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Homossexualidade e Casamento
I.Considerações gerais
A referida lei Espanhola 13/2005 que entrou em vigência no dia 02/07/2005 (BOE), por seu alcance e repercussão, veio não só a convulsionar, naquele ordenamento jurídico, o "direito de contrair matrimonio", bem como a instituição matrimonial em si. Esta tendência equiparadora não só a nível assistencial de juridicidade igualitária abarcou, sem dúvida, esta unidade sexual, tanto entre homens, inclusive heterossexuais de per si, bem como entre mulheres com mesma afinidades.
Como é de sabença popular, a homossexualidade, tanto feminina como a masculina, é uma prática milenar e conhecida desde os mais remotos tempos, em especial em Roma, a caputi mundi da antiguidade.
A denominação homossexual não deriva do prefixo latino homo como muitos pensavam, senão do vocábulo grego homoios, que define o que é igual ou semelhante, homeopatia (cura pelo similar), homogêneo (algo parecido ou parelho), homólogo. Desde estas premissas etimológicas, homossexual seria quem tem afinidade sexual ou atração por pessoas de seu mesmo sexo. A esta uniões, entre os eones, os gnósticos as chamavam conyugatio (união) e o termo grego é sicigia, que quer dizer par, companheiros ou parejas. Assim, para designar a união homossexual poderia ser utilizado o termo sicigia, que por sua ressonância gnóstica de liberdade e rebeldia individual é hoje parte do espírito de nosso tempo. As mulheres homossexuais também se denominam de "lesbianas ou lésbicas" em homenagem a ilha de Lesbos aonde residia a poetisa SAFO, célebre pela beleza de seus cantos ao amor e ao amor homossexual em particular. Ali, na "morada das discípulas das musas" canto a "amada ausente" a quem "igualava a uma deusa insigne" e "aguardava com o fogo preso no coração abrasado de desejo".
Apenas te veo así un instante, me quedo sin voz, seme traba la lengua.
Un fuego penetrante fluye enseguida por debajo de mi piel.
No ven nada mis ojos y empiezan a zumbarme los oídos.
Me cae a raudales el sudor, tiembla mi cuerpo entero.
Me vuelvo más verde que la hierba (Poetisa Safo de Lesbos em passagem magistral de vehemente retórica, de apaixonado desejo posesivo da poetisa)
Feito estas considerações iniciais, pode-se dizer que a Lei de 1º de julho de 2005, pela qual modificou o Código Civil Espanhol em matéria de direito de contrair matrimônio, ao entrar em vigor, estendeu as pessoas do mesmo sexo o direito de contraírem matrimônio em igualdade de condições com as pessoas heterossexuais, ou melhor, com aquelas disciplinadas na rigidez da lei. Tal atitude legislativa, levou em consideração, além dos valores e princípios consagrados na Constituição deste país, em especial, nos artigos 1.1 (libertad, justicia y pluralismo), 10.1 (de la dignidad de la persona y el derecho al libre desarrollo de la personalidad) y 14 (derecho a la igualdad y no discriminación por la condición personal), a necessidade de adaptação às novas realidades sociais vividas em toda a Europa, inclusive com a adoção do mesmo sistema por outros países da Comunidade Européia, como por exemplo, entre outros, a Inglaterra.
Este sistema de equiparação pelo qual os conviventes homossexuais passaram a se beneficiar de pleno direito dos benefícios do matrimônio tal como propugnara o Parlamento Europeu, passou, que dúvida cabe, por um largo processo de maturação e extinção do estado heterossexual até então vigente. Teve seu início com a despenalização da homossexualidade pelo Decreto-lei de 1 de janeiro de 1979 que suprimiu as condutas tipificadas na Lei de Perigo e Reabilitação Social de 4 de agosto de 1970. No âmbito europeu foram significativas as contribuições do Conselho de Europa e da União Européia, através de resoluções da Assembléia de Parlamentares do Conselho de Europa de 1981[1] e do Parlamento Europeu de 1984 que tratavam das discriminações no ambiente de trabalho, além de outras tantas que advogavam a queda de medidas jurídicas homófobas e heterosexistas constantes nas legislações interna de cada país membro[2], além da evolução da Jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos na aplicação do Convenio Europeu para a proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Públicas de 1950[3].
