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Críticas à prisão civil por alimentos
RESUMO
Esse trabalho tem o objetivo de demonstrar que, atualmente, a prisão civil por dívida de pensão alimentícia se revela ineficaz como meio executório cujo fim é de compelir o devedor ao pagamento do débito. Havendo uma linha muito tênue entre o inadimplemento voluntário e o involuntário, e sendo certo que o endividamento e o desemprego são problemas sociais que atingem grande parcela dos brasileiros, se consideramos a modernidade atual em que vivemos, veremos que existem (ou ao menos deveriam existir) procedimentos mais eficazes para encurralar aquele alimentante, que, tendo recursos para prover alimentos, não o faz por pura desídia. Essa conduta de descumprimento voluntário deveria configurar o crime de abandono material, sem que isso significasse o encarceramento injusto de outros pais que porventura se encontrem incapacitados de estarem em dia com o pagamento dos alimentos devidos. Há de se considerar as consequências de medida tão gravosa e se a prisão realmente é eficaz para atingir a finalidade a que se propõe.
Palavras-chave: Prisão Civil. Dívida de Alimentos. Obrigação Alimentícia. Inadimplemento Voluntário. Inadimplemento Involuntário. Problema Social. Execução de Alimentos. Abandono Material. Família.
ABSTRACT
This paper aims to demonstrate that, currently, civil imprisonment for alimony debt is ineffective as an enforcement measure aimed at compelling the debtor to pay the debt. Given the very thin line between voluntary and involuntary nonpayment, and considering that indebtedness and unemployment are social problems affecting a large portion of Brazilians, we can conclude that there are (or at least should be) more effective procedures to corner those alimentary obligors who, having the means to provide for food, fail to do so out of pure negligence. This conduct of voluntary noncompliance should constitute the crime of material abandonment, without this necessarily leading to the unjust incarceration of other parents who may be unable to meet their alimony obligations. The consequences of such a severe measure should be considered, and whether imprisonment is truly effective in achieving its intended purpose.
Keywords: Civil Imprisonment. Alimony Debt. Alimentar Obligation. Voluntary Nonpayment. Involuntary Nonpayment. Social Problem. Alimony Enforcement. Material Abandonment. Family.
SUMÁRIO
1.. APRESENTAÇÃO.. 1
2.. CONSIDERAÇÕES INICIAIS. 3
3.. INTRODUÇÃO.. 5
4.. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. 6
4.1 Diferenciação entre Inadimplemento Voluntário e Involuntário. 6
4.2 Do Endividamento como Problema Social e da Dignidade da Pessoa Humana. 6
4.3 Da Necessidade de Equiparação do Inadimplemento Voluntário ao Crime de Abandono Material e seu Consequente Processamento pela Via Penal 8
5 DA INEFICÁCIA DA PRISÃO CIVIL POR DÍVIDA DE ALIMENTOS E SUAS CONSEQUÊNCIAS. 10
6 DA NECESSIDADE DE APERFEIÇOAMENTO DO PROCEDIMENTO.. 12
6.1 Da Eficácia da Expropriação e das Demais Medidas Atípicas de Execução. 13
6.2 Da Responsabilidade do Estado. 14
6.3 Das Possíveis Soluções. 15
7.. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 18
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. 20
1APRESENTAÇÃO
O presente trabalho tem o objetivo de trazer ao leitor um olhar diferente acerca da prisão civil por dívida de alimentos, sob a ótica de um causídico que vem atuando no certame estudado, e, conforme avança nesta atuação, não consegue enxergar a dura pena como solução para este fenômeno de cunho social.
E, embora seja capaz de admitir que, em alguns (poucos) casos a medida debatida realmente solucione o problema, como será adiante explanado, esses casos não representam a maioria, o que coloca em xeque sua eficácia.
Então, por mais que se pareça clichê, como pondera Voltaire: “é melhor correr o risco de salvar um homem culpado do que condenar um inocente” (VOLTAIRE, 1747, Zadig), principalmente quando se trata de uma condenação que desaguará em um encarceramento tão questionável, e com consequências tão severas, mormente ao seio familiar, porquanto a execução de alimentos devesse buscar o melhor interesse da criança.
Ou seja, questionar-se-á: Nos modernos tempos atuais, ainda é concebível a prisão civil ao genitor que deve alimentos? Todos os mecanismos existentes hoje, aliados às outras medidas coercitivas passíveis de aplicação, não são suficientes para buscar a quitação da dívida sem que o devedor fique, para sempre, estigmatizado com a pecha de “criminoso”? Isso acaba por ajudar ou atrapalhar o sustento e o regular desenvolvimento do infante? Tal modalidade de prisão está bem inserida e sendo bem aplicada no ordenamento jurídico pátrio? Está sendo cumprida na forma determinada por lei e tem alcançado o êxito a que se propõe? São apenas algumas das perguntas às quais esse estudo pretende se fazer refletir.
Perceba, caro leitor - e isso é importante que já seja esclarecido de antemão- que a dissertação não terá o afã de defender qualquer tipo de exoneração da obrigação de sustento, constitucionalmente atribuída aos pais. Aliás, muito pelo contrário. O que se discute é uma melhor “filtragem”, se assim pudermos dizer, desses casos, pois, considerando que o endividamento é um problema social que assola grande parcela da população brasileira, existem muitíssimos casos em que o inadimplente realmente não dispõe de recursos, sendo tal inadimplemento, involuntário, ou seja, alheio à sua vontade. Neste contexto, a prisão desse sujeito se revelará eficaz? Representará o melhor à sua prole? E, assim, ao debater todas essas dúvidas que norteiam esse debate, especularemos sobre possíveis soluções.
