Artigos
Gravidez decorrente de adultério: reflexões sobre a frustração das expectativas paternal e familiar como fundamento para a obrigação de indenizar
Guilherme Martinelli Brando[1]
Fernando de Souza Ferreira[2]
RESUMO: O presente estudo examina as implicações jurídicas e seus reflexos emocionais na gravidez resultante do adultério, focalizando na frustração das expectativas paternas e familiares como fundamento para a responsabilização civil em danos morais. Para tanto, o entendimento da evolução do conceito da família se faz necessário, pelo que o estudo traça um cronograma histórico da evolução de tal preceito, transitando desde a transformação do núcleo formador e mantenedor da família biológica até a afetividade, o que possibilitou o reconhecimento da paternidade socioafetiva. Sequencialmente ao instituto da responsabilidade civil em danos morais, se examina a figura do “Estelionato Pater Afetivo”, caracterizado pela indução do genitor ao erro no registro civil, sob o véu da paternidade biológica, o que gera o sofrimento emocional e a violação dos princípios de lealdade e fidelidade do instituto do casamento e da união estável. Logo, o estudo destaca a reparação jurídica com base na dignidade da pessoa humana, na proteção dos interesses do menor, e no reconhecimento dos danos morais amargados pelo indivíduo vítima do adultério que tem sua paternidade sanguínea modificada para a afetiva, ou, nos casos mais severos, totalmente desconstituída.
Palavras-chaves: Responsabilidade civil; Paternidade socioafetiva; Danos morais; Estelionato pater afetivo; Família; Adultério.
ABSTRACT: This study examines the legal implications and emotional repercussions of pregnancy resulting from adultery, focusing on the frustration of paternal and familial expectations as a basis for civil liability in moral damages. To achieve this, understanding the evolution of the concept of family is essential, which is why the study outlines a historical timeline tracing this precept's development, transitioning from the transformation of the biological family nucleus to affectivity, which enabled the recognition of socio-affective paternity. Following the concept of civil liability in moral damages, the study then analyzes the notion of “Affective Parental Fraud,” characterized by inducing the father into error in civil registration under the guise of biological paternity, resulting in emotional suffering and the breach of loyalty and fidelity principles within the marriage and stable union institutions. Consequently, the study emphasizes legal reparations based on human dignity, the protection of minors’ interests, and the recognition of moral damages endured by individuals who are victims of adultery, whose biological paternity is altered to affective paternity or, in more severe cases, completely nullified.
Key-words: Civil liability; Socio-affective paternity; Moral damages; Affective parental fraud; Family; Adultery
RESUMEN: Este estudio examina las implicaciones jurídicas y sus repercusiones emocionales en el embarazo resultante del adulterio, centrándose en la frustración de las expectativas paternas y familiares como base para la responsabilidad civil por daños morales. Para ello, es necesario comprender la evolución del concepto de familia, por lo que el estudio traza una cronología histórica del desarrollo de dicho precepto, pasando desde la transformación del núcleo familiar biológico hacia el principio de la afectividad, lo que permitió el reconocimiento de la paternidad socioafectiva. Posteriormente, junto al instituto de responsabilidad civil por daños morales, se analiza la figura del “Fraude Parental Afectivo”, caracterizada por inducir al padre al error en el registro civil bajo el disfraz de la paternidad biológica, lo que provoca sufrimiento emocional y vulnera los principios de lealtad y fidelidad en el matrimonio y la unión estable. Por lo tanto, el estudio destaca la reparación jurídica basada en la dignidad humana, la protección de los intereses del menor y el reconocimiento de los daños morales sufridos por individuos que son víctimas del adulterio, cuya paternidad biológica se ve modificada a la afectiva o, en casos más graves, completamente anulada.
Palabras clave: Responsabilidad civil; Paternidad socioafectiva; Daños morales; Fraude parental afectiva; Familia; Adulterio
1 INTRODUÇÃO
Inicialmente, cabe-se dispor que o Direito de Família discorre sobre os aspectos essenciais do instituto social mais relevante, aquele que, como dispõe a Carta Magna em seu art. 226, é a base da sociedade, eis que dela advém um dos mais importantes elementos da formação do Estado, qual seja, a família, instituto formador da população.
Historicamente, a configuração familiar se restringia estritamente aos laços consanguíneos, ou seja, fundamentada pelos laços biológicos. Contudo, na contemporaneidade, a família (para além) se constitui (também) pelos laços afetivos, formação distinta das bases antecessoras.
Assim, desta diferente e profundamente humanista formação, surge o reconhecimento da paternidade socioafetiva, a qual transcende a herança biológica e se alicerça no vínculo afetivo construído no decorrer da convivência.
A paternidade socioafetiva se manifesta nos casos em que o pai afetivo, movido por laços de amor e convivência, acolhe o filho de sua companheira como se fosse seu próprio descendente biológico. Para que tal vínculo alcance plena eficácia jurídica, faz-se imprescindível sua comprovação e declaração por meio de decisão judicial, conferindo-lhe caráter regulatório equivalente a qualquer outra forma de parentesco, sob a égide da vedação absoluta a qualquer discriminação entre os filhos, em respeito ao princípio da igualdade jurídica entre eles.
A igualdade entre os filhos foi disciplinada pela Constituição Federal de 1988, em seu art. 227, § 6º, o qual codifica que: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. Dessa forma, é notório o entendimento de que a igualdade entre todos os filhos deve ser respeitada, não se admitindo quaisquer diferenciações da prole entre legítima e ilegítima, como ocorria no Código Civil de 1916, que avaliava os genitores entre casados ou não, e quanto à consanguinidade e adoção.
Quanto à modalidade de paternidade socioafetiva, ela se encontra amparada nos princípios constitucionais que regem a dignidade da pessoa humana, a proteção integral à criança e ao adolescente, e ao melhor interesse dos menores. Sob essa égide, as decisões judiciais se firmam, garantindo, a priori, que crianças e adolescentes não sejam prejudicados por situações como a desconstituição de vínculos de paternidade socioafetiva, ações que servem de sustentação para a garantia da formação da identidade e estabilidade emocional.
Portanto, resguardada a proteção dos interesses e direitos dos menores mediante a impossibilidade da desconstituição da paternidade afetiva, majoritariamente, qual seria a medida jurídica mais apropriada a ser adotada nos casos em que o genitor, convicto de sua paternidade biológica, induzido ao erro por sua companheira ou esposa, realiza o registro civil de uma criança e, após meses ou anos, descobre que não possui vínculo biológico com o menor? Qual seria a medida moral e jurídica adequada para a situação em que um indivíduo, induzido ao erro, dedica voluntariamente seu tempo, recursos emocionais e financeiros, apenas para, mais tarde, descobrir que todo o vínculo construído foi fundamentado em uma mentira perpetrada por aquela que tinha o dever de lhe ser leal? Quais as sanções que a genitora ou companheira infiel deveria enfrentar, no âmbito jurídico, em razão do indescritível sofrimento emocional imposto ao genitor que, anteriormente acreditando ser biológico, agora se vê apenas como pai afetivo?
