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Mediação: obrigação ou oportunidade?
Mediação: obrigação ou oportunidade?
A Mediação, enquanto espaço onde as pessoas podem refletir sobre seus momentos conflituosos, ganha destaque no cenário jurídico e social, especialmente em questões familiares. Seu crescimento se deve, na maioria, à necessidade de métodos mais humanizados e eficazes para lidar com divergências, promovendo a escuta e a construção conjunta de soluções. Contudo, uma pergunta comum surge entre aqueles que enfrentam um conflito e até entre profissionais da área: “Sou obrigado a mediar?”
A Mediação como direito e não obrigação. A Mediação é um procedimento voluntário. A Lei 13.140/2015, conhecida como Lei da Mediação, reforça que a participação na Mediação deve ocorrer por livre vontade dos envolvidos. Isso significa que ninguém pode ser obrigado a participar de uma Mediação contra sua vontade. É, antes de tudo, um espaço de diálogo, onde o comprometimento genuíno é indispensável para os resultados serem efetivos e duradouros.
Mesmo em contextos judiciais, onde há determinação para comparecimento a sessões de Mediação, a obrigatoriedade refere-se somente à presença inicial, no ato de abertura. Participar ativamente e buscar uma solução consensual é uma escolha das pessoas envolvidas. No Brasil, especialmente no âmbito do Direito das Famílias, há um estímulo crescente para as pessoas tentarem resolver suas diferenças por meio do diálogo mediado antes de recorrerem a um processo litigioso. Em alguns tribunais, inclusive, a participação em uma sessão inicial de Mediação pode ser recorrente. No entanto, é fundamental compreender que, ainda que haja a obrigatoriedade de comparecimento, a continuidade da Mediação e a construção de um acordo são sempre decisões voluntárias. Ninguém pode ser obrigado a negociar ou a aceitar uma solução com quem não concorda.
Muitas vezes, a resistência à Mediação surge do desconhecimento sobre seu funcionamento ou do recebimento de que o processo ao qual ela pertence é injusto. Em situações de conflito intenso pode parecer difícil imaginar um diálogo produtivo, especialmente quando as emoções estão à flor da pele. No entanto, diferentemente de um julgamento, em que uma terceira pessoa decida a questão, a Mediação oferece um espaço seguro e estruturado para os próprios envolvidos construírem, juntos, uma solução possível . O Mediador, enquanto profissional capacitado, atua para garantir que ambas as perspectivas sejam ouvidas e que o diálogo ocorra de forma respeitosa e equilibrada.
Além disso, aceitar a Mediação não significa renunciar a direitos ou ceder aos critérios do outro, mas, sim, buscar um caminho que possa atender aos interesses envolvidos de maneira mais eficiente e menos desgastante. Muitas vezes, um acordo construído no diálogo mediado é mais eficaz e duradouro do que uma decisão imposta por um juiz, que pode não contemplar todas as nuances da situação.
Portanto, a Mediação não é um dever absoluto, mas uma oportunidade. Ainda que o comparecimento inicial possa ser exigido em algumas situações, a permanência no procedimento é sempre uma escolha. O que se propõe é um convite para um olhar diferente sobre o conflito: uma chance de resolver diferenças de maneira mais saudável, preservando vínculos, desgastes emocionais e construindo soluções que façam sentido para a realidade de cada um.
Por que, então, participar? Embora a Mediação não seja obrigatória, ela oferece uma série de oportunidades que a tornam uma alternativa útil para lidar com conflitos de maneira mais construtiva e eficiente. Optar por esse caminho pode trazer benefícios que vão além da resolução imediata da disputa, impactando positivamente como os envolvidos se comunicam e constroem acordos. Entre as principais razões para considerar a Mediação, destaque-se:
1. Autonomia na construção de soluções — Diferente de um processo judicial, onde uma terceira pessoa impõe uma decisão, a Mediação permite que os próprios envolvidos participem da construção de um acordo que atenda às suas necessidades reais. Esse protagonismo gera soluções mais condizentes à realidade de cada um, favorecendo o cumprimento espontâneo dos acordos. Além disso, nela o Mediador tem o dever de facilitar o diálogo de maneira imparcial, incentivando a autonomia dos envolvidos e fazendo do procedimento da Mediação um espaço seguro. É sempre bom lembrar que Advogados não medeiam, Advogados negociam, pois, por questões éticas, não podem ser imparciais com a demanda dos seus clientes.
2. Celeridade e eficiência — O tempo de duração de um processo judicial pode ser longo e desgastante, levando anos até uma decisão definitiva. Já a Mediação, por sua abordagem mais dinâmica e direta, permite que soluções sejam alcançadas em um prazo muito menor, evitando a morosidade do Judiciário.
3. Custo-benefício — Além de reduzir gastos financeiros com honorários advocatícios e custos judiciais, a Mediação também minimiza custos emocionais, como o estresse, a ansiedade e o desgaste das relações.
Em muitos casos, o impacto psicológico de um longo litígio pode ser mais oneroso do que qualquer despesa material.