Por outro lado, trataremos das hipóteses em que o inadimplemento se dá na modalidade voluntária, ou seja, quando o ator realmente possui maneiras de estar em dia com a obrigação e não o faz por pura desídia, revanchismo, ou seja lá qual for seu motivo escuso. Nesses casos, como a inércia referente ao pagamento se revelaria espontânea, do mesmo modo que seria possível buscar a satisfação do débito pela técnica da expropriação, seria possível constatar que o devedor estaria incurso no Crime de Abandono Material, previsto no artigo 244 do Código Penal, devendo responder, portanto, por este crime, isto é, ser responsabilizado pelo delito praticado sob o regramento específico da via penal, atendendo, assim, à supracitada filtragem. Dessa maneira, todo o procedimento de execução de alimentos poderia se tornar mais proporcional e condizente com sua finalidade, sem importar na injusta privação de liberdade a indivíduos assolados pela desigualdade social, bem como, sopesando as drásticas consequências que a prisão civil de um genitor traria à vida da criança.
Posto isso, passemos ao trabalho desenvolvido adiante, com todas as críticas que este nobre patrono tem a tecer à prisão civil por dívida de alimentos, uma vez que, conforme avança em sua atuação na seara familiar, não enxerga a supracitada pena como solução para a questão. Passaremos por casos concretos, considerações, análise da legislação e problemáticas, para, ao final, aventar possíveis resoluções.
2CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Como dito acima, este subscritor, em sua humilde carreira, vem atuando em algumas execuções de alimentos.
Nessa toada, obviamente respeitando o segredo de justiça aplicado à estas ações judiciais, discorrei brevemente sobre três diferentes situações vivenciadas na prática, em que a prisão civil não se revelou solucionadora, buscando trazer a imersão necessária ao tema e fazendo com que a leitura se dê pelo mesmo prisma deste que vos escreve. Vejamos:
O primeiro caso versa sobre um pai com condições financeiras, digamos, razoáveis, mas que abandonou seu filho. Nunca pareceu ter buscado uma relação minimamente amistosa com a mãe de seu garoto, dividir o sustento de seu fruto e nem participar de nada. Conviveu brevemente e durante curtos espaços de tempo com o menor, sendo certo que já há alguns anos não contribuía com qualquer tipo de apoio, afetivo ou financeiro. Até se mudou de estado, sem avisar. A mãe, que trabalha incansavelmente para sustentar seu filho sozinha, ajuizou a execução e, como o abandonador havia fugido de seus encargos de pai, nem mesmo conseguia citá-lo, o que fez com que a execução se arrastasse durante anos. Após citação editalícia, fora expedido mandado de prisão, e o dito cujo, foi preso por dever alimentos, ao caminhar tranquilamente pela via costeira de onde agora residia. Após um mês em cárcere, foi solto e agora está livre. Continua sem prover alimentos ao rebento e tampouco oferece qualquer convivência.
O segundo exemplo, por sua vez, dá conta de um homem em péssimas condições de vida, que sempre conviveu em meio ao crime e à pobreza. Sequer foi possível sua citação pessoal, pois morava em área de extremo risco, o que foi certificado por três diferentes Oficiais de Justiça que retornaram com a diligência negativa por essa razão. Tal circunstância, todavia, não era motivo para esse sujeito lançar mão de todas suas obrigações parentais desde a separação de fato. Perdeu contato, se mudou de comunidade, passando a morar em local ainda mais perigoso (o lar que mantinha com a menor e a ex-companheira já não era tão seguro) e não se teve mais notícia. Após citação por edital, teve sua prisão decretada, o que, acredito, nem seja de seu conhecimento ainda.
O terceiro caso é o mais peculiar e possui muitas nuances. O alimentante era um ex-atleta profissional, de carreira internacional. Firmou acordo que previa o pagamento de alimentos em patamares condizentes com seu salário de atleta à época. Poucos anos depois, após algumas lesões, encerrou sua carreira precocemente. Por ser famoso, conseguiu empregos como comentarista esportivo em emissoras de TV (ou seja, dependia de sua imagem), obviamente já auferindo ganhos bem menores se comparados aos da época da composição. Desde então, já vinha postulando pela revisão dos alimentos, contudo, tanto sua ex-companheira quanto os julgadores das liminares pareciam achar que havia ocultação de renda e, mesmo após dois anos de trâmite judicial, não havia decisão de mérito (as liminares não foram acolhidas). Após ser demitido do último trabalho, ficou um tempo desempregado e acumulou a dívida alimentar. A mãe de seus dois filhos - que, diga-se de passagem, trabalhava e recentemente havia vendido um imóvel por dois milhões de reais, ou seja, situação de miserabilidade não havia- ajuizou execução de alimentos pela técnica prisional, mesmo sabedora que isso poderia prejudicar as tentativas do alimentante de obter um novo labor. Prisão que, por pouco, não se concretizou. Acaso conseguida, teria sido o melhor caminho?
3INTRODUÇÃO
A prisão civil por débito alimentar foi instituída em 1988, com o advento da Constituição Federal do Brasil, pois, em seu artigo 5º, apesar de asseverar que todos seriam iguais perante a lei, e, garantir, dentre outros direitos, o direito à liberdade, em seu inciso LXVII instituiu que “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”. A hipótese do depositário infiel já foi superada, tendo em vista que não mais se encontra em nossa unidade sistemática. Todavia, continuamos a ver muitos casos de prisão civil por dívida de obrigação alimentícia, ainda que algumas vezes essa pareça ser de ordem involuntária, com o alimentante não dispondo de recursos para sua quitação.
