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Dia 8 de março premia a equidade de gênero
Jones Figueirêdo Alves
As mulheres desempenham papéis essenciais em todos os setores – na ciência, tecnologia, política, saúde, educação, empreendedorismo e, por òbvio, na vida familiar e comunitária. No entanto, ainda enfrentam desafios como desigualdade salarial, a falta de representatividade em cargos de liderança e a violência de gênero. O dia 8 de março é um dia de reflexões e de advertências.
Parte 1. Mulheres esquecidas, “atrás de grandes homens”
A genial cientista sérvia Mileva Maric, não teve os créditos da história. Seu nome completo era Mileva Maric Einstein e como mulher do Albert, foi quem cooperou, decisivamente, para a sua Teoria da Relatividade, na parte das implicações matemáticas mais complexas. Em primeira versão publicada (1905), seu nome figurou como coautora e omitido nas versões posteriores. O acordo de seu divórcio (1919) incluiu cláusula onde Albert Einstein pactuou atribuir-lhe todos os ganhos financeiros com um possível Prêmio Nobel. Este chegou em 1921 e Mileva enriqueceu, porém permaneceu esquecida.
Mulheres por serem mulheres ficaram, muitas, fora do Panteão da vida, sem as homenagens que lhes cabem. A frase tradicional “Atrás de grandes homens, existem grandes mulheres” pede o reconhecimento do papel essencial das mulheres no sucesso de homens influentes. Nada obstante esse papel fica invisível e não publicamente destacado.
Embora Pierre Curie tenha sido um cientista brilhante, foi sua mulher Marie Curie quem liderou as pesquisas que levaram à descoberta da radioatividade, tornando-se a única mulher a ganhar um Prêmio Nobel, duas vezes (Física – 1903 e Química - 1910).
No campo da ciência e tecnologia, podemos também situar:
(i) Rosalind Franklin, pioneira da biologia molecular, autora das imagens de difração de raios-X, cuja fotografia de raios-X do B-DNA (chamada Foto 51), revelou a dupla hélice do DNA, em suas estruturas, embora o crédito tenha ficado com James Watson e Francis Crick. Rosalind teve morte prematura, aos trinta e sete anos.
(ii) Lise Meitner, física austríaca, descobriu a fissão nuclear (a divisão de átomos), - 1939 - mas quem recebeu o Nobel (1941) foi o seu colega de pesquisas, o químico Otto Hahn.
Nas artes, o exemplo mais emblemático encontra Camille Claudel, a escultora genial sob conturbado relacionamento, aos dezenove anos, com Augusto Rodin, seu mestre e amante, quando muitas de suas obras foram, indevidamente, atribuídas a ele. Com seu “talento ofuscado pelo machismo estrutural”, Camille padeceu de um internamento psiquiátrico abusivo, por longos trinta anos, falecendo em 1943.
Pioneira do expressionismo abstrato, Lee Krasner (1908-1984) foi reduzida ao papel de "esposa de Jackson Pollock" (1912-1956), pintor norte-americano conhecido por seu estilo único de “pintura por gotejamento”. Ela influenciou e ajudou a consolidar a carreira de Pollock e somente recebeu o seu devido reconhecimento após falecer.
Margaret Keane (1927-2022) foi a pintora que criou os icônicos quadros de crianças com olhos grandes e teve sua arte roubada pelo marido, que assumiu a autoria por muitos anos. Ela o processou, provando ser a verdadeira artista, pintando diante do tribunal para comprovar sua autoria. Sua história inspirou o filme Grandes Olhos (2014). Mas esse Walter Keane, ficou apenas famoso na América como plagiador; não era, portanto, um grande homem.
Johanna van Gogh-Bonger, esposa de seu irmão mais novo, Theo, foi responsável pelo reconhecimento póstumo de Vicent van Gogh, maior expoente do pós-impressionismo. Viúva, restando-lhe a herança das obras do cunhado, ingressou no mercado de artes, expondo os seus trabalhos. Perenizou, assim, o artista, então desconhecido, Van Gogh, que nunca vendera um quadro em vida.