4. Preservação e fortalecimento das relações — Em conflitos que envolvem laços contínuos, como os familiares e sucessórios, a Mediação possibilita um diálogo mais respeitoso e estruturado, reduzindo animosidades e evitando rupturas irreparáveis. O processo incentiva a escuta e o entendimento mútuo, promovendo relações mais saudáveis a longo prazo.
5. Flexibilidade e soluções personalizadas — Diferente de uma decisão judicial padronizada, que segue normas regulamentares e muitas vezes não contempla todas as particularidades do caso, a Mediação permite que os envolvidos construam soluções adaptadas às suas realidades e expectativas, considerando aspecto subjetivos que um processo formal não alcança.
Participar da Mediação, portanto, não é somente um caminho para resolver disputas, mas uma oportunidade de transformar conflitos em aprendizado, promovendo acordos mais equilibrados, sustentáveis que respeitam a individualidade de cada envolvido.
Quando a Mediação exige maior cautela? A Mediação é um recurso relevante para a resolução de conflitos, podendo ser aplicada em diversas situações, principalmente em casos onde há vínculo entre os envolvidos. No entanto, há casos que exigem uma análise criteriosa e um cuidado redobrado, especialmente quando há envolvimento de violência, vulnerabilidade ou desequilíbrios de poder entre aqueles que participam do processo. Nesses contextos, não se trata simplesmente de descartar a Mediação, mas sim de garantir que ela seja conduzida com técnica, ética e responsabilidade , respeitando os limites e as condições de cada caso.
A segurança e a capacidade de diálogo dos envolvidos serão avaliadas com atenção desde o início. Para a Mediação cumprir seu papel de maneira justa e eficaz, é essencial que toda a equipe técnica esteja atenta à proteção da pessoa em situação de maior vulnerabilidade, garantindo que o ambiente seja adequado para a construção de um espaço de fala seguro e equilibrado.
Além da atuação cuidadosa do Mediador, é importante que todos os profissionais envolvidos no caso estejam atentos às diretrizes e protocolos jurídicos aplicáveis, garantindo que a Mediação não reproduza desigualdades estruturais. Entre os principais referenciais que devem ser observados, destacam-se:
? O Protocolo para Julgamento com Perspectiva Racial, que orienta a análise de conflitos considerando os impactos do racismo estrutural e garantindo um olhar atento para a equidade racial;
? O Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, que busca evitar que desigualdades de gênero sejam ignoradas ou perpetuadas no processo de tomada de decisão;
? O Estatuto da Pessoa com Deficiência, que estabelece diretrizes para garantir acessibilidade e participação efetiva, garantindo que aqueles que possuam alguma deficiência, possam exercer plenamente seus direitos.
O Mediador tem o dever de zelar pela equidade, garantindo que a comunicação ocorra de forma respeitosa e equilibrada, sem intimidações ou coerções. Mais do que promover acordos, a Mediação deve ser um espaço de construção de soluções que respeitem a dignidade e os direitos de todos os envolvidos.
Assim, ao lidar com situações mais delicadas, a Mediação não deve ser descartada de imediato, mas sim conduzida com rigor técnico e um olhar atento às particularidades do caso, sempre resguardando a segurança, a autonomia e a justiça na resolução dos conflitos.
O Papel da Consciência e do Esclarecimento. Uma das tarefas essenciais na Mediação é desmistificar o processo e fornecer uma compreensão mais clara sobre sua natureza e propósito. Diferente do que muitos imaginam, a Mediação não é um espaço onde decisões são impostas por terceiros, mas sim um caminho para a construção de soluções conflitantes e dialogadas. Trata-se de um ambiente estruturado, que garantirá que todos tenham a oportunidade de expressar suas preocupações, expectativas e necessidades de forma respeitosa e segura.
O desconhecimento sobre essa abordagem pode gerar insegurança e resistência inicial. Muitas vezes, há o temor de que a Mediação represente uma perda de controle sobre a própria situação ou que favoreça somente um dos lados. No entanto, à medida que se compreende o seu funcionamento, percebe-se que se trata de um processo com imparcialidade, não somente a resolução do impasse imediato, mas também a melhoria da comunicação
Ao ser claro que a Mediação permite a construção de acordos que respeitam a realidade e os interesses de todos os envolvidos, facilita-se superar barreiras e criar um ambiente propício à cooperação. O diálogo mediado não somente resolve conflitos específicos, mas também fortalece habilidades que podem ser aplicadas em futuras interações, promovendo relações mais equilibradas e saudáveis ao longo do tempo.
Podemos dizer, por fim, que escolher a Mediação é escolher o diálogo, a escuta ativa e, sobretudo, o protagonismo na construção de soluções que atendem tanto as próprias necessidades quanto às de quem compartilha a questão em disputa.
Participar da Mediação não significa que um acordo final será necessariamente obtido, mas oferece uma oportunidade valiosa para que todos os envolvidos compreendam melhor as perspectivas uns dos outros. Além disso, é um espaço seguro onde é possível explorar pontos sensíveis do conflito, elaborar caminhos para futuros entendimentos e até dar os primeiros passos para uma solução mais estruturada.
Afinal, os conflitos jurídicos nem sempre são somente sobre direitos e deveres — eles envolvem histórias, laços e subjetividades que, quando reconhecidos e trabalhados, podem abrir caminhos para resoluções mais humanas e efetivas.
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