Destes questionamentos exsurge o instituto da responsabilidade civil, o qual, com base no art. 186 do Código Civil, dispõe que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”, e em complementação, o art. 927 do mesmo diploma jurídico diz que “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.
Inegável se demonstra a prática criminosa materna, eis que, buscando obter vantagem ilícita, age nos moldes do art. 171 do Código Penal: “Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento”. Em resumo, numa espécie de estelionato sentimental.
Como preceitua a 2ª Turma Cível do TJDFT, no acórdão n. 1364563: “o estelionato sentimental ocorre no caso em que uma das partes da relação abusa da confiança e da afeição do parceiro amoroso com o propósito de obter vantagens patrimoniais”, assim, no que advém da responsabilidade civil em danos morais, entende-se que a constatação da conduta criminosa invoca a noção de dano in re ipsa, porque existe uma evidente ofensa à dignidade humana, com intuito cristalino de praticar a violência patrimonial, repercutindo na lesão psicológica.
Portanto, é importante reconhecer que a conduta da mãe, ao induzir o pai em erro quanto à paternidade, transcende a esfera de um mero aborrecimento, configurando-se em uma prática criminosa prevista no próprio Código Penal, e mesmo que não esteja tal conduta formalmente enquadrada como “estelionato sentimental”, dá origem a uma nova classificação criminal: o estelionato pater afetivo. Essa prática, em virtude do profundo sofrimento emocional causado ao genitor — que, frequentemente, não pode desconstituir o vínculo de paternidade, agora socioafetivo — confere-lhe o direito à reparação por danos morais, a ser pleiteada em desfavor da genitora responsável pelo engano aparelhado.
Nesse contexto, a presente pesquisa tem como objetivo analisar a evolução histórica do conceito de família, abrangendo sua formação e manutenção, com posterior enfoque nos princípios que fundamentam o dever de indenização por danos morais, à luz do instituto da responsabilidade civil. Por tais meios, será abordada a possibilidade de compensação paterna nos casos fatídicos de adultério materno, nos quais o homem, induzido em erro, realiza o registro civil de uma criança que, supostamente, seria seu filho biológico, mas que, posteriormente, revela-se fruto de uma traição, o levando no máximo à figura paterna socioafetiva. Tal situação será tratada sob a denominação de estelionato pater afetivo, eis que surge como uma ramificação do estelionato original, previsto no art. 171 do Código Penal, e evoluiu dos preceitos do estelionato emocional/sentimental.
A metodologia adotada consiste em pesquisa bibliográfica, com base em análise da historiográfica, legislação brasileira, doutrina e jurisprudência, fornecendo o suporte teórico e conceitual necessário.
Dessa forma, delineia-se a estrutura que orienta a presente investigação.
2 FAMÍLIA, PATERNIDADE SOCIOAFETIVA E VÍNCULO DE CONFIANÇA
Ao abordar o fenômeno da paternidade socioafetiva, torna-se indispensável compreender a evolução do conceito de “família”, mesmo que breve. O dicionário tradicional define família como um grupo social formado por indivíduos unidos por laços de parentesco, sejam estes estabelecidos pelo casamento, pela adoção ou por ascendência comum. Entretanto, essa concepção, por mais objetiva que seja, reflete apenas uma fração do que representa a família na sociedade contemporânea. Ao longo da história, o conceito de família se adaptou e se transformou, acompanhando as mudanças culturais, sociais e econômicas que moldaram as relações humanas.
Rodrigo da Cunha Pereira (2003) identifica três estágios históricos fundamentais no desenvolvimento das estruturas familiares: estado selvagem, barbárie e civilização[3]. Esses períodos não apenas descrevem momentos de desenvolvimento humano, mas também ilustram como as organizações familiares evoluíram para atender às necessidades de cada época. Friedrich Engels, em A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado (1884), reforça essa análise ao afirmar que as mudanças nos modos de produção e nas relações sociais foram os principais impulsionadores das transformações familiares. Engels aponta que o domínio do fogo, o advento da agricultura e a propriedade privada desempenharam papéis cruciais na transição da família de formas coletivas para estruturas nucleares e, posteriormente, monogâmicas[4].
A transição entre os modelos familiares também revela uma complexa intersecção entre poder e afeto. Noé de Medeiros (1997) explora essa dinâmica ao traçar o percurso do matriarcado ao patriarcado, ressaltando que essa mudança não foi apenas uma questão de organização social, mas também de redefinição dos papéis de gênero e da autoridade dentro da família[5]. Nesse contexto, Friedrich Engels, ao analisar a evolução da família, propõe uma divisão em quatro etapas distintas: a família consanguínea, baseada em vínculos entre parentes de sangue; a punaluana, marcada por relações grupais mais amplas; a sindiásmica, que introduz certa exclusividade no relacionamento entre pares; e, finalmente, a monogâmica, modelo dominante na sociedade ocidental contemporânea. Cada uma dessas formas reflete avanços nas concepções de individualidade, intimidade e responsabilidade entre os membros da unidade familiar. (ENGELS, 2023. p. 48-89)
Assim, pela visão de Friedrich Engels, no decorrer de toda a evolução humana, três foram as principais formas de casamento: “Ao Estado Selvagem corresponde o casamento por grupos; à barbárie, o casamento de um par; à civilização, a monogamia com seus complementos, o adultério e a prostituição”. (ENGELS, 2023. p. 89)
Logo, pode-se compreender que, com a evolução social do conceito de família, ela deixou de residir em grandes grupos e começou a se individualizar, buscando, assim, fortalecer os laços entre os seus membros, e no transcorrer da evolução humana, muitos foram os fatores que uniram a família. Se considerar a fase pré-histórica em épocas como o estado selvagem, se compreende que foi a busca pela sobrevivência que uniu a família, enquanto que na fase superior da barbárie para a civilização, foi a religião o principal mecanismo de união. Sobre este ponto de formação da família por intermédio da religião, dispõe Fustel de Coulanges:
Se nós nos transportarmos em pensamento para o seio dessas antigas gerações de homens, encontraremos em cada casa um altar, e ao redor desse altar a família reunida. Ela se reúne cada manhã, para dirigir ao fogo sagrado suas preces; e cada noite, para invocá-lo uma vez mais. Durante o dia, a família reúne-se ainda ao seu redor para as refeições, que dividem piedosamente depois da prece e da libação. Em todos esses atos religiosos, canta em comum os hinos que seus pais lhe ensinaram. (COULANGES, 2006)
Sob esta seara, pode-se dizer que foi a religião que transformou a família em um corpo, em uma unidade, e assim, uma das características da família na antiguidade que diverge da família moderna é quanto a afetividade, pois, enquanto a família atual se constitui pelos laços afetivos, as suas antecessoras tinham, se assim se pode dizer, “indiferença” a este sentimento. Nesse sentido, Philippe Airés destaca:
Essa família antiga tinha por missão - sentida por todos - a conservação dos bens, a prática comum de um ofício, a ajuda mútua quotidiana num mundo em que um homem, e mais ainda uma mulher isolada não podiam sobreviver, e ainda nos casos de crise, a proteção da honra e das vidas. Ela não tinha função afetiva. [...] o sentimento entre os cônjuges, entre os pais e filhos, não era necessário à existência nem ao equilíbrio da família: se ele existisse, tanto melhor. (AIRÉS, 1986. p. 10-1)
Mas, em qual momento surge o pensamento da afetividade como instituto formador e mantenedor da família?