Nesta perspectiva, a constitucionalidade da lei somou-se em sua defesa a oportunidade política que estava a exigir uma demanda social, segundo se colocou de relevo os dados do Centro de Investigação Sociológica através de uma consulta popular, aonde 66,2% dos entrevistados responderam afirmativamente, entre outras tantas questões sobre o mesmo tema, a que as pessoas homossexuais deveriam ter direito a contrair matrimônio, contra 26,5% que opinaram contra. Logo, a exclusão do matrimônio entre pessoas do mesmo sexo afigurava-se como uma discriminação a que a maioria da sociedade atual espanhola considerava injustificada e inaceitável, muito embora esbarrando nos dogmas religiosos, dado que este é um grande país católico. Indubitavelmente, que a margem de qualquer consideração jurídica ou sociológica que vise avaliar esta lei, haverá de ser considerado o ato de justiça que representou neste particular, o avanço que se deu em relação aos indivíduos multisecularmente perseguidos e cruelmente castigados desde os mais remotos tempos e desde as instancias mais conservadoras do pensamento religioso e pseudocientífico com a única finalidade de estigmatizar no meio social os indivíduos alcançados por esta falácia.
II.As considerações sobre o Código Civil e as leis afetadas
Os efeitos desta lei não afetou o regime jurídico da instituição matrimonial, salvo naqueles requisitos para contrair, ocasião em que ampliou o direito as pessoas de mesmo sexo como consta no segundo parágrafo do artigo 44 do Código Civil espanhol, estabelecendo que "el matrimonio tendrá los mismo requisitos y efectos cuando ambos contrayentes sean del mismo o de diferente sexo" observando que a dita reforma limitou-se a adaptar a terminologia de algum dos preceitos reguladores do matrimônio, mudando a referencias específicas ao sexo dos membros das pessoas que desejam casar-se. Muito embora existam algumas exceções justificadas, como a de manter o menção de "marido" nos artigos 116, 117 e 118 com relação a presunção de paternidade dentro do matrimônio, visto que esta somente se poderia produzir em casos de matrimonio de pessoas de distinto sexo, ademais, para garantir a filiação paterna este sistema de presunção, também mantendo a diferença de sexo dos progenitores em relação a classificação da filiação por natureza que faz o artigo 108, distinguindo o matrimonial do não matrimonial, pois no matrimonio homossexual só é possível a filiação por natureza a um dos cônjuges.
Outra modificação ocorrida no inciso 4. do artigo 175 do Código Civil, relativo a adoção pelos cônjuges teve maior alcance do que as simples adaptações terminológicas ocorridas ao largo de alguns artigos, para poder fazer possível seu acesso aos casais do mesmo sexo. A nova redação, com bom critério, precisa - o que não estava explícito no texto deste artigo - que a adoção pode ser realizada conjunta ou sucessivamente e nesta última hipótese, no que respeita aos filhos que seu cônjuge houvesse adotado antes de contrair matrimônio. Finalmente, a lei que veio a reformar o Código Civil, incluiu as disposições adicionais, em especial aquela que reforma três artigos da Lei de Registro Civil nos artigos 46, 48 e 58) a fim de adaptar seus termos a nova situação jurídica de famílias monoparentais que a lei venha a reconhecer, nas quais possa existir dois pais e duas mães.
III.A questão da adoção por casais homossexuais
Dentro dos temas que mais controvérsia suscitou a questão da adoção tomou relevo, em especial no caso espanhol, as situações de convivência de crianças com famílias homoparentais, realidade que vinha se produzindo desde há muito tempo neste país. O viés legal que culminou com o acesso da maternidade e paternidade no Direito Espanhol por casais homossexuais, também teve sua contribuição com o direito à mulher solteira a maternidade assistida mediante técnicas de reprodução assistida (Art. 6.1 da Lei de Reprodução Assistida de Humanos de 22 de novembro de 1988), bem como o direito a adoção individual (art. 175.4 do Código Civil). Outro fator relevante foi em decorrência da realidade social e dos estudos acorridos dentro e fora da Espanha e que coincidiram com o ressalto que o reconhecimento ao direito de adoção por casais homossexuais respondeu, em especial, ao interesse do menor, outorgando uma maior proteção e garantindo sua estabilidade emocional e econômica[4].
