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Marco Legal dos Seguros e a injusta desigualdade entre as entidades familiares
No último dia 9 de dezembro foi sancionada a Lei nº 15.040/2024, denominada Marco Legal dos Seguros, que estabeleceu normas para o seguro privado e revogou dispositivos relacionados à matéria no Código Civil e no Decreto-Lei nº 73/1966, responsável, dentre outros, por dispor sobre o Sistema Nacional de Seguros Privados. Trata-se de alteração legislativa importante e pertinente para profissionais atuantes em Direito de Família e Sucessões, haja vista que a contratação de seguros é uma das ferramentas de planejamento sucessório disponíveis para quem deseja proteger seus dependentes e organizar sua sucessão.
Em boa hora, a nova lei dispôs, no artigo 115, § 5º, que a indicação do beneficiário não prevalecerá nas hipóteses de revogação de doação por ingratidão — a exemplo dos casos em que o donatário atenta contra a vida do doador ou contra ele comete ofensa física, injúria grave ou calúnia — previstas nos artigos 557 e 558 do Código Civil.
Além disso, o artigo 116 reforça a ideia já consolidada no sentido de que o “capital segurado devido em razão de morte não é considerado herança para nenhum efeito”. No parágrafo único do mesmo dispositivo, a mesma lógica tem sua aplicabilidade ampliada para contemplar também participantes dos planos de previdência complementar. Inegável, portanto, o avanço atinente a aspectos correlacionados à área de família e sucessões.
Todavia, a lei preconiza que, havendo impossibilidade de realização do pagamento ao beneficiário indicado quando da contratação, seja por falta de nomeação, seja por impossibilidade prática de cumprimento (no caso do beneficiário ser pré-morto ou comoriente em relação ao contratante), o capital segurado deverá ser dividido da seguinte forma: “metade ao cônjuge, se houver, e o restante aos demais herdeiros do segurado” (artigo 115, caput).
Desigualdade entre entidades familiares
Tal dispositivo, em verdade, retrocede no que tange ao reconhecimento da igualdade entre as entidades familiares, sobretudo por não contemplar também o companheiro ou convivente, o que não se pode admitir. Veja-se que não há — ou não deveria haver — hierarquização entre as famílias conjugais ou convivenciais no Direito brasileiro, especialmente após a apreciação dos Temas 498 e 809 pelo Supremo Tribunal Federal. Assim, em que pese inexista exigência de formalidade para constituição de união estável, não há motivo para o recebimento diferenciado em comparação ao cônjuge.
Outro ponto a ser avaliado é que, antes da redação dada pelo Marco Legal dos Seguros, o artigo 794 do Código Civil previa a convocação dos demais herdeiros conforme a ordem de vocação hereditária. Agora, o dispositivo prevê apenas que no seguro de vida ou de acidentes pessoais para o caso de morte, o capital não está sujeito às dívidas do segurado e que não é considerado herança, não fazendo qualquer menção ao critério a ser seguido nos casos da falta de indicação ou impossibilidade de pagamento ao beneficiário. Embora não haja uma lógica clara para afastar esse critério, a ausência de previsão expressa a esse respeito é preocupante.
Ainda, a Lei prevê no artigo 115, § 2º que se “o segurado for separado, ainda que de fato, caberá ao companheiro a metade que caberia ao cônjuge”, de modo que o simples reconhecimento da separação de fato pode, por si, afastar o direito ao recebimento do prêmio. A previsão, novamente, destaca o tratamento díspar (e discriminatório, diga-se) que o Marco Legal conferiu ao casamento e à união estável, ressuscitando distinção que deveria ter ficado no passado e que não faz qualquer sentido atualmente.
Assim, e tendo em vista o prazo de um ano de vacatio legis a contar da publicação do ato normativo, espera-se que tais equívocos sejam retificados a partir de uma ótica igualitária, protetiva e justa, em consonância com o direito contemporâneo. Caso assim não se proceda, é possível que os tribunais passem a ser chamados a promover a equiparação entre as entidades familiares, contribuindo para um aumento desnecessário no congestionamento do Judiciário, o que deve ser evitado.
Temas tão elementares no Direito de Família e Sucessões, como a distinção entre entidades familiares, sequer deveriam ser debatidos nos dias atuais, por notória superação de paradigmas hierárquicos anteriores, sendo injustificado qualquer retrocesso.
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