No Direito Romano, o afeto era crucial para o sucesso do casamento, cuja dissolução era inevitável na ausência desse vínculo. Em contraste, os Canonistas, considerando o matrimônio um sacramento indissolúvel, defendiam que “o que Deus uniu, nenhum homem separa” (Cf. Mt 19: 5-6 e Mc 10: 8-9).
Destaca-se que o Cristianismo priorizava o ascetismo, exaltando a virgindade e a continência. Contudo, reconhecendo a impossibilidade de renunciar à conjunção carnal e sua importância para a procriação, a Igreja, sob o prisma jurídico, regularizou o casamento como controle social, tornando-o prerrogativa da cerimônia religiosa. A partir de então, o Direito Canônico dominou as questões familiares, e como aponta Carlos Roberto Gonçalves (2017), ocorreu o destaque da autoridade exclusiva dos juízes eclesiásticos sobre a formação, manutenção e dissolução dos vínculos conjugais[6]. Em resumo, a Idade Média, diferentemente do período romano, diz ele, trouxe um “retrocesso ao instituto familiar”, afastando a afetividade do seio mantenedor da família.
Ademais, sob a influência germânica, o modelo monogâmico ganhou força no período, sendo o adultério condenado, enquanto o concubinato, antes aceito, agora combatido. Jaime Pinsky (2012) ressalta o rigor germânico quanto à castidade no casamento e a cultura monogâmica[7], e Rodrigo da Cunha Pereira (2003) observa que a Igreja usou sua força para moldar o núcleo familiar, consolidando a autoridade masculina em um sistema patriarcal semelhante ao pater familias romano[8].
Neste contexto, temos o renascimento da afetividade como núcleo formador da família na pós-modernidade, posição na qual o direito canônico perde a força social exclusiva que usufruiu durante a Idade Média. Desta fase, Eliane Goulart Martins Carossi (2003) e Rodrigo da Cunha Pereira (2003) explicam que foi a nova consciência advinda da Revolução Francesa no ano de 1789, com a junção da Revolução Industrial ocorrida no final do século XVIII, que fez nascer a sociedade moderna, dispondo assim que, “uma sociedade moderna deveria ser, necessariamente, uma sociedade industrial”.[9]
Quanto aos conceitos da pós-modernidade, a autora anteriormente citada menciona os pensamentos de Krishan Kumar (1997), o qual dispõe que:
O pós-modernismo nasceu da ruptura com a era moderna ou clássica no último quartel do século XIX. Enquanto, na era moderna, as características principais eram a crença no progresso e na razão; a era pós-moderna é marcada por um caráter romântico e sentimental, tido como irracional e indeterminado, ligado à sociedade de massa e à cultura de massa. (KUMAR, 1997 apud CAROSSI, 2003. p. 55)
Logo, o modelo familiar previsto atualmente não está mais atrelado ao autoritarismo estatal ou pelo instituto do casamento, visto que a partir do século XIX a família volta a se ligar pelos laços da afeição, ferramenta esta que era essencial para manter o casamento no período romano e foi “afastado” pelo direito canônico como dispõe Carlos Roberto Gonçalves (2017)[10]. Dessa forma, o casamento perde seu caráter de instituição voltada a manter os bens e a honra.
Quanto à essencialidade do afeto na pós-modernidade, Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka (1999) dispõe que:
Biológica ou não, oriunda do casamento ou não, matrilinear ou patrilinear, monogâmica ou poligâmica, monoparental ou poliparental, não importa. Nem importa o lugar que o indivíduo ocupe no seu âmago, se o de pai, se o de mãe, se o de filho; o que importa é pertencer ao seu âmago, é estar naquele idealizado lugar onde é possível integrar sentimentos, esperanças, valores, e se sentir, por isso, a caminho da realização de seu projeto de felicidade pessoal. (HIRONAKA, 1999)
Neste ensejo, cumpre destacar que a família da pós-modernidade é fundida pelo afeto e pela felicidade entre seus membros, pois em uma sociedade marcada pelos desafios e dificuldades, a família representa uma forma de abrigo, propondo um ambiente de solidariedade, unidade, fraternidade, afetividade e amor.
Quanto à contemporaneidade, Eliane Goulart Martins Carossi (2003, p. 49) explica que esta fase se iniciou com a inclusão da mulher no mercado de trabalho por volta do ano de 1950, ato que buscou a igualdade entre os cônjuges, o que só foi atingido no Brasil, em lei positivada, com a Constituição Federal de 1988, que teve em seu art. 226, § 5º codificado que: “§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”, o que foi disposto de igual forma no Código Civil de 2022, no art. 1.511: “O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”. A autora ainda dispõe que a descoberta da pílula anticoncepcional no ano de 1967 fortaleceu o entendimento de que o casamento é um vínculo de amor e afeição, deixando para trás os conceitos voltados ao contrato econômico - ou seja, que o casamento se justificaria apenas para manutenção de patrimônio.
Tendo esta fase social modificado a relação familiar, resguardando o vínculo afetivo como ferramenta de união entre os membros, compreendeu-se, assim, que a filiação não é somente aquela que deriva dos laços de sangue, mas também do amor e da convivência, o que oportunizou a adoção, e sequencialmente, pela nomenclatura, a paternidade afetiva.
3 RESPONSABILIDADE CIVIL EM DANO MORAL
Realizado o levantamento histórico para conceituar a origem da afetividade no seio familiar, adentremos no instituto do dano moral, para que assim, devidamente conceituado, possamos tratar do tópico sequencial dispondo da responsabilidade civil derivada do sofrimento psíquico na quebra da confiança, das expectativas paternal e familiar.
Inicialmente, como salienta a própria doutrina, definir o que seja o dano moral não é fácil, eis que, diferentemente do dano material que se conceitua na esteira dos danos ressarcíveis, sendo o prejuízo que ocorre no patrimônio da pessoa, ou seja, perda de bens ou coisas que tenham valor econômico e estão inseridos nos prejuízos efetivamente sofridos (danos emergentes), bem como valores que o indivíduo deixou de receber (lucros cessantes), o dano moral advém da esfera compensável, ou seja, valor monetário destinado à simbolicamente restituir o abalo sofrido por um indivíduo na ofensa aos seus direitos da personalidade, quais sejam: intimidade, privacidade, honra e imagem.[11]
Sobre a conceituação do dano moral, o magistério de Carlos Roberto Gonçalves (2017, p. 446) aduz que, ao não lesar o patrimônio, tal dano é “lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, a integridade, a imagem, o bom nome”, o que condiz com o entendimento constitucional positivado nos arts. 1º, inciso III, e 5º, incisos V e X[12], isto é, o que acarreta ao lesado, sofrimento psíquico, emocional, psicológico, mental.
