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Dos seguros sobre a vida e a integridade física
Voltaire Marenzi.
Advogado e Professor.
No Capítulo III, da Seção III, da Nova Lei de Seguros, o legislador cuidou Dos Seguros Sobre a Vida e a Integridade Física.
Tratam desta modalidade securitária seus artigos 112 a 124.
A dicção do caput do artigo 112 está vazada nos seguintes termos:
“Nos seguros sobre a vida e a integridade física, o capital segurado é livremente estipulado pelo proponente, que pode contar mais de um seguro sobre o mesmo interesse, com a mesma ou com diversas seguradoras”.
A doutrina securitária reforça a natureza distinta do seguro de pessoas em relação ao seguro de danos, trazendo implicações sobre a estipulação do capital segurado e a pluralidade de contratos.
É princípio assente também de que a vida tem um valor inestimável. Contrariamente ao que afirmava Portalis, na asserção de Dupuich, em seu Traité de L’ Assurances sur la Vie, os seguros de vida não são odiosos e pode obstar-se a que se tornem perigosos.[1]
Para Moitinho de Almeida, jurista português, os seguros de vida “desempenham uma função social inestimável, na medida em que garantem a segurança econômica das famílias, libertam o homem de preocupações sobre o futuro dos seus e contribuem para o progresso dos estados fomentando a poupança e o investimento, este pela aplicação da reserva matemática”.[2] Grifo meu.
Neste sentido, o seguro de vida é um contrato baseado no princípio da liberdade contratual, o que permite ao segurado estipular o valor da indenização de acordo com sua conveniência. Diferentemente do seguro de danos, que segue o princípio indenitário (limitando a indenização ao valor do prejuízo real), o seguro de vida não exige correspondência direta com um prejuízo econômico mensurável.
A possibilidade de contratar mais de um seguro de vida decorre do fato de que o seguro de pessoas não busca compensar uma perda patrimonial específica, mas garantir um benefício financeiro aos beneficiários. Assim, um segurado pode contratar diversos seguros com seguradoras distintas sem violar o ordenamento jurídico, desde que haja de boa-fé e que a contratação não tenha objetivo fraudulento.
A doutrina também destaca que, apesar da liberdade de estipulação do capital e da possibilidade de múltiplos contratos, o princípio da boa-fé objetiva[3] deverá sempre prevalecer sobre qualquer outra situação, porventura, presente neste tipo contratual.
De outro giro, a contratação excessiva de seguros pode levantar suspeitas de fraude, levando seguradoras a exigir exames médicos mais rigorosos ou estabelecendo limites máximos de indenização.
A legislação brasileira permite que o segurado estipule livremente o capital segurado e contrate múltiplos seguros sobre a vida e a integridade física. Esse entendimento é reforçado também pela doutrina, que destaca a natureza não indenitária do seguro de pessoas e a importância do respeito aos princípios contratuais inerentes a essa modalidade securitária.
Há, portanto, a possibilidade da contratação de múltiplos seguros de vida, desde que não haja má-fé ou tentativa de enriquecimento ilícito.
O segurado pode escolher livremente os beneficiários, sem necessidade de consentimento de terceiros.
A cobertura pode ser estruturada para indenizar morte natural, acidental, invalidez permanente, doenças graves, entre outras.
O § 1º deste dispositivo preceitua:
“O capital segurado, conforme convencionado, será pago sob a forma de renda ou de pagamento único”.
Neste parágrafo a lei não faz qualquer distinção quanto à natureza jurídica do seguro com o contrato de previdência privada, hoje, denominada de complementar.[4]
A renda se constituía através do pagamento do participante à entidade, através de prestações de trato sucessivo como era o caso da previdência privada destinadas às instituições das entidades abertas e às entidades sem fins lucrativos,[5] cujas operações tinham essa finalidade.[6]
O pecúlio já seria pago de uma só vez por ocasião da morte do associado.[7]
Nesse modelo, a seguradora efetua o pagamento total do capital segurado de uma só vez. Essa opção é comum em seguros de vida, seguros de acidentes pessoais e coberturas que preveem indenizações diretas e imediatas. O pagamento único pode ser vantajoso para o beneficiário que deseja dispor imediatamente dos recursos, seja para quitar dívidas, realizar investimentos ou cobrir despesas urgentes.
De outra banda, no caso de renda o capital segurado também pode ser pago sob a forma de renda temporária ou vitalícia, o que significa que o beneficiário receberá parcelas periódicas, conforme estipulado na apólice. Essa modalidade é bastante utilizada em seguros de vida com característica previdenciária, como seguros de sobrevivência ou coberturas ligadas à aposentadoria.