Na literatura, a autora francesa Sidonie-Gabrielle Colette escreveu os romances da série Claudine, mas seu marido, o crítico teatral Henry Gauthier-Villars (de pseudônimo Willy), assinou as obras como se fossem dele. Somente depois de se divorciar, Colette conseguiu reivindicar sua obra e se tornar uma das maiores escritoras da França. Essa não ficou esquecida.
Sob a epígrafe da expressão, vale destacar o exemplo de Zelda, talentosa escritora que influenciou muito o estilo e as histórias do marido, F. Scott Fitzgerald (O Grande Gatsby). Ele chegou a copiar trechos de seus diários e cartas sem dar-lhe os créditos. Zelda publicou seu próprio romance (Save Me the Waltz).
Mary Shelley foi muito mais que a esposa de Percy Bysshe Shelley, um dos importantes poetas românticos ingleses, cujos poemas foram populares e aclamados pela crítica. Criadora da obra “Frankenstein”, inovou a literatura de ficção científica.
Não se pode ignorar que muitas mulheres foram protagonistas essenciais diante de diversas figuras históricas, como Xantipa (Sócrates) e Pompeia Paulina (Sêneca). Martin Luther King Jr., um dos líderes na luta pelos direitos civis, não despreza o fato de sua esposa, Coretta Scott King, ter sido partícipe fundamental. Mas os registros nessa dimensão são poucos.
Na antiguidade, a Rainha Artemísia II, irmã e esposa do rei Mausolo, do império persa, ao tempo de sua morte (353 a.C), construiu uma admirável tumba para abrigar seu corpo. O Mausoléu de Halicarnasso, tornou-se uma das sete maravilhas do mundo antigo. Daí, o próprio termo “mausoléu”, inicialmente ligado ao rei Mausolo, de Caria, passou a ser usado para qualquer monumento erigido em memória dos mortos.
Atualmente, convém que se afirme a variação mais igualitária, qual seja a expressão: "Ao lado de um grande homem, há uma grande mulher". Uma parceria mais equilibrada, quando a mulher há de ter sempre a preferência e a prioridade. A mulher não é coadjuvante.
Parte 2. Mulheres excepcionais e seus marcos históricos
Quando a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foi proclamada na França, em 07.08.1789, houve quem denunciasse encontrar-se incompleta sem os direitos da mulher. Olympes de Gouges, sob o contexto prefacial da Revolução francesa, editou em setembro de 1791, a sua Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, com preambulo de ideais libertários e em dezessete magistrais artigos, dirigida à rainha Maria Antonieta.
Por suas críticas ao patriarcado e ao poder jacobino, foi guilhotinada em 1793, aos 43 anos, mas a sua defesa pelos mesmos direitos atribuídos aos homens fixou o marco histórico fundador do feminismo.
Proativa em suas ideias revolucionárias, defendeu a igualdade dos filhos ilegítimos, quando ela mesma, filha ilegítima de Jean-Jacques Lefranc, marquês de Pompignan, magistrado e escritor. Também defendeu a instauração do divórcio e mais ainda, a criação de um contrato anual para os cônjuges.
Logo depois, Mary Wollstonecraft (1759-1797), foi a autora da “Reivindicação dos Direitos da Mulher” (1792), primeira obra feminista, onde sustenta que as mulheres deviam ter os mesmos direitos à educação formal que os homens, denunciando a exclusão das mulheres a acesso a direitos básicos no século XVIII, e discutindo a condição da mulher na sociedade inglesa da época. Sua obra constitui referência teórica para as precursoras do feminismo contemporâneo, a exemplo de Simone de Beauvoir.
Nísia Floresta (1810-1885) traduziu essa publicação reivindicatória, escrevendo “Direitos das Mulheres e Injustiça dos Homens” (1832), tornando-se a primeira feminista em nosso país.
No Brasil, somente em 1827, surgiu a primeira lei sobre educação das mulheres, permitindo que frequentassem as escolas elementares; as instituições de ensino mais adiantado eram proibidas a elas.
