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Mediação Familiar e o protagonismo das famílias
Não é incomum que, em sessões de mediação familiar, uma das pessoas ou até ambas não compareçam pessoalmente, delegando sua representação exclusivamente a advogados e advogadas. Do ponto de vista legal, a validade dessa representação não está em discussão. No entanto, do ponto de vista do manejo adequado da mediação, algumas reflexões se fazem necessárias, afinal, a mediação é um espaço pensado para as famílias.
A mediação familiar não se reduz à simples questão de “tem ou não tem acordo”. Seu objetivo principal é oportunizar o diálogo entre os envolvidos no conflito, promovendo um ambiente onde as pessoas possam construir soluções conjuntas e sustentáveis. Mais do que um espaço para formalização de acordos, a mediação se propõe a resgatar a capacidade de comunicação entre aqueles que, por razões diversas, se encontram em um impasse.
Quando se pensa em somente firmar acordos isoladamente, pode-se acabar comprometendo a essência da mediação. O protagonismo das pessoas é um dos pilares fundamentais desse processo, e a atuação centralizadora dos profissionais do direito corre o risco de reduzir a mediação a um mero procedimento burocrático, desvirtuando sua verdadeira finalidade.
A ética profissional na mediação exige uma postura colaborativa. Quem obstrui o diálogo ou conduz a mediação de maneira litigiosa, afastando as pessoas do processo de construção conjunta, pode estar contrariando os princípios éticos e normativos que regem tanto a advocacia quanto a própria mediação. Mais do que garantir direitos, é preciso compreender que a mediação busca a responsabilidade compartilhada e o amadurecimento das relações.
A Resolução 125 do CNJ e a Lei de Mediação (Lei 13.140/2015) reforçam o papel da mediação como um procedimento estruturado para facilitar a comunicação e auxiliar as pessoas na resolução consensual de seus conflitos. O papel de advogados e advogadas deve ser o de facilitador desse processo, respeitando a autonomia das pessoas e contribuindo para o acordo ser fruto de um entendimento genuíno entre os envolvidos. Ou seja, a mediação não se trata de um acordo, mas de um diálogo. O acordo pode ser uma consequência, e não o objetivo principal.
Juan Vezzulla, em sua abordagem sobre mediação emancipatória e responsável, destaca que o verdadeiro papel da mediação é permitir que as pessoas retomem a autonomia sobre suas decisões, compreendam seus interesses e possam construir soluções com responsabilidade. A mediação não deve ser um espaço onde advogados e advogadas imponham soluções ou limitem o protagonismo das pessoas, mas sim um local de reflexão e diálogo genuíno.
Ao compreender o papel de cada indivíduo na mediação, é possível atuar de maneira mais alinhada com seus princípios essenciais: incentivar a escuta ativa, colaborar na construção de um ambiente seguro para as pessoas expressarem suas necessidades e apoiar a formulação de soluções que sejam sustentáveis no tempo. Não se trata de abdicar da defesa dos direitos do cliente, mas sim de reconhecer que um acordo verdadeiramente eficaz nasce do envolvimento ativo daqueles que serão diretamente impactados por ele.
A advocacia desempenha um papel essencial na mediação familiar, ao oferecer segurança jurídica, claros direitos e deveres e auxilia na formulação de acordos que sejam viáveis e equilibrados. Advogados e advogadas bem preparados para atuar nesse contexto compreendem que sua função não é substituir a voz das partes, mas sim orientá-las para poderem tomar decisões informadas e conscientes. Quando exercida com essa perspectiva, a advocacia se torna uma grande aliada da mediação, garantindo que os acordos respeitem as disposições legais e atendam aos interesses legítimos dos envolvidos.
Advogar em mediação é, acima de tudo, respeitar o cliente em sua essência. O conflito pertence aos envolvidos, cabendo a elas a construção das soluções, especialmente em famílias com vínculos perpétuos. Embora as orientações dos advogados possam ser mais coerentes, as dinâmicas familiares são intransferíveis, assim como as consequências de litígios intermináveis.
Portanto, a mediação familiar não se trata somente da existência de um acordo, mas sim da qualidade desse acordo e do caminho percorrido para sua formação. Uma atuação comprometida com a ética e com a mediação deve estar atenta não somente ao resultado, mas às condições em que ele é construído, assegurando que as pessoas sejam verdadeiramente ouvidas e respeitadas no processo.
A mediação, quando bem conduzida, é uma ferramenta poderosa para fortalecer laços, evitar novos conflitos e promover uma cultura de resolução pacífica e consciente. Para tanto, é essencial que todos os envolvidos, inclusive aqueles que prestam assessoria jurídica, compreendam sua verdadeira essência: não somente resolver disputas, mas transformar relações.
Alliny Burich, vice-presidente da comissão de mediação do IBDFam/SC e presidente da comissão de Direito de Sucessões da OAB/SC.
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