À vista disso, o presente trabalho tecerá críticas sobre essa imposição legal, posto que nem de longe se presta a resolver o que aparenta ser um problema de cunho social.
4EXECUÇÃO DE ALIMENTOS
Como sabido, a execução de alimentos é regulada pelo artigo 528 do Código de Processo Civil. A referida disposição preceitua que o juiz, instado pelo exequente, determinará a intimação pessoal do executado, para, em três dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.
Em caso de falta de pagamento, portanto, a justificativa que denote a impossibilidade de efetuá-lo haverá de ser julgada pelo magistrado. A aceitação da justificativa, consequentemente, fica a critério do julgador.
4.1Diferenciação entre Inadimplemento Voluntário e Involuntário
Isto posto, caberá ao juiz decidir pelo assentimento, ou não, da justificativa apresentada pelo inadimplente. O exíguo prazo de três dias deverá ser suficiente para que o devedor reúna provas que demonstrem, inequivocamente, sua incapacidade de quitar a dívida, como manda a lei.
E é aqui que cinge a controvérsia. Por vezes, mesmo quando é possível reunir arcabouço probatório suficientemente apto a validar a inadimplência, a defesa não é aceita pelo juízo.
Nessa toada, se faz necessária a interpretação do artigo 5º, LXVII da Constituição Federal, que contém a previsão literal de que “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia (...)”.
Ou seja, de extrema importância é a distinção entre o inadimplemento voluntário e involuntário da obrigação alimentícia, eis que a Carta Magna impõe que unicamente na hipótese de não pagamento espontâneo, será possível a prisão civil.
Dessa maneira, submeter a decisão mais importante de um seio familiar já rompido ao critério subjetivo do julgador é, por vezes, pôr o futuro de toda aquela linhagem à mercê desta decisão judicial.
4.2Do Endividamento como Problema Social e da Dignidade da Pessoa Humana
À vista disso, embora não seja o propósito deste estudo, é indispensável destacar que, em rápida pesquisa, verifica-se que "o Brasil é o país com a quarta maior taxa de desemprego do mundo"[1], bem como, mais de "70% das famílias se encontram em situação de endividamento"[2].
Nesse diapasão é que entra a principal crítica do escritor, haja vista a citada necessidade de uma melhor filtragem, que permita diferenciar os pais endividados, ou seja, de inadimplemento involuntário, dos voluntariamente devedores, já que prender os pais endividados (que deveriam ter melhores condições propiciadas pelo Estado) é ferir o princípio da dignidade da pessoa humana. Pior ainda. Acaba agravando ainda mais o problema, já que marginaliza ainda mais quem já está à margem da sociedade. Para piorar, ainda temos hipóteses de alimentantes que, sem saída e na iminência de serem presos, são tomados pelo desespero e acabam cometendo outros crimes justamente para não serem privados de liberdade pela inadimplência da obrigação de pensionar.
E o processo de entrevistas de Bolzan caminha exatamente nesse sentido, senão vejamos:
Ainda dentro da busca pela opinião geral dos entrevistados, foi proposta a seguinte pergunta: ‘Em sua opinião, o que é mais grave: furtar, roubar ou não pagar pensão alimentícia?’ O intuito era saber se quem está em condições precárias – devendo- poderia cometer delitos como “roubo” e “furto”, dentre outros, para poder alimentar sua prole. Isso ficou evidente desde a primeira resposta.
Para o Oficial de Justiça, todos os motivos são graves e a dívida alimentícia pode gerar outros ilícitos, inclusive, existem relatos de pais que roubam para dar alimentos aos filhos. [...]
A outra cidadã entrevistada foi enfática ao dizer que todos são problemas sérios. Ela inclusive relata que já ouviu dizer que pais roubam para dar o que comer aos filhos, como dito acima. Problemas sociais ou não? [...]
O Magistrado reafirmou a possibilidade de existirem devedores que roubam para alimentar sua prole.
(BOLZAN, 2015, p.157-158)
Definitivamente, sim, um problema social. Um ciclo vicioso, que só acaba por piorar o cenário, quando deveria melhorar. E piorar, sim, pois o sistema carcerário brasileiro, certamente, não terá a capacidade de ressocializar o encarcerado. Pelo contrário. Com absoluta certeza, durante a prisão, o indivíduo vivenciará um contexto de violência e falta de dignidade que o fará sair de lá pior do que já entrou. Como muitos dizem, a prisão pode ser uma “escola do crime”. Além disso, esse pai condenado, para sempre ostentará a pecha de criminoso. Sai da “escola do crime”, formado e com currículo.
E com esse pensamento coaduna a assistente social ouvida no citado processo de entrevistas de Bolzan:
A Assistente Social alertou ainda para uma situação peculiar. A de que o indivíduo ainda pode sair daquele sistema pior que entrou. Em verdade, se o sistema prisional brasileiro fosse eficaz, cidadão levados ao cárcere, em virtude de débito alimentício, não teriam tantas sequelas negativas. Para ela, o preso por dívida alimentar pode aprender dentro da cadeia coisas que infelizmente não deveria aprender.
(BOLZAN, 2015, p.164)
Ainda segundo a pesquisa de Bolzan, os pais perseguidos pelo débito alimentar, corroboram com o entendimento: “Para os cidadãos entrevistados a situação é simples: o Estado quando coloca o cidadão dentro de um sistema falido, transforma-o em uma pessoa ainda pior” (2015, p.165).
4.3Da Necessidade de Equiparação do Inadimplemento Voluntário ao Crime de Abandono Material e seu Consequente Processamento pela Via Penal
Por conseguinte, obviamente, condutas diferentes devem ter consequências, leia-se, punições e/ou penas diferentes. Do contrário, puniremos de maneira desproporcional aqueles que praticaram a conduta menos gravosa, isto é, injustiça.