Todavia é imperiosa a dicotomia entre o contrato de seguro e o contrato de previdência complementar.
Embora o pagamento de uma renda no seguro de vida possa se assemelhar a um benefício previdenciário, sua natureza jurídica permanece distinta da previdência complementar. O seguro de vida com renda funciona como uma indenização contratual securitária, enquanto a previdência complementar envolve acumulação de reservas e planejamento previdenciário de longo prazo.
Dessa forma, ainda que possam ter finalidades parecidas – como proteção financeira para o futuro –, seguro e previdência são institutos diferentes, com regras próprias e implicações distintas para segurados e participantes.
O §2º deste dispositivo enuncia:
“É lícita a estruturação de seguro sobre a vida e a integridade física com prêmio e capital variáveis”.
Essa afirmação significa que é legalmente permitido estruturar seguros de vida e de integridade física (como seguros de acidentes pessoais) em que o valor do prêmio (o que o segurado paga em contraprestação ao interesse segurado) e o capital segurado (a indenização que será paga em caso de sinistro) possam variar ao longo do contrato.
No prêmio variável o valor pago pelo segurado pode mudar ao longo do tempo, dependendo de fatores como idade, risco, ajustes contratuais ou desempenho de investimentos atrelados ao seguro.
No capital variável a quantia do valor da indenização pode ser ajustado de acordo com critérios predefinidos no contrato, como rentabilidade de aplicações financeiras, alterações no perfil do segurado ou outros fatores.
Isso permite maior flexibilidade nos produtos de seguro, especialmente em modalidades como seguros de vida resgatáveis, seguros atrelados a fundos de investimento e seguros com reajustes programados.
De outro prisma o caput do artigo 114 preceitua:
“Salvo renúncia do segurado, é lícita a substituição do beneficiário do seguro sobre a vida e a integridade física por ato entre vivos ou por declaração de última vontade”.
Adianto que este dispositivo e o do subsequente guardam sintonia com artigos de nosso atual Código Civil, que serão oportunamente revogados quando da vigência desta nova lei, isto é, a partir de um ano de sua publicação como referenciado em comentários anteriores, vale dizer, a partir de 09 de dezembro de 2025.[8]
Na redação deste artigo se vislumbra o que está dito, em outras palavras, no dispositivo do artigo 791 do Código Civil, que trata DO SEGURO, vigente até o início da nova lei que prevê que o segurado pode substituir o beneficiário do seguro de vida a qualquer momento, salvo se houver renúncia expressa a esse direito. A substituição pode ser feita por ato entre vivos (por exemplo, uma comunicação formal à seguradora) ou por declaração de última vontade (como em testamento).
No parágrafo único deste artigo da nova lei a redação é vasada nos seguintes termos:
“A seguradora não cientificada da substituição será exonerada pagando ao antigo beneficiário.”
Também a correlação é praticamente idêntica com o que consta atualmente em nosso diploma material.[9]
O artigo 115 com seus cinco parágrafos, enuncia em seu caput:
“Na falta de indicação do beneficiário ou se não prevalecer a indicação feita, o capital segurado será pago ou, se for o caso, será devolvida a reserva matemática por metade ao cônjuge, se houver, e o restante aos demais herdeiros do segurado”.
Como ventilei supra essa identidade está inserta no caput do artigo 792 do atual Código Civil, que a seu tempo, será objeto de posterior revogação[10].
Também enfatizo o que escrevi em meus comentários sobre O Seguro à Luz do Código Civil de 2002, no sentido que este dispositivo foi oriundo da recepção de uma lei isolada, elaborada em 1.943 para o contrato de seguro de vida, quando nada dizia o Código Beviláqua de 1.916 na parte que tratava da falta de indicação de beneficiário.[11]
Já no que tange a devolução da reserva matemática em um seguro de vida a devolução por metade ao cônjuge, se houver, e o restante aos demais herdeiros do segurado significa à restituição do montante acumulado pela seguradora ao longo do contrato. Essa casuística geralmente se aplica a seguros de vida com acumulação de reserva, como seguros resgatáveis ou de capitalização nos quais parte do prêmio pago pelo segurado é destinado à formação de uma reserva matemática[12].
Adiante. Diz o §1º do artigo 115 da nova lei:
“Considera-se ineficaz a indicação quando o beneficiário falecer antes da ocorrência do sinistro ou se ocorrer comoriência”.