A seu turno, a filósofa francesa Simone de Beauvoir (1908-1986), em “O Segundo Sexo” (1949), produziu sua obra fundamental ao analisar como a sociedade constrói o papel da mulher. Atualmente, Judith Butler, no seu estudo “Problemas de Gênero” (1990), desenvolvendo a teoria da performatividade de gênero e Chimamanda Ngozi Adichie, escritora nigeriana, no seu ensaio “Sejamos Todos Feministas” (2015), popularizaram o feminismo contemporâneo, como direito de igualdade libertadora.
Dentre as demais pioneiras, vale lembrar Elizabeth Cady Stanton (1815-1902) e Susan B. Anthony (1820-1906), líderes do movimento sufragista nos EUA, que organizaram a Convenção de Seneca Falls (20.07.1848), o primeiro evento feminista do país e Emmeline Pankhurst (1858-1928), uma das principais sufragistas britânicas.
Noutro giro, desde o berço antigo da filosofia, as mulheres tiveram seu lugar de fala. Hipátia, de Alexandria, foi uma filósofa neoplatônica do Egito Romano, a primeira matemática, e Aspásia, de Mileto, considerada na tradição clássica como uma contraparte feminina de Sócrates. Dezenas de outras, no auge de Atenas, como platônicas, cínicas e estoicas. Na Idade Média, Heloísa de Argenteuil, mais celebre em sua devoção por Pedro Abelardo, e Hildegarda de Bingen. Mais recentemente, Edith Stein, Simone Weil e Hannah Arendt. São todas constelações, em antologia de grandes filósofas, com seus produtos intelectuais de espírito.
Na busca por sua autodeterminação, mulheres tiveram lideranças e heroísmo. Superaram controles do feminino a elas impostas. Em sua obra “Revolucionárias” (Planeta, 2024), Isabele Anchieta, fala-nos, em dois mundos e tempos diferentes, de Joana D´Arc e Maria Quitéria. Ambas, em mesmas identidades de luta, uma liderando o exército francês; a nossa brasileira, a primeira a lutar no exército nacional em prol da independência do país.
Em nossa país, mulheres se destacaram, marcando épocas e história.
Dandara foi a mulher negra guerreira, na defesa dos escravos e na construção do Quilombo dos Palmares; Anita Ribeiro de Jesus (Anita Garibaldi), líder militar de dois mundos; Francisca Edwiges Neves Gonzaga, (Chiquinha Gonzaga), primeira maestrina, precursora das marchinhas de carnaval (“Lua Branca" e "Ó, Abre-Alas"), a abolicionista cearense Maria Tomásia Figueira Lima, cuja luta conduziu a Assembleia Legislativa provincial decretar o fim da escravidão no Ceará, a primeira a fazê-lo no país; a pintora Tarsila do Amaral, entre tantas outras.
Mulheres excepcionais, vítimas e anônimas, foram as do incêndio da Triangle Shirtwaist, fábrica textil de Nova York (25.03.1911). Trabalhavam em condições precárias, com salários baixos, jornadas exaustivas (14 horas) e sem medidas de segurança adequadas.
Dessa tragédia, não há contexto de origem para o Dia Internacional da Mulher, embora instituído como resultado da luta das mulheres por direitos trabalhistas, sociais e políticos, especialmente no início do século XX.
A data, de fato, tem raízes em movimentos operários e feministas. No ponto, o dia tornou-se simbólico pelo evento crucial de mulheres russas terem organizado uma greve, em 08.03.1917, exigindo "Pão e Paz", em protesto contra a fome, a Primeira Guerra Mundial e o czarismo. Esse levante foi um marco da Revolução Russa.
Mulheres que inspiram por suas lutas, merecem um dia a elas consagrado. Mais que isso, presentes todos os dias, como ícones de um mundo melhor.
Fonte: Consultor Jurídico - Conjur, 08.03.2025
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Jones Figueirêdo Alves é desembargador emérito do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Mestre em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito de Lisboa. Integra a Academia Brasileira de Direito Civil, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e membro fundador do Instituto Brasileiro de Direito Contratual (IBDCont). Advogado, Consultor e parecerista.
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