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A Comercialização de Íris Escaneadas e os Desafios no Direito de Família e Proteção de Jovens.
A Comercialização de Íris Escaneadas e os Desafios no Direito de Família e Proteção de Jovens
Patrícia Gorisch
A tecnologia de íris escaneada, enquanto ferramenta de identificação biométrica, tem sido amplamente discutida no contexto jurídico devido à sua precisão e aplicabilidade em diversas áreas, inclusive no direito de família. Trata-se de um sistema baseado na singularidade das características da íris, capaz de identificar indivíduos com alto grau de segurança. No entanto, quando aplicada a jovens, especialmente em disputas familiares ou para proteção de menores, surgem questões delicadas envolvendo privacidade, proteção de dados e direitos fundamentais. Este texto busca explorar o tema sob a ótica do direito de família, com enfoque nos desafios e implicações éticas dessa tecnologia.
No âmbito do direito de família, a utilização da biometria ocular pode ser pensada para uma série de finalidades. Entre elas, destaca-se a identificação segura de menores em situações de vulnerabilidade, como desaparecimentos ou sequestros. Também se mostra útil no controle de acesso a ambientes escolares ou em instituições de cuidado, além de poder ser empregada como instrumento em disputas judiciais envolvendo guarda, alienação parental ou controle de convivência familiar. Contudo, a utilização dessa tecnologia deve estar alinhada à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que considera os dados biométricos sensíveis e exige uma justificativa clara e proporcional para seu tratamento.
Ao discutir a aplicação de íris escaneada em jovens, o primeiro ponto a ser considerado é a proteção da privacidade. Dados biométricos são extremamente sensíveis, uma vez que não podem ser alterados em caso de vazamento ou uso indevido. Assim, a coleta e o armazenamento dessas informações exigem sistemas de segurança robustos, capazes de mitigar os riscos de ataques cibernéticos e exposição indevida. Além disso, o tratamento desses dados deve observar o princípio da minimização, ou seja, apenas as informações estritamente necessárias devem ser coletadas e armazenadas, com prazo previamente estabelecido.
Outro aspecto relevante é o consentimento informado. No caso de jovens, esse consentimento é geralmente obtido por meio de seus representantes legais, como os pais ou responsáveis. Contudo, a legislação brasileira também assegura aos jovens o direito à privacidade e à proteção de sua intimidade, especialmente em situações de litígio familiar. Assim, o consentimento para uso de dados biométricos deve ser avaliado com cautela, considerando não apenas a anuência dos responsáveis, mas também a capacidade de compreensão do jovem sobre os riscos e benefícios envolvidos.
As disputas familiares, particularmente aquelas que envolvem guarda e convivência, trazem desafios específicos para a utilização de tecnologias biométricas. Em casos de alienação parental, por exemplo, a biometria ocular poderia ser empregada para monitorar a presença ou ausência de menores em determinadas ocasiões, garantindo o cumprimento de decisões judiciais. No entanto, o abuso dessa tecnologia por uma das partes pode levar a um cenário de vigilância excessiva, violando os direitos do menor e do genitor alienado. Por isso, é imprescindível que o uso da biometria seja acompanhado de limites claros e supervisão judicial.
A segurança dos dados é outro ponto central no debate. O armazenamento de informações biométricas deve ser realizado em sistemas com altos níveis de proteção, garantindo que os dados não sejam acessados ou utilizados de forma indevida. Além disso, devem ser estabelecidas sanções rigorosas para o uso abusivo dessas informações, prevenindo que sejam empregadas como instrumento de controle ou manipulação em disputas familiares. O papel do Poder Judiciário é essencial nesse sentido, tanto na fiscalização do uso da tecnologia quanto na responsabilização de eventuais abusos.
A utilização de íris escaneada também levanta questões sobre sua aplicação em situações de vulnerabilidade social. Em casos de desaparecimento de menores, por exemplo, a identificação biométrica poderia auxiliar na localização rápida e precisa. Contudo, é necessário garantir que essa tecnologia esteja disponível de forma equitativa, evitando discriminações baseadas em classe social, região ou outros fatores. O direito à igualdade e à não discriminação deve ser assegurado em todas as etapas da implementação de tecnologias biométricas.