Muito simples. Se o beneficiário falecer antes da ocorrência do sinistro, ou seja, antes da morte do segurado, a sua não existência impede o pagamento da indenização do capital estipulado na apólice de seguro.
Do mesmo modo em caso de comoriência como já ressaltei algures, essa situação jurígena é tratada no artigo 8º do atual Código Civil, com a mesma redação do artigo 11 do Código Civil de 1.916. A principal consequência jurídica da comoriência é que, como não se pode determinar a ordem das mortes, se presume que todos morreram ao mesmo tempo. Isso é relevante principalmente para questões sucessórias, pois, se os comorientes fossem herdeiros um do outro, nenhum deles herdará os bens do outro, e a sucessão será dividida entre os herdeiros respectivos de cada um, como se todos tivessem falecido simultaneamente.[13]
O §2º do artigo em tela da nova lei, determina:
“Se o segurado for separado, ainda que de fato, caberá ao companheiro a metade que caberia ao cônjuge”.
Em recente decisão proferida pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, relatora Ministra Fátima Nancy Andrighi, ficou consignado na parte final do julgamento deste processo, que “comprovada a união estável, a companheira de participante de plano de previdência privada faz jus ao recebimento do benefício de pensão por morte, ainda que não tenha sido designada como beneficiária por ocasião da adesão ao respectivo plano, ressalvando-se que o pagamento deverá ser feito conforme a sua cota-parte, caso haja outros inscritos recebendo devidamente o benefício. Precedentes”[14].
No mesmo teor desta decisão, se colhe uma outra referente ao tema propriamente dito, em longo excerto de ementa, que consta:
“O art. 792 do CC dispõe de forma lacunosa sobre o assunto, sendo a interpretação da norma mais consentânea com o ordenamento jurídico a sistemática e a teleológica (art. 5º da LINDB), de modo que, no seguro de vida, na falta de indicação da pessoa ou beneficiário, o capital segurado deverá ser pago metade aos herdeiros do segurado, segundo a vocação hereditária, e a outra metade ao cônjuge não separado judicialmente e ao companheiro, desde que comprovada, nessa última hipótese, a união estável.
Exegese que privilegia a finalidade e a unidade do sistema, harmonizando os institutos do direito de família com o direito obrigacional, coadunando-se ao que já ocorre na previdência social e na do servidor público e militar para os casos de pensão por morte, isto é, rateio igualitário do benefício entre o ex-cônjuge e o companheiro, haja vista a presunção de dependência econômica e a ausência de ordem de preferência entre eles.
O segurado, ao contratar o seguro de vida, geralmente possui a intenção de amparar a própria família, os parentes ou as pessoas que lhe são mais afeitas, a fim de não deixá-los desprotegidos economicamente quando de seu óbito.
Revela-se incoerente com o sistema jurídico nacional o favorecimento do cônjuge separado de fato em detrimento do companheiro do segurado para fins de recebimento da indenização securitária na falta de indicação de beneficiário na apólice de seguro de vida, sobretudo considerando que a união estável é reconhecida constitucionalmente como entidade familiar. Ademais, o reconhecimento da qualidade de companheiro pressupõe a inexistência de cônjuge ou o término da sociedade conjugal (arts. 1.723 a 1.727 do CC). Realmente, a separação de fato se dá na hipótese de rompimento do laço de afetividade do casal, ou seja, ocorre quando esgotado o conteúdo material do casamento”.[15]
Encontra-se estampado no § 3º do artigo 115 da nova lei, a seguinte norma:
“Se não houver beneficiários indicados ou legais, o valor será pago àqueles que provarem que a morte do segurado os privou de meios de subsistência”.
No parágrafo único de artigo 792 do atual Código Civil está dito que “na falta de pessoas indicadas neste artigo, serão beneficiários os que provarem que a morte do segurado os privou dos meios necessários à subsistência”.
Neste sentido o legislador agasalhou o mesmo entendimento do vigente ordenamento material, com o fito de proteger pessoas que, mesmo sem vínculo legal com o segurado, dependiam financeiramente dele. No entanto, essa comprovação exigirá um processo judicial ou administrativo para demonstrar ao segurador a dependência econômica da parte desamparada.
O § 4º, do artigo em comento da nova lei, diz:
“Se a seguradora, ciente do sinistro, não identificar beneficiário ou dependente do segurado para subsistência no prazo prescricional da respectiva pretensão, o capital segurado será tido por abandonado nos termos do inciso II do caput do art. 1.275 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e será aportado no Fundo Nacional para Calamidades Públicas, Proteção e Defesa Civil (Funcap)”.