Todavia, é necessário compreender que no dano moral, por vigorar na seara compensatória, e não ressarcitória, sua essência não se identifica com a dor, a angústia, o desgosto ou qualquer outro estado de espírito sofrido pela vítima do ato danoso. Eis que, em sua linha tênue, esses sentimentos são, em verdade, as consequências do dano, e variam conforme a subjetividade não lógica de cada indivíduo. Logo, o direito não se propõe a reparar qualquer sofrimento, aflição ou mero aborrecimento, mas sim os que decorrem da privação de bens jurídicos sobre os quais a vítima detenha interesse tutelado.
Aqui, em amor ao conhecimento, se distingue duas modalidades do dano moral, começando pelo direto, o qual se configura pela lesão de um interesse relacionado à fruição de bens jurídicos extrapatrimoniais, como a vida, a honra, a liberdade, a integridade corporal, a imagem, a intimidade e outros direitos da personalidade e/ou atributos pessoais como o nome e o estado civil. Quanto ao dano moral indireto, este advém da lesão dos bens patrimoniais que, por sua esfera, ocasionam um prejuízo de esteira extrapatrimonial, o que ocorre, em exemplificação, na perda de um bem de valor sentimental inestimável.
Nesse diapasão, a responsabilidade civil por dano moral não possui como missão a busca por atribuir preço à dor ou ao sofrimento do lesado, mas, em essência, assegurar uma compensação pecuniária que atenue, ao menos em parte, as consequências jurídicas e sociais da lesão sofrida, eis que, do dano moral, inexiste a possibilidade do lesado de retornar, faticamente, ao status quo ante.
Mas, como quantificar o materialmente inquantificável? Como atribuir valor àquilo que vive na subjetividade não lógica do indivíduo?
Em priori, Sérgio Cavalieri Filho (2003, p. 78) dispõe que para evitar excessos e abusos, só se deve reputar como dano moral o que foge da normalidade, interferindo intensamente no comportamento psicológico, causando aflições, angústias e desequilíbrios ao bem estar, porquanto oriundo do sofrimento e da humilhação, alheio ao cotidiano e o mero aborrecimento, sua ação gera a responsabilidade compensatória.[13]
Dito isto, é importante compreender a natureza jurídica da reparação, a qual possui uma dupla reparação pecuniária, um binômio, dividido entre a ação compensatória para a vítima e punitiva para o ofensor, vez que, tal responsabilidade civil serve tanto em lenitivo, de consolo, atenuação do sofrimento havido, como sanção ao lesante, em caráter educativo, com fim de desestímulo, para que não volte a reiterar na prática do ato lesivo à personalidade de outrem.
Neste sentido, refere Carlos Roberto Gonçalves ao citar Maria Helena Diniz (DINIZ apud GONÇALVES, 2017), reforçando a dupla função da responsabilidade civil em danos morais:
[...] a reparação pecuniária do dano moral é um misto de pena e de satisfação compensatória, tendo função: a) penal, ou punitiva, constituindo uma sanção imposta ao ofensor, visando a diminuição de seu patrimônio, pela indenização paga ao ofendido, visto que o bem jurídico da pessoa – integridade física, moral e intelectual – não poderá ser violado impunemente, subtraindo-se o seu ofensor às consequências de seu ato por não serem reparáveis; e b) satisfatória ou compensatória, pois, como o dano moral constitui um menoscabo a interesses jurídicos extrapatrimoniais, provocando sentimentos que não têm preço, a reparação pecuniária visa proporcionar ao prejudicado uma satisfação que atenue a ofensa causada. [...] como vimos, de uma indenização de sua dor, da perda de sua tranquilidade ou prazer de viver, mas de uma compensação pelo dano e injustiça que sofreu, suscetível de proporcionar uma vantagem ao ofendido, pois ele poderá, com a soma de dinheiro recebida, procurar atender às satisfações materiais ou ideais que repute convenientes, atenuando assim, em parte, seu sofrimento. (2017, p. 467-468)
A fixação do valor do dano moral exige do magistrado prudência, moderação e sensibilidade diante das peculiaridades de cada caso concreto. Isso decorre da ausência de critérios tarifados ou uniformes no ordenamento jurídico nacional, diferentemente de sistemas que adotam parâmetros predeterminados. No Brasil, o arbitramento do quantum indenizatório encontra respaldo na discricionariedade controlada do juiz, que deve pautar-se pelos princípios da proporcionalidade, razoabilidade e equidade para atingir um valor justo e adequado, seguindo o entendimento do binômio da natureza jurídica da reparação.
Logo, reitera-se que a reparação do dano moral possui natureza eminentemente compensatória, com um caráter punitivo reflexo. Sua função precípua não é a punição do ofensor, mas a compensação do sofrimento experimentado pela vítima, buscando proporcionar-lhe algum consolo ou alívio para o dano extrapatrimonial sofrido. Ainda que a reparação tenha também um viés pedagógico, voltado a desestimular a reiteração de condutas lesivas, essa função sancionatória não pode se sobrepor à finalidade compensatória. Assim, deve-se evitar que o montante arbitrado assuma contornos excessivamente punitivos, desvirtuando sua essência e podendo até gerar enriquecimento ilícito.
O magistrado, ao quantificar a indenização, deve considerar diversos fatores que influenciam diretamente a fixação do valor. Dentre eles, destaca-se a condição socioeconômica das partes. A situação financeira do lesado deve ser ponderada para garantir que a reparação atenda à finalidade de proporcionar algum lenitivo à vítima, sem se tornar desproporcional. Por outro lado, a situação econômica do ofensor também é relevante, evitando que a condenação imponha um ônus insustentável, capaz de inviabilizar a sobrevivência digna do responsável.
Outro aspecto essencial é a gravidade da ofensa, que abrange a intensidade do sofrimento da vítima, a extensão do dano causado e a repercussão pública ou pessoal da lesão. Danos que provocam impactos mais profundos, seja na esfera íntima ou na imagem pública do ofendido, justificam indenizações mais elevadas. Além disso, o grau de culpa ou dolo do ofensor deve ser analisado, sendo que condutas marcadas por intenção deliberada de causar o dano ou por negligência grave tendem a justificar maior quantificação.
Ainda no campo da análise subjetiva, as peculiaridades do caso concreto desempenham papel crucial. Cada situação apresenta características únicas que devem ser observadas, como a relação entre as partes, o contexto no qual o ilícito ocorreu e as consequências específicas para o ofendido. Nesse sentido, o magistrado deve se atentar ao caráter antissocial da conduta lesiva.
Além disso, é importante ponderar que o valor arbitrado não pode ser nem irrisório, a ponto de tornar a condenação inócua, nem exorbitante, de modo a transformar a indenização em fonte de lucro ou enriquecimento indevido para a vítima. Como se observa, o objetivo não é precificar a dor, mas proporcionar um lenitivo capaz de suavizar as consequências do dano sofrido.
Diante do binômio da natureza jurídica (punitiva e compensatória) e do trinômio quantitativo da reparação (proporcionalidade, razoabilidade e equidade), os quais seguem as diretrizes analiticas e discricionárias do juízo na condição socioeconômica das partes, na gravidade e repercussão do dano, no grau de culpa ou dolo do ofensor e do ofendido, na irreversibilidade da lesão e no contexto econômico e social, se tem os parâmetros, ainda que não depositados em uma fórmula matemática precisa, para disposição do valor monetário.
