Artigos
El Apagón’: A Música de Bad Bunny como Protesto, a Posse de Trump e o Impacto no Direito de Família dos Migrantes
El Apagón’: A Música de Bad Bunny como Protesto, a Posse de Trump e o Impacto no Direito de Família dos Migrantes
Patricia Gorisch1
A diáspora na América Latina é marcada por histórias de resistência, perda e esperança. Em um cenário onde milhões de pessoas são forçadas a deixar seus lares em busca de sobrevivência, o impacto sobre as famílias é inegável. A música “El Apagón”, de Bad Bunny, com a marcante frase “Yo no me quiero ir de aquí, que se vayan ellos”, ecoa a dor de quem é compelido a partir, mas carrega o desejo de permanecer em sua terra, reivindicando o direito à dignidade e pertencimento.
Neste ano de 2025, temos a volta de Trump ao poder americano, e se ele for de fato assumir o seu compromisso de campanha, haverá uma diáspora em massa no caminho inverso: dos EUA para os países da América Latina.
Na perspectiva do direito de família, a separação de membros devido à migração é uma das questões mais sensíveis. Filhos que permanecem com parentes, enquanto os pais buscam melhores condições de vida em outros países, enfrentam desafios emocionais profundos. Este cenário exige que os sistemas jurídicos ofereçam respostas adequadas para proteger as crianças e preservar os laços afetivos, como o uso de tecnologias para visitas virtuais e decisões judiciais que garantam a convivência familiar transnacional.
A frase da música de Bad Bunny, que virou hino dos migrantes pós eleição do Trump nos EUA, expressa também uma crítica ao abandono estrutural sofrido por muitos países latino-americanos. A falta de políticas públicas eficazes contribui para a vulnerabilidade das famílias, que, ao migrarem, enfrentam barreiras legais em relação à guarda de filhos, heranças e até mesmo à formalização de uniões. É fundamental que os Estados implementem medidas que promovam a assistência jurídica gratuita para migrantes, especialmente para assegurar seus direitos no âmbito familiar.
O impacto cultural da diáspora não pode ser ignorado. Famílias separadas por fronteiras encontram dificuldade em transmitir tradições, valores e línguas para as novas gerações. A música “El Apagón”, com sua base cultural porto-riquenha, simboliza essa luta pela preservação da identidade em um contexto de deslocamento. Assim, o direito de família pode atuar como um instrumento de proteção cultural, garantindo o respeito às práticas familiares e religiosas mesmo em territórios estrangeiros. Outra questão relevante é a violência doméstica, que pode se intensificar em situações de migração. Muitas mulheres migrantes enfrentam barreiras legais e sociais para denunciar abusos em países onde os sistemas de proteção não reconhecem sua situação vulnerável. Aqui, a cooperação internacional e a harmonização de normas de proteção às vítimas tornam-se cruciais para garantir que as migrantes possam viver em segurança.
Os direitos das crianças e dos adolescentes também são amplamente afetados pela diáspora. Muitos países ainda carecem de mecanismos para regularizar a situação de crianças migrantes, o que as deixa sem acesso a serviços básicos como educação e saúde. A música de Bad Bunny, ao abordar desigualdades sociais e políticas, destaca a urgência de criar políticas migratórias que protejam os menores, especialmente em casos de reunificação familiar.
No campo jurídico, destaca-se a importância do reconhecimento mútuo de decisões judiciais entre países, como a homologação de sentenças estrangeiras de guarda e adoção. Este é um tema particularmente sensível no contexto latino-americano, onde muitos países enfrentam desafios relacionados à aplicação prática do direito internacional privado. Sem isso, os migrantes permanecem vulneráveis a lacunas legais que dificultam a proteção de suas famílias.
A frase “Esto es mi playa, esto es mi sol”, presente em “El Apagón”, também resgata a ligação emocional e territorial que muitos migrantes mantêm com seus países de origem. No âmbito do direito de família, isso se reflete na luta por manter vínculos com o passado, seja por meio de visitas periódicas ou pela inclusão da cultura original na criação dos filhos. Assim, o direito à convivência familiar deve ser compreendido não apenas em termos físicos, mas também emocionais e culturais.
A diáspora é, acima de tudo, uma história de resiliência. Apesar dos desafios, muitas famílias migrantes encontram maneiras de se reerguer e reconstruir suas vidas. O direito de família deve acompanhar essa realidade, reconhecendo novas configurações familiares, como aquelas formadas em países de acolhimento, onde padrastos, avós ou até comunidades inteiras assumem papéis parentais.
A música-hino de é um grito de alerta e resistência, trazendo à tona as questões humanas da migração. O direito de família, por sua vez, deve ser um instrumento para humanizar ainda mais o tratamento dado a essas famílias, garantindo que elas não apenas sobrevivam, mas também prosperem, mesmo em terras estrangeiras. Afinal, o sentido de pertencimento, como evocado em “El Apagón”, é a base que sustenta o direito à dignidade e à convivência familiar.
A posse de Donald Trump, em 20 de janeiro de 2025, é precedida por declarações contundentes feitas em seu discurso pré-posse, onde anunciou sua intenção de implementar uma política de expulsão em massa de migrantes ilegais nos Estados Unidos. Este anúncio resgata os traços mais duros de sua administração anterior, causando preocupação entre ativistas, organizações internacionais e governos latino-americanos. A proposta de Trump reflete sua visão de priorizar a segurança nacional e a proteção das fronteiras, mas coloca em risco milhares de famílias migrantes, que poderão ser separadas ou forçadas a retornar a contextos de extrema vulnerabilidade. Ao consolidar essa política, Trump pode não apenas intensificar a crise humanitária, mas também contribuir para a perpetuação de ciclos de pobreza e deslocamento, criando uma nova diáspora marcada pela exclusão e pelo sofrimento.
Referências
BRASIL. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB). Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 19 jan. 2025.
BAD BUNNY. El Apagón. Álbum Un Verano Sin Ti. 2022.
ORELLANA, Karina. A proteção de menores em contextos migratórios: desafios e perspectivas. Revista Jurídica da OAB, v. 12, n. 3, 2021.
UNITED NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR REFUGEES (UNHCR). Global Trends: Forced Displacement in 2022. Genebra: UNHCR, 2023. Disponível em: https://www.unhcr.org. Acesso em: 19 jan. 2025.
FOLHA DE S. PAULO. Canção de Bad Bunny vira protesto para imigrantes da América Latina nas redes. 19 jan. 2025. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br. Acesso em: 19 jan. 2025.
SCHEID, Alex. Direito Internacional Privado e Família: Reflexos da Globalização no Reconhecimento de Decisões Estrangeiras. São Paulo: Revista de Direito Comparado, 2020.
SILVA, Ana Cláudia da. Diáspora e Direito: Uma Análise do Impacto Migratório nas Famílias Latino-Americanas. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2019.
1 Presidente da Comissão Nacional de Direito dos Refugiados do IBDFAM. Pós Doutora em Direitos Humanos pela Universidad de Salamanca (Espanha). Pós Doutora em Direito da Saúde pela Università degli Studi di Messina (Itália). Doutora e Mestre em Direito Internacional. Advogada.
Os artigos assinados aqui publicados são inteiramente de responsabilidade de seus autores e não expressam posicionamento institucional do IBDFAM