Esse dispositivo legal é novidadeiro. Além de destinar o capital segurado às pessoas necessitadas, se viabiliza uma destinação social que merece o apoio de toda nossa sociedade como um todo.
O §5º, último parágrafo deste artigo, determina:
“Não prevalecerá a indicação de beneficiário nas hipóteses de revogação da doação, observados o disposto nos art. 555,556 e 557 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil)”.
Cuida-se também de outra novidade insuflada por nosso legislador no novo Marco Legal do Seguro.
Pois bem. No Marco Legal do Seguro, há essa previsão de que a indicação de beneficiário em um contrato de seguro não prevalecerá nos casos em que houver revogação da doação, conforme disposto nos artigos 555, 556 e 557 do Código Civil.
Isso significa que, se um segurado indicar como beneficiário alguém que recebeu um bem ou direito como doação revogável, e essa doação for posteriormente revogada por algum motivo previsto em lei, a nomeação desse beneficiário no seguro pode perder validade.
Essa disposição inserta neste parágrafo busca evitar que o beneficiário de um seguro mantenha um direito que já teria sido invalidado pela revogação da doação.
Quanto o artigo 116 caput, diz a nova lei:
“O capital segurado devido em razão de morte não é considerado herança para nenhum efeito”.
Há essa previsão em nosso Código Civil[16], que como ressaltei alhures será revogada quando da vigência da nova lei de seguros.
Pois bem. O capital segurado pago em razão do falecimento do segurado não integra a herança, pois tem caráter de indenização e é destinado diretamente ao beneficiário indicado na apólice.
Sendo iure próprio – per diritto próprio (no direito italiano), o valor do seguro de vida não entra no inventário.
Deveras. Credores do falecido não podem reivindicá-lo para pagamento de dívidas, além dos beneficiários receberem o montante diretamente da seguradora, sem precisar esperar o processo sucessório.
O parágrafo único deste dispositivo da nova lei arremata:
“Para os fins deste artigo, equipara-se ao seguro de vida a garantia de risco de morte do participante nos planos de previdência complementar”.
De fato. Em sintonia com entendimentos consolidados pela Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), órgão fiscalizador do seguro, assim como pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), última palavra em sede infraconstitucional, a garantia de risco de morte oferecida nos planos de previdência complementar se equipara ao seguro de vida quando há cobertura de risco.
Essa equiparação ocorre porque a garantia de morte nesses planos tem natureza securitária, ou seja, representa um contrato de seguro em que há transferência de risco para a entidade ou a seguradora. Assim, em casos de falecimento do participante, os beneficiários podem ter direito à indenização, semelhante ao que ocorre em seguros de vida tradicionais.
A distinção relevante é que nos planos de previdência complementar aberta, administrados por seguradoras, muitas vezes a cobertura de morte é formalmente estruturada como um seguro de vida coletivo embutido no plano. Já nos planos fechados (fundos de pensão), essa cobertura pode estar integrada ao regulamento do plano, mas com o mesmo efeito prático.[17]
O artigo 117 da lei em comento, registra:
“É nulo, no seguro sobre a vida e a integridade física próprias, qualquer negócio que direta ou indiretamente implique renúncia ou redução do crédito ao capital segurado ou à reserva matemática, ressalvadas as atribuições feitas em favor do segurado ou dos beneficiários a título de empréstimo técnico ou resgate”.
Esse dispositivo estabelece um princípio fundamental dos seguros de vida e previdência privada: a proteção do capital segurado e da reserva matemática. Vou analisar seus principais pontos:
O segurado não pode abrir mão do direito ao capital segurado ou à reserva matemática (no caso da previdência) por meio de qualquer negócio jurídico. Isso significa que contratos, cláusulas ou acordos que tentem diminuir ou anular esses valores são inválidos.
A regra impede, por exemplo, que credores ou terceiros exijam que o segurado utilize o valor do seguro para quitar dívidas, garantindo que o dinheiro seja preservado para o segurado ou seus beneficiários.
A norma permite apenas duas situações em que o valor pode ser utilizado antes do pagamento do benefício final, quando a própria seguradora concede um empréstimo ao segurado, usando a reserva matemática como garantia, ou quando o segurado opta por resgatar parte ou a totalidade da reserva matemática, conforme as regras do plano contratado.
O objetivo dessa regra, em síntese, é garantir que o seguro de vida e a previdência privada cumpram sua função principal: proteger financeiramente o segurado e seus beneficiários, sem permitir que terceiros comprometam esse direito.