Tais fatos foram comprovados e entendidos pela maioria dos representantes parlamentares de quatro das seis comunidades autônomas com competência para legislar sobre Direito Civil como é comum neste país sob comento, em especial como ocorrido na Província Autônoma de Navarra (art. 8o da Ley Foral para la egualdad de las parejas estables de 3 de Julio de 2002, que admite la adopción conjunta), no País Vasco (art. 8o da Ley de 7 de mayo de 2002 que admite tanto la adopcón conjunta como sucesiva), em Aragon (art. 10 da Ley de 26 de marzo de 1999 relativa a parejas estables no casadas, trás su reforma por la Ley 3 de mayo de 2004 que solo admite la adopción conjunta) e da Catalúnia (arts. 115 y 117 del Código de Família, admitiendo tanto la adopción conjunta como sucesiva, aprobada por Ley de 15 de Julio de 1998, trás la reforma de 8 de abril de 2005), em detrimento de outras comunidades que careciam de competência para legislar em matérias específicas como é o caso das Astúrias, Andaluzia, Extremadura e Cantábria[5] e que seguiram um critério similar em relação ao acolhimento familiar.
Com o atendimento da expectativa desta sociedade através destas reformas, tornou-se possível aos matrimônios homossexuais a adoção de crianças tanto nacionais como estrangeiras como a ocorrência de adoção internacional, em especial com a China que em muito facilita os tramites legais para este fim. Muito embora exija um maior analise do regime jurídico sobre a adoção internacional, dado que a legislação é complexa pois concorrem normas de produção interna com outras de produção internacional, como os convênios internacionais, por exemplo o Convenio de Haya de 29 de maio de 1993, bem como os convênios bilaterais subscrito entre Espanha e outros Estados.
IV.Conclusão
Como se pode observar através das anotações comparadas que esta lei trouxe a nível legal na Espanha a questão do matrimonio de pessoas transexuais, sem que para isto estas pessoas cumpram com alguns requisitos implantados pelo Tribunal Supremo como é o caso da haver o pretendente submetido a uma ablação cirúrgica completa, a retificação mediante sentença judicial dos aspectos registrais, a inscrição do novo sexo no registro civil, etc. Significou, de modo geral, um avanço de justiça social há muito exigido em relação ao respeito às pessoas diferentes ou minorias, tornando efetiva a liberdade e a igualdade das pessoas, direitos estes, que ainda carecem a grande parte dos indivíduos.
Inobstante o profundo debate jurídico e social, em especial sobre o matrimônio de estrangeiros naquele país, esta lei é uma realidade. No Brasil, ainda o tema é tratado amiudemente, e há certa tendência a negar a existência destes vínculos na prática, o que acabam, gerando uma classe de excluídos social e jurídicos neste país com afetação de regra Constitucional (art.3o, inc. IV). Muito embora este artigo proíba a discriminação, este texto ainda não fez o seu eco necessário, dado a sua pouca objetividade. Necessário se faz atender a esta classe de indivíduos social e juridicamente afastados de seus direitos. Negar seus direitos é cerrar os olhos a uma realidade crescente a nível mundial!
Muito embora pouco se trate do tema, algumas vozes se levantam neste sentido como em especial a da Desembargadora Maria Berenice Dias do TJRGS.
É a nova racionalidade jurídica a exigir uma direção a caminhar!
Referências Bibliográficas
DE LYON, IRENEE Adversus Haereses, Sources Chretiennes, 1979, Livro I, Tomo I, pág. 179; Tomo II, pág. 42 e segs e 181 e segs.
HERRERO BRASAS, J. A. La sociedad gay: una minoria invisible. Foca: Madrid, 2001, pgs. 129 a 137, 137 a 170.
PÉREZ CÁNOVAS N. "La crisis del Estado heterosexual: Del derecho a la vida privada al derecho a la vida familiar de las parejas homosexuales" in Revista de la Facultad de Derecho de la Universidad de Granada, 2001, pags. 77 a 82, 374 a 378.
Silney Alves Tadeu é advogado, professor adjunto da UFPEL, vice diretor da Faculdade de Direito, especialista |
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