Por essas e outras, o inadimplemento voluntário deve ser equiparado ao crime de abandono material – previsto no artigo 244 do Código Penal- de maneira que sua condenação seja processada pelas vias próprias, ou seja, dentro do certame penal, naqueles ditames. Pela via civil, a execução de alimentos deverá seguir pelo rito da expropriação, sendo certo que em 2024, o Estado já é – ou, ao menos, deveria ser - capaz de localizar eventual renda oculta e penhorar os percebimentos do devedor, sem a necessidade de chegar à última ratio, fazendo, assim, a supracitada filtragem entre os que tentam fugir da obrigação e os que estão financeiramente impedidos.
A referida equiparação do inadimplemento voluntário ao crime de abandono material certamente traria muitos benefícios ao ordenamento jurídico, padronizando a verdadeira confusão que atualmente é a execução de alimentos. Outrossim, seria possível mitigar as muitas injustiças que ocorrem na prisão de certos pais devedores, já que seria possível distinguir o abandonador do endividado, ao passo que este último não teria suas possibilidades de pagamento ainda mais dificultadas, enquanto o abandonador não se confundiria com mero devedor.
Nessa toada, o abandonador seria merecidamente tratado como o criminoso que é, enquanto o devedor não seria impropriamente marginalizado, preservando-se a dignidade de sua pessoa humana, princípio fundamental presente logo no primeiro artigo da Constituição.
Ainda mais importante. Como exposto, a conduta do abandonador seria processada pelo sistema penal, sendo este procedimento muito mais adequado à unidade sistemática existente.
Destarte, salutar é a lição do mestre e professor Da Silva Maia (2013, p. 92-93), ao destacar as incongruências da singular modalidade de prisão civil, eis que se comparada a crimes muito mais graves, não detém os mesmos benefícios. Pois é. Um crime hediondo, por exemplo, possui benefícios penais dos quais a prisão por dívida alimentar não usufrui:
Por outro enfoque, na esfera penal, o agente estaria sujeito aos preceitos contidos na Lei n°9.099/95, dentre outros benefícios, ao passo que na prisão civil, além de o regime conferido ao sujeito da prisão ser mais gravoso que o próprio Direito Penal (fechado), o devedor não seria beneficiado pelas medidas despenalizadoras ou alternativas à prisão.
Também na prisão civil não se aplicaria o instituto da liberdade provisória, nem mesmo sob fiança, enquanto na esfera penal seria de imposição constitucional.
E mais, nas hipóteses de prisão por dívida, a lei estabelece limites (mínimo e máximo) pelo qual o juiz pode privar a liberdade do devedor, sem, contudo, fixar critérios para aplicação da medida, como ocorre, por exemplo, na esfera penal, afastando ou ao menos dificultando a discussão acerca da justiça na fixação do período de custódia.
(DA SILVA MAIA, 2013)
Quadro 1 – Comparativo entre Prisão Penal e Prisão Civil (sintetize da gravosidade da prisão civil em face da prisão penal). |
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PRISÃO PENAL (art. 244, CP)7 |
PRISÃO CIVIL (art. 5º, XLVII CF e art. 733, CPC) |
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Liberdade provisória |
Não admite |
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Individualização da pena |
Não admite |
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Progressão |
Não admite (fechado) |
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Regime aberto (domiciliar) |
Não admite (fechado) |
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Substituição (pena alternativa) |
Não admite (fechado) |
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Detração |
Não admite |
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Lei 9.099/95 |
Não admite |
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Prazos e regras prescricionais |
Não admite |
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Fonte: DA SILVA MAIA, Roberto Serra. Prisão civil do devedor de alimentos – abolição. São Paulo: LTr, 2013.
O quadro comparativo acima é deveras esclarecedor e reflete o quanto a prisão civil por dívida é disparatada da unidade sistemática em que inserida. Por essa ótica, fica cada vez mais difícil aceitar seu cabimento, acabando por concluir-se pela sua inadequação, de maneira que a equiparação do inadimplemento voluntário ao crime de abandono material se mostra necessária e até mesmo atrasada.
5DA INEFICÁCIA DA PRISÃO CIVIL POR DÍVIDA DE ALIMENTOS E SUAS CONSEQUÊNCIAS
Ultrapassada a argumentação pelo total descabimento da prisão civil por dívida alimentar, devemos avaliar se existe eficácia em seu propósito e quais são suas consequências.
Como é possível constatar através de muitas pesquisas, a prisão civil, além de todas as celeumas já apontadas, acaba por estimular ainda mais o cometimento de crimes e ilícitos penais e estigmatiza o condenado. Decerto que está longe de ser a solução para o que aparenta ser um problema social.
Ora, todo o sistema é falido e fadado ao fracasso.
Como apoiar, portanto, um mecanismo que, além de causador de maiores problemas, acaba por ser injusto e se transforma em um fator de piora do já ruim cenário retratado?