A dicção do caput do artigo 118 é a seguinte:
“Nos seguros sobre a vida própria para o caso de morte e sobre a integridade física própria para o caso de invalidez por doença, é lícito estipular-se prazo de carência, durante o qual a seguradora não responde pela ocorrência do sinistro.”
É lícito estipular prazo de carência nesses tipos de seguro. A carência é um período inicial durante o qual a seguradora não cobre determinados eventos, salvo nos casos expressamente previstos no contrato. Essa regra está respaldada pela liberdade contratual e pela normatização da SUSEP, sendo comum em seguros de vida e de invalidez por doença.
No caso de seguro de vida, a carência geralmente se aplica para morte natural, enquanto a morte acidental costuma ser coberta desde o início. Já no seguro de invalidez por doença, a carência é estipulada para evitar a contratação do seguro por pessoas que já tenham conhecimento de uma condição incapacitante iminente.
Entretanto, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e a legislação específica exigem que a cláusula de carência seja transparente e informada claramente ao segurado no momento da contratação.
O §1º deste artigo determina:
“O prazo de carência não pode ser convencionado quando se tratar de renovação ou de substituição de contrato existente, ainda que seja outra a seguradora”.
De fato. O prazo de carência não pode ser aplicado em casos de renovação ou substituição de um contrato de seguro de vida existente, mesmo que a seguradora seja diferente. Esse princípio protege o segurado para evitar que ele fique sem cobertura ao trocar de seguro, desde que não haja interrupção entre os contratos.
Essa regra está alinhada com a Resolução CNSP nº 439/2022[18], que estabelece diretrizes para o mercado de seguros, garantindo que a troca de seguradora não prejudique o segurado com a reimposição de carência. Assim, se o segurado já cumpriu a carência no contrato anterior, ele não precisará cumpri-la novamente no novo contrato, desde que mantenha a continuidade da cobertura.[19]
O §2º, do artigo em comento, determina:
“O prazo de carência não pode ser pactuado de forma a tornar inócua a garantia e em nenhum caso pode exceder a metade da vigência do contrato”.
Essa limitação é uma proteção ao segurado para evitar abusos por parte das seguradoras. O prazo de carência no seguro de vida deve ser razoável e não pode comprometer a efetividade da cobertura contratada. Além disso, a regra que impede que a carência ultrapasse metade da vigência do contrato busca garantir que o segurado tenha um período significativo de cobertura entre a contratação do seguro e o lapso temporal da duração da apólice.
Diz seu §3º:
“Ocorrendo o sinistro no prazo de carência, legal ou contratual, a seguradora é obrigada a entregar ao segurado ou ao beneficiário o valor do prêmio pago, ou a reserva matemática, se houver”.
Da mesma sorte essa regra protege o segurado e seus beneficiários caso o sinistro ocorra dentro do período de carência estabelecida. Se houver uma carência estabelecida no contrato e o evento ocorrer nesse período, a seguradora não pagará a indenização contratada, mas deverá restituir os valores pagos pelo segurado.
Via de regra, a devolução poderá ser efetivada através de duas formas:
- Caso o seguro funcione sob um regime de repartição simples, onde os prêmios são pagos sem formação de reserva individual, ou:
- Se o seguro for estruturado em um regime de capitalização aonde há formação de reserva individual para o segurado, se revestindo como forma de devolução de reserva matemática.
O seu § 4º acentua:
“Convencionada a carência, a seguradora não poderá negar o pagamento do capital sob a alegação de preexistência de estado patológico”.
Se a seguradora estabeleceu um prazo de carência no contrato, ela já estará se protegendo contra riscos imediatos, como doenças preexistentes. Assim, uma vez cumprida a carência, a seguradora não pode recusar o pagamento da indenização alegando que a doença era preexistente, salvo se houver má-fé comprovada por parte do segurado no momento da contratação. Mesmo nesta hipótese, em um leading case, no Resp nº198.015, Relator Ministro Eduardo Ribeiro, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, assim decidiu:
“Se a seguradora aceita a proposta de adesão, mesmo quando o segurado não fornece informações sobre o seu estado de saúde, assume os riscos do negócio. Não pode por essa razão, ocorrendo o sinistro, recusar-se a indenizar”.[20]
Determina o caput do artigo 120 da Lei:
“O beneficiário não terá direito ao recebimento do capital segurado quando o suicídio voluntário do segurado ocorrer antes de completados 2 (dois) anos de vigência do seguro de vida”. Grifei.
Data vênia, aqui, neste artigo, o legislador cometeu um verdadeiro retrocesso na aplicação do bom direito.