Do ponto de vista ético, a aplicação da biometria ocular em jovens exige um equilíbrio cuidadoso entre segurança e privacidade. Embora a tecnologia ofereça benefícios claros, como a proteção contra sequestros e a garantia de acesso seguro a determinados ambientes, seu uso não pode justificar violações aos direitos fundamentais. É essencial que as decisões sobre o emprego dessa tecnologia sejam pautadas por princípios éticos, como o respeito à dignidade humana, a proporcionalidade e a prevenção de danos.
A Comercialização de Dados Biométricos e a LGPD
A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD - Lei nº 13.709/2018) classifica dados biométricos como sensíveis e impõe restrições rigorosas para sua coleta, armazenamento e uso. No entanto, a venda voluntária desses dados por jovens, especialmente em troca de criptomoedas, ocorre frequentemente sem o devido consentimento informado ou sem clareza sobre as consequências legais.
O artigo 11 da LGPD estabelece que o tratamento de dados sensíveis deve atender a finalidades legítimas, específicas e explícitas, sendo proibido o uso desses dados para discriminação ou práticas abusivas. Contudo, no caso de jovens, a proteção adicional exigida pela legislação para garantir sua privacidade é muitas vezes ignorada por plataformas que exploram sua vulnerabilidade econômica ou desconhecimento sobre os riscos envolvidos.
Entre os benefícios potenciais da tecnologia, destaca-se a precisão na identificação e a redução de fraudes em situações de guarda e convivência familiar. Além disso, o uso da biometria pode facilitar processos burocráticos, como viagens internacionais de menores, garantindo que apenas indivíduos autorizados possam acompanhá-los. Esses aspectos demonstram o potencial da biometria ocular como uma ferramenta de proteção e segurança, desde que utilizada de forma responsável.
Por outro lado, os riscos associados ao uso de dados biométricos não podem ser ignorados. O vazamento de informações pode levar a consequências graves, especialmente para jovens em situações de vulnerabilidade. Além disso, o uso abusivo da tecnologia, seja por familiares ou por terceiros, pode gerar danos psicológicos, como a sensação de vigilância constante e a perda de autonomia. Esses riscos reforçam a necessidade de regulamentações claras e supervisão rigorosa no uso da biometria ocular.
Impactos no Direito das Famílias
A comercialização de dados biométricos por jovens também traz implicações específicas no direito de família. A venda de dados biométricos por jovens pode expô-los a riscos de fraudes, roubos de identidade e monitoramento indevido. No contexto familiar, isso pode impactar decisões relacionadas à guarda, convivência e até mesmo à segurança física da criança ou adolescente. Muitos jovens que participam desse tipo de transação pertencem a famílias em situação de vulnerabilidade. A falta de regulamentação clara e fiscalização adequada aumenta a exposição desses menores a práticas abusivas e exploração econômica.
Em disputas de guarda, dados biométricos vendidos podem ser utilizados por um dos genitores de maneira inadequada, como para vigilância excessiva ou controle abusivo, aprofundando conflitos familiares e violando os direitos do menor. Famílias têm papel fundamental na orientação de jovens sobre os perigos da venda de dados pessoais. Contudo, a falta de conhecimento dos próprios responsáveis legais sobre a tecnologia e suas implicações dificulta a adoção de medidas preventivas. A comercialização de dados biométricos, especialmente envolvendo jovens, apresenta dilemas éticos significativos. Entre eles, destaca-se a exploração econômica de uma população vulnerável, que muitas vezes não tem plena capacidade de compreender as implicações de longo prazo de suas ações. Além disso, a ausência de regulamentação específica sobre a venda de dados biométricos em troca de criptomoedas cria um ambiente propício para abusos.