Em outras palavras, tentemos visualizar de uma maneira “cronológica” o que pode vir a ocorrer com o executado, levando em conta os exemplos de casos em que este subscritor trabalhou, citados no início deste trabalho, bem como, todas as citações de pesquisas aqui feitas:
- O pai se vê endividado e não consegue quitar os alimentos;
- Inicia-se a execução de alimentos;
- Nos termos do art. 528 do CPC, o devedor é intimado, para, no exíguo prazo de três dias, “pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo”;
- Desesperado, tenta conseguir meios de adimplir com a dívida, ao mesmo tempo que deve tentar, em juízo, provar a supracitada impossibilidade, que, na maioria das vezes, não é aceita pelo Judiciário;
- À essa altura, como já visto, alguns dos executados, “com a corda no pescoço”, cometem crimes como furtos e roubos justamente para não terem sua prisão decretada em virtude da dívida de alimentos;
- Esses que não conseguem quitar a dívida ou não tem a justificativa da impossibilidade de efetuar o pagamento aceita pelo juízo, tem sua prisão decretada;
- O executado já passa a ostentar a pecha de “criminoso”, entre aspas, já que não cometeu nenhum crime. Mas já passa a ser visto com outros olhos pela sociedade, dificultando a obtenção de emprego/renda para quitação da dívida, o que, absolutamente, não ajuda a resolver o problema;
- Efetivamente preso, acaba inserido em um dos piores sistemas carcerários do mundo, onde não é ressocializado;
- Após solto (muitas vezes sem conseguir quitar a dívida), não só a sua vida, mas também a da sua família e principalmente a do seu filho (a), passam a ser marcadas pela experiência traumática que é a prisão.
Adentremos, agora, ao mérito do que ocorre após a soltura do condenado e das consequências de sua condenação. O célebre criminólogo Baratta assevera que “(...) resultados mostram que a intervenção do sistema penal, especialmente as penas detentivas, antes de terem um efeito reeducativo sobre o delinquente determinam, na maioria dos casos, uma consolidação da identidade desviante do condenado e o seu ingresso em uma verdadeira e própria carreira criminosa” (2011, p.90).
Em vista disso, as lições de Baratta seguem oportunas. Como estamos discorrendo sobre a ineficácia e as consequências deste encarceramento, vejamos o que o referido autor afirma acerca da relação entre o preso e a sociedade:
Antes de tudo, esta relação é uma relação entre quem exclui (sociedade) e quem é excluído (preso). Toda técnica pedagógica de reinserção do detido choca contra a natureza mesma desta relação de exclusão. Não se pode, ao mesmo tempo, excluir e incluir. [...]
Antes de falar de educação e de reinserção é necessário, portanto, fazer um exame do sistema de valores e dos modelos de comportamento presentes na sociedade em que se quer reinserir o preso. Um tal exame não pode senão levar à conclusão, pensamos, de que a verdadeira reeducação deveria começar pela sociedade, antes que pelo condenado: antes de querer modificar os excluídos, é preciso modificar a sociedade excludente, atingindo, assim, a raiz do mecanismo de exclusão.
(BARATTA, 2011, p. 186)
Cada vez mais clarividente, portanto, que a técnica da prisão enquanto instrumento de coerção que objetiva, como diz a doutrina, “constranger” o alimentante a quitar seu débito, é totalmente incapaz de gerar os efeitos necessários. Longe disso.
E, em tempos tão modernos, com o avanço de outras medidas coercitivas, existem outros meios de “constranger” e “obrigar” o genitor alimentante a quitar o débito sem que seja necessário se chegar à última ratio, com tantas consequências devastadoras em sua vida, mas que, além disso, não configuram o melhor interesse da criança, já que, como visto, é possível concluir que seu pai enfrentará muitas dificuldades não só para provê-lo, mas também no que diz respeito à paternidade e convivência.
6DA NECESSIDADE DE APERFEIÇOAMENTO DO PROCEDIMENTO
Por todo o exposto, concluímos que a decisão eventualmente decretadora da prisão de um pai endividado, deve prescindir de uma maior sensibilidade do julgador. Seu convencimento deve ser tomado sob um viés não só jurídico, como também, sociológico e humanitário.
Nessa acepção concluiu o mestre Rolf Madaleno ao comentar, em artigo publicado no IBFAM[3], a notícia de que o Superior Tribunal de Justiça, em sede de habeas corpus, decidiu prender um frentista que devia cerca de cinquenta mil reais à filha de vinte anos, sob o argumento de que o risco de desemprego – alegado pelo homem, em caso de eventual prisão – não bastaria para afastar a condenação. Observemos:
O habeas corpus foi negado porque não é lugar para discutir o mérito da dívida e o montante do seu valor.
Isto depende de uma ação de revisão de alimentos, que demora muito tempo. Até lá, o alimentante é preso, pois não conseguiu pagar o elevado valor dos alimentos atrasados. [...]
A prisão não servirá para forçar a quitação de uma dívida impagável.
Poderiam negar a prisão por esta evidência humanitária. Se o valor da pensão está acima das condições do frentista, que negassem a prisão, porque a Constituição Federal prescreve, no artigo 5º, inciso LXVII, que ‘só cabe prisão por alimentos se o inadimplemento for voluntário e inescusável.
(IBDFAM, 2024)
Ora, como afirmado pelo mestre Rolf, muitas vezes o alimentante maneja a competente ação revisional de alimentos, com o intuito de revisitar o valor definido. Essa ação fatalmente tem uma tramitação mais demorada, principalmente se comparada com a execução de alimentos. Assim, prender o réu que está à espera de uma definição de seu pleito de redução do patamar definido, não seria apená-lo pela própria morosidade do Poder Judiciário?
Dessa maneira, são muitas nuances que devem ser consideradas. A dilação probatória desse feito deveria ser tratada pelo Estado de forma especial, pois, ao mesmo tempo que, como versa Maria Berenice Dias, “a fome não espera”, como será possível julgar de maneira criteriosa a possibilidade de inadimplemento involuntário através de uma justificativa que deverá ser apresentada pelo executado em apenas três dias?