A questão da voluntariedade, ou não, do ato do suicida é uma questão por demais superada, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência.
Na doutrina esse tema foi muito debatido e ficou pacificado no sentido de que não se cuida mais de se fazer esta distinção. A uma, porque se trataria de uma prova diabólica, entre muitos autores, os consagrados irmãos Mazeaud[21]. A duas, porque a doutrina cedeu ao adotar como método de resolução deste tema um spatio deliberandi, que significa “prazo para deliberar” ou “tempo para refletir” em um espaço de, no mínimo, 2 (dois) anos.
Foi resultante também de uma determinação legal[22]. Além disto, essa situação ficou assentada em uma súmula do Superior Tribunal de Justiça[23].
Não há mais o que debater, venia concessa. Tollitor quaestio.
O §1º deste artigo da nova lei reza:
“Quando o segurado aumentar o capital, o beneficiário não terá direito à quantia acrescida se ocorrer o suicídio no prazo previsto no caput deste artigo”.
Na hipótese acima prevista, isto é, no caso específico do aumento do capital segurado, essa nova situação é considerada como um novo risco assumido pela seguradora. Neste sentido, inicia-se um novel prazo de carência de dois anos apenas para a quantia adicional contratada. Se o segurado cometer suicídio, independentemente da casuísta, o beneficiário deverá receber apenas o valor original do seguro, sem qualquer acréscimo. De fato. Tal norma objetiva evitar fraudes e proteger o equilíbrio do contrato, impedindo que alguém contrate ou amplie um seguro já com a intenção de atentar contra a própria vida, beneficiando seus herdeiros.
No § 2º se veda a fixação de novo prazo de carência, nas hipóteses de renovação e de substituição do contrato, ainda que seja outra a seguradora. Cuida-se de proteger a seguradora quando o segurado atenta contra o fim do seguro que visa proteger e recompor o interesse segurado. Parte-se, portanto, do fato de que o contratante estará agindo de má-fé quando neste contrato deverá estar sempre presente a mais absoluta boa-fé.
Dita seu §3º:
“O suicídio em razão de grave ameaça ou de legítima defesa de terceiro não estará compreendido no prazo de carência”.
“Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessário, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”.[24]
Enuncia o §4º do artigo em pauta:
“É nula a cláusula de exclusão de cobertura de suicídio de qualquer espécie”.
De fato. O suicídio pode ser classificado em diferentes espécies com base na motivação, na intenção e nas circunstâncias que o envolvem.
Todavia, a meu sentir, o legislador disse mais do que devia também neste parágrafo. Bastava dizer: é nula a cláusula de exclusão de cobertura de suicídio, data vênia.
Por fim, seu §5º preceitua:
“Ocorrendo o suicídio no prazo de carência, é assegurado o direito à devolução do montante da reserva matemática formada”.
É inquestionável tal norma plasmada neste parágrafo. Assim, em caso de suicídio dentro do prazo de carência, a seguradora deve devolver a reserva matemática formada, conforme entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça em vários julgados relativos ao tema.
A reserva matemática representa o valor acumulado pelo segurado ao longo do contrato, especialmente em seguros de vida com componente de capitalização ou previdência privada. Assim, ainda que o segurado tenha falecido por suicídio dentro do período de carência, a reserva constituída com os prêmios pagos deve ser restituída aos beneficiários.
Esse entendimento busca equilibrar os interesses das partes, evitando o enriquecimento sem causa da seguradora e garantindo aos beneficiários o direito ao montante que já havia sido constituído.
O artigo 121 determina:
“A seguradora não se exime do pagamento do capital segurado, ainda que previsto contratualmente, quando a morte ou a incapacidade decorrer do trabalho, da prestação de serviços militares, de atos humanitários, da utilização de meio de transporte arriscado ou da prática desportiva”.
A doutrina francesa já tratou dessa questão, especialmente no que diz respeito à interpretação das cláusulas contratuais restritivas em seguros. O princípio da "causa adequada do risco" e a teoria da imprevisão influenciaram a forma como exclusões de cobertura deveriam ser analisadas.
Na França, há entendimentos de que cláusulas excludentes não podem esvaziar a função essencial do contrato de seguro. Doutrinadores como Henri Capitant e Ripert argumentam que a seguradora não pode inserir exclusões que retirem a proteção esperada pelo segurado. A propósito calha, ao azo, a citação deste aspecto em uma das obras do doutrinador por último citado.[25]
A par disto, os tribunais franceses tendem a interpretar cláusulas ambíguas e restritivas em favor do consumidor, seguindo o princípio do contra proferentem (interpretação contra quem redigiu o contrato).