Todavia, com a conceituação e os meios de quantificação do dano, como o ofendido, em seu ônus da prova, deve demonstrar o próprio dano moral amargado?
Pois o art. 373 do Código Processual Civil dispõe que ônus da prova incumbe: “I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito” e/ou “II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor”. Entretanto, tais normatizações não se fazem absolutas, vez que, conforme dispõem os demais parágrafos do dispositivo, é possível a modificação deste ônus, desde que previsto em lei ou devidamente justificado pelo juízo.
Desta forma, exsurge a exceção do dano moral, o qual, diferentemente do inadimplemento contratual, em que se faz necessário provar a perturbação da esfera anímica do lesado, a esteira moral dispensa prova em concreto, pois se passa no interior da personalidade e pode existe in re ipsa, ou seja, de forma presumida. Se trata de presunção absoluta, de modo que não precisa o pai comprovar que sentiu a morte da filha, o filho menor o sofrimento pela morte da mãe, a esposa a tristeza pela violência doméstica recebida, ou o pai que descobre que na verdade seu filho não é biológico, mas sim, fruto de um adultério, o que o torna um pai na principiologia afetiva.
4 A GRAVIDEZ FRUTO DE ADULTÉRIO COMO HIPÓTESE DE DANO MORAL
Vencido os tópicos pretéritos, foi possível discorrer historicamente sobre a evolução e o conceito de família, verificando a transição do estágio biológico como fonte basilar da formação e manutenção da família até a prevalência do afeto como mantenedor e gerador do núcleo familiar. Em sequência, foi disposta a fundamentação do instituto da responsabilidade civil, assegurando o direito compensatório monetário sobre a lesão moral.
O próprio empirismo elucida que é uma somatória de amor, compromisso, fidelidade, lealdade, entrega e trabalho que mantém a família como unidade, sendo que, na quebra de um ou mais destes elementos/valores, o seio familiar tende a se romper. Desta forma, analisemos a jurisprudência abaixo, a qual demonstra um caso de quebra do vínculo de fidelidade e lealdade:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. EXAME DE DNA. PATERNIDADE BIOLÓGICA AFASTADA. ERRO SUBSTANCIAL. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. AUSÊNCIA DE VÍNCULO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. Nos termos de precedentes do STJ, para a procedência do pedido contido na ação negatória de paternidade, primeiramente faz-se necessário perquirir se o genitor biológico foi induzido a erro ao tempo do registro civil e, segundo se há configuração da relação paterno-filial socioafetiva, bem como, em caso positivo, se é admissível o desfazimento do vínculo registral, na hipótese de ruptura superveniente do vínculo afetivo. Recurso conhecido e não provido. (TJ-MG - Apelação Cível: 01534819120148130183 1.0000.23.345994-0/001, Relator: Des.(a) Paulo Rogério de Souza Abrantes (JD Convocado), Data de Julgamento: 21/06/2024, Câmara Justiça 4.0 - Especiali, Data de Publicação: 24/06/2024)
O caso em questão versa sobre uma ação declaratória de inexistência de filiação, cumulada com pedido de nulidade de registro civil, proposta por P.J.S.F., representado por sua genitora, em face de P.J.S., pai registral. A controvérsia decorreu da realização de um exame de DNA que atestou a inexistência de vínculo biológico entre as partes, suscitando a discussão sobre a prevalência da verdade biológica em detrimento da socioafetiva. A análise dos autos envolveu a investigação da existência de vínculos afetivos e a comprovação de erro essencial no assentamento registral.
Inicialmente, P.J.S., ao acreditar ser o genitor biológico, procedeu ao registro de nascimento de P.J.S.F., estabelecendo assim uma relação formal de filiação. Todavia, após a separação entre ele e a genitora do menor, o contato entre ambos se tornou rarefeito. Posteriormente, o exame de DNA realizado consensualmente entre as partes revelou a ausência de vínculo genético. Apesar das alegações do réu acerca da existência de paternidade socioafetiva, as provas testemunhais e os estudos psicossociais apresentados evidenciaram a ausência de convivência contínua, afeto estável e um vínculo paterno-filial consolidado.
Sob o prisma jurídico, a controvérsia fundamentou-se no disposto no art. 1.604 do Código Civil[14], o qual admite a impugnação de estado registral em caso de erro ou falsidade. O exame de DNA, como meio de prova cientificamente reconhecido, confirmou o erro essencial no registro de nascimento, desconstituindo a presunção de paternidade advinda do assentamento. No tocante à paternidade socioafetiva, exigem-se elementos objetivos como convivência estável e demonstração inequívoca de afetividade, aspectos que não foram comprovados no caso concreto.
A decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais determinou a exclusão do nome de P.J.S. do registro civil de P.J.S.F., declarando nula a paternidade registral. A sentença destacou a primazia da verdade biológica, uma vez que não restou configurada a existência de vínculo socioafetivo que justificasse a manutenção do registro. A medida visou preservar a segurança jurídica e os interesses do menor, assegurando-lhe o direito de buscar, futuramente, o reconhecimento de sua verdadeira paternidade biológica.
No caso vertente, a decisão judicial determinou a exclusão do registro do pai, que inicialmente fora reconhecido como genitor biológico, posteriormente considerado pai afetivo e, por fim, desvinculado de qualquer relação paterna, fundamentando-se na inexistência de elo socioafetivo que justificasse a manutenção da relação jurídica.
Cumpre ressaltar, entretanto, que, em situações semelhantes, o genitor, no âmbito de seu relacionamento conjugal ou de convivência, seja ele formalizado ou não, vivencia a expectativa legítima de um vínculo paternal com a criança nascida durante essa união, concebendo-a como sua descendente em conformidade com as normas sociais e jurídicas vigentes. Contudo, ao descobrir, em momento posterior, que a criança, na realidade, é fruto de uma relação extraconjugal, evidencia-se a quebra dos princípios basilares de fidelidade e lealdade que deveriam nortear um relacionamento.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIMENTOS GRAVÍDICOS. A ação de alimentos gravídicos não exige a prova pré-constituída da paternidade, bastando a existência de indícios para a fixação da verba alimentar. Assim, admitindo o agravante ter se relacionado com a agravada, suficientemente demonstrada a existência de indícios de paternidade para fixação de alimentos gravídicos. Ademais, é de ver que raríssimos são os casos de falsa imputação de paternidade, o que lança sobre a palavra da mulher, nesses casos, uma verdadeira presunção relativa de veracidade. Negado provimento. Unânime. (TJRS - AI nº 70068164474, Relator Luiz Felipe Brasil Santos, Oitava Câmara Cível, J. 14/04/2016).
Como se verifica na jurisprudência acima, a presunção da paternidade tende a ser absoluta quando presentes indícios claros de convivência que demonstrem o vínculo afetivo e relacional entre as partes (materna e paterna). Nesse sentido, o ordenamento jurídico, em consonância com o art. 1.597 do Código Civil, estabelece que:
Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento; III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.