Com todas as problemáticas aqui já estabelecidas, e a inevitável influência que a possível prisão do alimentante causará no desenvolvimento do menor, este - a partir de uma certa idade definida em lei- deveria ser ouvido (da maneira menos traumática possível) para que o magistrado que decidirá sobre a execução de alimentos aquilate as condições em que esta criança vive, ou seja, se são miseráveis, e, até mesmo, obtenha elementos que o permitam sopesar se há algum indício de abandono material, auferindo, assim, se o inadimplemento é voluntário ou involuntário e concluindo se medida mais gravosa trará consequências benéficas ou prejudiciais à criança e, finalmente, se atingirá a finalidade de compelir o réu ao pagamento.
6.1Da Eficácia da Expropriação e das Demais Medidas Atípicas de Execução
Como sabido, a prisão civil passou a ser possível após a promulgação da Constituição Federal em 1988, eis que preceituada em seu artigo 5º, LXVII, logo, em um cenário que nos remete há 36 (trinta e seis) anos atrás.
Nessa época, era plenamente factível que o alimentante conseguisse ocultar suas reais condições financeiras da Justiça, pois eram outros tempos, em que a informação não era tão propagada, os meios de execução não eram tão sofisticados, os sistemas eram menos desenvolvidos, entre outras razões.
Todavia, nos modernos tempos atuais, com tantas técnicas de expropriação, cruzamento de dados, e principalmente após o advento do novo CPC que trouxe a possibilidade de novas medidas atípicas de execução, é cada vez mais difícil defender que somente a privação de liberdade terá o efeito de obrigar o réu à quitação de seu débito.
Em outras palavras, antes da prisão o magistrado provavelmente determinará medidas como BACENJUD[4], INFOJUD[5], RENAJUD[6] e SNIPER[7], diferentes sistemas de alta efetividade e que proporcionam inquirir a real condição do devedor, com a penhora de seus bens, restrição de veículos etc.
Se nenhum dos supracitados sistemas surtir o desejado efeito, o novo Codex facultou aos magistrados a hipótese de realização de muitas outras medidas para compelir o devedor à quitação, notadamente, a suspensão de sua CNH, a retenção de seu passaporte, o impedimento de fornecimento de linhas de crédito bancário, o bloqueio de seus cartões de crédito, a paralisação do seu CPF junto ao Banco Central (o que o impediria de fazer depósitos bancários e pix) e seu cadastro junto aos órgãos inadimplentes.
Por conseguinte, embora se admita a adequação da prisão civil à época que lancetada, atualmente, sua utilização afigura-se inaceitável, sobretudo ao considerarmos o contexto supramencionado.
6.2Da Responsabilidade do Estado
Outrossim, já que a Constituição Federal, em diferentes artigos, garante a dignidade da pessoa humana, o direito à liberdade e ao trabalho – que poderemos reputar como desrespeitados na hipótese do estudado castigo - bem como, que a citada lentidão do Poder Judiciário obsta a celeridade na tramitação da ação revisional de alimentos, - o que , caso sanado, diminuiria as prisões injustas neste certame - já está na hora do poder estatal encarar a quantidade expressiva de prisões civis por dívida alimentar como sendo um problema social, e, assim, assumir sua responsabilidade e buscar soluções.
Ora, conforme pincelado alhures, se sete entre cada dez pais estão endividados, com o desemprego atingindo índices históricos, e se o próprio sistema carcerário viola as condições mínimas de dignidade da pessoa humana, o Estado deve dividir a responsabilidade pelo inadimplemento e avaliar suas consequências, tal qual promover outros meios de solução.
Afinal, o Estado é responsável pela vida humana, e, como dito, pela dignidade de suas pessoas, ônus do qual, não pode se desincumbir.
Em outras palavras, se responsável é o Estado, não só a prover condições minimamente dignas às pessoas, como também ao direito ao trabalho e à liberdade, de que forma poderemos aceitar que o próprio prive de liberdade aqueles que não tem o trabalho assegurado, e, por conseguinte, tendo ou não emprego, não conseguem custear alimentos? Isso não seria admitir a falha estatal e punir duplamente os genitores?
Nessa direção, uma vez mais é válida a doutrina de DA SILVA MAIA:
O art. 7º do Estatuto da Criança e do Adolescente traz, como “direitos fundamentais” da criança e do adolescente “a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.
O Estatuto do Idoso estabelece em seu art. 14 que “Se o idoso ou seus familiares não possuírem condições econômicas de prover o seu sustento, impõe-se ao Poder Público esse provimento, no âmbito da assistência social. O art. 34, por sua vez, dispõe que “Aos idosos a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social – Loas.
De acordo com Maria Berenice Dias, com o advento do Estatuto do Idoso, passou a existir, de modo explícito, a obrigação alimentar do Estado. A jurista ressalta que “se o Estado deve pagar alimentos ao idoso, com muito mais razão é de se reconhecer que tem a mesma obrigação com relação a quem assegura, com absoluta prioridade, proteção: crianças e adolescentes.
Esses posicionamentos e dispositivos legais refletem a ideia que impõe responsabilidade ao Estado no campo das prestações alimentares familiais, fazendo-o, de certo modo, substituir-se ao devedor dos alimentos, a fim de garantir melhores condições de subsistência mínimas para o desenvolvimento digno de quem os necessita.
A responsabilidade do Estado também pode ser aferida no âmbito do Direito Internacional.
Por intermédia do Decreto nº591, de 6 de Julho de 1992, o Brasil ratificou o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, adotado pela Assembleia Geral da ONU em 1996, cujos preceitos normativos contidos nos arts. 11 a 15 consolidam uma série de direitos constantes na Declaração Universais de Direitos Humanos, entre os quais o direito à alimentação [...].