Essa influência se reflete também no Brasil, onde o Superior Tribunal de Justiça frequentemente limita cláusulas abusivas e restritivas em contratos de seguro.
Nosso Código Civil de 2002 contemplou essa cláusula[26] que, aliás, não tinha correspondência com o Código de 1.916.
Reza o artigo 122 da nova lei:
“Os capitais segurados devidos em razão de morte ou de perda da integridade física não implicam sub-rogação, quando pagos, e são impenhoráveis”.
Esse dispositivo, salvante sua parte final que fala sobre bens impenhoráveis como adverte Daniel Amorim Assumpção Neves[27], “não é naturalmente o seguro de vida em si impenhorável, que na realidade nem valor patrimonial tem, mas sim a importância em dinheiro proveniente de tal espécie de contrato na hipótese de falecimento do seguro”.[28]
Pois bem. A parte inicial deste artigo da nova lei tem correlação com outro dispositivo inserto em nosso atual Código Civil.[29]
Preceitua o artigo 123, caput, da futura lei:
“Nos seguros coletivos sobre a vida e a integridade física, a modificação dos termos do contrato em vigor que possa gerar efeitos contrários aos interesses dos segurados e dos beneficiários dependerá da anuência expressa de segurados que representem pelo menos ¾ (três quartos) do grupo”.
Parte desta redação em outras palavras é idêntica ao que preceitua o §2º, do artigo 801, do nosso atual Código Civil.
De outro giro, é oportuna a observação de que a modificação e a resolução do contrato global de seguro de vida em grupo, “não será automática, impondo-se a pactuação de um prazo razoável para a denúncia. É justo que assim seja, pois o estipulante poderá comunicar o fato, com um mínimo de antecedência, aos segurados, de molde a possibilitar-lhes a tomada de medidas alternativas e, até mesmo, reconduzir o grupo ao mínimo exigido, se esta for a causa da resolução”.[30]
“Parágrafo único. Quando não prevista no contrato anterior, a modificação do conteúdo dos seguros coletivos sobre a vida e a integridade física, em caso de renovação, dependerá da anuência expressa de segurados que representem pelo menos ¾ (três quartos do grupo”.
Cuida-se de atender e guardar plena sintonia com o caput deste artigo em comento, posto que na hipótese de que não esteja prevista contratualmente essa renovação com a modificação dos termos contratuais anteriores, só se operará e se efetivará essas situações com a concordância do mesmo número de segurados previstos neste dispositivo, ora em análise.
Encerrando esta Seção, preceitua o artigo 124:
“Salvo se a seguradora encerrar operações no ramo ou na modalidade, a recusa de renovação de seguros individuais sobre a vida e a integridade física que tenham sido renovados sucessiva e automaticamente por mais de 10 (dez) anos deverá ser precedida de comunicação ao segurado e acompanhada de oferta de outro seguro que contenha garantia similar e preços atuarialmente repactuados, em função da realidade e do equilíbrio da carteira, com antecedência mínima de 90 (noventa) dias, vedados carências e direito de recusa de prestação em virtude de fatos preexistentes.”
Esse trecho estabelece regras para a recusa de renovação de seguros individuais que protegem a vida e a integridade física, desde que tenham sido renovados automaticamente por mais de dez anos. Vou procurar detalhar os principais pontos:
Regra Geral: Se o seguro já foi renovado automaticamente por mais de dez anos, a seguradora não pode simplesmente se recusar a renovar sem cumprir certas exigências.
Exceção: A única situação em que a seguradora pode recusar a renovação sem seguir essas regras é se ela deixar de operar naquele ramo ou modalidade de seguro.
Comunicação Prévia: Se quiser interromper a renovação, a seguradora deve avisar o segurado com pelo menos 90 dias de antecedência.
Junto com o aviso, a seguradora deve oferecer um outro seguro com garantias semelhantes, mas com preços ajustados de acordo com os cálculos atuariais (baseados no risco da carteira de segurados).
No novo seguro oferecido, a seguradora não pode impor novas carências nem recusar coberturas alegando condições de saúde preexistentes.
Essa regra protege o segurado contra cancelamentos abruptos e contra a exclusão de pessoas mais velhas ou doentes, garantindo que elas tenham uma alternativa justa de cobertura.
São estas as ligeiras considerações que julguei oportunas lançar no que tange aos comentários dos seguros sobre a vida e a integridade física, ínsitas na proteção ao ser humano e de tamanha importância e abrangência no decorrer de todos os tempos.