Do ponto de vista jurídico, há uma lacuna na legislação brasileira quanto à comercialização voluntária de dados biométricos. Embora a LGPD imponha regras sobre o tratamento desses dados, ela não aborda explicitamente a venda realizada pelos próprios titulares, especialmente no caso de menores de idade. Essa lacuna exige uma análise mais aprofundada sobre a necessidade de regulamentações adicionais para proteger os direitos dos jovens. Para mitigar os riscos associados à venda de dados biométricos, recomenda-se criar normas que proíbam ou restrinjam a comercialização de dados biométricos por menores de idade, independentemente de consentimento parental; Promover campanhas educativas para conscientizar jovens e famílias sobre os riscos da comercialização de dados biométricos, incluindo as implicações legais e de segurança; Reforçar a fiscalização de plataformas que realizam a coleta de dados biométricos e aplicar sanções severas para aquelas que desrespeitarem a LGPD ou explorarem vulnerabilidades econômicas.
Em disputas de guarda ou convivência, o Poder Judiciário deve considerar o impacto do uso indevido de dados biométricos, garantindo que esses não sejam empregados para controle abusivo ou vigilância excessiva. Dado o caráter transnacional de muitas plataformas de coleta de dados biométricos, é essencial que o Brasil colabore com organismos internacionais para criar um marco global de proteção de dados sensíveis.
Conclusão
O fenômeno da venda de dados biométricos, incluindo a íris, por jovens brasileiros em troca de criptomoedas é um alerta para os riscos éticos e jurídicos dessa prática. No âmbito do direito de família, as implicações são amplas, desde a violação da privacidade de menores até o impacto em disputas familiares. A ausência de regulamentação específica e a exploração econômica de jovens em situação de vulnerabilidade evidenciam a necessidade urgente de medidas preventivas e corretivas.
Nesse contexto, o equilíbrio entre inovação tecnológica e proteção dos direitos fundamentais deve ser o norte para o desenvolvimento de políticas públicas e marcos regulatórios. Somente assim será possível assegurar que o avanço tecnológico beneficie a sociedade sem comprometer os valores fundamentais que sustentam o direito de família. Para que a tecnologia seja utilizada de forma ética e eficaz no direito de família, é fundamental que sejam estabelecidos marcos regulatórios específicos. Tais marcos devem incluir diretrizes sobre a coleta, o armazenamento e o uso de dados biométricos, bem como sanções para o descumprimento das normas. Além disso, é essencial promover a conscientização sobre os direitos e deveres associados ao uso da biometria, tanto para os jovens quanto para seus responsáveis.
A utilização de íris escaneada no direito de família apresenta um potencial significativo para aprimorar a segurança e a proteção de jovens. No entanto, sua implementação deve ser acompanhada de salvaguardas robustas para garantir o respeito à privacidade, à dignidade e aos direitos fundamentais. O equilíbrio entre tecnologia e ética é crucial para que os benefícios da biometria ocular sejam alcançados sem comprometer os valores fundamentais que sustentam o direito de família. Assim, o debate sobre essa tecnologia deve envolver não apenas juristas, mas também especialistas em ética, tecnologia e direitos humanos, promovendo uma abordagem multidisciplinar e inclusiva.
Referências
"Projeto que escaneia a íris com o consentimento do usuário completa dois meses de operação no Brasil" - CBN. Disponível em: https://cbn.globo.com/brasil/noticia/2025/01/13/projeto-que-escaneia-a-iris-com-o-consentimento-do-usuario-completa-dois-meses-de-operacao-no-brasil.ghtml. Acesso em: 17 jan. 2025.
"Empresa paga por escaneamento da íris: brasileiros vendem dados por R$ 300" - XV Curitiba. Disponível em: https://xvcuritiba.com.br/empresa-paga-por-escaneamento-da-iris-brasileiros-vendem-dados-por-r-300/. Acesso em: 17 jan. 2025.
"Venda de íris no Brasil: brasileiros fazem filas em troca de R$ 300 a R$ 700" - FDR. Disponível em: https://fdr.com.br/2025/01/15/venda-de-iris-no-brasil-brasileiros-fazem-filas-em-troca-de-r-300-a-r-700-entenda-como-funciona/. Acesso em: 17 jan. 2025.
Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) - Lei nº 13.709/2018. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13709.htm. Acesso em: 17 jan. 2025.
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