No dia 4 de fevereiro de 2010, em respeito ao Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, foi promulgada pelas mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal a Emenda Constitucional nº 64, alterando o art. 6º da Constituição Federal da República, para introduzir a “alimentação” como direito social.
(DA SILVA MAIA, 2013, p. 98-99)
Indisputável, portanto, a responsabilidade estatal.
Em verdade, se formos mais longe, podemos responsabilizar ainda mais o Estado, considerando que a Este é dado o dever de legislar. Nesse âmbito, deveria o Poder Público ter legislado melhor ao ponto de ser possível diferenciar de maneira mais satisfatória o inadimplemento voluntário do involuntário.
Além disso, em tempos tão modernos, o poder estatal também já deveria ter criado mecanismos que possibilitassem localizar e expropriar eventual renda ocultada pelo alimentante.
E por fim, mas não menos importante, também é atribuição do Estado e de suas instituições a obrigação de se fazer cumprir a própria lei, o que igualmente não ocorre mormente ao assunto debatido, tendo em vista que os presos pela inadimplência de pensão alimentícia deveriam ficar em celas separadas dos presos comuns, exatamente como dispõe o artigo 528 em seu quarto parágrafo, o que sabemos não ocorrer na prática.
6.3Das Possíveis Soluções
Obviamente, esse humilde escritor não tem a intenção de “salvar a pátria” ou “reinventar a roda”, como muitos diriam. Por outro lado, apenas tecer críticas sem sequer tentar apresentar possíveis soluções para a controvérsia, soa bastante inócuo. Logo, tentemos ponderar sobre possíveis resoluções para esse dilema.
Como já visto, o primeiro passo seria o aperfeiçoamento do procedimento. E se diz aperfeiçoamento, pois, com tantos meios de pesquisa que objetivam encontrar possíveis relações patrimoniais, como os já citados Bacenjud, Infojud, Renajud e Sniper, tal e qual, a incidência de todas as medidas atípicas de execução previstas no novo Código de Processo Civil, onde se destacam a possibilidade de cadastro do devedor nos órgãos inadimplentes, bloqueio de cartões de créditos, apreensão de CNH e suspensão de passaporte, entre outros, simplesmente não urge necessidade de criação de novas vias que tenham esse objetivo. Diversamente: Se o executado passar por todas essas etapas e não quitar a dívida, muito provavelmente não tem recursos, o que torna seu inadimplemento involuntário, ou seja, impassível de prisão. Noutro giro, se houverem os chamados “sinais exteriores de riqueza” e, ultrapassadas todas essas fases, nada se conseguir expropriar do inadimplente, este deverá ser julgado por sonegação fiscal ou algo semelhante (nesse sentido talvez seja válida nova previsão legal), além do já citado crime de abandono material. E nesse cenário entrará novamente a necessidade de aperfeiçoar o procedimento. Pois, levando em conta que a necessidade de alimentos é urgente, esses mecanismos devem ser providos basicamente “todos de uma vez”, a depender do caso concreto, logicamente, mas sem dúvidas que de forma mais célere do que atualmente.
Em segundo lugar, penso que todas as execuções de alimentos deveriam ser apensadas às respectivas ações revisionais de alimentos, quando subsistirem. Muitas vezes o alimentante passa anos a fio esperando uma decisão de mérito na já ajuizada revisional, que tem um trâmite extremamente demorado, pois segue toda a lenta marcha processual comum de procedimentos na seara familiar. Em outras palavras, a execução de alimentos considera a urgência da criança em situação vulnerável que precisa de um rápido trâmite, e, por isso, segue seu curso rapidamente. De maneira oposta, o processo de revisão não tem qualquer atribuição de urgência, o que, à grosso modo, acaba por apenar o alimentante pela morosidade da Justiça.
Finalmente, a última sugestão pode soar um pouco utópica, porém, com empenho institucional, seguramente diminuiria o número de casos de encarceramento pela obrigação de alimentar. Ora, se grande parte da população brasileira se encontra desempregada, forçoso reconhecer que muitos dos pais que devem alimentos provavelmente são estas mesmas pessoas que se encontram no ócio. Isto posto, seria possível pensar na criação de algum tipo de sistema de banco de dados integrados com a Justiça Trabalhista e os demais órgãos institucionais, onde se possibilitasse a contratação de alimentante desempregado e devedor de alimentos, alvo de execução, em troca de benefícios ao empregador. Imaginemos: A execução de alimentos é ajuizada contra o devedor, que tem um prazo muito reduzido. Ao apresentar sua justificativa (que dificilmente é aceita), nesse “novo sistema”, o executado já poderia preencher sua qualificação profissional e com o que atua. Essa informação já chegaria ao sistema e a empresa que o contratasse, gozaria de benefícios estatais, como por exemplo, descontos tributários, isenção de custas em processos trabalhistas, dentre outras possíveis benesses. Contratado o alimentante, benefício concedido à empresa contratante. Suspende-se a execução até o próximo mês, quando o endividado teria o valor da pensão alimentícia descontado diretamente da sua folha de pagamento. Algo nesse sentido certamente reduziria de forma drástica as prisões civis por débito alimentar.
7CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como se pôde notar, este autor não coaduna com o entendimento de que a prisão civil é um meio eficaz para compelir o devedor à quitação da dívida.
Em remate, o endividamento é um problema social que assola, sem exagero, quase toda a população brasileira, como já visto. Posta assim a questão, é de se dizer, que, atualmente, acaba sendo difícil acreditar no encarceramento como solução para os pagamentos. Consequentemente, temos que o sistema é falho e muitos pais acabam presos, mesmo que seu inadimplemento seja involuntário, logo, ao arrepio da lei.
