos menores e garantir que seus direitos sejam devidamente resguardados, especialmente quando há falhas ou ações ilegais por parte do responsável pela gestão. O artigo 8º trata apenas do ressarcimento dos danos causados pelo gestor. No entanto, em alguns casos, pode haver outros envolvidos na administração do patrimônio (por exemplo, empresários, advogados e contadores). A legislação poderia abordar a possibilidade de responsabilidade solidária ou subsidiária entre todos os envolvidos, garantindo que o menor seja compensado integralmente, independentemente de qual parte tenha causado o dano:
Capítulo III – Das Penalidades
Art. 8º O gestor que, por sua culpa ou dolo, praticar atos que contribuam negativamente para o patrimônio do menor, deverá ressarci-lo à integralidade dos danos causados.
Art. 9º O gestor que se apropriar, desviar ou se utilizar do patrimônio para finalidade diversa do provimento do sustento do menor e da manutenção do patrimônio administrado, responderá pelo crime previsto no art. 168, § 1º, II, do Código Penal (Decreto-Lei Nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940) e demais disposições previstas em lei.
Conclusão:
O Projeto de Lei 3919/2023, denominado "Lei Larissa Manoela", representa um avanço significativo na regulamentação da gestão do patrimônio de menores envolvidos em atividades artísticas, buscando garantir uma maior proteção aos direitos dessas crianças e adolescentes. O caso da atriz Larissa Manoela, que foi vítima de abuso do poder familiar, destaca a urgência de um marco legal que resguarde a autonomia e o bem-estar dos menores, principalmente no que se refere ao controle sobre o fruto de seu trabalho artístico.
Ao abordar as questões relativas ao abuso do poder familiar, o projeto de lei propõe medidas concretas para garantir que a gestão patrimonial seja realizada de forma transparente, com a participação do Estado e da sociedade na fiscalização. A possibilidade de nomeação de gestores profissionais e a exigência de prestabilidade de contas são elementos que conferem maior segurança aos menores, evitando que seus interesses sejam negligenciados em prol de interesses familiares ou econômicos. A legislação também se alinha aos princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e da Constituição Federal, ao assegurar que a saúde, educação e bem-estar do menor sejam prioridades, acima de qualquer ganho financeiro.
Entretanto, ainda há aspectos que merecem atenção, como a ampliação da responsabilidade solidária entre todos os envolvidos na administração do patrimônio do menor e a necessidade de fortalecer as penalidades para os gestores que não cumprirem suas obrigações. O Projeto de Lei 3919/2023 é um passo importante para combater o abuso do poder familiar e garantir uma gestão patrimonial responsável e transparente, sempre priorizando o melhor interesse do menor.
Referências:
[2] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Constituição promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: https://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/viwTodos/509f2321d97cd2d203256b280052245a?OpenDocument&Highlight=1,constitui%C3%A7%C3%A3o&AutoFramed. Acesso em: 28 mar. 2025.
[4] BRASIL. Projeto de Lei nº 3919, de 2023. Cria a "Lei Larissa Manoela", que regulamenta a gestão do patrimônio de menores que exerçam atividade artística. Apresentado pelo deputado Marcelo Queiroz em 15 de agosto de 2023. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2379382. Acesso em: 28 mar. 2025.
[3] GRAMSTRUP, Erik F.; TARTUCE, Fernanda. A responsabilidade civil pelo uso abusivo do poder familiar. In: TARTUCE, Fernanda (Org.). Responsabilidade civil no direito de família. São Paulo: Atlas, 2015. p. 32-49. Acesso em: 28 mar. 2025.
[1] MAIA, Raul Lemos; LEMOS, Lais Machado Porto; SOARES, Isabela Rafael. A inevitável proteção patrimonial dos artistas infanto-juvenis pela premente lei “Larissa Manoela”. In: Anais do Congresso Internacional da Rede Iberoamericana de Pesquisa em Seguridade Social. 2023. p. 363-379. Acesso em: 28 mar. 2025.
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