Assim, depreende-se do entendimento jurisprudencial predominante, aliado às disposições legais, que os filhos nascidos na constância do casamento ou da união estável — institutos equiparados juridicamente[15] — ou nos termos do art. 1.597 do Código Civil, são presumidamente considerados filhos do homem identificado como companheiro ou cônjuge da genitora. Essa presunção se funda, em grande medida, nas declarações da mulher, cuja palavra confere respaldo inicial à presunção de veracidade acerca da filiação, salvo prova em contrário, que demonstre erro ou fraude.
Deste cenário, há uma legítima expectativa masculina, ao tomar conhecimento da gravidez de sua companheira. Durante o período gestacional, ao acompanhar o desenvolvimento do feto, o nascimento e a criação da criança, forma-se no imaginário masculino a ideia de continuidade de sua linhagem através daquela prole. Sob essa perspectiva, se desenvolvem sentimentos de amor, cuidado e dedicação, que culminam na construção do afeto. Sob tal contexto, portanto, são edificadas as expectativas paternal e familiar.
Contudo, a revelação de que foi induzido a erro — seja por terceiros ou pela própria companheira —, o fato de registrar e criar uma criança como se fosse seu filho biológico, quando em verdade é fruto de um relacionamento extraconjugal, ultrapassa a categoria de mero aborrecimento. Tal descoberta causa frustração de expectativas profundamente arraigadas, compromete relacionamentos e desestabiliza o equilíbrio psicológico do indivíduo. Além disso, reconfigura a paternidade previamente estabelecida, relegando-a à condição de paternidade afetiva ou, em alguns casos, levando à completa destruição do vínculo, como exemplificado na jurisprudência antes colacionada.
Diante do exposto, reitera-se que será considerado dano moral aquilo que excede os limites da normalidade, afetando profundamente o estado psicológico do indivíduo, gerando aflições, angústias e desequilíbrios ao bem-estar. Tais consequências, oriundas do sofrimento e da humilhação experimentados, ultrapassam o âmbito do cotidiano e do mero aborrecimento, configurando a responsabilidade civil com finalidade compensatória.
Nesse contexto, descobrir ao longo da criação de uma criança, após efetuar o registro civil, que foi induzido em erro pela genitora e que, na realidade, não é o pai biológico, constitui um desequilíbrio de gravidade excepcional. Essa revelação impacta não apenas a esfera emocional e familiar do vitimado, mas também pode repercutir significativamente em sua vida social e profissional, especialmente diante do sofrimento e da humilhação associados à situação.
Tal desestruturação, ainda que em alguns casos permita o reconhecimento da paternidade socioafetiva como alternativa, não minimiza a dor da frustração de expectativas legítimas. A paternidade, em sua essência, não se limita a um papel social ou biológico, mas é uma expressão do amor, do cuidado e da entrega. Assim, é crucial reconhecer que homens também amam, sofrem e, nesses casos, experimentam um abalo emocional que não pode ser desconsiderado, minimizado ou refutado. Trata-se, portanto, de uma questão que merece amparo jurídico adequado e sensível às especificidades do dano moral sofrido.
Oportuno destacar o conceito de estelionato emocional, descrito pela 2ª Turma Cível do TJDFT, no acórdão n. 1364563[16], como a situação em que uma das partes da relação se utilizou da confiança e da afeição do parceiro amoroso para obter vantagens patrimoniais.
Essa conduta configura uma modalidade criminosa enquadrada no art. 171 do Código Penal, que dispõe sobre o delito de estelionato, caracterizado pelo emprego de meio ardiloso para alcançar vantagem econômica ilícita, aproveitando-se da relação afetiva existente entre as partes, conforme também elucidado no acórdão n. 1141866[17] da 1ª Turma Criminal.
Nesse sentido, a jurisprudência tem reconhecido, de maneira reiterada, a necessidade de reparação por danos morais às vítimas de estelionato emocional ou sentimental. Essas vítimas, ao confiarem plenamente no vínculo estabelecido, acabam por se tornar alvo de condutas fraudulentas que resultam em sofrimento emocional e perdas patrimoniais. Após concretizar seus interesses, o ofensor rompe o vínculo de afeto, causando não apenas danos psicológicos, mas também a violação de direitos fundamentais relacionados à dignidade e à segurança emocional do indivíduo lesado.
Assim, em consonância com o entendimento majoritário dos tribunais, a prática do estelionato emocional é reconhecida como uma ofensa que transcende a esfera individual, impactando profundamente a integridade moral da vítima. Logo, se há repercussão na ultima ratio do direito penal, a indenização pelos danos morais, nesses casos, é imprescindível para compensar, ainda que parcialmente, os prejuízos causados e para reafirmar a proteção aos valores éticos e jurídicos que sustentam as relações interpessoais.
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. ESTELIONATO SENTIMENTAL. VIOLAÇÃO A ATRIBUTOS DA PERSONALIDADE DA VÍTIMA. EXPECTATIVAS EM RELAÇÃO AO RECEBIMENTO DE VALORES. VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA E PATRIMONIAL. DEVER DE INDENIZAR. QUANTUM INDENIZATÓRIO. - A responsabilidade civil, consolidada no dever de indenizar o dano sofrido por outrem, provém do ato ilícito, caracterizada pela violação da ordem jurídica com ofensa ao direito alheio e lesão ao respectivo titular, nos termos dos arts. 186, 187 e 927, do Código Civil. - O estelionato sentimental ocorre quando uma das partes tem a intenção de obter, para si ou outrem, vantagem ilícita em prejuízo alheio, incentivando ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento. - Nessa ordem de ideias, o apelado aproveitando-se da confiança amorosa entre o casal, se valeu de meios ilícitos para obter vantagem pecuniária, o que é causa suficiente para configurar o dano moral. - O arbitramento econômico deve ser realizado com moderação, em atenção à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, proporcionalmente ao grau de culpa e ao porte econômico das partes. (TJ-MG - Apelação Cível: 1.0000.22.237035-5/001 - 0036727-92.2016.8.13.0572; Relator(a): Des.(a) Cláudia Maia; Julgamento: 24/03/2023)
Todavia, o caso narrado, embora guarde semelhanças com o estelionato emocional, apresenta nuances que justificam cunhar nova nomenclatura, na repercussão da responsabilidade civil: estelionato pater afetivo. Essa conduta caracteriza-se por uma ação ainda mais grave e ardilosa da ofensora, que não apenas obtém vantagens econômicas do parceiro, como ocorre no estelionato emocional, mas também manipula e induz o homem a erro, para que este assuma, como pai biológico, uma criança que na realidade não possui vínculo consanguíneo com ele.
Essa prática exacerba a gravidade da fraude, pois não apenas explora a confiança e os sentimentos do homem, mas também afeta a criança, que é inserida em um vínculo paterno construído sobre bases enganosas, de verdade falseada. A mãe, ao agir dessa forma, não apenas viola princípios de lealdade e fidelidade no âmbito da relação conjugal, como também instrumentaliza os laços afetivos do parceiro e da criança para obter vantagens pessoais.