Ex positis, urge a necessidade de um olhar mais atento e sensível às execuções de alimentos sob a técnica da prisão, para que o inadimplemento forçado não resulte em clausura.
Por derradeiro, voltemos aos exemplos de casos concretos citados no início deste trabalho, para ilustrar o que ocorre na prática e de modo com que o leitor consiga uma mínima imersão na prática familiar e nas citadas execuções de alimentos.
Recorda-se do primeiro caso, em que o genitor que detinha condições financeiras, digamos, razoáveis, abandonou seu filho, foi preso e continua sem prover alimentos? Pois bem. Enquanto este trabalho era confeccionado, a exequente (mãe da criança abandonada) entrou em contato, pois soube da soltura do pai e se encontra em situação financeira cada vez mais difícil, já que há anos sustenta sozinha sua prole. O pai? Após um mês engaiolado, agora segue solto, sem sequer falar com o menor e sem enviar qualquer quantia. A mãe estuda a possibilidade de ajuizar ação com pedido de alimentos avoengos. Portanto, a prisão de nada adiantou, nesse caso.
E o segundo caso, segue sem novidades. O devedor está “foragido”, e, até onde se soube, tem muitos outros filhos e pouquíssimos recursos. Trabalhava em um “podrão” na favela. Pode ser preso em breve, eis que já expedido mandado de prisão em seu desfavor. Não penso que resolverá a questão. Há ainda a polêmica do quanto a prisão seria prejudicial aos mencionados outros filhos, que dependem da baixíssima renda auferida pelo inadimplente.
Se lembra do último caso? O mais interessante e com mais desdobramentos e problemáticas. O ex-atleta profissional, que vive de sua imagem, segue sem conseguir um emprego fixo. Esporadicamente, fecha alguns contratos de publicidade, que indubitavelmente não servem para cobrir a altíssima quantia de alimentos estipulada em acordo firmado com a ex-cônjuge, reitere-se, quando ainda era atleta profissional e auferia vultuoso salário. A ação revisional tramita há mais de três anos e ainda não teve qualquer decisão de mérito. Atualmente, é representado pela Defensoria Pública, o que, por si só, já indica sua difícil condição financeira, com muitas dívidas. Recentemente recebi a notícia de que seus filhos estavam com a mãe na Suíça. E o devedor continua sofrendo risco de prisão, que, se efetivada, enterrará de vez qualquer chance de conseguir um novo emprego e, por conseguinte, contribuir com o sustento dos seus filhos.
Em conclusão, já passou da hora de encararmos a prisão civil por débito alimentar com outros olhos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal – introdução à sociologia penal. Rio de Janeiro: Revan, 2011.
BOLZAN, Juliano Cardoso. Prisão civil do devedor de alimentos – efeitos à luz da sociologia política. Curitiba: Juruá, 2015.
DA SILVA MAIA, Roberto Serra. Prisão civil do devedor de alimentos – abolição. São Paulo: LTr, 2013.
G1. Brasil bate recorde de endividados com nome sujo: “A gente não é nada”. G1 Economia, 16 fev. 2023. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/2023/02/16/brasil-bate-recorde-de-endividados-com-nome-sujo-a-gente-nao-e-nada.ghtml>. Acesso em: 04 nov. 2024.
G1. Brasil tem a quarta maior taxa de desemprego entre as principais economias do mundo, diz levantamento. Jornal Nacional, 22 nov. 2021. Disponível em: <https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2021/11/22/brasil-tem-a-quarta-maior-taxa-de-desemprego-entre-as-principais-economias-do-mundo-diz-levantamento.ghtml>. Acesso em: 04 nov. 2024.
IBDFAM. STJ decide que risco de desemprego não basta para afastar prisão de devedor de alimentos. IBDFAM, 2023. Disponível em: <https://www.ibdfam.org.br/noticias/56411/stj-decide-que-risco-de-desemprego-nao-basta-para-afastar-prisao-de-devedor-de-alimentos>. Acesso em: 04 nov. 2024.
[1]G1. Brasil tem a quarta maior taxa de desemprego entre as principais economias do mundo, diz levantamento. Jornal Nacional, 22 nov. 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2021/11/22/brasil-tem-a-quarta-maior-taxa-de-desemprego-entre-as-principais-economias-do-mundo-diz-levantamento.ghtml. Acesso em: 04 nov. 2024.
[2] G1. Brasil bate recorde de endividados com nome sujo: “A gente não é nada”. G1 Economia, 16 fev. 2023. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2023/02/16/brasil-bate-recorde-de-endividados-com-nome-sujo-a-gente-nao-e-nada.ghtml. Acesso em: 04 nov. 2024.
[3] IBDFAM. STJ decide que risco de desemprego não basta para afastar prisão de devedor de alimentos. IBDFAM, 2023. Disponível em: https://www.ibdfam.org.br/noticias/56411/stj-decide-que-risco-de-desemprego-nao-basta-para-afastar-prisao-de-devedor-de-alimentos. Acesso em: 04 nov. 2024.
[4] BacenJud é uma plataforma que conecta o Poder Judiciário às instituições financeiras, por meio do Banco Central do Brasil (BACEN), permitindo o envio de informações e o bloqueio de valores em contas de pessoas físicas ou jurídicas, desde que tenham dívidas reconhecidas judicialmente;
[5] Sistema de informações ao Judiciário em parceria com a Receita Federal;
[6] Sistema on-line de restrição judicial de veículos que interliga o Judiciário ao DENATRAN;
[7] A partir do cruzamento de dados, o SNIPER, em poucos segundos, detecta os vínculos entre pessoas físicas e jurídicas de forma visual (no formato de grafos), permitindo identificar relações de interesse para processos judiciais de forma ágil e eficiente.
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