Porto Alegre, 14 de março de 2025.
[1] Apud, J.C. Moitinho de Almeida. O Contrato de Seguro no Direito Português e Comparado. Livraria Sá da Costa. Lisboa, 1ª edição, 1971, página 314.
[2] J.C. Moitinho de Almeida, obra e página citada.
[3] Artigo 422 do atual Código Civil.
[4] Vide minha obra A Nova Lei da Previdência Complementar Comentada. Editora Síntese, outubro de 2001. Lei Complementar nº109, de29 de maio de 2001.
[5] Art. 4º, incisos I e II, de acordo com seus objetivos, letras “a” e “b” da revogada lei 6.435/77.
[6] Art. 14 da Lei 6.435/77.
[7] Voltaire Giavarina Marensi. Previdência Privada. Legislação e Normas, 2ª edição. Editora Síntese, Ltda. Seção V. Das Operações, página 21.
[8] Art. 134 da Nova Lei.
[9] Parágrafo único do artigo 791 do CC.
[10] Art.133 da Lei nº 15.040, de9 de dezembro de 2024.
[11] Vide artigos 1.432 e seguintes do Código Civil de 1.916, especificamente artigos 1.440 e 1.441.
[12] Revista Magister de Direito Empresarial, Concorrencial e do Consumidor.
LexML https://www.lexml.gov.br › urn › urn:lex:br:rede.virtual...» Seguro de vida: a devolução da reserva matemática ao beneficiário do seguro na hipótese de suicídio do segurado / Voltaire Marensi. v. 4, n. 21, p. 5–7
[13] Comoriência no Seguro. Quinta, 26 Setembro 2024. Voltaire Marensi.SEGS.com.br - Categoria: Seguros
[14] Resp nº 2.165.738/PA. Data do julgamento 24/02/2025. Data da Publicação DJEN 27/02/2025
[15] Resp, nº 1.401.538 / RJ.RECURSO ESPECIAL2013/0293376-8 Relator Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (1147. Data da Publicação/Fonte DJe 12/08/2015.
[16] Artigo 794 do CC: “No seguro de pessoa, o capital estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança”.
[17] Nos fundos fechados o órgão fiscalizador é a Previc. É uma autarquia do Governo Federal para supervisionar as Entidades Fechadas de Previdência Complementar. EFPC. Lei 12.154/2009.
[18] Prazo de carência.
Art. 11. O prazo de carência corresponde ao período contado a partir da data de início de vigência da cobertura ou da sua reabilitação, no caso de suspensão, durante o qual, na ocorrência do sinistro, o segurado ou os beneficiários não terão direito à percepção dos capitais segurados contratados, no todo ou em parte, conforme dispuserem as condições contratuais.
Parágrafo único. O prazo de carência poderá ser aplicado às solicitações de aumento de capital segurado efetuadas após o início de vigência, em relação à parte aumentada, desde que previsto nas condições contratuais.
Art. 12. O prazo de carência, exceto no caso de suicídio ou sua tentativa, não poderá exceder metade do prazo de vigência previsto pela apólice, no caso de contratação individual, ou pelo certificado individual, no caso de contratação coletiva.
[19] Art. 13. Em caso de renovação de apólice, não será iniciado novo prazo de carência, exceto no caso previsto no parágrafo único do art. 11.
[20] Apud, Voltaire Marensi. O Seguro no Direito Brasileiro, 9ªedição. Lumen Juris, página 62.
[21] Henri, Léon e Jean Mazeaud. Leçons de Droit Civil. Tomo II.
[22] Artigo 798 do atual Código Civil.
[23] Súmula 610.
[24] Artigo 25, caput. Coletânea básica penal. 14ª edição, janeiro de 2004. Senado Federal. NE: Ver ADPF nº779.
[25] Georges Ripert. A Regra Moral nas Obrigações. Tradução da Terceira Edição Francesa por Osório De Oliveira. Bookseller. §3º. Os Contratos de Adesão, especificamente, página 115.
[26] Artigo 799 do atual Código Civil.
[27] Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo, 9ª edição. Editora JusPODIAM, página 1.459
[28] Obra citada, 9. SEGURO DE VIDA.
[29] Artigo 800 do CC atual, sem correspondência no CC/1916.
[30] Ernesto Tzirulnik, Flávio de Queiroz B. Cavalcanti, Ayrton Pimentel. O Contrato de Seguro de acordo com o Novo Código Civil Brasileiro, 2ª edição. Editora Revista dos Tribunais, 2003, página 209.
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