Nesse contexto, o estelionato pater afetivo transcende o dano patrimonial ou emocional tradicionalmente associados ao estelionato sentimental, envolvendo questões mais profundas, como a manipulação da identidade familiar e a desestabilização emocional de ambas as partes enganadas — pai e filho. Trata-se de uma conduta que exige um rigoroso tratamento jurídico, dada a sua gravidade e os impactos devastadores que ocasiona na vida das vítimas, e por consequência, um dever compensatório na esfera da responsabilidade civil em dano moral, do qual, o magistrado, com o zelo necessário de sua função, diante do seu poder discricionário na tomada de decisão, deve buscar a punição da genitora sob as diretrizes do binômio da natureza jurídica (punitiva e compensatória) e do trinômio quantitativo da reparação (proporcionalidade, razoabilidade e equidade), com a finalidade de assegurar o direito do indivíduo vítima do respectivo estelionato e proteger, inclusive, mesmo que indiretamente, de forma acessória, o instituto primordial da família.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base nas análises desenvolvidas ao longo do presente estudo, conclui-se, em suma: (i) que a evolução do conceito de família, especialmente a partir da valorização dos laços afetivos em detrimento de vínculos exclusivamente biológicos, trouxe à tona novas dinâmicas de filiação, sendo a paternidade socioafetiva um reflexo dessa transformação; (ii) que, contudo, a descoberta de que um indivíduo foi induzido em erro acerca da paternidade biológica transcende os limites do mero aborrecimento, configurando uma ofensa grave aos direitos de personalidade, com repercussões psicológicas, emocionais e sociais; (iii) que a conduta da genitora, ao induzir o homem a erro sobre a filiação biológica, revela um comportamento que extrapola a deslealdade e se enquadra em um ato ilícito com potencial para caracterizar responsabilidade civil por danos morais, nos termos dos arts. 186 e 927 do Código Civil; (iv) que o instituto da responsabilidade civil, nesse contexto, assume papel fundamental para resguardar a dignidade do genitor, reconhecendo a gravidade da lesão sofrida e impondo à genitora o dever de reparação, em consonância com os princípios do binômio da natureza jurídica (punitiva e compensatória) e do trinômio quantitativo da reparação (proporcionalidade, razoabilidade e equidade), os quais seguem as diretrizes analíticas e discricionárias do juízo na condição socioeconômica das partes, na gravidade e repercussão do dano, no grau de culpa ou dolo do ofensor e do ofendido, na irreversibilidade da lesão e no contexto econômico e social, se tem os parâmetros, ainda que não depositados em uma fórmula matemática precisa, para disposição do valor monetário; (v) que o melhor interesse da criança deve ser respeitado, garantindo-se, sempre que possível, a manutenção de vínculos socioafetivos consolidados, desde que essa relação promova a estabilidade emocional e o desenvolvimento saudável do menor; (vi) que a jurisprudência pátria, ao reconhecer a gravidade das implicações de situações análogas, têm sinalizado a possibilidade do enquadramento de tais condutas no âmbito da responsabilidade civil, notadamente em hipóteses que configuram o denominado estelionato emocional, o qual, aqui se enquadra na nova vertente do que foi nomeado de “Estelionato Pater Afetivo”; (vii) que a reparação por danos morais serve como mecanismo de reafirmação de valores éticos fundamentais, como a boa-fé, a lealdade e a confiança nas relações interpessoais, elementos basilares das relações familiares e sociais, servindo como mecanismo compensatório ao ofendido; (ix) que, por fim, o reconhecimento jurídico do direito à indenização nos casos de indução em erro sobre a paternidade biológica demonstra-se essencial para assegurar a segurança jurídica e reafirmar os princípios fundamentais que regem as relações familiares.
Dessa forma, conclui-se que o instituto da responsabilidade civil em danos morais oferece o arcabouço jurídico necessário para tratar adequadamente a problemática apresentada, preservando tanto a dignidade do genitor lesado, sem ofertar lesão a integridade da criança, dentro dos limites impostos pelo ordenamento jurídico e pelos princípios constitucionais, como protegendo, em indireta lição pedagógica, a entidade familiar.
REFERÊNCIAS
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PINSKY, Jaime. 100 Textos de História Antiga: Textos e documentos. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2012.
[1] Advogado (OAB/RS 116.803), pós-graduado em Processo Civil, Negociação e Arbitragem (Uniftec), e em Direito Contratual e Responsabilidade Civil (Ebradi). Graduado em Direito (UCS). Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Sócio-fundador do escritório Martinelli & Ferreira Advogados (OAB/RS 13.846).
[2] Advogado (OAB/RS 128.095), pós-graduado em Direito Eleitoral (Unisc), em Direito Civil e Processual Civil (Focus) e em Ciências Penais (Ucam). Graduado em Direito (FSG) e em Ciência Política (Uninter). Membro do Instituto Gaúcho de Direito Eleitoral (Igade). Membro da Comissão Especial de Pleitos Eleitorais (CEPE) da OAB/RS Subseção Caxias do Sul. Ex-assessor político da Câmara Municipal de Caxias do Sul (RS). Sócio-fundador do escritório Martinelli & Ferreira Advogados (OAB/RS 13.846).
[3] No estado selvagem, os homens apropriam-se dos produtos da natureza prontos para serem utilizados. Aparece o arco e a flecha e, consequentemente, a caça. É aí que a linguagem começa a ser articulada. Na barbárie, introduz-se a cerâmica, a domesticação de animais, agricultura e aprende-se a incrementar a produção da natureza por meio do trabalho humano; na civilização o homem continua aprendendo a elaborar os produtos da natureza: é o período da indústria e da arte. (PEREIRA, 2003. p.12)
[4] Estado Selvagem — período em que predomina a apropriação de produtos já prontos da natureza; as produções artificiais do homem são destinadas sobretudo a facilitar essa apropriação. Barbárie — período em que aparecem a criação de gado e a agricultura, e se aprende a incrementar a produção da natureza por meio de trabalho humano. Civilização — período em que o homem aprende a elaborar os produtos da natureza; é o período da indústria propriamente dita e da arte. (ENGELS, 2023. p. 37)
[5] Basicamente a família segundo Homero, firmou sua organização no patriarcado, originado no sistema de mulheres, filhos e servos sujeitos ao poder limitador do pai. Após surgiu a teoria de que os primeiros homens teriam vivido em hordas promíscuas, unindo-se ao outro sexo sem vínculo civis ou sociais. Posteriormente, organizou-se a sociedade em tribos, evidenciando a base da família em torno da mulher, dando origem ao matriarcado. O pai poderia até ser desconhecido. Os filhos e parentes tomavam as normas e nome da mãe. (MEDEIROS, 1997. p. 31-2)
[6] Durante a Idade Média as relações de família regiam-se exclusivamente pelo direito canônico, sendo o casamento religioso o único conhecido. Embora as normas romanas continuassem a exercer bastante influência no tocante ao pátrio poder e às relações patrimoniais entre os cônjuges, observava-se também a crescente importância de diversas regras de origem germânica. (GONÇALVES, 2017, p. 35)
[7] Na Germânia, os casamentos são castos, e entre seus costumes, são os que mais merecem elogios. Pois, os bárbaros, são quase os únicos que se contentam, cada um, com uma só esposa, com exceção de alguns personagens que, pondo de lado a sensualidade, são solicitados para várias uniões por causa de sua nobreza.(PINSKY, 2012. p. 115)
[8] A influência ou autoridade da mulher era quase nula, ou diminuída de toda a forma: não se justificava a mulher fora de casa. Ela estava destinada à inércia e à ignorância. Tinha vontade, mas era impotente, portanto, privada de capacidade jurídica. Consequentemente, na organização familiar, a chefia era indiscutivelmente do marido. Este era também o chefe da religião doméstica e, como tal, gozava de um poder absoluto, podendo inclusive vender o filho ou mesmo matá-lo.(PEREIRA, 2003. p. 61)
[9] A evolução do conhecimento científico, os movimentos políticos e sociais do século XX e o fenômeno da globalização provocaram mudanças profundas na estrutura da família e nos ordenamentos jurídicos de todo o mundo. Certamente essas mudanças têm suas raízes históricas atreladas à Revolução Industrial, com a redivisão sexual do trabalho, e à Revolução Francesa, com os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade.(PEREIRA, 2003)
[10] Em matéria de casamento, entendiam os romanos necessária a affectio não só no momento de sua celebração, mas enquanto perdurasse. A ausência de convivência, o desaparecimento da afeição era, assim, causa necessária para a dissolução do casamento pelo divórcio. Os canonistas, no entanto, opuseram-se à dissolução do vínculo, pois consideravam o casamento um sacramento, não podendo os homens dissolver a união realizada por Deus: quod Deus conjunxit homo non separet. (GONÇALVES, 2017, p. 35)
[11] Dano moral é dano extrapatrimonial, isto é, dano que atinge a esfera jurídica da vítima nas dimensões extrapatrimoniais. A reparação, contudo, em se tratando de dano moral, será patrimonial, o que não deixa de ser conceitualmente contraditório. Acerca da natureza jurídica do dano moral, talvez possamos começar afirmando que a indenização pelos danos morais é chamada de indenização compensatória, pois não busca restaurar - o que seria impossível - o estado de coisas anterior ao dano, busca apenas compensar, embora muitas vezes insatisfatório, a lesão sofrida. Dizemos isso porque a indenização relativa ao dano material é ressarcitória ou reparatória. Faz voltar o estágio anterior ao dano. (NETTO, 2022, p. 226)
[12] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana. [...] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; [...] X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL DO BRASIL DE 1988)
[13] (...) a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia a dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. (CAVALIERI FILHO, 2003, p. 78)
[14] Art. 1.604. Ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro. (CÓDIGO CIVIL DE 2002)
[15] Direito constitucional e civil. Recurso extraordinário. Repercussão geral. Inconstitucionalidade da distinção de regime sucessório entre cônjuges e companheiros. 1. A Constituição brasileira contempla diferentes formas de família legítima, além da que resulta do casamento. Nesse rol incluem-se as famílias formadas mediante união estável. 2. Não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada pelo casamento e a formada por união estável. Tal hierarquização entre entidades familiares é incompatível com a Constituição de 1988. 3. Assim sendo, o art. 1790 do Código Civil, ao revogar as Leis nºs 8.971/94 e 9.278/96 e discriminar a companheira (ou o companheiro), dando-lhe direitos sucessórios bem inferiores aos conferidos à esposa (ou ao marido), entra em contraste com os princípios da igualdade, da dignidade humana, da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente, e da vedação do retrocesso. 4. Com a finalidade de preservar a segurança jurídica, o entendimento ora firmado é aplicável apenas aos inventários judiciais em que não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, e às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública. 5. Provimento do recurso extraordinário. Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: “No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002”. (RE 878694; Repercussão Geral – Mérito (Tema 809); Órgão julgador: Tribunal Pleno; Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO; Julgamento: 10/05/2017 – STF).
[16]APELAÇÃO CÍVEL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ESTELIONATO SENTIMENTAL. DANOS MATERIAIS DEMONSTRADOS. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. Na presente hipótese afirma-se que o réu, aproveitando-se da confiança e da intimidade decorrentes do namoro com a autora, obteve vantagens financeiras indevidas. 2. O estelionato sentimental ocorre no caso em que uma das partes da relação abusa da confiança e da afeição do parceiro amoroso com o propósito de obter vantagens patrimoniais. 3. No presente caso estão presentes os requisitos autorizadores da responsabilidade civil, à vista da prática de atos voltados à obtenção de vantagem indevida decorrente da relação de afeto e intimidade, com contundente violação da boa-fé objetiva. 4. Demonstrado os danos materiais experimentados, a devolução dos valores é devida. 5. No que concerne ao dano moral é importante ressaltar que sua configuração, prevista na Constituição Federal (artigo 5º, inc. X), revela-se diante da vulneração da esfera jurídica extrapatrimonial da parte pela conduta empreendida pelo causador do respectivo ilícito indenizatório. 6. Recurso conhecido e desprovido. (Acórdão 1364563, 0701548-25.2020.8.07.0009, Relator(a): ALVARO CIARLINI, 2ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 18/08/2021, publicado no DJe: 15/09/2021.)
[17] PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. VIOLAÇÃO SEXUAL MEDIANTE FRAUDE. ART. 215, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CP. CONDENAÇÃO. RECURSO DA DEFESA. AUSÊNCIA DE PROVAS. IN DUBIO PRO REO. FALSIDADE SOBRE O ESTADO CIVIL. FRAUDE NÃO CONFIGURADA. ABSOLVIÇÃO NECESSÁRIA. ESTELIONATO. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ESTELIONATO AFETIVO. MEIO ARDIL PARA OBTENÇÃO DE VALORES. COMPROVADO. CONDENAÇÃO. RECURSOS CONHECIDOS. RECURSO DEFENSIVO PROVIDO. RECURSO DO ÓRGÃO MINISTERIAL PARCIALMENTE PROVIDO. 1. No crime de violação sexual mediante fraude, a absolvição do acusado é medida que se impõe, quando não comprovado o emprego de fraude ou outro meio que possa impedir ou dificultar a livre manifestação de vontade da ofendida, indispensáveis para a tipificação da conduta. 2. Quando a suposta ofendida é pessoa maior de 18 (dezoito) anos, mostra-se esclarecida, consentiu quanto à aproximação do ofensor, tendo, inclusive, convivido com ele por determinado período, praticando relações sexuais consensuais, não há que se falar em fraude ou engano de qualquer espécie. 3. O denominado estelionato sentimental ou estelionato afetivo é uma prática que se configura a partir de relações emocionais e amorosas, cujo conceito se toma por empréstimo daquele definido no artigo 171, do Código Penal. Quando o agente se utiliza de meio ardil para obter vantagem econômica ilícita da companheira, aproveitando-se da relação afetuosa, está configurado o delito de estelionato. 4. Recursos da defesa e do Ministério Público conhecidos. No mérito, dado provimento ao apelo defensivo para absolver o acusado do delito de violação sexual mediante fraude (art. 215, parágrafo único, do CP). Parcial provimento ao recurso do MPDFT para condenar o réu pela prática do delito constante do art. 171, caput, do Código Penal. (Acórdão 1141866, 20170710039550APR, Relator(a): CARLOS PIRES SOARES NETO, 1ª TURMA CRIMINAL, data de julgamento: 29/11/2018, publicado no DJe: 18/12/2018.)
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